27 dic 2014

A quem votar?





Javier Vence
O ano 2015 promete ser um ano a priori importante porque lhe vai permitir ao eleitorado pronunciar-se sobre quem querem que os governe tanto nos concelhos como no governo do Estado. A relevância incrementa-se se temos em conta que os partidos turnantes reduziram o que se chama sistema democrático a uma oligarquia de fato no que os cidadãos vem limitado o seu rol a votar cada quatro anos, numas eleições em grande parte trucadas porque não ha igualdade para as diversas opções concorrentes, pois enquanto uns partidos, os excluídos do sistema, ficam condenados a uma marginalidade crematística e nos meios de comunicação de massas, os partidos turnantes, especialmente o partido governante, têm as suas caixas A, B, e C, e os meios ao seu serviço para manipular, tergiversar e transmitir a sua verdade, convertida na única realmente existente, que é outra vertente da corrupção sistêmica na que estão submergidos.



Os partidos turnantes, PP e PSOE, repetição mimética dos partidos liberal e conservador da primeira transição borbônica, competiram entre si em incompetência, dissipação e corrupção, alcançando a este respeito, as quotas de mais glória e esplendor do tradicionalmente corrupto Império espanhol. Ocuparam todas as instituições públicas pondo-as ao seu serviço; criaram um sistema de opacidade para que a cidadania não pudesse controlar o destino do dinheiro que lhe obrigavam a pagar; eliminaram a divisão de poderes, alicerce de qualquer sistema democrático, como susteve o seu criador, o barão de Montesquieu; encomendaram-lhe os meios de comunicação a pessoas dóceis e servis ao seu amo; marginaram a cidadania do sistema e estabeleceram um sistema de casta fechado no que somente têm futuro os dóceis e submissos ao líder e se faz quase inviável o surgimento de elites competenciais alternativas. Viviam num paraíso de encanto isolados da realidade social e dos problemas da cidadania.



A nível econômico foram autênticos mestres da dissipação, da improvisação e do amiguismo e nepotismo, e, finalmente, terminaram pondo o país aos pés dos cavalos do gigante teutão, de quem se converteram em alunos dóceis e avantajados, submetendo a cidadania espanhola ás receitas da chancelaria alemã, mudando mesmo as regras de jogo para que primassem os interesses do Bundesbank e outros bancos alemães e doutras latitudes sobre os da mesma cidadania. A nível cultural, denigraram a criatividade dos nossos artistas e secundarizaram a mesma língua espanhola á língua do imperialismo anglófono, inculcando no imaginário popular que não se pode ser cidadão do mundo se não se sabe inglês, primeiro elo no processo de auto-ódio, que propicia a política de substituição lingüística. Em política interior, secundaram a política lingüicida da FAES, associação ultra  regada abundantemente com os nossos quartos, para fomentar uma política de negação da pluralidade nacional, lingüística e cultural no Estado, Estes não são patriotas, senão patrioteiros, porque a sua única pátria é a carteira. 



A crise de desprestígio das instituições e dos partidos políticos foi resolvida, na década dos vinte do século passado, apelando aos militares e apoiando o golpe de Estado de Primo de Rivera, e quando nos anos trinta a oligarquia e a Igreja viram em perigo os seus privilégios, apoiaram o alçamento franquista. Na atualidade, o contexto internacional não lhes faz doada esta via, e, por outra parte, os partidos turnantes carecem de argumentos frente a uma nova força política regenerativa que se chama Podemos, e por isso, a sua reação é a de raiva e indignação não contida, porque se consideram elegidos pola providência para regentar uma Espanha concebida como o seu cortelho particular no que podem fazer e desfazer ao seu antolho sem contar com ádvenas e muito menos com os povos que lhes são molestos.



Para quem queira optar por alternativas sobre as que não pese o fardel da corrupção que invade estes partidos da casta tem como alternativas formações que, salvo CiU, embora têm casos particulares de corrupção, não obstante, quando se lhes apresentou algum, tomaram as medidas oportunas e não se pode afirmar que sejam corruptos sistêmicos, e, em todo caso, são recuperáveis. UPyD tem um problema de liderado que, por mais que se seja tão caudilhista como o PP, nos que funciona plenamente a dedocracia, tem falta de credibilidade pola renitência da organização a assumi-lo e a incapacidade de chegar a pactos com forças gêmeas, e, ao igual que no caso de Citadáns, a sua política representa uma volta ás políticas lerrouxistas de centralização e eliminação dos povos diferenciados, que intentam disfarçar com o pomposo nome de federalismo cooperativo, que, no fundo, representa o maior intento de centralização política da etapa democrática. O seu posicionamento entre a direita e esquerda têm-no meio tapado e ambos são defensores do regime monárquico. Izquierda Unida não é promotor da diferença, mas si respeitosa com ela, se bem tem problemas de coesão entre o centro e os órgãos periféricos. Podemos começa a sua andada e, de momento, é uma incógnita e também uma grande esperança ainda que carece da experiência de governo e não demonstrou que tenha uma política própria para as nações do Estado, entre elas Galiza, como não a teve nunca o PSOE. Manifesta ser democrático enquanto a permitir que os povos diferenciados se pronunciem sobre o direito a decidir, o qual significa que, ainda que optem por Espanha unida seriam mais condescendentes sobre uma hipotética consulta popular ainda que não se decidem a afirmar se se celebraria em todo o Estado, o qual significaria de fato negá-lo, ou nos territórios afetados. As pressões que estão a receber a este respeito podem fazer que se decante claramente por um neo-centralismo espanholista, que edulcoram com apelações a um projeto constituinte onde se falaria de todo, que representa mui pouco compromiso. A concentração de todo o poder de decisão num organismo central ao que se subordinam as decisões dos organismos territoriais, vão nesta direção, ao igual que as últimas declarações de Iglesias em Catalunya, que provocaram a reação airadas dos partidos soberanistas.



A alternativas que se oferecem á eleição dependem do modelo de estado e do modelo de sociedade. O modelo de estado vem determinado pola nação á que, em última instância, decidamos prestar a nossa suprema lealdade em caso de decisões incompatíveis. Se lhe prestamos a nossa suprema lealdade em última instância a Galiza, somos nacionalistas galegos, designemo-nos com este apelativo ou não; tenhamos uma posição política explicitada ou não. Se a nossa lealdade suprema é para Espanha, somos nacionalistas espanhóis. Os nacionalistas espanhóis podem defender o centralismo jacobinista, como é o caso do PP, PSOE, UPyD e Citadáns, ou o federalismo digno de tal nome, como Esquerda Unida. Os nacionalistas periféricos, podem defender o federalismo, como é o caso do BNG, PNV e CiU ou a independência como Amaiur e Esquerra Republicana de Catalunya. Porém, o federalismo do BNG, CiU ou PNV difere substancialmente do federalismo que agora pretende defender o PSOE, UPyD e Citadáns, enquanto que estes o que pretendem é denominar estados federados ao que hoje são as comunidades autônomas e, por arte de ensalmo, já teríamos um estado federal. O federalismo dos nacionalistas periféricos só admite como membros da federação ás quatro nações: Catalunya, Euskadi, Galiza, e Espanha. As outras comunidades autónomas de Espanha não seriam nações e não teriam direito a ser estados federados ainda que si comunidades autônomas do Estado federado ao que pertencem. O princípio básico de todos os nacionalistas é a defesa do direito de autodeterminação para que a cidadania da nação respectiva seja a protagonista do seu futuro. Referente á Chefia do Estado, o PP, Citadáns e UPyD são monárquicos; no PSOE ha uma enorme divisão ao respeito mas com proclividade á monarquia; IU e os nacionalistas periféricos são republicanos. Tocante ao modelo de sociedade, se optamos por melhores serviços públicos, mais gasto social e maior defesa dos débeis, seremos mais de esquerdas; enquanto que se optamos pola diminuição do gasto, mais iniciativa privada e menos intervenção na economia, seremos mais de direitas.

 

Pablo Iglesias Turrión
As opções a votar, segundo o meu critério, são as seguintes. Para um nacionalista espanhol de direitas, PP, Vox, e mais indefinidos UpyD e Citadáns que tapam a sua definição como de direitas ou esquerdas; Para um nacionalista espanhol de esquerdas, as opções seriam Podemos, PSOE e Izquierda Unida, incluindo nesta a sucursalista AGE. Para um nacionalista galego de esquerdas, as opções seriam o BNG e mais indefinido tanto polo que diz respeito ao modelo de estado como de sociedade, Compromisso por Galícia. O BNG tem uma longa história de purgas e secessões, o qual indica que é uma organização rígida e pouco permeável a uma renovação em profundidade das elites dirigentes, devido ao controle férreo que sobre ela exerce o partido dominante, União do Povo Galego. Por outra parte, é um partido soberanista com um ideário claro e coerente, com um líder sólido e capaz, ainda que ignoramos a sua capacidade de manobra. Anova carece de capacidade integradora dos seus membros e sofre problemas de liderado pola idade do seu promotor, e praticamente está diluída em Izquierda Unida e sem capacidade de manobra.  Surpreendentemente, se bem o campo da esquerda está bem coberto no nacionalismo galego, com estas duas formações, não sucede o mesmo com o campo do centro- direita, que campa tradicionalmente pola carência duma formação seria e coerente campo que compita com o PP na Galiza, que acha o caminho livre de toda concorrência competitiva partidária. Somente uma análise superficial do nacionalismo galego o levou a identificar direita e espanholismo, e a considerar que intentar canalizar as aspirações de Galiza desde formações de centro-direita carece de viabilidade. Creio, pola contra, que a normalização desta terra não será possível enquanto não haja forças próprias que ocupem este espaço político.



Mas como a nossa eleição não sempre é uma foto fixa, senão que pode mudar no tempo, a nossa eleição dependerá  a) Da inclinação da nossa lealdade para com Galiza ou para com o Estado, e cara a direita ou esquerda, e b) da conjuntura política que se presuma que poda dar-se nas vésperas das eleições. Enquanto á primeira alternativa, cumpre ter presente que todo partido tem a sua dinâmica própria e seria inútil pedir-lhe que fizesse algo distinto do que demandam os seus eleitores, e quando se trata duma força política estatal os seus eleitores são os de todo o Estado e não dum povo por mui diferenciado que seja.  Logo, é ilegítimo pedir-lhe a uma força estatal que faça uma política galeguista, catalanista ou vasquista. O nacionalismo galego teve mui claro isto desde os seus inícios, e considerou que um país, para sobreviver, necessita forças políticas próprias, como mui bem tem sublinhado Vicente Risco. Para este nacionalista galego, os partidos políticos espanhóis não vivem para Galiza senão de Galiza: "vêm aqui, não a fazer política galega, senão a fazer aqui a sua política, com olvido da que nós necessitamos"1. A nossa Terra não tem nada que esperar dos políticos espanhóis que representam aos seus partidos mais não a Galiza. "Estes não fazem mais que trair aqui as suas lutas, que não nos interessam, e distrair as nossas forças, roubando-nos as energias que necessitamos para redimir-nos a nós mesmos e por nós mesmos. Vêm buscando somente o seu proveito e não o nosso"2. Este foi também o posicionamento do nacionalismo galego até que Anova preferiu coligar-se com forças espanholistas em vez de fazê-lo com as nacionalistas, pretextando que isso lhe permitiria entrar em contacto com as esquerdas européias. Falta que nos expliquem que resultados obtiveram tanto eles como Galiza de tales maridagens.   



 Em El problema político de Galicia, de 1930, pronuncia-se Risco a prol da existência de partidos políticos próprios, sem sujeição a nenhuma disciplina alheia ao país, sejam da ideologia que sejam, parlamentares como anti-parlamentares, e uma política adaptada á sua realidade socioeconômica e política. "Galiza, por dignidade e por conhecimento, deve ter uma política própria, deve ter partidos seus, autônomos, não sujeitos a nenhuma chefia alheia ao país, a nenhuma disciplina que os coíba na defesa dos interesses espirituais e materiais da região"3



 Os políticos têm como função aplicar os princípios jurídicos e filosóficos á realidade concreta, do qual se segue "que em cada país haja e deva haver partidos políticos próprios e exclusivos, apropriados a sua realidade social e só a ela, e por tanto, diferente em muitos pontos, ainda acaso opostos a vezes em alguns aos partidos análogos de outros países. Os programas políticos no são como os específicos que se anunciam na quarta plana dos periódicos e que pretendem curar a toda classe de doentes, qualquer que seja a sua idiossincrasia e o seu temperamento"4. Os partidos políticos devem nascer da realidade social mesma, dos abusos detectados, das injustiças sofridas, ... "É a realidade social mesma a que deve dar nascimento aos partidos políticos e as opiniões que os informam; são as necessidades sentidas no país, os abusos observados, as injustiças sofridas, as que hão induzir aos homes a reunir-se em partidos; é a consciência das citadas necessidades, a ânsia de melhoramento, o desejo de justiça, os que hão informar a ideologia desses partidos. Somente assim, quando nascem da realidade viva dum país e da sua consciência social autônoma, podemos dizer que os partidos políticos têm a sua origem e uma essência democrática e popular. Os demais serão posturas de ideólogos ou agrupações de vivedores. Por tanto, somente aqueles partidos que nascessem da consciência galega em contacto com a realidade galega, podem ser considerados por nós como partidos nossos, populares, democráticos. Somente esses partidos seriam merecedores de beligerância. Os demais são indignos de consideração, e não merecem ser tidos em conta quando se trate do porvir de Galiza"5.



A respeito da segunda alternativa, ha que ter presente que a situação não se vai apresentar nada fácil para o câmbio, pois os partidos turnantes pro-oligárquicos já têm pensado coligar-se em caso de que os seus privilégios se vejam ameaçados, que começam a disfarçar sob o pretexto de estabilidade do sistema, que deve ler-se como a estabilidade do sistema de apropriação por parte das elites oligárquicas dominantes. Não ha que dar crédito a Pedro Sánchez quando afirma que não pactuará com o PP, mas que si está disposto a chegar a grandes pactos, ou seja, estabelecer com o PP o marco que coarte a livre iniciativa política de qualquer alternativa emergente futura, e, por outra parte, pode mesmo que nem sequer seja o candidato do PSOE, e que o seu posto seja ocupado por Susana Diaz, mais proclive á defesa dos privilégios dos gurus do partido. Nesta disjuntiva, seria interessante, em todo caso, que a opção que se eleja não dificulte, em caso de produzir-se, a governabilidade do país por parte duma nova maioria que seja capaz de regenerar a vida socioeconômica e política, que é também um bem importante que todos devemos procurar que não encalhe, sem que isto implique em nenhum caso que um nacionalista galego venda por nada a nossa Terra.















1..  «El problema político de Galicia», em Obra Completa, I, Akal, Madrid, 1981, p. 176.

2..  «El problema político de Galicia», em Obra Completa, I, Akal, Madrid, 1981, p. 176-177.

3..  «El problema político de Galicia», em Obra Completa, I, Akal, Madrid, 1981, en OCR, p. 129.

4..  “El problema político de Galicia”, em Obra Completa, I, Akal, Madrid, 1981, p. 194.


5.. «El problema político de Galicia»,  em Obra Completa, I, Akal, Madrid, 1981, , p. 194.

30 nov 2014

Eunucos polo reino dos ceus e dos poderosos (07)



A Castração na igreja primitiva (11)




1. Atos dos Apóstolos e pais apostólicos (Do ano 80 ao 150)




Poderemos observar como a igreja primitiva foi sempre a reboque da sensibilidade e da legislação civil a respeito da castração. Não tinha firmemente introjetado que a mutilação é um atentado contra a natureza humana, e não a condenou ou quando o fez foi sempre com a boca pequena e inclusive a impulsou quando se fazia polo reino dos céus.


 A Castração na igreja primitiva
1. Atos dos Apóstolos e pais apostólicos (Do ano 80 ao 150)
 2.- Dos pais apologistas do século II ao Concílio de Nicea
2.1.- Oposição anticristã                                       
2.2. Justino (ca. 100-165)   
2.3. Atenágoras (s. II)
2.4.- Hipólito de Roma (ca. 170-236)
2.5.- Os gnósticos. Julio Cassiano
2.6.- Os Atos de João
2.7.- O bispo Melitão (? - ca. 180) e o presbítero Clemente de Alexandria (ca. 160-215)
2.8.- Tertuliano (ca. 160-225)
2.9.- Sexto e os valesianos
2.10.- Orígenes (185-254)
2.11.- Arnóbio de Sica (ca. 240- ca. 304)
2.12.- A castração na Roma imperial de Trajano a Diocleciano
3.- Do Concílio de Nicea ao de Constantinopla 381.
3.1.- O edito de Milão e o Concílio de Nicea
3.2.- O eunuco Eutério
3.3.- Cânones Apostólicos e a castração na cristandade persa
3.4.- Eusébio de Nicomédia (   - 341)
3.5.- O eunuco Eusébio (   -361)
3.6.- Política de nomeações de Constâncio. Anatólio
3.7.- O eunuco Mardónio e queda de Eusébio. Despedimento dos eunucos
3.8.- Leôncio de Antioquia (ca. 290-357)
3.9.- Apoio dos eunucos cortesãos ao arianismo
3.10.- Sabas, Probácio e Eugênio
4.- Do concílio de Constantinopla ao de Éfeso
4.1.- O reinado de Teodósio o Grande (379-395)
4.2.- Eutrópio e os outros eunucos de Palácio de Oriente
4.3.- Os eunucos durante o reinado de Honório
4.4.- Prudêncio
4.5.- Pelágia
4.6.- Santo Ambrósio (340-397).
4.7.- São Jerome de Estridão (Dalmácia, c. 346 –  420)
4.8.- Santo Agostinho (354-430)
5.- A prática do castração até a metade do século V
5.1.- Antíoco, Lausus, Elias e Escolâstico
5.2.- Crisáfio (408-450)
5.3.- Os eunucos durante o reinado de Valentiniano II
5.4.- Concílio de Seléucia 



 

 
Eunuco índio
A Igreja primitiva encontrou-se ante um dilema: por uma parte o texto de Mateo, 19,12, que considerava a castração como um ato de suma piedade, e, por outra parte, a legislação vigente no Império Romano, que a impedia. Como nos demais casos em que a Igreja se viu enfrentada com o poder, político ou econômico, a solução que tomou foi a re-interpretação da doutrina para evitar o conflito aberto com o poder civil e uma correção ad hoc da praxe eclesial para favorecer aos ostentadores do poder. É o que passa com a indissolubilidade do matrimônio. O matrimônio é indissolúvel, salvo que sejas membro da realeza ou das elites socioeconômicas, pois neste caso disfarça-se como matrimônio nulo. A cidadania ficou mui surpreendida quando se anulou a união matrimonial de Camilo José Cela com Carmem Conde, após de 42 anos de casados e com filhos no seu haver. A religião é um instrumento ao serviço do poder e das elites socioeconômicas e políticas dominantes e, quando se converte em religião oficial, deve abandonar as suas veleidades revolucionárias, como aconteceu no caso do cristianismo primitivo, para assim poder converter-se num auxiliar das elites que exercem a dominação sobre a população. O Estado procura-lhe á Igreja como instituição, poder, influência e participação no reparto do excedente econômico, ou seja, que passa a compartir as ajudas públicas tanto para manter os membros da clerezia como o imenso patrimônio imobiliário ao seu serviço, quer diretamente, quer sob a forma de isenções fiscais, quer de ambas á vez. A Igreja procura-lhe ao Estado, a colaboração para o mantimento do statu quo político, econômico, social, etc. Uma das condições para que poda cumprir o seu rol de colaboradora do poder é que logre, pola sua parte, controlar as consciências e impor as suas crenças, por mui irracionais que estas podam ser. Para lograr esta imposição deve apresentar-se ante a população como a intermediária ante Deus, por isso o papa se intitula Vicário de Deus, e os apanhadores e distribuidores de favores divinos, sob a forma de benefícios espirituais, milagres procurados polos seus santos, recompensa no mundo do além, etc. Para lograr este objetivo, deve aparecer como uma instituição que tem um vínculo e proteção especial da divindade e um fio especial de comunicação com ela, e de ai que se apresentem, em contra de toda lógica racional, com uma mensagem que dizem inspirada por Deus, além de proclamar a sua constante proteção e assessoramento por parte da divindade, sob a denominação de Espírito Santo. As pessoas e lugares cultuais passam a ser sagrados: Santa Igreja Basílica Catedral, Santa Bíblia, Santa Missa, Santa Madre Igreja, Santo Pai, etc. etc.



Nos escritos do Novo Testamento não se alude ao eunuquismo ou castração salvo no referido texto de Mateo, 19, 12, já referido, e nos Atos dos Apóstolos, composto este entre os anos 80 e 85 e.c. Seguindo o espírito da mensagem de Jesus, Filipe o diácono -que cumpre distinguir de Filipe o apóstolo- não teve nenhum inconveniente em batizar, e por tanto admitir no seu da Igreja a eunucos, como é o caso do ministro da rainha etíope Candazes, ao que só se lhe exigiu uma fé plena1. Insere-se, por tanto, esta atuação no espírito do Trito Isaías, escrito após o 538 a. e.c., terminado já o exílio, em que Iavé promete aos que guardam os seus sábados, elegem o que lhe agrada e se mantêm firmes na sua aliança, “dar-lhes na minha Casa e nos meus muros monumento e nome melhor que filhos e filhas2. Por tanto, os eunucos, se aderem a Iavé terão uma recompensa superior que a que resulta da geração carnal.



Os Padres Apostólicos (Didaché, Arístides, Clemente, Inácio, Policarpo, Bernabé, autor do Discurso a Diogneto, Papias e Hermas), é uma denominação que abrange a autores ou obras mui simples de caráter parenético, ou seja, de exortação moral, que estiveram em relação de proximidade com os apóstolos, quer porque os conhecessem ou porque conheceram aos seus discípulos, que viveram entre finais do século I no caso de Didaché e aproximadamente e o 140-150 o Pastor Hermas, nada se diz a respeito dos eunucos nem da castração.



2.- Dos pais apologistas do século II ao Concílio de Nicea




2.1.- Oposição anticristã



Desde o século II, o cristianismo incipiente tem que fazer frente por uma parte aos adversários externos, como é a animadversão da população romana contra a nova «seita», que se traduzia em escrachos freqüentes contra eles, e os ataques da intelectualidade pagã contra o sua doutrina, tanto teórica como prática. A listagem dos padres apologistas do século II, compreende ao bispo de Atenas Quadrato (   -129), autor duma Apologia dirigida a Adriano (117-138) no ano 129; Arístides de Atenas, que dirigiu também a sua Apologia a Adriano ou, segundo outros a Antonino Pio (137-161); o filósofo Justino (ca. 100-165); o visceral e intransigente Taciano o assírio (ca. 120-ca. 180); o bispo eunuco Melitão de Sardes (   - 180); o patriarca Teófilo de Antioquia (   -181); Atenágoras (133-190); e o filósofo satírico Hermias (s. III9. Entre os anos 150-270 viveu Minúcio Feliz, que escreveu o diálogo Otávio, no que o autor e dous amigos seus, um cristão, Otavio, e outro pagão, Cecílio, charlam caminho de Óstia.



Os principais adversários anticristãos eram o escritor e governador romano de Bitínia, Plínio o Moço (ca. 62-ca. 113) acusava o cristianismo de pertinácia, obstinação, loucura, superstição perversa e depravada; o historiador romano, Suetónio (ca. 69-post 126), de superstição nova e maléfica; o historiador, senador e cônsul, Tácito (ca. 55-120), de superstição perniciosa. Outros autores pagãos que formularam acusações contra os cristãos, foram: o cirtense e neo-acadêmico, Cecílio Natalis (s. II/III);  Marco Cornélio Frontão, ou Frontão de Cirta, (ca. 95-ca. 167), senador romano, gramático, retórico e advogado, que foi professor do imperador Marco Aurélio (161-180), e autor do discurso Contra os cristãos; Luciano de Samosata (125-181), com o seu livro, De morte Peregrini, escrito cara ao ano 170, no que se burlava do seu amor fraternal e do fanatismo ante a morte; o filósofo platônico Celso (s. II), autor do Discurso Verdadeiro, publicado o ano 178, e o mais ilustre de todos, o filósofo neo-platônico Porfírio (232-304), autor da obra Adversus christianos (Contra os Cristãos). A nível popular existia uma grande animadversão contra os cristãos, aos que lhe achacam promiscuidade sexual, comer meninos, etc.



Em segundo lugar, já a partir do século II, no seio do cristianismo, a esta altura totalmente descentralizado e sem um referente aglutinador e impositivo, como o que representará o papado, a partir do século IV mas a esta altura inexistente, produzem-se múltiplas excisões, facções: ebionitas, nazarenos, encratitas, montanistas, monarquianistas, patripasianos, múltiplos grupos gnósticos, ... com força desigual, ás que outros eruditos cristãos das facções dominantes retrucavam. Entre estes, cumpre destacar a Irineu de Lyon (135-202), com a sua obra célebre Adversus haereses; o cartaginês, Tertuliano (ca. 160-225), que combate aos que considera adversários, tanto exteriores, principalmente no Apologêtico, como interiores no Adversus Marcionem, Adversus Hermogenem, ... Clemente de Alexandria, Arnóbio, etc..  



A respeito da castração, no cristianismo primitivo suscitou-se uma viva polêmica no seu seio, a partir do século II, tocante á emasculação voluntária, que teve os seus partidários e os seus detratores. Enquanto alguns cristãos, inclusive bispos, consideram a emasculação como um ato de máxima piedade e santidade que permite uma maior entrega a Deus, chegando mesmo a praticá-la para servir de exemplo para os demais, outros a desaconselham por considerar que é uma prática cruel e daninha para o corpo humano e por opor-se á sua integridade fisiológica, tal como saiu das mãos de Deus.



2.2. Justino (ca. 100-165)



Justino põe o texto de 19, 12, em relação com outros que engloba só o tema da temperança (σωφροσύνης), que alguns autores traduzem por castidade, para assim poder defender que nele Jesus fala desta e não da castração. Os outros textos aludem ao escândalo e ás segundas núpcias: “Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o, pois mais vale com um só olho entrar no reino dos céus, que não com os dous ser enviado ao fogo eterno3. “Quem casa com a divorciada por outro marido, comete adultério”. Aqui indica claramente que em aras da temperança podem-se cometer mutilações corporais, e que as segundas núpcias devem evitar-se. Isto é confirmado polo que afirma nesta I Apologia, de  que os cristãos evitam a exposição dos meninos por correr o risco de ser acusados de homicídio se alguém não os recolhe. Ou nos casamos para ter filhos ou se renunciamos ao matrimônio, vivemos em continência, e continua: “E já se deu o caso que um dos nossos, para demonstrar-vos que a união promíscua não é mistério que nós celebramos, apresentou um memorial ao prefeito Felix de Alexandria, suplicando-lhe que autorizasse o seu médico para emasculá-lo, pois diziam os médicos de ali que semelhante operação não podia fazer-se sem permissão do governador. Felix negou-se em redondo a assinar o memorial, e o moço permaneceu solteiro, contentando-se com o testemunho da  sua consciência e o dos seus companheiros na fé. E aqui cremos que não estaria afora de lugar lembrar a Antinoo, que viveu nestes tempos, a quem todos, por medo, se arrojaram a honrar como a Deus, não obstante saber mui bem quem era e de onde vinha”4. Justino, neste texto, expõe o caso do cristão que solicita a emasculação, em tempos de Antonino Pio (86-161 e.c.) dando a entender que era positivo em aras de evitar a acusação de promiscuidade sexual. O que, em todo caso, significa que não havia nele um posicionamento decidido contra uma prática aberrante, pois em caso contrário um não pode simplesmente descrever assepticamente um acontecimento.



2.3. Atenágoras (s. II)



Natural de Atenas, propõe a castração e a virgindade como alternativa preferível ás relações sexuais. “Se, pois, o viver em virgindade e castração acerca mais a Deus, e só o pensamento e desejo afasta dele; nos casos em que evitamos os pensamentos, com mais razão rejeitaremos os atos”5. Neste autor, por conseguinte, aparece explicitamente a castração como uma via de santidade que é desejável praticar, consoante com a recomendação críptica de Jesus de Nazaré.



2.4.- Hipólito de Roma (ca. 170-236)



Escritor cristão prolífico e presbítero de Roma, foi eleito em 217 como o primeiro anti-papa da Igreja. Na Tradição Apostólica estabelece que os conversos á fé que devem ser admitidos como ouvintes da palavra devem ser levados aos mestres á casa, antes que toda a gente entre, onde serão examinados acerca das  suas razões para abraçar a fé. Algumas das exigências são chocantes e permitem ratificar a afirmação de que a Igreja cristã não lutou pola abolição da escravatura. Ha que perguntar-lhe se são livres ou escravos, e neste caso, “Se é escravo dum crente e tem a permissão do seu proprietário, então deixai que seja recebido; mas se o seu proprietário não lhe dá bons informes, que seja rejeitado. Se o proprietário é um pagão, que o escravo seja instruído para agradar ao seu proprietário, porque a palavra não deve ser blasfemada6. A respeito dos eunucos afirma: “Uma prostituta ou um home licencioso ou um que se castrou a si mesmo, ou alguém que faz cousas que não são para dizer, devem ser rejeitados, porque estão desonrados7. Esta proscrição inclui-se dentro duma longa lista de profissões rejeitadas, como caçadores, cocheiros,...., mas em todo caso, isto confirma que, por uma parte, na  igreja havia eunucos e pola outra  que, para ele, a auto-emasculação não é um ato meritório.



Na Refutação de todas as heresias, falando do home perfeito, afirma que “Os frígios, porém, afirmam, diz ele (o naaseno), que ele (o home) é «uma maçaroca verde ceifada». E seguindo aos frígios, os atenienses, entretanto iniciam a gente nos ritos eleusinos, também amostram aos que foram convertidos em epoptes (iniciados), o poderoso e o maravilhoso,  e o mais perfeito mistério para um epopte ai: (Eu aludo a) uma maçaroca ceifada silenciosamente. E esta maçaroca é também (considerada) entre os atenienses, uma faísca de luz suma perfeita (que descendeu) do indescritível, justamente como o hierofante mesmo (declara); não, em verdade, emasculado como Atis senão convertido num eunuco por meio de cicutas, e desprezando toda geração carnal, celebrando pola noite em Eleusis os grandes e inefáveis mistérios, dizendo: «Augusto Brimo gerou um filho santo, Brimos», isto é o forte (deu nascimento) ao forte8. Neste texto alude á castração dos galli, dos sacerdotes de Cibele e contrapõe a sua emasculação com o que fazem os atenienses, que se volvem estéreis por meio de venenos. Ambos concordam no desprezo da geração carnal. Os hierofantes eram os sumos sacerdotes que presidiam os mistérios de Eleusis, e os epoptes eram os iniciados, e mais em concreto, os que já superaram o último grau de iniciação. Brimo era o título de Demeter, deusa da colheita, da agricultura. Hipólito sublinha que a Patroa pariu um moço santo, Brimo pariu a Brimo, isto é o Forte ao Forte, o espiritual produziu o espiritual.



 Os naasenos, palavra derivada do grega, Naasseni, e este possivelmente do hebreu nahash, serpente, era um facção cristã das mais antigas, surgida por volta do ano 100 e.c.; não se castravam, mas eram miso-exuais, aborrecedores do sexo. Hipólito de Roma cita esta facção dos naasenos, seita ofita, termo proveniente de «ophis», serpente, que compreendia diversos grupos gnósticos que adoravam a serpente como o ser supremo, ao tempo que consideravam o deus do Antigo Testamento como uma figura negativa, malvada. Estava integrado polos grupos dos naasenos, setitas, cainitas, peratas, encratitas e bardesanes. Os naasenos, Afirmavam:  “Mas se a Madre dos deuses castrou a Atis, e mantém este ser querido, a bem-aventurada natureza do hiper-cósmico e eterno desde o alto reclama para ela -diz ele-, o poder masculino da alma. Porque, diz ele, o home é másculo-feminino. Consoante com este argumento, então, a assim chamada inter-relação da mulher com o home se amostra, segundo (o ensino da) sua escola, ser uma cousa maligna e suja. Porque Atis se castra, diz ele, isto é, comutou as partes terreais da criação inferior pola substância eterna nas alturas, onde, diz ele, não existe macho nem fêmea, senão uma nova criatura9. Como podemos observar, neste texto, ao igual que no anterior, delata-se uma concepção angélica do ser humano, pretendendo, consoante com ela, emendar a mesma obra do criador. Delata-se igualmente um  imenso ódio contra as relações sexuais, que são fruto do pecado e que, como dizia Jesus, desaparecem no estádio definitivo no reino dos céus, contrapondo terra-imperfeição e relações sexuais e céu-perfeição e ser humano neutro.



Honravam a Atis, o deus dos galli, junto a Cristo, embora não eram castrados10. “Por tais doutrinas, associam-se freqüentemente aos mistérios da grande Madre, pensando especialmente por meio do que se celebra ali, perceber o mistério total. Unicamente realizam a obra dos castrados porque dão as instruções mais nítidas e cuidadosas de abster-se, como se estivessem castrados, das inter-relações com mulheres. Porque o resto das obras como dissemos muitas vezes, as realizam como os castrados11.



Hipólito testemunha que se praticava normalmente o eunuquismo na Igreja e que os eunucos podiam aceder ao sacerdócio. Jacinto era um presbítero, não obstante ser eunuco. “Mas depois deste tempo, houve neste lugar outros mártires, Márcia, concubina de Cômodo, que foi uma mulher amante de Deus, e desejosa de realizar algumas obras boas, convidou á sua presença a Vitor, que era neste tempo bispo da Igreja, e perguntou-lhe que mártires havia em Sardínia. E ele deu-lhe os nomes de todos, mas não lhe deu o nome de Calisto, conhecendo os atos infames a que se atrevera. Márcia, uma vez obtida o solicitude de Cómodo, entregou-lhe a carta de emancipação a Jacinto, um certo eunuco, bastante avançado em idade12. Márcia fora concubina dum curmão de Cômodo, imperador romano do 161 ao 192; do senador Marco Umidio Quadrato, e ulteriormente esposa do seu servente Eclecto. A irmã de Cômodo, Lucila, convenceu a Márcia no ano 182 para que participasse num complot, juntamente com Quadrato, para assassinar a Cômodo; descoberta a conspiração Lucila e Quadrato foram assassinados. Márcia arranjou para evitar os cargos, e uma vez exilada e executada a esposa de Cômodo, Crespina, por adultério, Márcia converteu-se na sua concubina.



2.5.- Os gnósticos. Julio Cassiano



No século I e, principalmente, no II, surgem várias ramificações dentro do cristianismo, que se conhecem com o nome de gnósticos, de gnose, conhecimento, assim denominados porque pretendiam ter alcançado um conhecimento especial da divindade reservado a uma elite. Muitos destes grupos amostram um grande desprezo pola carne e a matéria, origem do mal, também característica do cristianismo «ortodoxo», e, interpretando que Jesus desqualificava as relações sexuais em Mat. 19,12, defendem a abstinência total das relações sexuais e condenam o matrimônio. Entre estas derivações, predecessoras dos chamados encratitas, estão os allobianos, do país dos Sármatas, que, segundo Clemente de Alexandria, viviam nas aforas das cidades ao ar livre, praticavam o vegetarianismo e abstinham-se do vinho e do matrimônio13. Foram seguidos por muitos neo-conversos. Outro dos predecessores foi o gnóstico sírio, Cerdão (ss. I-II), que ensinava que Cristo só tomou em aparência carne humana, nem morreu realmente nem nasceu realmente duma virgem, e negava a ressurreição dos corpos. Foi o mestre do grego converso, Marcião (ca. 85-ca.160), que negava o Antigo Testamento e o seu deus justiceiro, que véu ser substituído polo deus bom do Novo Testamento. Igual que os demais cristãos primitivos, cria no final iminente do mundo e a parusia de Cristo julgador, e por isso rejeitava o matrimônio e defendia que a procriação era um invento do deus perverso do Antigo Testamento.



O poeta e escritor cristão, nascido em Edesa, de tendência gnóstica próxima ás teses dos valentinianos, Bardaisam (154-222), na sua obra, O livro das leis do país, escreve: “Em Síria e em Edesa, certos homes suprimiam a  sua virilidade para Tarata (Atargatis) e quando o rei Agbar (IX (179-214).) se converteu, ordenou cortar a mão a quem suprimisse a  sua virilidade, e assim depois desta época até o momento presente ninguém mais fez isto no país de Edesa14.



O encratismo foi promovido por Julio Cassiano (s. II/III),  valentiniano e fundador do docetismo, ou seja da doutrina que afirma que Jesus foi um home só em aparência, que escreveu uma obra intitulada Peri egkrateias ê Peri eunoukhias, (Sobre a Abstinência ou Sobre o eunuquismo),  e polo apologista gnóstico sírio, Taciano (120-180), e desenvolve-se no s. II, embora as  suas origens remontam aos tempos apostólicos, e estende-se até o s. IV. Ambos autores recuperaram noções platônicas sobre as relações sexuais, consideradas como atos bestiais, e a divindade da alma humana e a  sua encarnação como fruto do pecado, e defendiam a pecaminosidade do matrimônio. Julio Cassiano cita o Evangelho dos Egípcios para fundamentar a  sua opinião de que as relações sexuais não são obra de Deus, e que esta era a posição de Jesus. Praticavam um rígido ascetismo e opunham-se ao matrimônio. No livro  Stromata, Clemente de Alexandria oferece-nos o parecer do encratita Julio Cassiano, que considera, ao igual que Marcião e Valentim, que o nascimento é um pecado, e condena o matrimônio como algo não querido por Deus, e inclusive toda relação sexual: ."Eles dizem que o home se converte em algo parecido a  uma besta quando pratica as relações sexuais15.  Cassiano defende o eunuquismo, ao indicar que os eunucos gozam da benção divina: “Semelhantes são os argumentos de Julio Cassiano, o promotor dos enganos. Nalguma medida no seu livro Referente á continência ou celibato, diz estas palavras: «Não permitas que ninguém diga que, porque temos estas partes, que o corpo feminino é criado neste sentido e o macho nesse sentido, o um para receber, o outro para dar sêmen, o intercâmbio sexual é permitido por Deus. Porque se este arranjo foi feito por Deus, a quem nós aspiramos imitar, não teria abençoado os eunucos, nem teria dito o profeta que eles não som uma “árvore infecunda”, usando árvore como uma ilustração do home que escolhe auto-emascular-se por alguma razão semelhante16. Como podemos observar neste texto Julio Cassiano acredita mais em certas frases bíblicas que no que observamos na natureza, que el aceita que foi criada por Deus, e, por tanto, opõe-se mesmo ao que nos amostra a experiência com o objetivo de continuar a manter a  sua ideologia misógina. A seguir, Clemente de Alexandria declara que Julio Cassiano: “esforçando-se ao máximo em defender a sua opinião ímpia acrescenta: «Pode ninguém retamente encontrar erro no Salvador se ele é o responsável da nossa formação e depois libertou-os do erro e deste uso dos órgãos reprodutores?»17. Tougher manifesta sobre este texto que “De novo ha aqui uma fixação sobre os membros sexuais (τ μόρια) e uma descrição não figurativa da sexualidade humana. Se for um legítimo estímulo para viver uma vida virginal, está expresso duma maneira bem estranha18. A este respeito, o seu ensino é o mesmo que o de Taciano, mas ele separou-se da escola de Valentim. Na  sua explicação diz Cassiano: “«Quando Salomé perguntou quando conheceria a resposta ás  suas questões, o Senhor disse, quando desprezes o manto da vergonha, e quando os dous são um, o macho com a fêmea, ai nem ha macho nem fêmea»”19.



No seio do encratismo produziu-se a excisão do severianismo, que deve o seu nome a um tal Severo; de parte dos maniqueus e dos apoctáticos ou renunciadores, chamados assim por defender a renúncia a todos os prazeres. A posição destes grupos converteu-se numa parte essencial do ascetismo monástico e da praxe do clero regular.  No judaísmo e na própria igreja cristã sempre se vira as relações sexuais como algo pecaminoso, algo sujo do que ha que purificar-se. Isto é o que justifica que a mai tiver que purificar-se após do parto, porque estava manchada como fruto da concepção por comércio sexual.



Uma concepção semelhante á dos encratitas foi defendida por Basílides, um dos primeiros gnósticos, professor em Alexandria do 118 ao 138. Opõe-se as relações sexuais, que descreve como não necessárias: “Mas o estado da humanidade tem só certas cousas que são á vez necessárias e naturais; a vestimenta é necessária e natural, mais as relações sexuais são naturais, agora não necessárias20. A  sua concepção desenvolveremo-la mais ao expor o pensamento de Clemente de Alexandria.



Estas ramificações do cristianismo oficial não tinham futuro por colidir com os princípios básicos em que se assenta a sociedade, que é propagação da espécie e o mantimento da taxa demográfica dos estados, defendidas tanto polas religiões integradas no sistema como polo poder estabelecido. Em todo caso, a propagação de tantos grupos com esta ideologia indica que no seio do cristianismo havia uns postulados dos que se derivam estas conseqüências, e das premissas destes citados grupos deduz-se, como conclusão lógica, a valoração positiva do eunuquismo, por liberar da carne e da propagação da espécie.



Foram combatidos tanto polos autores cristãos como polos cânones eclesiásticos e os editos imperiais. Entre os pais da igreja, cumpre citar a Irineu de Lyon, Tertuliano, Hipólito, Clemente de Alexandria e Orígenes. Entre os pronunciamentos adversos da igreja, destacamos o cânon 14 do Concílio de Ancira, capital de Galácia, que afirma: “14. Aos membros do clero, sejam presbíteros ou diáconos, que se abstêm da carne ordenamos-lhe que a provem e logo, se o desejam, podem abster-se dela. Se nem sequer desejam ingerir as verduras cozidas com a carne e não se submetem ao presente cânon, que sejam destituídos do seu rango”21. Isto demonstra que era tão forte a corrente abstencionista a respeito da carne, que se impõe a norma irracional de que têm que prová-la, ainda que lhe repugne, para deixar constância de que não se aderem a essa tendência. Os Cânones Apostólicos, escritos arredor do ano 400, decretam que: “Se algum bispo, presbítero ou diácono, ou alguém da listagem sacerdotal, se abstém do matrimônio, carne ou vinho, não por limitação religiosa senão por animadversão, esquecendo que Deus fez todas as cousas realmente boas, e que fez varão e fêmea, e blasfemando a obra da criação, que seja corrigido, ou em caso contrário deposto, e expulsado da Igreja. De igual modo um laico22. Como podemos constatar, neste Cânon aprova-se a abstinência do matrimônio, carne ou vinho, quando se faz por motivos religiosos. Estas condenas de sínodos e os decretos eclesiásticos, de caráter local, tiveram uma efetividade relativa, mas deu-lhe um duro golpe o Edito de Constantino contra os hereges, emitido imediatamente após o Concílio de Nicea, do que só se conserva a carta que os acompanhava, e as disposições de Teodósio o Grande. Constantino cita expressamente na condena os novacianos, marcionitas, valentinianos e paulinianos, e Teodósio condena os maniqueus baixo todas as suas denominações, e em concreto cita os encratitas. Convém sublinhar que neste tempo os máximos perseguidores da heresia eram os imperadores, autênticos chefes duma Igreja a esta altura descentralizada, sem chefatura central nenhuma, atuando Constantino o Grande de fato como o primeiro Papa de Roma, e Teodósio como o segundo. O império não podia aceitar tendências religiosas que pusessem em questão a reposição demográfica dos membros da sociedade produzida por decesso natural ou guerras.



2.6.- Os Atos de João



O livro apócrifo, Atos de João, que muitos autores mantêm que foi composto na segunda metade do século II, por um tal Léucio de Charino, discípulo e companheiro de João, afirma que: “Mas o moço, quando observou a imprevista ressurreição de seu pai, e salvador seu, colheu uma foucinha e mutilou-se a si mesmo, e correu pola casa na que tinha a  sua adúltera, e reprochou-lhe, dizendo: Por causa tua eu converti-me no assassino do meu pai e de vos os dous e de mim mesmo: ali tens o que é tão culpável como todos. Para comigo Deus teve misericórdia, que eu devo reconhecer o seu poder. E ele volveu e falou-lhe a João em presença dos irmãos que fizera. Mas João disse-lhe: ele pôs no teu coração, moço, matar ao teu pai e converter-te em adúltero da mulher doutro home, o mesmo fez-te pensar que era uma boa ação eliminar também os membros desobedientes. Mas ti devias eliminá-lo, não com motivo do pecado, senão com a idéia de que por estes membros amostraram-se a si mesmos perigosos; porque não é um instrumento que seja nocivo, senão um invisível impulso polo que cada emoção vergonhosa se exercita e vem a luz23. Nesta cita observamos que a castração era uma prática que se via como um meio terapêutico para curar tendências pecaminosas, que gozava de aprovação social, quando o justificava o fim que se perseguia, que, neste caso, consistia em corrigir tendências impulsivas desarranjadas. A pessoa que representa o apóstolo, afirma que não está justificada quando se realiza com motivo do pecado, mas si por ser a via pola que as paixões afloram á luz. Todo indica que era uma prática habitual na Igreja e que gozava de aprovação social entre os seus membros. A descrição faz lembrar a castração dos galli.



2.7.- O bispo Melitão (? - ca. 180) e o presbítero Clemente de Alexandria (ca. 160-215)



O bispo de Sardes, Melitão, era eunuco, segundo narra o historiador eclesiástico Eusébio de Cesarea (275-339): “Necessitamos mencionar o bispo e mártir Sagaris, que caiu dormido em Laodicea, o bem-aventurado Papiro, ou Melitão o eunuco que viveu em todo com o Espírito Santo e jaz em Sardes, esperando o episcopado dos céus, quando ressuscite da morte”24. A sua castração não é óbice para que Eusébio de Cesarea lhe dedique um elogio laudatório. Vemos que o ser eunuco não inabilitava para acceder ao episcopado, se bem é uma mágoa que não saibamos a que se deveu a emasculação e, por tanto, se foi voluntária, congênita ou forçada, porque isto permitir-nos-ia conhecer melhor a praxe eclesial nestes casos.



 O ateniense Clemente de Alexandria, no seu livro O pedagogo, adere á filosofia platônica de profundo desprezo do corpo baseando-se em textos de vários autores gregos, entre eles Platão 25, ao tempo que reprocha o excessivo uso de serventes e faz uma descrição dos diversos seus tipos, entre os que figuram muitos eunucos: "Criados e camareiras servem com afã ás mulheres; umas com os espelhos; outras com as redinhas; outras com os pentes; e, além disso, ha muitos eunucos;  estes são alcoviteiros e servem sem suspeita aos que desejam estar livres para gozar dos seus prazeres, pola crença de que som inaptos para ceder á  sua concupiscência. Mas o verdadeiro eunuco não é o que é inapto, senão aquele que não quer ceder ao prazer (com uma mulher) (Eunouchos de alethes, ouch ho me dunamenos, alh’ ho me boulomenos philedein)26. Este texto confirma que havia a esta altura muitos eunucos entre os criados, membros, por tanto, duma classe social baixa. Estes são úteis enquanto que se considera que, pola sua condição pessoal de castrados, não provocaram problemas de infidelidade no seio da família romana. A seguir introduz Clemente uma afirmação que se presta a interpretações várias. Afirma que o verdadeiro eunuco não é o que carece de atitude senão o que carece de vontade para gozar do prazer sexual com a mulher, e isto pode entender-se de várias maneiras. Falta-lhe vontade porque a) tem repulsão cara ao sexo feminino, quer por falta de apetite sexual derivado de problemas de funcionamento hormonal, quer por b) falta de proclividade para as relações hetero-sexuais, e, por tanto, teríamos o caso dos homo-sexuais, tanto gais como lesbianas; quer c) por uma sublimação do sexo em aras dum ideal da razão, do que seriam um exemplo os grupos supracitados dos alhobianos, Cerdão, Marcião, encratitas, …, e dos que decidem abraçar o celibato como ideal de consagração total a Deus ou a uma causa laica, como a ciência, investigação, etc.; quer d) por não estar disposto a assumir os as responsabilidades, sacrifícios, etc. que implica o matrimônio ou o cuidado da prole, especialmente em sociedades antigas nas que não existiam meios anticonceptivos; quer, e) por não ter achado uma pessoa que realmente o inclinar para compartir uma vida juntos. Clemente inclina-se claramente pola alternativa c), pois ele aplaudia que um se fizesse eunuco polo reino dos céus, no sentido de renúncia voluntária ás relações sexuais, que entendia que era mais perfeito que a auto-emasculação, ainda que também considerava a castração como positiva.



No Protréptico ou Exortação aos Gentios, critica que se adore a Pilomede, a Venus de Delos, que “nasceu do falo cortado a Urano, e que permaneceu tão desordenado, ao estar totalmente separado do corpo deste deus, que fez violência á onda do mar, não devém, na celebração dos seus mistérios, a digna produção do órgão da vergonhosa voluptuosidade?. Também se apresenta a todos aos que se inicia na arte de prostituir-se, um pouco de sal e um falo como símbolo das volúpias do mar e da sua nobre progenitura; os iniciados, pola sua parte, dão a Venus uma peça de moeda, como se dá a uma cortesã o prezo do crime27.



Conta, neste mesmo livro, que em Escítia, região que se estende desde o Danúbio ás costas setentrionais do Mar Negro, o seu rei, “qualquer que fosse”, “a um cidadão seu, que representava entre os escitas os mistérios de Cícico em honor da Mai dos deuses, entretanto tocava um tambor e fazia ressoar os címbalos, levando no pescoço as figurinhas que levam os sacerdotes de Cibele quando pedem, disparou-lhe com as  suas frechas, por ter-se convertido num efeminado entre os gregos e mestre para os demais escitas da enfermidade do efeminamento28. Cícico era um herói da costa asiática, a Mai dos deuses é Cibele, e o contexto parece indicar que os efeminados são eunucos, se bem também poderia tratar-se de homo-sexuais.

 

No livro Stromata analisa a posição dos seguidores dos gnósticos alexandrinos do século II, Basilides (ca. 120-161) e Valentim (s. II), defensores dum sistema emanatista  de tendência neoplatonizante, no que a partir de entidades superiores se vai derivando toda a realidade a través duma série de elos intermédios. “Os valentinianos, que fazem descender originariamente de abraços divinos as uniões conjugais (do home e mulher), aprovam o matrimônio. Os seguidores de Bassílides, por outra parte, dizem «que quando os apóstolos perguntaram -se não seria melhor não casar, o Senhor replicou: «Não todos podem entender esta afirmação; ha alguns eunucos que são assim desde o seu nascimento, outros são por necessidade». E a  sua explicação desta afirmação é a seguinte: Alguns homes, desde o seu nascimento, têm uma sensação natural de repulsão da mulher; e estes, usando o seu temperamento natural, obram retamente se não tomam mulher. Estes eunucos, dizem, são de nascimento. Os que são eunucos de necessidade são os exercitadores teatrais que, retraídos polo afã de glória, se contêm a si mesmos. E os que sofreram uma castração acidental devieram  eunucos por necessidade. Os que se fazem eunucos por necessidade, não o fazem de acordo com a sabedoria divina, mas si os que se fazem eunucos eles mesmos polo reino eterno. Eles elegem esta opção, dizem eles, para evitar as preocupações ordinárias do matrimônio, e polo temor ligado á mantença da família29. Aparecem explicitamente citados os três tipos de eunucos de que falara Jesus: eunucos naturais, eunucos por necessidade, e os eunucos voluntários polo reino dos céus. Os primeiros, que se correspondem com o primeiro tipo de Jesus, som os que sentem uma repulsão natural cara a mulher, embora não estejam castrados fisiologicamente, e entrariam, pois, neste grupo os homo-sexuais e os nascem com anomalias genitais. Os eunucos por necessidade, integraria os que o são deliberada e intencionadamente, que renunciam voluntariamente ás relações sexuais e os que sofrem uma castração acidental. Os que se auto-emasculam polo reino eterno, polo reino dos céus, obram, segundo este autor de acordo com a sabedoria divina, e, por tanto realizam uma obra mui positiva.



2.8.- Tertuliano (ca. 160-225)



O cartaginês e brilhante polemista, Tertuliano, chamado o pai da cristandade latina e o fundador da teologia ocidental, converteu-se ao cristianismo cara ao ano 197, que abandonaria dez anos depois para integrar-se no montanismo, que também abandonaria para fundar a  sua própria confissão. Como apologista, combateu diversas heresias: marcionitas, valentinianos, nicolaítas, ... Esteve casado mas converteu-se em ardente defensor do celibato. Segundo Shaum Tougher, Tertuliano utiliza os termos castratus, eunuchus e spado algumas vezes como  intercambiáveis30. No livro Ad Uxorem, faz um panegírico da continência num contexto plenamente miso-sexual, no que o sexo aparece como um estorvo para achegar-se á divindade. Os que não estão casados não devem casar e os que o estão devem viver como se não o estivessem, e os que perderam a  sua parelha não devem volver casar. “Quantos não ha que, por mútuo consentimento suprimem os deveres do matrimônio, eunucos voluntários, para conquistar melhor o céu. Se se abraça a continência no matrimônio, com quanta mais razão cumpre impor-no-la quando a morte o rompeu?31. O ódio ao sexo é tal que não se recata em emendar a obra divina, que criou seres sexuados e dotados de lívido para segurar a procriação. No livro De cultu feminarum volve insistir na continência sexual, que tem uma das  suas múltiplas raízes no Apóstolo Paulo, e carga contra o ornato feminino. “Se o Apóstolo ordena aos maridos viver com as suas esposas como se não as tivessem, que pensaria dos ornatos vãos dos que se carregam? Não é por este motivo e a causa do reino de Deus que muitos se convertem em eunucos, renunciando com uma vontade tão firme e confiada a prazeres imperiosos dos que o uso puder ser legítimo?”32. O que autoriza aos cristãos a obrar deste modo é a  sua predestinação por Deus para abolir os princípios mundanos. “Nós somos aqueles para os que transitaram os fins dos séculos; destinados por Deus antes do juízo dos tempos, somos instruídos por Deus, como castigar e castrar, como disse, o mundo. Somos a circuncisão de todos, espiritual e carnal. Pois circuncidamos no espírito e na carne a mundanalidade33. Temos condensado em poucas palavras a animadversão do cristianismo por este mundo, polas paixões, polos prazeres, porque o mundo cristão é um mundo lúgubre, um mundo de trânsito que odeia o estádio presente em aras dum futuro imaginário que seria o mundo autêntico. Deus situou ao ser humano neste mundo para que o odiasse e escapasse dele e todo gozo dos escassos prazeres e satisfações que este mundo nos dá é visto como suspeitoso de pecado e de transgressão.



No Veu das Virgens, critica que estas não se velem e que levem marcas que as distingam das demais mulheres: “Polo demais, seria uma cousa bastante estranha que as mulheres, submetidas em todas as cousas ao home, levassem como sinal de honor uma marca da  sua virgindade que atraísse a atenção e o respeito dos seus irmãos, enquanto que tantos homes virgens, tantos eunucos voluntários, estariam limitados a esconder a  sua virtude, não levando nada que os poda distinguir”34. Podemos observar que neste texto, Tertuliano cita a submissão total das mulheres ao home em todo, que ele considera normal e não condena, ao tempo que acredita na existência de muitos eunucos voluntários, dos que louva a  sua virtude, e, por tanto, aprova implicitamente esta prática, que confirmaria a mensagem a este respeito de Jesus. Estes eunucos voluntários são distinguidos claramente dos celibatários ou virgens, e, por tanto, trata-se de pessoas emasculadas fisiologicamente. Descreve outro traço que é importante como princípio hermenêtico, que consiste na ocultação da castração.Finalmente, também acredita que ha quantidade de eunucos voluntários.



Em Exortaçãoá Castidade, faz um novo alegado em prol da vida de castidade, aconselhando casar com uma esposa puramente espiritual, ao tempo que critica aos que se opõem á eleição deste modo de vida: “Eu sei com que pretextos coloreamos a nossa insaciável cobiça da carne. A necessidade duma assistência, uma casa a  governar, servidores a conduzir, armazéns e chaves a guardar, obras de lã a distribuir, gastos aos que ha que atender; eis o que alegamos. Com efeito, não anda bem administradas mais que as casas dos homes casados! Todo vai mal com os celibatários; os bens dos eunucos perecem; a fortuna dos soldados é dilapidada; os viageiros sem esposas estão arruinados! Esquecemos pois que nós somos também soldados, soldados submetidos a uma disciplina tanto mais severa quanto a nossa casa é mais grande? Não somos nós viageiros neste mundo? Por que pois esta disposição, ó cristão, que ti não podas viver sem esposa?̋35. A luta contra a carne, de por si pecaminosa, em contra do espírito, leva a este autor a optar por um amor platônico, emendando a natureza humana, da que as paixões, impulsos, sentimentos, pulsões, etc. som um constitutivo natural.



No livro primeiro Contra Marcião, escreve: “Si, Marcião, ti es mais odioso que as bestas daquela barbárie. Com efeito, que castor é mais castrador da carne que  quem destruiu as núpcias36. Neste texto, indica claramente que quem condena ou destrói o matrimônio, como Marcião de Sinope (85-161 e,c.), é um castrador da carne. Apresenta-se, pois, Tertuliano como um defensor do matrimônio, frente ao ataque ao matrimônio de Marcião, que só batizava os que não estavam casados: virgens, viuvas, celibatários, divorciados e eunucos37.



Em Sobre a Monogamia posiciona-se entre os que chama heréticos e os psíquicos; os primeiros repudiam o matrimônio. Os primeiros não se casam nem uma vez; os segundos não só uma vez. Ele considera que o seu posicionamento é um justo termo médio. “Entre os eunucos alheios e os teus aurigas tanto te lamentas do serviço doméstico quanto do desprezo alheio; por tanto ofendem os que abusam como os que não usam. Em verdade nem a continência se deve louvar porque é herética nem defender a licença, porque é psíquica; aquela blasfema, esta entrega-se á luxuria; aquela destrói o deus das núpcias, esta ofusca-o38.

 

Nesta mesma obra afirma que Jesus era um eunuco ao igual que o apóstolo Paulo: “A monogamia é onerosa e também a descarada doença da carne; mas, se também é nova é o que imos ver agora. Dizemo-lo mais amplamente: embora que o Paracleto estabelecesse no dia de hoje uma total e sólida virgindade ou continência, que não permite apaziguar com umas núpcias únicas o fervor da carne, assim também nada novo parece induzir-se, tendo em conta que o mesmo senhor lhe abriu o reino dos céus aos eunucos sendo ele também eunuco; em quem fixando-se, o apóstolo, ademais sendo ele castrado, preferiu a continência. mas deixando a salvo, dizes, o direito de casar. (ipso domino spadonibus aperiente regna caelorum ut et ipso spadone, quem spectans et apostolus, propterea et ipse castratus, continentiam mavult. 'Sed salvo', inquis, 'iure nubendi') Totalmente a salvo e veremos até onde; não obstante destrói-o naquela parte em que prefere a continência. É bom para o home não aproximar-se a nenhuma mulher, logo é mau acercar-se, pois não ha nada contrário ao bom mais que o mau. Por tanto fica (a dizer), que os que tenham mulheres obrem como se não as tivessem, e tanto mais os que não as têm não devem tê-las. Explica também as causas porque aconselha isto, que os não casados pensem sobre Deus, mas os casados que cada um se satisfaça no seu matrimônio. E podo suster que não somente é bom o que se permite, senão que o que se permite não é puramente bom, pois o que é puramente bom não se permite senão que ademais é lícito. A permissão tem alguma vez por causa a necessidade. Finalmente nesta classe não ha vontade do permissivo de casar, senão que quer outra cousa: quero que vós, diz, todos sejais coma min39. Apresentamos este longo texto por crer que é indicativo do pensar da Igreja a través da  sua história. Em primeiro lugar, Tertuliano opta pola monogamia, entendida como o fato de possuir uma mulher única, e, por tanto, condena as segundas núpcias em caso de que lhe morra a um dos esposos o seu companheiro/a. Esta era a posição dos montanistas, mas não foi seguida no futuro pola igreja oficial, que terminou tolerando as segundas núpcias ainda que de mal grau. Em segundo lugar, assume a ideologia platonizante do ódio contra a matéria, contra o corpo, contra a carne, emendando a propia obra divina. Em terceiro lugar, apesar de reconhecer que o impulso sexual não se logra apaziguar com umas únicas núpcias, a única solução que oferece é a continência, pois, segundo ele, ao igual que Deus é único, o matrimônio também deve ser único. Em quarto lugar, acredita que Deus também acolhe aos eunucos no reino dos céus, como escreve o Trito-Isaías. Em quinto lugar, declara que tanto Jesus como o Apóstolo Paulo eram eunucos, no sentido fisiológico de castrados, palavra esta última intercambiável para el com eunuco neste texto. Em sexto lugar, sustem, como tradicionalmente a Igreja, que a continência é preferível ao matrimônio, se bem permite este, não como um bem verdadeiro, senão só  em aras á procriação da espécie, que seria a única finalidade da união matrimonial. Inclusive ousa manter que os que têm mulher devem obrar como se não a tivessem, o qual poderia ser um tema para um debate dum cursinho pré-matrimonial. Em sétimo lugar, já aparece nele as razões que fundamentam o celibato e o eunuquismo, que são a dedicação total a Deus, melhor seria dizer á Igreja, que seria incompatível com as preocupações matrimoniais.



Muitos exegetas cristãos interpretam que Jesus se refere neste texto ao celibato, á virgindade, mas isto não tem fundamento e inclusive o apóstolo Paulo parece refutá-lo claramente quando diz que “a respeito das virgens não tenho preceito do Senhor40. Por conseguinte, Jesus, segundo Paulo, não disse nada a respeito do celibato. Tampouco é verdade, como veremos, o que dizem vários exegetas que os Pais da Igreja e escritores eclesiásticos entendiam o terceiro suposto dos eunucos em referência a pessoas celibatários.



Na entrega anterior, creio que ficou claramente demonstrado que Jesus aconselhava a castração polo reino dos céus, e agora Tertuliano indica que tanto ele como Paulo eram eunucos, e deste último precisa expressamente que estava castrado. Não sabemos quais são as fontes que lhe permitem a Tertuliano afirmar que Jesus era um eunuco, se bem poderia recolher uma tradição oral presente no seio da Igreja. Alguns autores afirmam que o mesmo Jesus foi acusado em vida polos seus adversários de ser um eunuco, mas eu não achei nenhum documento dos primeiros tempos que o acredite. Creio que se pode afirmar com todo fundamento que Jesus era um eunuco espiritual, no sentido de que optava claramente a nível ideológico pola castração em aras do reino dos céus, e que isso era o que el recomendava aos seus discípulos, mas é uma questão aberta se estava castrado ou não, ainda que a  sua conduta a respeito do sexo com mulheres, faceta totalmente enigmática, oculta, e inexistente segundo vários autores eclesiásticos, e o seu trato com elas, indiferente, distante, salvo os seus episódios com a Magdalena, numa sociedade que considerava ter filhos como uma benção de Deus e a eleição exclusiva de homes como discípulos, a misoginia dos essênios da que ele quiçá participou, indicam que podia ser esse o motivo, embora também é provável que Jesus for mais bem miso-sexual e miso-nupcial ao estilo dos essênios.



O professor medievalista da Universidade de São Diego, Mathew Kuefler, especialista em temas de sexualidade, considera que “se Jesus estava familiarizado com os galli e as  suas auto-emasculações como práticas religiosas, então é polo menos possível que as  suas palavras eram tencionadas literalmente e que ele estava recomendando aos seus seguidores varões que se castrassem fisicamente a si próprios41. Tem presente este autor a animadversão que sentia o que ele chama a aristocracia romana pola auto-emasculação que punha em questão a possibilidade de penetração do cristianismo no Império Romano e que, por tanto, cumpria suprimir, por muito que estivesse apoiada na autoridade de Jesus. A supressão consistiu em mudar o seu sentido literal polo alegórico, passando os devotos a serem uns castrados espiritualmente. Entendo que mais que de aristocracia haveria que falar das elites cultas e/ou sensíveis, pois muitas pessoas das elites econômicas altas tinham, no Império Romano, eunucos ao seu serviço. Além disso, creio que é pouco instrutivo falar de que é possível que as palavras de Jesus pretendiam ter um sentido literal, pois possível é quase todo. Creio ademais que ha um dado que o professor citado não tem em conta que é a legislação romana formalmente oposta á auto-castração, que explica que Jesus não pudesse falar abertamente e se refugiasse nas palavras crípticas: «quem poda entender que entenda», que nenhum comentarista cristão é capaz de explicar satisfatoriamente. Se temos em conta que é polo menos raro que um no mesmo texto misture o sentido literal com o alegórico, a conduta distante, desprezativa e indiferente de Jesus a respeito do sexo, a  sua crença de que o fim do mundo está próximo, e a prática eclesial no cristianismo primitivo, creio que podemos concluir que Jesus estava recomendando a auto-emasculação física, que lhe estava a inculcar o ideal eunuco, e que inclusive, se ele se estava a referir-se a si mesmo no terceiro suposto de eunucos, como afirma Tertuliano42, que ele fosse também um eunuco, não só no sentido espiritual, que creio que é claro, senão também no sentido físico, se bem não temos a este respeito mais que alguns elementos indiciários e não probas conclusivas.      



A razão profunda alegada por Tertuliano para a prática da emasculação é a crença, tão presente no cristianismo primitivo, recebida de Jesus, de que o fim do mundo está próximo, e isso invalida o preceito veterotestamentário «crescei e multiplicai-vos», e explica o câmbio na valoração dos eunucos, que foram convidados ao reino dos céus. “Pois depois que o fim dos tempos volveu inútil este preceito: «Crescei e multiplicai-vos»; depois que o Apóstolo disse: «Que vos queda por fazer, senão que aqueles que têm esposas sejam como se não as tivessem, porque o tempo da recoleção chegou e a uva verde, comida polos pais,  cessou de irritar os dentes dos meninos, pois cada um morrerá no seu pecado», desde esse momento não só os eunucos não estão já submetidos ao opróbrio, senão que mereceram a graça e foram convidados ao reino dos céus43.



Neste mesmo livro apresenta a Cristo como o novo Adão, ao que o cristão deve parecer-se, que é um modelo tanto mais perfeito quanto mais íntegro, “Mais dada á enfermidade da tua carne, o exemplo da  sua, o Adão mais perfeito, ou seja, Jesus Cristo, tanto mais perfeito quanto mais íntegro, apresenta-se ante ti, se o desejas, como eunuco na carne; mas se não tens forças suficientes, apresenta-se como monógamo em espírito, tendo a igreja como esposa  figurativamente, que o apóstolo interpreta daquele grande sacramento de Cristo e da Igreja44. Para interpretar o sentido de eunuco na carne, pode ser clarificador aduzir outros textos paralelos deste livro. “Só encontro a Pedro como marido, pola  sua sogra; pressinto que era monógamo pola igreja; que funda sobre monógamos todo o seu rango hierárquico. Aos demais não encontro que estivessem casados, e entendo que necessariamente eram eunucos ou continentes”45. Distingue, pois, claramente Tertuliano entre eunucos e continentes entre os não casados, e, por tanto, isto cumpre aplicá-lo aos demais textos.



2.9.- Sexto e os valesianos



No século II recomendou a evisceração Sexto, autor do livro Os oráculos de Sexto, no que qualificava a castração como um método ótimo para alcançar a perfeição, e inclusive alguns dizem que ele próprio se teria emasculado. Era um filósofo pitagórico-estoico do que a  sua personalidade  histórica não está identificada com segurança, ainda que, segundo alguns autores, podia ser Quintus Sextus (fl. 50 a. C.). Neste caso, o livro seria modificado posteriormente para incorporar uma visão cristã, sinalando a Clemente como o autor que poderia tê-lo modificado. A referência ao seu livro aparece por primeira vez em Orígenes, e a  sua autoria foi atribuída ao papa Sixto II. No Comentário ao Evangelho de São Mateo, diz Orígenes: “Mas Sexto diz nas Sentenças, um livro que muitos consideram que foi testificado no curso do tempo: «Expulsa qualquer parte do corpo que cause que não vivas em abstinência. Porque é melhor viver em abstinência sem esta parte que ruinosamente com ela» (Sexto, Sentenças, 13). E de novo el deu ocasião á mesma classe de ação quando diz mais adiante neste livro: «Nós podemos ver que ha gente que corta e arroja longe partes de si próprios em aras de salvar o resto do seu corpo são, quanto melhor é obrar assim polo motivo de abstinência?» (Sexto, Sentenças 273). Inclusive Filão, em muitos dos seus escritos sobre a Lei de Moisés, que são estimadas por homes razoáveis, diz o seguinte no livro que titulou: Os Amores Piores atacam o Melhor: «É melhor eunuquizar-se a si próprios que entregar-se a uma coabitação ilegal»46. Ou seja, que segundo o autor das Sentenças ou Oráculos, está mais justificado realizar uma operação cirúrgica para cortar algum membro ou parte dele em aras de abstinência que fazê-la por motivos de doença



Um dos grupos mui combativos em prol da auto-castração foi o dos valesianos de Trans-Jordánia, promovido, no s. II, polo filósofo arábigo Valésio, do que se conserva pouca informação sobre a  sua vida, transmitida principalmente polo bispo Epifánio de Salamina (310-420), que ve as cousas já a partir duma óptica do século IV. Sustinha que a concupiscência destrói a liberdade humana e, em conseqüência, aconselhava a todos os homes privar-se a si mesmos do poder de propagar a espécie. A auto-emasculação era obrigatória por ser o único meio para alcançar o reino dos céus. Adquiriram uma notoriedade relevante por forçar a castração dos viajantes que encontravam e dos hospedes que os visitavam por considerar que tinham a obrigação de procurar a salvação não só própria senão de todos os demais. “A maior parte deles foram membros da igreja até um certo tempo, quando a  sua loucura chegou a ser amplamente conhecida e foram expulsados da igreja. Quase todos são eunucos, e têm as mesmas crenças sobre principados e autoridades que os setianos, arcónticos e outros. E quando tomam  um home como discípulo, não come carne enquanto esteja sem castrar; mas quando o convencem disso, ou o castram á força, pode comer de todo, porque deixou de resistir e não corre o risco de ser impelido aos prazeres e gozos pola comida. E não só impõem esta mortificação aos seus próprios discípulos; está amplamente expandido o rumor que têm freqüentemente aplicado esta determinação aos estrangeiros em trânsito que  aceitaram a  sua hospitalidade. Apoderam-se deles quando chegam a dentro, atam-nos sobre as  suas costas a mesas e realizam a operação”47. Quiçá se baseassem na injunção evangélica que diz que: “«Se a tua mão ou o teu pé te escandaliza, corta-o e arroja-o de ti; que melhor é entrar na vida manco ou cego ou coxo»48 –como pode alguém estar estropiado no reino? Porque se o reino dos céus faz todas as cousas perfeitas, não pode haver imperfeição nele. E dado que a ressurreição é ressurreição do corpo, todos os membros devem ser elevados e nenhum deles abandonado atrâs49. O coração humano é impuro e dele procedem muitas iniquidades. “Até agora o coração é causa de ofensas a cada momento, por isso a escritura diz: «Do interior procedem a fornicação, adultério, imundície e semelhantes». Mui bem, quem arrancará o seu coração?50.



O bispo Epifánio de Salamina (315-403) critica-os porque pola  sua “audácia em realizar este ato temerário colocaram-se eles mesmos como diferentes de todos. Porque polo que foi eliminado eles já não são homes, e não podem ser mulheres porque isto vai contra a  sua natureza51. Além disso, já não entram em nenhuma das categorias de eunucos que estabeleceu Jesus. Não são eunucos desde o útero materno, que não são responsáveis da  sua condição e tampouco, ao não terem desejos, não podem obrar doutro modo e, por tanto, quando não se pode obrar doutro modo, não ha mérito e tampouco recompensa.Tão-pouco entram na categoria dos feitos por outros homes, pois neste caso, são castrados para realizar atos de serviço para os homes e não polo reino dos céus. “Quem são estes a não ser os nobres apóstolos, e as virgens e monges após eles? João e Santiago, os filhos do Zebedeu, que permaneceram celibatários, seguramente que não cortaram os seus membros com as  suas próprias mãos, e não contraíram matrimônio tão-pouco; comprometeram-se na luta nos seus próprios corações, e admiravelmente ganharam a fama da coroa nesta competição. E todos os milhões após eles que viveram no mundo sem esposa e ganharam a fama desta competição em mosteiros e conventos. Eles não têm relações com mulheres, mas competiram na mais perfeita das competições52. Quem se auto-emascula faz uma cousa infame e também quem se deixa emascular por outros. “Porque se um se faz a si mesmo eunuco com as  suas próprias mãos, ele é um home e as  suas mãos fizeram esta cousa infame. E inclusive ainda que ele não o fizesse em si mesmo senão que foi feito eunuco por outros, ele ainda não pode ser eunuco «polo reino dos céus» porque ele foi «feito eunuco polos homes», quer polas  suas próprias mãos quer polas de outros53.



Foram expulsados da Igreja e condenados no Sínodo de Acaia, arredor do ano 250, mas, como testemunha Epifánio, isso não implicou a  sua desaparição, pois parece que ainda ficavam ativos a princípios do século V. “Eu ouvi falar freqüentemente dos valesianos mas eu não tenho idéia de quem era Vales. O nome, que é árabe, permite-me supor que ele e a  sua seita ainda existe, e também suspeito, porque como disse, não podo dizer isto como certo, que ha alguns em Bakata, na região de Filadélfia no outro lado do rio Jordão. Os aldeãos chama-nos gnósticos, mas não são gnósticos; as  suas idéias são diferentes54. Como podemos observar, no século IV-V, que é quando escreve Epifánio, a mística do celibato já estava fortemente consolidada no seio da Igreja.



2.10.- Orígenes (185-254)



Seguindo o conselho evangélico, a esta altura, cara ao ano 202-203, fez-se castrar em secreto por um médico também Orígenes, por sobrenome Adamantino, natural de Alexandria, num acesso de fanatismo religioso e para que a  sua ascendência entre as mulheres não lhe criasse problemas, oito dias após a sua conversão ao cristianismo, quando tinha 18 anos de idade, seguindo o conselho de Jesus de Nazaré, ainda que depois se arrependeu. “Nós, por outra parte, entendemos em realidade nalgum tempo a Cristo (a Palavra de Deus) «segundo a carne» (2 Cor. 5, 16) e consoante a letra, mais agora já não atuamos assim e já não nos regozijamos com o ponto de vista dos que realizam o terceiro tipo de eunuquização sobre si mesmos com o pretexto do reino dos céus. Nem dedicaremos muito tempo a refutar os que querem interpretar o terceiro tipo de eunuquização fisicamente igual que os dous primeiros, se atualmente não temos visto aos que ousam fazê-lo, e se não temos encontrado aos que eram capazes de mover (crível mais irracional) uma alma que estava animada (polo bem) a fazer um ato imprudente55. Mas ele mesmo reconhece, ainda que não explicita que ha muitas razões para apoiar a eunuquização física: “Mas um tem que saber que um não reduzido número de argumentos para provar que os três tipos de eunuquização devem ser entendidos fisicamente serão encontrados por qualquer que deseje provar isto e concordará com os que foram mencionados antes por quem ensinou isto nos seus escritos56. Isto significa que ele aceita a doutrina da Igreja, quiçá para não estragar a  sua carreira eclesiástica, mas os argumentos em prol da castração seguem a ter a  sua força.



Assim nos apresenta os fatos o historiador eclesiástico Eusébio de Cesarea: “Neste tempo, quando Orígenes dirigia a instrução catequética em Alexandria, realizou um ato que demonstra uma mente imatura e infantil, mas ao mesmo tempo oferece a mais alta prova de fé e continência. Porque ele tomou as palavras, «Ha eunucos que se fizeram a si mesmos polo reino dos céus», Mat. 9,12, num sentido literal e radical. E para cumprimentar a palavra do Salvador, e evitar toda oportunidade de escândalo dos infiéis - porque, ainda que era moço, encontrava-se no estudo das cousas divinas com mulheres e com homes- pôs em prática a palavra do Salvador. Ele pensou que isto não seria conhecido por muitos do seu entorno. Mas foi impossível para ele, ainda que desejava de proceder assim, guardar tal ação em secreto57. Este desejo de preservar o secreto da sua emasculação não é de supor que não fosse exclusivo deste autor, senão que muitos outros cristãos seriam também zelosos em manter a privacidade da  sua castração, como prova duma entrega total a Deus intimamente pessoal. A esta altura, vários fieis pediam ser castrados para evitar a tentação. No ano 231, Orígenes foi ordenado sacerdote polos bispos de Cesarea, Teoctista, e de Jerusalém, Alexandre, com a oposição do bispo de Alexandria Demétrio, que qualifica a Orígenes de herético e a  sua ordenação sacerdotal irregular por ter-se castrado. Assim nos descreve esta ordenação Hefele: “O grande Orígenes deu ocasião a dous sínodos em Alexandria. Arredor do 228, sendo chamado a Acaia, com motivo das agitações religiosas que reinavam ali, Orígenes passou por Palestina, e foi ordenado presbítero polos seus amigos Alexandre bispo de Jerusalém e Teoctisto bispo de Cesarea, embora existiam duas razões para a sua não admissão as sagradas ordens: em primeiro lugar, que ele pertencia a outra diocese; e em segundo lugar, que se castrou a si mesmo. Não se conhece que o impulsou a ele e aos bispos de Palestina a tomar este passo não canônico. Demétrio de Alexandria, bispo diocesano de Orígenes, estava mui molesto com o que se fez; e se o olhamos desde o ponto de vista eclesial, tinha razão. Quando Orígenes retornou a Alexandria falou-lhe da sua desaprovação, e reprochou-lhe a sua mutilação voluntária58. O proceder dos citados bispos Alexandre e  Teoctista indica que na Igreja muitos viam com bons olhos a castração em quanto que se fazia por um fim sublime e como prova dum ato de ascese encomiável. De fato, isto mesmo é o que pensavam os bispos de “Cesarea e Jerusalém, que gozavam de notoriedade e distinção entre os bispos de Palestina, que consideravam a Orígenes valioso no mais alto grau de honor e ordenaram-no presbítero59. O mesmo Demétrio, ao princípio “admirou grandemente a valentia da ação , e como percebia o seu zelo e a autenticidade da  sua fe, exortou-o a ser corajoso, e instou-o em maior medida a que continuasse a  sua obra de instrução catequêtica60. Demétrio cambiou a  sua atitude favorável a Orígenes quando observou que este destacava e que alcançou notória fama e reputação. Então, como diz Eusébio, “sucumbiu á debilidade humana, escreveu da  sua ação do jeito mais insensato a todos os bispos do mundo”61. A oposição de Demétrio não se baseia em razões morais, que para ele parecem não contar em absoluto, senão em razões legais, mas não duma legalidade eclesiástica, a esta altura inexistente, senão duma legalidade civil. Os seus móveis são bem prosaicos e terreais, e, por isso, não é de estranhar que Eusébio expresse a sua rejeição com o proceder deste bispo, que estava em aberta contradição com todos os seus colegas no bispado. 



2.11.- Arnóbio de Sica (ca. 240- ca. 304)



Chamado O Antigo, nasceu, segundo alguns autores em Teveste e deu aulas de retórica  em Sicca Veneria, cidade africana sita na atual Tunísia, Le Kef, onde teve como discípulo a Latâncio. Depois de ter combatido o cristianismo num primeiro momento pediu o ingresso na Igreja cristã, que lhe pediu uma prova da sinceridade da  sua conversão, e com este objetivo redige a obra Adversus Nationes, composta de sete livros, nos que combate o paganismo e a  sua religião. Para oferecer a visão do culto de Cibele Atis desde o ponto de vista cristão oferecemos em primeiro lugar a descrição que faz este autor do seu culto e a seguir veremos a  sua crítica do mesmo. No livro V ataca as lendas de Atis e da Magna Mater Deorum, a partir da informação recolhida sobre ela do conhecido teólogo Timoteo e outros doutos varões, que inserimos porque nos informa como representavam a Cibele sob a forma duma pedra negra animada por obra da divindade, que encarnava o seu espírito, á que Zeus acometeu com o propósito infrutuoso de manter com ela relações incestuosas. No segundo parágrafo trata da castração involuntária do seu filho e de Zeus, o indômito Acdestis, e como se produziu o nascimento deste e o castigo da  sua insolência por obra do deus da fertilidade Liber, também conhecido por Baco e Dionísio, quem aproveitando-se da  sua dormida atou um cordel por uma parte ao seu pé e pola outra aos seus testículos para que ele mesmo, com os seus movimentos impetuosos, se evirasse ao despertar, nascendo do regato do seu sangue uma romãzeira. “Nos confins de Frígia, existe uma certa rocha de inaudita extensão em todos os aspetos, que tem por nome Agdus, assim chamada polos nativos desse distrito. Pedras tomadas dela, como Temis mandou nos seus prognósticos, foram lançadas sobre a terra por Deucalião e Pirra, naquel momento vazia de homes; das quais foi formada a Magna Mater, junto com os demais, e divinamente animada. A ela, entregada ao descanso e sono na cima da  rocha, acometeu-a Júpiter com paixões incestuosas. Mas tendo-se-lhe ressistido muito tempo e não podendo obter o que se prometera, derramou o seu apetite sexual na pedra. Por isso concebeu a pedra e, depois de emitir muitos mugidos, nasceu Acdestis no décimo mês, recebendo o nome da rocha mai (Agdus). Nele existira uma força invencível, a  sua crueldade de caráter fora irresistível, e uma louca e furiosa lívido e andrógino; depredou pola rapina, estragou, onde quer o atraíra a  fereza de ânimo; não respeitava os deuses  nem os homes, nem cria que as terras, o céu e os astros contivessem algo mais poderoso que ele.



Tendo perguntado nas deliberações dos deuses muitas vezes de que jeito poderia debilitar-se ou  moderar-se a  sua audácia, duvidando os restantes, Liber assumiu esta tarefa. A uma fonte familiar, em que estava acostumado a acalmar o calor e a ardente sede produzida polo jogo e as atividades venatórias, drogou-a com a força mais vigorosa do vinho puro. Com o tempo, estimulado pola necessidade acudiu Acdestis e engoliu a mais imoderada poção nas dilatadas veas que fez que vencido pola cousa insólita se submergisse na mais profunda dormida. Liber estava presente ás insídias que planeara, e com cerdas destramente enroladas, fez um nó na planta do pé, pola outra parte encadeou os seus genitais. Exalada a força do vinho, ele repôs-se com ímpeto e tirando da atadura  com a planta do pé com as suas forças, ele mesmo privou-se do sexo que tinha. Com a desunião das partes corre um rio de sangue, que foi arrastada e absorvida pola terra, e nasceu espontaneamente uma romãzeira vermelha com maçás62.



No Adversus Nationes, formula Arnóbio toda uma série de perguntas referidas aos símbolos do culto de Atis. O pinheiro e as canas estão mui presentes no mito de Cibele-Acdestis e  Cibele-Atis, em representação da energia perene que mana da natureza, em contraposição com o ciclo morte-ressurreição que representam as plantas de folha caduca. Atis mutilou-se e finou sob um pinheiro. Cibele levou um pinheiro á grota da montanha para chorar sobre ele ao seu amante morto. O tronco do pinheiro era rodeado de faixas como se rodeia a um cadáver, em comemoração de Atis mutilado, ao que se pretende celebrar, e sobre as suas polas colgavam-se coroas de violetas, em comemoração da violeta, nascida do sangue de Atis, que rodeou a árvore e também das flores com as que Cibele adornou o pinheiro, violetas que simbolizam o primeiro despertar da natureza, após o seu descanso invernal, ressaltando assim o ciclo  morte-ressurreição,  morte no inverno e ressurreição da vida na primavera. Do sangue da emasculação involuntária de Acdestis nasceu uma amendoeira Para comemorar a infidelidade de Atis, o 13 de março celebrava-se em Roma a «canna intrat», a entronização da cana, na que os canóforos, os portadores de canas, levavam ao templo canas cortadas ao borde de Aimo, afluente do Tibre, para comemorar, nas festas de Roma, os ritos que se celebravam ao borde do Galhus, afluente do rio frígio Sangários, nas festas de Pesinunte. Sete dias depois era entronizado o pinheiro, subministrado pola confraria dos dendróforos, os portadores de árvores, que representa, junto com a cana, o espírito da vegetação duradoira. Ia, filha de Midas, rei de Pesinunte,  é a mulher com a que Atis se desposou. Os ritos que se celebram na atualidade vêm rememorar ritos antigos, muitas vezes perdidos na noite dos tempos. “E porém como podeis argüir que esta escritura é falsa, sendo assim que são sagradas polo testemunho praticado no decurso do anos e foi crida que era verdadeira e julgada de fé provada? Por exemplo, que significa aquel pinheiro que, sempre em dias fixados introduzis no santuário da Mai dos Deuses? Não é símbolo daquela árvore sob a que, atacando-se a si mesmo, se encaminhou o infeliz adolescente, e a Mai dos deuses consagrou para alívio da  sua ferida? Que significam os velocinos de lá com os que atais e circundais o tronco da árvore? Não é uma repetição daquelas lãs com as que Ia expirando o cubriu pensando que poderia procurar algo de calor aos seus membros que se esfriavam? Que significam as raminhas de árvore adornadas e rodeadas de coroas violáceas? Não significam aquilo com que a Mai adornou o pinheiro com flores primigênias, como sinal e testemunho da  sua miserável fortuna? Qual é o significado dos galos, com os seus cabelos desgrenhados, batendo os seus peitos com as  suas mãos? Não se referem á memória daqueles prantos com os que a Mai coroada de torres, junto com Acdestis, seguiu o moço com choro de lamento? Qual é o significado da abstinência de pão, ao que lhe destes o nome de casto? Não é uma imitação do tempo em que pola violência da dor, a divindade se absteve do fruto de Ceres?63. A seguir, introduz Arnóbio uma crítica destas celebrações, pergunta polo sentido que têm estes ritos e qualifica de desonestidade a emasculação dos galli: “Ou se o que dizemos não é assim, vós explicai-lho, dizei-lho a estes homes castrados e delicados, aos que vemos estar presentes com vós nos sagrados ritos dela (divindade). Que assuntos, preocupações e cuidados têm aqui, e porque eles ao modo dos cortejos fúnebres ferem os seus braços e peitos e imitam o destino dos que estão numa lamentável situação ? Que significam as coroas, as violetas, os ligeiros véus de moles lãs? Por que, finalmente, o mesmo pinheiro, pouco antes bamboleando o seu flexível madeiro dum lado para outro entre os arbustos e pouco depois como propícia e augustíssima deidade, se coloca nas sedes da Mai dos Deuses? Ou em verdade é a causa que encontramos nos vossos escritos e comentários, e é evidente para vós que não celebrais cerimônias sagradas, senão que renovais a imagem de façanhas tristes; ou se existe outra razão, que nos nega a escuridade do mistério, e é necessário que a mesma seja participada da infámia dalguma desonestidade. Quem ha que creia que ha algo de honestidade nessa cousa a que iniciam os vis galos, que efeminados licenciosos executam?64.



2.12.- A eunuquização na Roma imperial de Trajano a Diocleciano



Já falamos da castração no Império Romano, em Eunucos polo reino dos ceus e dos poderosos (05), e remitimos ao leitor interessado a esse artigo. Aqui só incluímos uns breves apontamentos.



Durante o reinado de Trajano Décio (249-251, os irmãos Parténio e Calocero serviram como  eunucos da corte imperial. O primeiro foi um cristão e mártir venerado polas igrejas Católica e Ortodoxa. O seu irmão é venerado pola  Igreja ortodoxa e foi designado patrão da Galícia polaca.



 Durante o reinado de Valeriano (257-259) foram mártires os santos irmãos e eunucos Proto e Jacinto, escravos de Santa Eugênia, á que serviram como chamberlains e foram batizados juntamente com ela polo bispo de Heliópolis, Eleno. Dedicaram-se ao estudo da Bíblia e viveram como eremitas em Egito. Mais tarde acompanharam a Eugênia a Roma, onde foram martirizados com ela em tempos do imperador Valeriano que governou conjuntamente com o seu filho Galieno de 253 a 260. Alguns autores dizem que foram arrestados e martirizados durante o reinado exclusivo de Galieno (260-268).



O imperador Diocleciano (284-305), nomeou como responsável dos trabalhos de púrpura ao eunuco Doroteo, que cara ao ano 290 foi ordenado presbítero de Antioquia polo bispo desta diocese Cirilo. Segundo Eusébio de Cesarea, foi “um home sábio entre todos os do seu tempo, que foi honrado com o cargo de presbítero de Antioquia. Era amante da beleza a respeito das cousas divinas, e adito ao hebreu, de tal modo que lia as escrituras hebraicas com facilidade. Pertencia ao grupo dos que eram liberais, e não  era desconhecedor das propedêuticas gregas. Além disso era eunuco, já desde o seu nascimento. Neste sentido, como se for um milagre, o imperador (Constantino) recebeu-o na  sua família, e honrou-o dando-lhe a direção da tinturaria de Tiro65. Não surpreende que se ordenasse sacerdote a um eunuco de nascimento porque a proibição da auto-emasculação só afetava aos feitos eunucos por outros homes ou aos auto-emasculados. Também durante o reinado deste imperador foi martirizado em Nicomédia o eunuco Indes ou Indos, junto com outros companheiros. Nestas perseguições contra os cristãos, uns são devorados polas feras, outros torturados e logo encarcerados e “Outros que estavam na madurez da  sua vida, foram feitos eunucos, e condenados ás minas66. O santo cristão Indos foi um eunuco na corte de Diocleciano em Nicomédia, e foi convertido, junto com a sacerdotisa pagã Domna á fé católica. Quando se converteram foram enviados a prisão e martirizados no ano 305. Eusébio sempre fala em tom laudatório dos eunucos, o qual parece delatar a  sua simpatia por esta condição , mais isto mesmo podemos dizê-lo da  Igreja em geral que, como vemos, não teve inconveniente em venerá-los como santos apesar da  sua mutilação, se bem não sabemos qual foi a  sua causa, e considero que seria improcedente excluí-los do sacerdócio se foram castrados á força por outros. 



3.- Do Concílio de Nicea ao de Constantinopla 381




3.1.- O edito de Milão e o Concílio de Nicea



O ano 313, Constantino I e Lecínio assinam o Edito de Milão que estabelece liberdade de religião no Império Romano, tanto de Ocidente como de Oriente. No ano 314 convoca o I Concílio de Arlês, na França atual, como lhe diz a Cresto, bispo de Siracussa: “Nós em conseqüência ordenamos a um grande número de bispos, de localidades diversas e múltiplas, que se reunissem na vila de Arlês, nas calendas de agosto67. No ano 324 Constantino vence a Lecínio em Adrianópolis, convertendo-se já de fato em monarca único do Império Romano,  e no ano 325, convoca o Concílio de Nicea, corre com os seus gastos, é nomeado presidente honorário e converte-se na grande estrela deste evento. Assistiram 318 bispos dum total de 1000. A presidência efetiva foi-lhe confiada ao bispo Ósio de Córdoba, conselheiro de Constantino, quiçá por este mesmo. Não se pode afirmar que seja propriamente um concílio ecumênico tal como hoje se entende, senão que é um concílio da  Igreja cristã oriental, e na que a participação do Papa de Roma se limitou a enviar uns representantes. Constantino que estava em condições de impor a  sua vontade e, estava preocupado pola unidade do Império, pressionou para que se chegasse a um pronunciamento que dirimisse as controvérsias teológicas e fomentasse a concórdia social. A partir deste momento começa-se a convocar grandes concílios, chamados ecumênicos ou universais, e durante o século IV e o V essa seria a tônica geral. O historiador da Igreja, Sócrates escreve a meados do século V: “Incluímos continuamente o imperador nestes detalhes históricos; porque desde o tempo em que começaram a professar a religião cristã, os assuntos da Igreja dependeram deles, de jeito que inclusive os grandes sínodos foram e ainda são convindos pola sua ordem68. O contido das decisões e a sua imposição em toda a Igreja eram apropriadas por ele e a Igreja considerava normal essa intromissão do poder político na Igreja, de tal modo que se pode concluir que o primeiro papa de fato foi Constantino. Ele ordenou que se lhe rendessem honores como “representante de Cristo (vicário de Cristo)” e que o enterrassem como o “décimo-terceiro apóstolo”69 .



O resultado final entendo que foi mui negativo para a Igreja, quiçá um dos mais negativos da história. A Igreja estava dividida em três facções: os homo-ousianos, ou atanasianos, defensores da consubstancialidade, identidade de natureza entre Deus Pai e Deus Filho (homoousios = igual natureza), tendência maximalista que seria a que venceria no Concílio; os arianos ou homoio-ousianos (homoio = semelhante, e ousios =  natureza), que afirmavam que Cristo era semelhante mas não igual a Deus Pai; e os hetero-ousianos (herros = outro, e ousios =  natureza),  ou seja, os que defendem que são desiguais em natureza, que tinha um peso menor no Concílio e na sociedade. Os homo-ousianos consideravam que o seu Mestre não devia ficar numa situação mais humana que os mandatários e outros personagens que a historia divinizou, e contra toda lógica e fundamento, elevaram, a quem fora carpinteiro em vida, dito seja sem pretender restar-lhe valor á sua eminente personalidade, á mesma altura que o Deus eterno, imutável, infinito, todo-poderoso  e criador do mundo, fazendo de Jesus um ser irreconhecível, e dando lugar, como corolário, ao dogma da Trindade, inexplicável e incompreensível, ao tempo que impuseram a «sua verdade», velis nolis, aos discrepantes. Nos séculos posteriores, a  Igreja vai continuar pola mesma via de imposição dogmática e de progressiva esclerotização mental, que obsta ao desenvolvimento racional e ao progresso da sensibilidade moral.



A respeito dos eunucos, o cânon 1 do Concílio de Nicea estabelece que “Se algum numa doença foi submetido por um médico a uma operação cirúrgica, ou se ele foi castrado por bárbaros, deixai-o que permaneça entre os clérigos; mas, se alguém, estando são, se castrou a si mesmo, convém que esse, se está enrolado entre o clero, deve cessar, e de aqui em diante tal pessoa não deve ser promovida. Mas, é evidente que isto se diz dos que obram voluntariamente e se presume que se castraram a si mesmos, assim se algum foi convertido em eunuco polos bárbaros, ou polos seus donos, e deve sob outros aspectos ser encontrado valioso, tais homes o cânon admite-os ao clero”. Como podemos ver, a auto-emasculação não foi condenada pola Igreja no Concílio de Nicea, ainda que si se considerou, se for voluntária, como causa de exclusão do sacerdócio, e inclusive dum  jeito limitado, pois abre-se a via a que os escravos sejam admitidos ao sacerdócio se alegam que foram castrados polos seus amos, ou para aquela pessoa que foi castrada polos bárbaros. Esta proibição confirma que havia clérigos eunucos. Os simples fieis podem seguir praticando a emasculação sem impedimento algum por parte da Igreja, que continuará amostrando mui pouca sensibilidade pola mutilação corporal, se se faz por fins piedosos ou inclusive artísticos. Parece mui razoável a tolerância que amostram com os que nasceram eunucos ou foram emasculados por outros. Um  exemplo do primeiro caso é o, já citado, de Doroteo, presbítero de Antioquia, home sábio, mencionado por Eusébio, do que afirma: “Não permanecera ademais alheio aos estudos liberais e da primeira educação dada polos gregos; por outra parte, era eunuco e encontrava-se assim depois do mesmo nascimento, se bem a causa desta particularidade surpreendente, o imperador admitiu-o na  sua casa e honrou-o com o cargo de administrador de tintura da púrpura de Tiro”70, e do segundo, Tigris, presbítero de Constantinopla, vítima dum amo bárbaro. Para responder das acusações contra o bispo João Crisóstomo ante um tribunal de bispos reunido num dos subúrbios de Calcedônia. “Também convocaram a Serápio o diácono; Tigris o eunuco presbítero, e Paulo o leitor, foram igualmente convocados para apresentar-se com ele, porque estes homes foram incluídos nas acusações, como participantes no seu delito71. O historiador Sozomeno fala-nos dum eunuco de nome Tigrius, que parece que coincide com Tigris, que teria sido perseguido e torturado, junto com o eunuco Eutrópio e a bem-aventurada Olímpia, pola  sua relação e apoio a João Crisóstomo (347-407). “Tigrius, um presbítero, foi por este período despojado da  sua vestimenta, açoitado nas  suas costas, atado de pés e mãos, e esticado sobre a roda. Era bárbaro de raça, e um eunuco, mas não de nascimento. Foi originariamente um escravo na casa dum home poderoso, e como prêmio do seu leal serviço conseguiu a sua liberdade. Foi depois ordenado presbítero, e distinguido pola  sua moderação e mansidão de disposição, e pola  sua caridade com os estrangeiros e com os pobres72.



3.2.- O eunuco Eutério



Constantino I é venerado como santo pola Igreja Ortodoxa e as Igrejas Católicas orientais, apesar de ser acusado de criminal que não duvidou em executar a Licínio, cunhado seu, em contra das promessas que lhe dera; também ao seu filho Crispo e á sua segunda esposa Fausta, por suposta inter-relação sexual entre eles; assassinar o seu pai, e dar via livre aos cristãos para que atacaram violentamente aos pagãos e destruíram os seus templos. Constantino, como já dissemos, impõe como castigo para o delito da castração a pena de morte e que se confisque o escravo evirado: “Imperador Constantino. Se alguém, depois deste decreto fizer eunucos no orbe romano, que seja castigado com a pena capital: confiscar-se-á o escravo assim como o lugar em que isto se realizar conhecendo-o e ocultando-o o amo73. Seguindo a legislação contra a castração de Adriano e Domiciano, Constantino condena que se façam eunucos, castigando este delito com a pena de morte e com a confiscação dos eunucos, mas não condena a sua posse se se procuram por compra, e isto é o que lhes permite aos imperadores, em grande parte, sortear a sua própria legislação e possuir,  abundante quantidade de eunucos adquiridos por compra no estrangeiro, Constantino tinha eunucos para os labores de camareiros, cabeleireiros, camaristas, ...  Segundo Guilland, no reinado de Constantino I e dos seus imediatos seguidores, os eunucos não foram mui numerosos mas si alguns deles mui poderosos. Durante o seu reinado exerceu como chefe camarista o eunuco Eutério, após a sua morte, sobreviveu ao reinado de Magnêncio e volveu de novo ao primeiro plano ao de Constâncio e de Juliano. Nascera em Armênia e fora capturado quando era rapaz por uns piratas, castrado e vendido como escravo. Amiano Marcelino fez o seu elogio, que apresentamos na entrega 09. b) A castração na sociedade romana, á que remitimos ao leitor interessado.



3.3.- Cânones Apostólicos e a castração na cristandade persa



Os chamados Cânones Apostólicos, compostos, segundo os modernos intérpretes, provavelmente cara a metade do século IV, representam uma continuidade a respeito do estatuído no Cânon 1, do Concílio de Nicea, ainda que acrescenta razões de caráter moral para a sua condena, se for voluntária, e se incluem os laicos na condena. “Cânon XXI: “Um eunuco, se foi feito assim por meio da violência dos homes ou em tempo de perseguição , ou se nasceu assim, se noutros aspectos é valioso, pode ser consagrado bispo. Cânon XXII: Quem se mutilou a si mesmo, não pode devir clérigo, porque é um auto-assassino, e um inimigo para a obra de Deus. Cânon XXIII: Se algum home, sendo clérigo, se mutilou a si mesmo,, que seja deposto, porque é um auto-assassino. Cânon XXIV: Se um laico se mutilou a si mesmo, que seja excomungado por três anos, por atuar contra a  sua própria vida74. Os resultados foram mui limitados seio da  Igreja.



Durante o reinado do imperador Sapor II de Pérsia (310-381) foi submetido a tortura o bispo Simeão de Pérsia, acusado de colaborar com o imperador dos romanos. O rei obrigou-o a apresentar-se ante ele e ordenou-lhe adorar o sol, ao que Simeão se negou.”Usthazade que era um velho eunuco, que educara a Sapor, e que tinha a intendência da  sua casa, tendo-o apercebido, levantou-se para saudá-lo profundamente. Simeão não tendo-o quase mirado, repreendeu-o com veemência pola lassitude com a qual, após ter feito profissão da fé cristã, adorara depois o sol. No momento mesmo, o eunuco botando a chorar, sacou o hábito branco, com o que se vestira, tomou um negro, que é o hábito de dó, e pôs-se á porta do Palácio: « Que desgraçado são, que trato podo esperar de Deus, ao que renunciei, porque Simeão que era noutro tempo o meu amigo íntimo, abandona-me, sem querer falar-me?”75. Usthazade arrepende-se de ter adorado o sol e renunciado a Jesus-Cristo, mas a  sua conversão encolerizou ao Rei que acusou os cristãos de servir-se de encantamentos, e quando viu que o velho eunuco não atendia as  suas razões ordenou decapitá-lo. Também aceitou a morte do martírio São Azades o eunuco, um cercam oficial do imperador. “Assim todos os cristãos que pudessem ser achados eram mortos sem piedade, e vários também da corte e casa imperial. Entre os quais estava também Azades, um eunuco, ao que o rei deu carinho e proteção ; o qual Azades, depois que o rei entendeu que fora proposto para a morte, estando grandemente comovido pola tristeza por isto, ordenou depois que não devem ser matados os cristãos senão somente os que eram doutores e mestres da religião cristã76.

  

3.4.- Eusébio de Nicomedia (   - 341)



Bispo de Berito (hoje Beirut) e mais tarde de Nicomédia, chefe de filas da facção ariana, manobrou, junto com Teognis de Nicea, para expurgar a doutrina homo-ousiana e introduzir no seu lugar a ariana, mas eram pessimistas do êxito da  sua iniciativa se Santo Atanásio, chefe da facção homo-ousiana retornava a Alexandria. Com a finalidade de lograr os seus desígnios, “buscaram a aliança com o presbítero que interveio no regresso do exílio de Ário um pouco antes, como vai ser descrito agora. O presbítero em questão apresentou o testamento a instância do rei falecido ao seu filho Constâncio, que encontrando aquelas disposições nele que ele mais desejava, porque o império do Leste lhe era, por testamento do seu pai, atribuído a ele, tratou o presbítero com grande consideração, colmou-o de favores, e ordenou que lhe fosse conferido livre acesso aos dous a palácio e a ele mesmo. Esta permissão pronto a obteve para a comunicação familiar com a imperatriz e com os seus eunucos. Havia a esta altura um eunuco chefe do dormitório imperial chamado Eusébio; a ele o presbítero persuadiu-o de adotar a posição arianista, depois do qual o resto dos eunucos também foi persuadido para adotar as mesmas opiniões. Não só este senão também a imperatriz, sob a influência dos eunucos, amostrou-se favorável ás teses de Ário, e não muito mais tarde o tema foi apresentado ao mesmo imperador77. O presbítero inominado no texto é denominado Eustáquio no Liber Sinódico78. A esta altura, continuava mui viva a controvérsia ariana, com os dous bandos enfrentados, e com divisões mesmo dentro de cada um deles. Dentro do arianismo surgiu um cisma protagonizado polo diácono de Antioquia e bispo sem jurisdição territorial Aécio e polo bispo de Antioquia Eudóxio, defensores do hetero-ousianismo (heteros = outro e ousia (essência, natureza, substancia) ou anomoeanismo (am = não e homos = igual), ou seja, a doutrina que afirma que o Pai (eterno e incriado) e o Filho (temporal e criado) são distintos, em oposição dialética tanto com os  homo-ousianos (homós = igual e ousia = substância, natureza, essência), que sustêm que a substância do Pai e o Filho é igual, posição liderada principalmente por Atanásio, e os homoio-ousianos (homoios = semelhante e ousia = natureza), que dizem que são de natureza parecida mas não igual, que tinha como representante mais destacado a Ário. “Disse-se que ele (Eudóxio) atuou de acordo com o imperador, e com os eunucos pertencentes ao palácio, quem, ao igual que Eudóxio, favoreciam as doutrinas de Aécio, e criam que o Filho é di-semelhante do Pai79. Os homo-ousianos e homuioousianos retinham o uso do termo substância e queriam chegar a um acordo que margina-se aos hetero-ousianos. “Como é mais fácil convencer a poucos que a muitas pessoas, conceberam que poderiam fazer concordar as opiniões de cada uma das partes tratando com eles separadamente, ou que eles podiam, polo menos, ter êxito com um, assim a  sua heresia não incorreria numa condena universal. Eles levaram a cabo isto por mediação de Eusébio, um eunuco que era superintendente da casa imperial: ele estava em relações de amizade com Eudóxio, e mantinham as mesmas doutrinas, e muitos dos que estavam no poder buscavam captar para o seu lado a este mesmo Eusébio80. Eusébio, numa conferência com o imperador Constâncio e com o bispo de Roma, Libero, defensor de Atanásio, dirigindo-se a este, declara que “«Foi provado no Concílio de Nicea que estava mui afastado da verdade da fé»... «Vós comparais o imperador com Nabucodonosor»81.



3.5.- O eunuco Eusébio (   -361)



Quando no ano 337, morre o imperador Constantino, desempenhava o cargo de praepositus sacri cubiculi, ou seja, o grande chamberlain ou camarista, o máximo responsável das câmaras do palácio, o eunuco Eusébio, convertido ao arianismo por influência do bispo Eusébio de Nicomédia, por meio dum presbítero. Ele a sua vez, converteu a imperatriz, primeira esposa de Constâncio II, de nome desconhecido, e a muitos outros eunucos da Corte e exerceu um poder omnímodo sobre o imperador Constâncio II (337-361), quando este sucedeu ao seu pai Constantino I, e parece que não lhe fez grande caso ao decreto do seu progenitor condenando com a pena de morte a castração, pois na  sua corte os eunucos eram numerosos. A nível religioso cambia a vacilante posição do seu pai entre arianismo e cristianismo e optou polo primeiro, ao tempo que desatou uma perseguição dos homo-ousianos. “Em conseqüência Constâncio escreveu ao mesmo tempo cartas, e começou a perseguição contra todos, e enviou a Filágrio como prefeito só com Arsácio, um eunuco; enviou também a Gregório com uma força militar82. Arsácio era provabelmente «cubicularius», camareiro, e Filágrio era prefeito de Egipto e a missão que tinham encomendada polo imperador era instalar a Gregório como bispo de Alexandría. Durante o reinado de Constâncio II, desempenhava o cargo de alcoviteiro o eunuco Anatólio, que foi curado em Constantinopla polas relíquias de São Lucas. 
  

Após a morte de Constantino II (317-337), o ariano e eunuco Eusébio ( -361), ascende a camarista chefe do terceiro filho de Constantino I, Constâncio II (317-361), com o que coincidia na defesa do arianismo. Converteu-se ao arianismo por persuasão do presbítero que traiu a Ário do exílio, e, uma vez convertido, teve como prosélitos arianos á própria imperatriz e a muitos outros eunucos de palácio. Assim é como nos narra os fatos o historiador eclesiástico Sócrates de Constantinopla: “Havia nesse tempo um chefe eunuco do câmara imperial, chamado Eusébio; a el persuadiu-o o presbítero para que adotasse a doutrina ariana, depois do qual o resto dos eunucos foram convencidos a adotar os mesmos sentimentos. Não só isso, senão também a imperatriz também, sob a influência dos eunucos e os presbíteros, deveu favorável ás teses deÁrio; e não muito depois o tema foi apresentado ao mesmo imperador83. Ajudou aos bispos arianos contrários ao integrista Atanásio, chefe da facção dos homo-ousianos e conspirou contra o curmão de Constâncio II, Constâncio Galo, que seria executado no ano 354. Eis como explica o historiador Zosimos a  sua queda em desgraça e execução . O usurpador Magêncio (350-353), elegido polas tropas em substituição de Constante, suicidou-se ao ver-se rodeado polas tropas leais a Constâncio II, que logrou unir todo o império sob o seu mando e converteu-se em mais arrogante que antes. Incrementou os informadores que tinham como função eliminar aos que gozavam de prosperidade. “Estes sicofantas, quando tentavam provocar a queda dum nobre com a esperança de partilhar a sua riqueza e honras, matinavam falsas acusações contra ele. Essa foi a prática em tempos de Constâncio. Caluniadores desta índole, que fizeram os eunucos da cortes os seus cúmplices, reuniram-se em torno a Constâncio, e persuadiram-no que o seu curmão Galo, que era um César, não estava satisfeito com este honor, senão que pretendia ser imperador84.



A esta altura, 354, Eusébio foi comissionado a Roma para falar com o bispo Libério para isolar a Atanásio e convencê-lo a ele próprio de que aderisse ao arianismo por considerarem os arianos que se o convertiam lograriam a unidade eclesial sob esta modalidade. A tática a utilizar era a do pau e cenoura. “Em conseqüência, acusaram-no falsamente diante do Imperador, e ele, esperando facilmente atrair todos os homes ao seu lado por meio de Libério, escreveu-lhe, e enviou a um certo eunuco chamado Eusébio com letras e ofertas, para persuadi-lo com os presentes, e para ameaçá-lo com as cartas. O eunuco em conseqüência foi a Roma, e primeiro propôs a Libério assinar contra Atanásio, e manter a comunhão com os arianos, dizendo, «O Imperador deseja-o e manda-che obrar assim». E então amostrando-lhe as ofertas, el colheu-o pola mão e suplicou-lhe dizendo, «Obedece ao Imperador, e recebe estas»85. Mas este intento de suborno saldou-se com o fracasso, pois Libério negou-se a condenar a Atanásio e rejeitou as ofertas do Imperador Constâncio II. A respeito de Atanásio respondeu: “«Como é possível para mim fazer isto contra Atanásio? Como podemos condenar um home a quem não só um Concílio (Alexandria), senão também um segundo (Sárdica) reunido de todas as partes do mundo, ilibou completamente, e a quem a  Igreja de Roma despediu em paz? Quem aprovará a nossa conduta, se rejeitamos na  sua ausência a um, do que a presença entre nós recebemos alegremente, e admitimos á nossa comunhão? ...»86. Libério propõe-lhe celebrar um Concílio a distância da Corte, ao que não assista o Imperador, não se admita nenhum conde, e nenhum magistrado venha a ameaçá-los e no que prevaleça o temor de Deus e a regra apostólica, sem dúvida em alusão ao que passou nos concílios anteriores, entre eles do de Nicea. Ao não assinar, o eunuco, após ameaçá-lo, apresentou as oferendas, que Liberio rejeitou, provocando a indignação da criatura mutilada contra ele e exasperou o Imperador contra ele que disse: “«O assunto que nos concerne já não está em obter a assinatura de Libério, senão o fato que ele está decididamente oposto á heresia, que ele anatematizou os arianos polo nome». Ele também instigou aos outros eunucos a dizer o mesmo; muitos dos que estavam com Constâncio, ou mais bem a totalidade deles, eram eunucos, que absorviam toda a influência com ele e era impossível fazer algo ali sem eles87.



Eusébio assistiu ao encontro que mantiveram no ano 354 em Alexandria o Imperador Constâncio com o metropolitano e bispo de Roma, Libério, e o bispo Epiteto. Nele os posicionamentos, tal como nos conta o teólogo e bispo cristão Teodoreto de Ciro (ca. 393-ca. 457)88, foram os seguintes: o Imperador susteve que Atanásio  estava presente no Concílio de Tiro, no que foi julgado por sufrágio dos bispos de toda a terra e pergunta-lhe a Liberio que parte representa do mundo cristão para defender a esse impio e turbar a paz do Universo; depois ter sido julgado uma vez polo mais grande número de bispos a condena de Atanásio não pode revogar-se; que Atanásio o ofendeu mais que ninguém e que participou na morte do seu irmão maior Constantino, ao tempo que azedou contra ele o outro irmão Constante; manifesta-lhe a Libério que deseja enviá-lo a Roma quando entre em comunhão com as outras  Igrejas, que assim a paz retornará a Roma. Dá-lhe três dias para reflexionar mas Libério não cambia de parecer e é enviado ao exílio a Berea, em Trácia, decidindo contribuir com uma aportação econômica, ao igual que a Imperatriz e o eunuco, para os seus gastos, que Libério rejeita.. 



Libério defendia que Atanásio nunca foi condenado estando presente e que os que o condenaram não tinham razão; que só cinco deram o seu parecer e que foram enviados para informar contra o acusado, e que três deles se retrataram e os outros dous já morreram; que ainda que ele próprio estivesse só a sua causa não deixaria de ser justa e alude a que outras vezes só três se posicionaram contra os mandados injustos do Príncipe; propõe que se celebre uma reunião de todos os bispos após restabelecer nos seus postos os exilados, e que as  Igrejas locais corram com os gastos de transporte; pede-lhe ao Imperador que não se vingue no ministério dos bispos e que um inocente não seja assinalado.  Eusébio manifestou que foi provado no Concílio de Nicea que Atanásio estava mui afastado da verdade, e sente-se molesto porque Libério compare o Imperador com Nabucodonosor.



O bispo Epiteto afirmou que Libério não fala em interesse da fé senão para vangloriar-se diante do senadores de Roma de ter vencido dialeticamente o Imperador; opôe-se á reunião de todos os bispos, pedida por Libério, pretextando que não ha meio de transporte para tantos. No 355 decide exilá-lo a Berea de Trácia, sendo substituído polo bispo Felix. Durante o seu desterro enviou-lhe cartas ao Imperador por mediação do presbítero Eutrópio e do diácono Hilário, mas estes foram também banidos. Os inimigos de Aranásio, os bispos de Ilíria, hoje Belgrado, e o de Mursa, Panónia, “Ursácio e Valente, com os eunucos que os apoiaram, foram os autores desta ultrajem89. A pressão do Imperador finou com a resistência do bispo de Roma, e Libério, depois de ter estado no desterro dous anos, fraqueou, e, por temor a ameaças de morte, assinou”90, e foi reposto na  sua sede romana.  



Outros dos bispos que foram pressionados por Constâncio II, para que aderisse á causa ariana e condenasse a Atanásio, com argumentos semelhantes aos utilizados com Libério, foi Ósio de Córdoba (257-359), que fora presidente do Concílio de Nicea no ano 325 e do de Sárdica no 343, anti-ariano que gozava de grande predicamento, que teve uns mesmos objetivos por parte do Imperador; um desenvolvimento e desenlace semelhantes: pressão ariana, dos eunucos e imperial, resistência do afetado e cessão. “Mas os heréticos ainda queixando-se e instigando-o a que proseguisse (ele tinha também os eunucos para lembrar-lhe e urgir-lhe mais insistentemente), o Imperador de novo escreveu-lhe em termos ameaçantes, mas ainda Ósio, enquanto suportava os seus insultos, estava  impassível ante todo temor dos seus desígnios contra ele, e manteve-se firme no seu propósito, como um que construiu a casa da  sua fé sobre a roca, falou com ousadia contra a heresia, com respeito ás ameaças considerou-as nas cartas como pingas de auga e sopros de vento91. Ante as manifestações de Constâncio de que queria manter as práticas do seu pai, Atanásio amostra-lhe as grandes discrepâncias com o proceder deste e defende com firmeza a autonomia eclesial. “Que tradição existe que permite que condes e eunucos ignorantes exerçam autoridade em matérias eclesiásticas, e dar a conhecer polos seus editos as decisões desses que levam o nome de bispos?92. Outra das suas constantes foi o ataque desapiedado contra os arianos e, de resultas também contra os eunucos, por considerar que estavam ao seu serviço93.



Uma das vítimas do fanatismo religioso cainita inter-cristão no século IV foi o subdiácono Eustíquio de Alexandria, da tendência homo-ousiana, que foi açoitado, junto com outros, e condenado ás minas durante a  governança do duque Sebastião, um moço maniqueu e libertino, em palavras de Atanásio. “Mas os arianos, que eram ainda mais cruéis que os sicinianos, quando viram que eles não morreram polos açoites que receberam, queixaram-se ao duque e ameaçaram, dizendo: «Escreveremos e contaremos aos eunucos que ele não castiga como nós desejamos»”94. Isto propicia que as relações inter-cristãs se tensem ainda mais e se desate uma perseguição em Egito por parte dos arianos contra os seus irmãos de fé de tendência «ortodoxa», que são sempre qualificados como hereges por parte de Atanásio, a pior das heresias, que tem como resultado o martírio de Segundo de Barka; ao tempo que este bispo incrementa os seus ataques ao Imperador, qualificado por ele como pior que o rei Saul, o rei Ahab e Pilatos, um novo Anticristo. “E assim como ele (Saul) honrou a Doeg, acusador dos verdadeiros sacerdotes, e perseguiu a David, prestando ouvidos aos cifitas; assim este home prefere os hereges em vez dos piedosos, e ainda os persegue aos que escapam dele, prestando ouvidos aos seus próprios eunucos, que acusam em falso os ortodoxos95. Doeg era um chefe edomita dos pastores de David, que acusou e a seguir matou a 85 sacerdotes por ter-lhe entregado uma espada a David que fugia de Saul.



3.6.- Política de nomeamentos de Constâncio. Anatólio



Segundo Atanásio, Constâncio inventou uma nova política de nomeamento de bispos deslocando-os arbitrariamente. Fez bispo de Civita Vecchia a Epiteto, que esteve presente na ordenação de Felix, promovida por Constâncio. “A seguir, encontrando Epiteto um noviço, um moço corajoso, amou-o percebendo que estava presto para as  suas maldades; e polo seu meio continuou os seus desígnios contra aqueles bispos aos que desejava arruinar. Porque ele estava preparado para fazer todo o que o Imperador deseja; quem em conseqüência aproveitando-se da  sua ajuda, cometeu em Roma um ato estranho, realmente semelhante á malicia do Anticristo. Tendo feito preparativos em Palácio em vez de na  Igreja, e provocado que uns três dos seus próprios eunucos assistissem em vez do povo, então obrigou a três espias mal educados (pois um não lhe pode chamar bispos), a ordenar em verdade como bispo a Felix, um home digno deles, então em Palácio. Mas o povo, percebendo o iníquo proceder dos hereges não lhes permitiu entrar nas  Igrejas, e afastou-se deles96. No reinado de Constâncio II (337-361), desempenhou o posto de magister libellorum, secretário que atende as petições privadas ao imperador, o eunuco Anatólio, que foi curado polas relíquias de São Lucas. Durante o reinado de Juliano (360-363) desempenhou o cargo de Magister officiorum, espécie de superintendente ou Chanceler, e morreu na expedção persa do ano 363, na que tamém perdeu a vida Juliano.



3.7.- O eunuco Mardónio e queda de Eusébio. Despedimento dos eunucos



Juliano o Apóstata (361-363), filho de Constâncio foi educado polo eunuco Mardónio. “E Juliano, medrado, prosseguiu os seus estudos em Constantinopla, indo constantemente a palácio, onde as aulas eram á paisana, sob a orientação do eunuco Mardónio97.Quando acedeu ao trono, deu-se conta que Constâncio se fizera odioso aos homo-ousianos, os pagãos estavam descontentes por ter-lhe fechado os seus templos e proibido o seu culto e por carecer de liberdade de culto, e o povo estava exasperado “pola violência dos eunucos, e especialmente pola rapacidade de Eusébio o funcionário chefe do dormitório imperial98. Ele tratou a todos com subtileza, mas inclinou-se polo paganismo, ordenando abrir os seus templos. “Então ele indicou que todo indivíduo que foi vítima da conduta extorsionária dos eunucos, deve retornar-se-lhe a propriedade da que foram expoliados. Eusébio, o chefe do dormitório imperial, será castigado com a morte, não só a causa das injurias que infligiu aos outros, senão porque foi convencido que foi polas  suas maquinações que o seu irmão Galhus foi matado. O cadáver de Constâncio foi honrado com um funeral imperial, mas despediu os eunucos, barbeiros e cocinheiros do palácio. Aos eunucos licenciou-os porque eram desnecessários a causa da morte da  sua mulher, e el decidiu não volver casar de novo99. A  sua esposa Helena que morreu no ano 355, tinha eunucos á  sua disposição, e depois da sua morte, Juliano não considerava necessário tê-los ás  suas ordens.



3.8.- Leôncio de Antioquia (ca. 290-357)



Foi discípulo de Luciano de Antioquia, bispo e primado de Antioquia (347-357), de tendência ariana, e, segundo Atanásio, teria sido ordenado após o exílio do bispo homo-ousiano Eustácio, juntamente com outros arianos: “Entre estes estava Leôncio o eunuco100. O teólogo, cristão e bispo Teoreto de Ciro (393-466), defensor do nestorianismo ou difisismo, ou seja, da concepção que afirma que em Cristo havia duas naturezas e duas pessoas, a divina e a humana, afirma, a respeito de Leôncio, que era frígio e que se teria emasculado publicamente para testemunhar do seu matrimônio espiritual com uma mulher á que amava, chamada Eustólia, sem que for precedida a  sua acção de previas relações sexuais com ela. A sua castração não foi óbice para ser ordenado bispo, sem dúvida facilitado pola fato de ser de tendência ariana e não estar afetado pola proibição do Concílio de Nicea, que eles não aceitam. Com todo, cumpre ter presente que o posicionamento a respeito da castração não era diferente nas fações atanasianas e arianas, que somente divergiam a respeito da divindade de Jesus Cristo. Ambos, por outra parte, se nutrem da mesma fonte, que é o pronunciamento de Jesus a respeito do sexo em Mt. 19,12, que tomaram mui freqüentemente num sentido literal, e, por tanto, tinham grande condescendência com esta prática, quando mesmo não participavam dela.  Quando na primavera de 344, os delegados que o Sínodo lhe enviara a Constâncio para lhe pedir a reposição dos bispos atanasianos, chegaram a Antioquia. Estevo tratou-os duma maneira diabólica e isso motivou que fosse deposto polo Sínodo após a Páscoa do ano 344. Segundo Hefele, “Os seus membros eram eusebianos, que, por isso, designaram a Leôncio Castrado como sucessor de Estevo101. Segundo Teodoreto de Ciro, “Depois que Estevo, sucessor de Flácia, foi expulso da sede da  Igreja de Antioquia, Leôncio foi ascendido a ela contra a disposição do Concílio de Nicea, porque era eunuco, e que se tinha ele mesmo emasculado. São Atanásio conta a maneira como se produziu. «Leôncio, diz ele, tendo dado lugar a rumores malévolos polo costume que estabelecera de conversar mui freqüentemente com uma moça chamada Eustólia, proibiu-se-lhe freqüentá-la. Mas ele fez-se eunuco a fim de freqüentá-la sem suspeita. Não evitou, porém, a suspeita com esta medida; e como era sacerdote, foi deposto»”102. Os homo-ousianos estavam decididos a eliminá-lo por ser da facção ariana, que, em vez de utilizar a partícula conjuntiva «e» -gloria ao Padre e ao Filho e ao Espírito Santo-, utilizavam a forma mais antiga: gloria ao Pai polo Filho no Espírito Santo, aproveitando os seus inimigos, especialmente o ultra Atanásio, qualquer ocasião que se lhe apresenta-se para denigrá-lo. Narra Atanásio que, na confrontação entre arianos e atanasianos, os primeiros tramaram uma conspiração contra os núncios atanasianos, Vicencio de Capua e Eufrates de Agripina, enviados polo Concílio a Antioquia para pedir ao Imperador a reposição dos bispos «ortodoxos», que consistia em introduzir uma prostituta vulgar despida no seu apartamento pola noite. Descoberta a trama o bispo ariano Estevo foi deposto e substituído por Leôncio103. Leôncio é apresentado por Atanásio como um dos herdeiros do eunuco Eusébio.”Mas os herdeiros das opiniões e impiedades de Eusébio e os seus companheiros, que não deviam ficar em comunhão inclusive como laicos, porque ele mutilou-se a si mesmo para poder no futuro ter liberdade para dormir com Estólia, que é uma mulher, polo que lhe concerne, mas é chamada uma virgem”104



Leôncio, junto com os bispos Ursácio, Valente e outros induziram o imperador Constancio II a converter-se em adail do posicionamento ariano, dando o seu assentimento após a batalha de Mursa105, no 351, contra o usurpador Magnêncio. Quando morre Leôncio, Eudóxio apoderou-se da dignidade episcopal sem a participação de Jorge, bispo de Laodicea; de Marcos, bispo de Aretusa e doutros que se consideravam com direito a ela, logrando assim possessionar-se da Sede de Antioquía. “Correu o rumor que não tinha feito nada sem consentimento do Imperador; e com o favor dos eunucos do Palácio que seguiam a opinião de Aécio, e asseguravam que o Filho de Deus é dessemelhante ao seu Pai106. No século IV, entre o 325 e 350, após ter tido uma filha com Antonina, eviscerou-se também o presbítero Aurélio Appas, para conservar a castidade.



3.9.- Apoio dos eunucos cortesãos ao arianismo



O líder da facção homo-ousiana, o bispo Atanásio de Alexandria (295-373), teve um papel mui destacado no Concílio de Nicea em prol do homo-ousianismo, e após a  sua celebração , na luta e intransigência contra os seus irmãos na fe, os cristãos de tendência ariana. Como o imperador Constâncio II estava rodeado de eunucos que defendiam também este posicionamento, e Atanásio entendia que o Imperador instigara os cidadãos polo seu meio contra o bispo Libério, na cidade de Roma, convertida em campo de batalha entre facções rivais, não duvida em atacá-los desapiedadamente. “Havia eunucos que instigaram estas atuações contra todos. E a mais salientável circunstância é esta; que a heresia ariana que nega o filho de Deus recebe os seus apoios dos eunucos, quem, como os seus corpos são árvores sem fruto e as  suas almas estéreis em virtude, não podem agüentar sequer ouvir o nome de filho. O eunuco de Etiopia de fato, ainda que não entendia o que lia, creu as palavras de Filipe, quando ele o instruiu a respeito do Salvador, mas os eunucos de Constâncio não podem tolerar a confissão de Pedro, mais bem dam a volta quando o Pai manifesta o Filho, e enfurecem-se loucamente contra os que dizem, que o Filho de Deus é o seu Filho genuíno, assim reivindicando como uma heresia dos eunucos, que lá não ha genuína e verdadeira descendência do Pai. Por estes motivos, é que a lei proíbe a tais pessoas ser admitidas nalgum Concílio eclesiástico; apesar de que têm agora reconhecido a estes como juízes competentes das causas eclesiásticas, e seja o que for parece-lhes bem o que Constâncio determina, enquanto que homes com o nome  de bispos discrepam deles. Ó! Quem serão os seus historiadores? quem transmitirá as notícias destas cousas a outra geração ? quem crerá que ele estivesse para ouvir, que eunucos que estão dificilmente confiados ao serviço da família ... estes, digo, agora exercem a autoridade em matérias eclesiásticas, e que Constâncio submetendo-se á  sua vontade conspirou traiçoeiramente contra todos e baniu a Libério!107. É curioso e surpreendente que uma personalidade dum talante tão intransigente, sectário e tão-pouco dialogante chegasse a ter tanta influência na  Igreja e fosse elevado por esta aos altares e enviado ao céu onde, se não mudou, só intercederá por facções bem limitadas de pessoas.



3.10.- Sabas, Probácio e Eugênio



No 370 Efrém, o sírio, cita a seita ascética dos mesalianos. Um dos seus escritores, Sabas, tomou os hábitos  de anacoreta e era denominado o eunuco por ter-se mutilado a si mesmo. Euzoio (ca. 320-376), bispo ariano de Antioquia, “procurou instalar a Probácio, um eunuco que compartia as  suas idéias, em Alexandria. A totalidade do partido de Euzoio conspirou com ele para efetivar este desígnio; e Lúcio, um cidadão de Alexandria, que foi ordenado presbítero por Jorge, intentou predispor o imperador contra Atanásio, amostrando que fora acusado de diversos crimes e foi condenado a desterro perpetuo polo imperador anterior, como autor de dissensões e agitações da  Igreja referentes ao ser divino108. Quando o imperador pro-ariano Valente (364-375) se deu conta desta conjura contra o chefe de filas dos homo-ousianos, Atanásio, “não lhe deu crédito á calunia, e com ameaças, mandou a Lúcio que se retirasse discretamente, e ordenou a Probácio e aos outros eunucos pertencentes ao seu palácio, aos que considerava como os causantes destas agitações, que obrassem mais juiciosamente109. O imperador Valente que  governou aliado com Valentiniano I (364-375), expulsou ao eunuco e cubicularius (alcoviteiro) Eugénio, e, este, como represália, ajudou ao usurpador Procópio, primo curmão do imperador Juliano e parece que eleito por este para sucedê-lo, que ocupou o poder durante oito meses nos anos 365-366.



4.- Do concílio de Constantinopla ao de Éfeso




4.1.- O reinado de Teodósio o Grande (379-395)



O ano 381 o imperador pro-atanasiano Teodósio I  (379-395) convocou um concílio na cidade de Constantinopla, que passou á história com o nome de II Concílio Ecuménico da Igtreja, ao que assistiram uns 150 bispos. Após o Concílio de Nicea, o arianismo, ao tempo que declinava em Ocidente, tomava novos pulos em Oriente, por influxo do bispo ariano Eusébio de Nicomédia. Quando o imperador pro-atanasiano Teodósio I, sobe ao trono pretende reafirmar o credo de Nicea que se pronunciara polos homo-ousianos. “Em ordem a arranjar os assuntos da Igreja de novo na capital, e principalmente para segurar o triunfo da fé de Nicea no Este também sobre o arianismo, junto com o seu rebento Pneumatômaco, Teodósio convocou um grande Sínodo para reunir-se em Constantinopla, que se juntou em maio do 381, sob os cônsules Eucário e Evágrio, e subseqüentemente classificado como o Segundo Concílio Ecumênico. Teodoreto sublinha que Teodósio somente convocou os bispos pertencentes á sua divissão do Império; e isto é confirmado polo fato de que somente estiveram presentes orientais. Por este motivo é provável que o papa Damaso, como pertencente á divisão de Graciano do Império, nunca foi convidado ao Sínodo, e que Teodósio só pretendeu ter um Concílio Geral para o Leste, e não um Concílio Ecumênico110. Os bispos macedônios abandonaram neste momento o Concílio em protesta pola adesão ao credo de Nicea, e advertiram aos seus fieis contra a adesão á fé de Nicea. Ficaram só os 150 bispos homo-ousianos, por iniciativa do imperador, ao igual que já acontecera em Nicea, foram capazes de expandir entre a cristandade o incrível dogma da divindade de quem em vida foi um carpinteiro, embora mui inteligente e com uma atrativa personalidade. Os Padres Conciliares ratificaram o homo-ousianismo, aprovado no Concílio de Nicea e, como novidade, introduzem a divindade do Espírito Santo, em igualdade de condições como o Padre e o Filho, em contra dos Pseumatômacos, dando assim por fechado o credo denominado niceno-constantinopolitano. Terminado o Concílio, os Padres Conciliares dirigem-lhe uma carta ao imperador no que, após relatar-lhe o trabalho desenvolvido no Sínodo, lhe dizem: “Agora te rogamos, pola tua bondade, que confirmes por uma carta da tua piedade a decisão do Sínodo, que, como tens honrado a Igreja, pola tua carta de convocatória, seles deste modo as decisões, etc. O Imperador Teodósio agradeceu os desejos aqui expressados, e desde Heraclea, o 30 de julho do 381, emitiu a ordem de que «todas as igrejas se rendam aos bispos que crem na unidade da divindade do Padre, o Filho e o Espírito Santo, e que se mantenham em comunhão com Nectário de Constantinopla, em Egito com Timoteo de Alexandria, no Este com Pelágio de Laodicea e Diodoro de Tarso, na Ásia pro consular e na diocese asiâtica com Anfilóquio de Icónio e Ótimo de Antioquia (em Pisídia), na diocese de Ponto com Eládio de Cesarea, Otreio de Melitene, e Gregório de Nisa, finalmente (em Moésia e Escítia) com Terêncio, o bispo de Escítia, (Total), e como Martírio, bispo de Marcianópolis (agora Preslao em Bulgária). Todos os que não se mantenham em comunhão com os acima citados, devem, como os declarados heréticos, ser expulsados da Igreja111. Seguramente ao Imperador lhe interessavam mui pouco as disquisições dogmáticas e as argúcias metafísicas, mas o que si lhe convinha era manter a unidade eclesial, com um mesmo credo e uma mesma fé, que servisse de argamassa ideolôgica no Império e facilitar o domínio sobre a Instituição eclesial por parte do poder político. Isto é confirmado por Sozomeno que escreve: “O imperador Teodósio, em conseqüência, pouco depois do concílio acima citado, convocou de novo conjuntamente os presidentes das seitas que floresceram, em ordem a que pudessem quer atrair a outros ao seu próprio posicionamento sobre os tópicos em disputa, ou ser convencidos eles mesmos; porque imaginou que todos seriam levados á unidade de opinião, se se entrasse numa livre discussão, a respeito dos pontos ambíguos da doutrina. Isto ocorreu no ano do segundo consulado de Merobaudes, e o primeiro de Saturnino, e no mesmo período que Arcádio foi associado com o seu pai no governo do império. Teodósio enviou por Nectário, consultou com ele o futuro Sínodo, e mandou-lhe introduzir a discussão de todas as questões que têm dado pulo ás heresias, de tal modo que a igreja dos crentes em Cristo poda ser uma, e poda acordar que piedade deve ser observada112. Como podemos observar, a ele interessava-lhe conseguir a unidade de todas as confissões, e, vemos que era ele quem convocava e ordenava os pontos que iam ser submetidos a debates nos concílios.



4.2.- Eutrópio e os outros eunucos de Palácio de Oriente



Eutrópio era um escravo nascido á beira do Eúfrates, e seus pais decidiram castrá-lo porque isso incrementava o seu valor de câmbio no mercado, e, por tanto, podiam vendê-lo mais caro. Serviu a diversos amos, o primeiro deles, um soldado chamado Ptolomeu, que o vendeu a um general, Arinteu, que servira no exército de Juliano o Apóstata e Joviniano. Á morte de Arinteu, foi comprado por um cônsul que lho regalou á sua filha com motivo do seu matrimônio. Ao fazer-se velho, deu-lhe a liberdade, entrando, a seguir, ao serviço dum general da corte chamado Abundancio, o qual lhe permitiu que o imperador falasse com ele, e consciente da sua inteligência, tacto e habilidade, o nomeasse cubiculário, conselheiro privado, á altura do ano 379, e lhe encomendasse diversas gestões que cumpriu satisfatoriamente.



Eutrópio, eunuco
No Império Romano de Ocidente, a Valentiniano II (375-392, que ascendeu ao trono aos catro anos, nomearam-lhe como praepositus sacri cubiculi a Calígono, que provavelmente também era eunuco. O seu enfrentamento ao bispo Ambrósio de Milão provocou a sua execução no ano 386, “por grande imoralidade”. No ano 392, o gramático Eugênio ( 392-394) e o general Arbogasto (   - 394), posto como teórico protetor por Teodósio do imperador Valentiniano II tramaram uma conjura para assassiná-lo “tendo corrompido os eunucos da câmara real113, e uma vez logrado o seu objetivo Eugênio foi proclamado imperador, mas quem realmente mandava era o magister militum Arbogasto. Teodósio estava indeciso sobre se atacar a Eugênio ou esperar e, neste dilema, determinou consultar a João, um monge de Tebas, famoso polo seu conhecimento do futuro. “Em conseqüência enviou a Eutrópio, um eunuco de palácio e provada fidelidade, a Egito, com ordens de levar a João, se for possível, á Corte, mas, em caso de recusa, para saber o que se deveria fazer. Quando chegou a junto João, o monge não pode ser persuadido de ir ao imperador, mas enviou uma mensagem por Eutrópio de que a guerra se determinaria em favor de Teodósio114



Permaneceu no posto de cubiculário até a morte de Teodósio no ano 395, em que  foi proclamado imperador do Império romano de Oriente o seu filho maior Arcádio (395-408), enquanto que o outro filho Honório (393-423) foi coroado imperador do Império Romano de Ocidente. Durante o reinado de Arcádio, ocuparam um papel mui relevante Rufino, primeiro ministro, que dirigiu a perseguição, desatada em Grécia, dos godos cristãos contra os pagãos no ano 395, e Eutrópio (?-  399), praepositus sacri cubiculi, quer dizer, o responsável das câmaras de Palácio, incluídos os aposentos do imperador. Entretanto Rufino levava a cabo um ato de vingança contra o seu subalterno em Antioquia, Siria, Luciano, teve lugar em palácio uma conspiração dos eunucos, liderados por Eutrópio, para derrubá-lo. Deram-se conta que Arcádio não amava a filha de Rufino, que lhe fora proposta como noiva sem o seu consentimento, e promoveram o seu matrimônio com Eudóxia, a filha de Bauto, general dos francos ao serviço de Roma, que fora educada com a família de Promoto após o morte do seu pai. Eutrópio arranjou o matrimônio do novo imperador Arcádio com Aélia Eudóxia, opondo-se ás pretensões de Rufino, de casá-lo com a sua filha, tal como nos descreve o historiador Zosimos: O general do exército romano em tempos de Teodosio, “Promoto tinha dous filhos que entretanto Teodósio estava vivo, foram criados com os seus filhos. Um destes tinha na sua casa uma donzela de grande beleza, que fora recomendada por Eutrópio, ao Imperador para que a converte-se na sua mulher, com grandes louvanças da sua beleza. Percebendo que o Imperador escutava o que dizia com grande satisfação, amostrou-lhe o seu retrato, com o que inflamou a Arcádio com tão violenta paixão pola donzela, que ele finalmente persuadiu-o a que a desposasse, entretanto Rufino ignorava esta circunstância e esperava que a sua filha seria pronto imperatriz, e que ele mesmo seria um associado no império. O eunuco, tão pronto como percebeu que o seu plano fora efetivado, mandou o povo dançar com grinaldas nas suas mãos, como estavam acostumados a fazer no dia da boda do imperador. Tendo procurado de Palácio uma roupa imperial e adequada para uma imperatriz, deu-lha aos serventes do Imperador para que a levassem, ele recorreu a cidade acompanhado polo populacho. Todos supunham que essa vestimenta era para ser apresentada á filha de Rufino, e correram com os que a levavam, e chegados á casa de Promoto, entraram com os presentes, e entregaram-lhos á donzela, que residia lá com o filho de Promoto. Assim ficou manifesto quem fora escolhida para devir esposa do Imperador. As esperanças de Rufino tendo sido abortadas, vendo outra mulher convertida em imperatriz, ocupou-se em matinar num método para despedir a Eutrópio115.  



As lutas inter-cristãos simultaneavam-se com a perseguição contra os pagãos, No ano 391, Teófilo de Alexandria descobre um templo pagão, e os seus seguidores mofaram-se ante o público dos seus objetos cultuais, o que desatou a ira dos pagãos que atacaram os cristãos. Estes responderam contra eles e obrigaram-nos a retirar-se ao Serapeo, santuário dedicado ao deus oficial de Egito, Serapis, que seria derrubado por ordem do imperador Arcádio.



O 4/09/397, Eutrópio convertido em amo do Império Romano de Oriente, promulgou uma lei pola que ficava abolido o direito de asilo nas igrejas, que motivou o seu enfrentamento com João Crisóstomo, a quem num primeiro momento apoiava a imperatriz Eudóxia, que estava molesta polo domínio que Eutrópio exercia sobre ela. Também se enfrentou ao chefe godo Trivigildo, que ao sentir-se humilhado por ele, ameaçou com entrar em Constantinopla se não se lhe entregava a Eutrópio, criando-lhe um dilema importante ao inepto Arcádio, que se via obrigado a decidir entre a perda de Constantinopla e a indignação da sua mulher ou desfazer-se do seu conselheiro plenipotenciário, optando por esta segunda alternativa. Eutrópio ao sentir-se acurralado refugia-se na catedral de Constantinopla, onde pede asilo. João Crisóstomo diz-lhe que ele o abolira, mas decide protegê-lo. Levava três dias refugiado na Igreja, quando Eudóxia enviou uns emisários imperiais para que o sacassem. Prometeram-lhe que se saia não lhe passaria nada, e ele creu-lhe. Uma vez afora, foi detido e deportado a Chipre. Foram-lhe perdoados todos os crimes anteriores, mas no retrato de quando tomou posse de cônsul figurava uma insígnia que não correspondia ao uniforme oficial dos cônsules, penado com a pena de morte por um crime de lesa majestade, e em base a esta treta, foi executado.

  

A imperatriz Eudóxia, depois de participar na eliminação do eunuco Eutrópio, apesar de ser encumeada por ele, concentrou a sua animadversão em João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, por tê-la criticado publicamente nas  suas homilias. O seu objetivo era provocar a sua destituição com o consentimento dos outros bispos, especialmente do papa copto  Teófilo de Alexandria (385-412).



A esta altura, as altercações entre arianos e homo-ousianos não eram só ideológicas senão que também iam acompanhadas de enfrentamentos sociais, inclusive em tempos do imperador Arcádio (395-408) e da  sua esposa Eudóxia, defensora dos homo-ousianos, como nos narra Sócrates de Constantinopla. “Porque como os homo-ousianos realizavam os seus hinos noturnos com a mais grande ostentação -para isso foram inventadas por João cruzes prateadas para eles sobre as que portavam velas de cera acendidas, providas a expensas da imperatriz Eudóxia-, os arianos que eram mui numerosos, e excitados com a inveja, resolveram vingar-se a si mesmos com um ataque desesperado e tumultuoso  sobre os seus rivais. Porque conforme á lembrança da  sua recente dominação , estavam cheios de confiança na  sua habilidade e de menosprezo dos seus adversários. Por isso, sem pausa, numa dessas noites, travaram um conflito, e Briso, um dos eunucos da imperatriz, que estava nesse momento dirigindo os cantos desses hinos, foi ferido com uma pedra na frente, e também algumas das pessoas dos dous bandos foram mortas. Após o imperador, irado, proibiu-lhe aos arianos cantar os hinos nunca mais em público116. No ano 403, João Crisóstomo é deposto polo Sínodo da Azinheira (Synodus ad quercum), acusado, principalmente por Teófilo patriarca de Alexandria, de favorecer o origenismo, o qual provocou uma reação irada por parte da população contra o Imperador e o Sínodo, exigindo a sua reposição no cargo. Arcádio enviou a Briso para que o traísse de volta a Constantinopla.



Arredor do ano 404 aparece na Corte Imperial de Constantinopla o eunuco de origem persa Antíoco, eu previamente exercera ás ordens de Narses, primeiro ministro do Império Sasánida de Pérsia durante a primeira metade do século V. Exerceu como cubiculário até a morte de Arcádio no ano 408. A seguir, por designação de Arcádio, converteu-se em tutor do sucessor no trono, o infante Teodósio II, até o ano 414 em que foi substituído nesta função pola irmã de Teodósio II, Pulquéria. 



4.3.- Os eunucos durante o reinado de Honório



Entretanto os assuntos no Império do Leste eram gerados por Rufino, no Oeste, durante o reinado de Honório, era Estilicão quem se ocupava da administração imperial. A esta altura, num clima de delação generalizado, as propriedades eram confiscadas impunemente, o Imperador era um incapaz e a Imperatriz era refém dos eunucos e das  suas damas de serviço, criando um clima irrespirável na cidade. “O número de sicofantas era maior que nunca antes, sempre prestando serviço aos eunucos da corte. Á morte dalguma pessoa rica, traiam informação das  suas propriedades, de se tinha filhos ou parentes. A este respeito, foram enviadas cartas do Imperador, mandando que as propriedades fossem postas em posse duma pessoa particular. Heranças foram dispostas para qualquer que as pedisse, ainda que os filhos estivessem presentes, lamentando e chamando polos seus pais. Em conclusão, cada cousa coligou-se para encher a cidade de dor e prejudicar os habitantes. Porque o imperador sendo um puro idiota, a  sua mulher, que excedia em arrogância ao resto do seu sexo, e era uma afeiçoada á insaciável avareza dos eunucos e ás  suas servidoras femininas, que tinham grande influência com ela, provocou que cada um estiver cansado da vida; tanto que para as pessoas modestas nada era tão eligível como a morte117



O também inepto Honório teve como chamberlaim a Deutério, prepósito do cubículo sagrado, quiçá eunuco, que foi julgado e executado por Olímpio, por negar-se a declarar em contra de  Estilicão, a quem apoiara, apos a sua morte, conjuntamente com Pedro, primiceius notariorum, ou seja, o chefe dos departamentos administrativos. Cara ao ano 395, os godos, que viviam perto do Danúbio, elegem como rei a Alarico, que seria vencido várias vezes por Estilicão, general romano e patrício de origem vândala e religião ariana, mas este, apesar dos seus êxitos, seria executado por ordem de Honório no 408 após declará-lo inimigo público de Roma e retirar-lhe as insígnias de magister militum. Enquanto estava ao mando do exército, foi acusado por Olímpio, um oficial de rango e chefe dos guardas da corte, natural das proximidades do mar Euxino, que o acusou ante o Imperador Honório de que “estava desejoso de continuar no leste unicamente para ter uma oportunidade de remover o moço Teodósio e colocar o império nas mãos do seu filho Euquério118. Este Euquério, filho de Estilicão e Serena, neta de Teodósio I e sogra de Honório, tentara refugiar-se em Roma, acossado polos eunucos Arsácio e Terêncio, enviados polo imperador Constantino III, que o executaram no ano 408. O historiador Zosimos narra como se produziu o assassinato de Euquério para evitar que for ascendido ao trono polos partidários de Estilicão. “Assim se Arsácio e Terêncio, os dous eunucos, não se precipitassem em levar a Euquério, o filho de Estilicão, destes quartéis a Roma para ser executado de acordo com a ordem do Imperador, o moço cairia certamente em mãos de Alarico, e seria salvado. Os eunucos, tendo cumprido as instruções que se lhes encomendaram a este efeito, e tendo entregado a mulher de Honório, á  sua mai, foram por mar junto ao imperador em Gália Celtica, onde ele residia a essa altura, porque não eram capazes de ir polo mesmo caminho polo que vieram. Por estas razões, o imperador concebendo que ele podia prestar um bom serviço ao Estado premiando a estes dous eunucos polos seus grandes êxitos por restituir Termánia á  sua mai, e em executar a Euquério, nomeou o eunuco Terêncio camarista imperial, e deu-lhe o segundo posto baixo ele a Arsácio. Tendo então cessado a Batanário, que era comandante das tropas na grande Líbia, e desposara a irmá de Estilicão, deulhe o mando a Heracliano, a pessoa que matou a Estilicão, e que recebeu esta honra como recompensa por esta ação ”119.  Olímpio, que ocupou o cargo de Estilicão, pronto caiu em desgraça e foi eliminado por uma morte cruel, e, após a sua morte, amotinou-se Jóvio, que pediu a cabeça de dous generais, que foram executados, e dos dous eunucos principais, que foram banidos a Milão e Constantinopla, sendo sucedidos polo eunuco Eusébio, como camarista, em substituição de Terêncio, e polo bárbaro Alobich, como chefe da guarda. 



Durante o reinado de Honório (395-423), o general romano Constantino III (407-411), que se proclamou imperador romano de ocidente em 407, enviou uma embaixada de eunucos a Ravena para obter o reconhecimento de Honório. Pretextava que não tomara o poder por iniciativa própria senão impulsado polo exército, como nos transmite Zosimos. “Nesta conjuntura, o rebelde Constantino enviou alguns eunucos a Honorio, para pedir-lhe perdão por ter aceitado o império que lhe ofereceram: porque, disse, não o tomou pola  sua própria livre vontade, senão que lhe foi entregado pola força polos soldados120. Esta petição suscita-lhe um problema importante a Honório, pois, a esta altura, ante a pressão dos bárbaros, não lhe convém uma política de enfrentamento com os rebeldes. “Quando o Imperador ouviu esta petição , dando-se conta que não era fácil para ele, dado que Alarico e os seus bárbaros estavam tão próximos, para preparar-se para outras guerras; e consultando pola segurança dos seus parentes que estavam nas mãos dos rebeldes, que tinham por nome Vereniano e Didimo; não só agradeceu esta petição, senão que lhe enviou uma vestimenta imperial. Mas a sua preocupação polos seus parentes era em vão, tendo sido executados antes desta embaixada. Tendo feito isto, enviou para casa os eunucos121.



O responsável da morte de Estilicão, Olímpio, tão-pouco pode liberar-se pois “os eunucos da corte apresentaram informações ante o imperador acusando a Olímpio da ocasião de todos os desastres, que lhe sucederam ao Estado, e assim lograram a  sua remoção do cometido que desempenhava. Nisto, temendo alguma desgraça mais grave, retirou-se a Dalmácia122.



O historiador bizantino do século VI, Pocópio de Cesarea, manifesta que seria um eunuco quem lhe transmitiu a Honório o saque e queda de Roma a mãos dos godos. “Diz-se que foi um eunuco, que tinha ao seu cuidado as aves domésticas, quem informou a Honório em Ravena de que Roma perecera, e este gritou e disse, «Não faz mais que um momento que comeu na minha mão». Porque ele tinha um galo mui grande, que se chamava Roma, e o eunuco, compreendendo as  suas palavras, diz-lhe que foi a cidade de Roma quem perecera a mãos de Alarico, e o Imperador com cara de alívio contestou tranquilamente: «Mas eu, meu bom companheiro, pensei que o meu galo Roma perecera». Tão grande era, dizem, a loucura de que estava possuído”123.



4.4.- Prudêncio



O poeta cristão hispano-romano, natural de Calahorra, Aurelius Prudentius Clemens (348 d. e.c. - c. 410) na sua obra Contra Símaco, em referência ao escritor, prefeito romano e cônsul Quinto Aurélio Símaco (340-402), defensor do mantimento dos cultos e da religião tradicional pagã, alude á origem semi-divina de Roma por ter como progenitores a Marte e a Venus, “um viola a uma vestal sacerdotisa; a outra, sucumbe ante um marido frígio. ... Mas Venus foi em realidade uma mulher de sangue nobre, e em proibida infâmia uniu-se a um home escuro e de vil origem. ... Esta lenda ou erro induziu aos nossos avós ítalos a celebrar os sacrifícios a Marte... a que os próceres da pátria fizessem vir também da cimeira do monte Erice a estatua despida de Venus, a que fosse trasladada do Ida frígio a mai dos deuses124. A vida tem dous sendeiros e os assuntos humanos vão por partes gêmeas. Uma é plural e a outra simples e única; uma segue a Deus, a outra dá culto a vários deuses, e quantos são os ramais nos sendeiros tantas são as estatuas nos templos ou tantas as aparições sob estranhas formas. Uns vão polo ramal das dionisíacas de Baco, a outros atrai as festas saturnais ou o culto de Júpiter. “Buscam-se então os açoites das festas lupercais e as carreiras dos moços despidos, e o eunuco de Cibele, movido por horrível fúria, é chamado nas festas megalenses a dar oráculos escuros”125. Considera Prudêncio que o galo é símbolo de Cristo, pois ao igual que aquele chama polo novo dia, Cristo chama a uma nova vida. Com todo, eu intuo que, dado que galhus em latim se traduz por galo em galego, pode haver aqui uma alusão a Cristo como galhus, ou seja, como eunuco polo reino dos céus. O texto de Mateo 19,12, entende-o referido a uma perene flor de resplandecente virgindade que segou da  sua alma os apetites do coração126.



4.5.- Pelágia



No século IV, ca. 341 morre o primeiro eremita conhecido, Paulo de Tebas, e consolida-se o estilo de vida arredado do mundo e dedicada á oração e penitência. Cara ao ano 468 morre a eremita Pelágia de Antioquía, que antes de ingressar no cristianismo exercia como artista e prostituta. Abandona este estilo de vida e converte-se ao cristianismo. Quando se lhe pediu que se despisse da  sua vestimenta batismal branca, vestiu-se com uma túnica vulgar que o bispo lhe forneceu, e desde esse dia nunca mais se viu em Antioquía. Retirou-se a viver ao Monte das Oliveiras em Jerusalém onde viveu disfarçada de ermitão e ocultando a  sua identidade sob o nome de Pelágio, e era considerada como um eunuco, mas no momento da morte descobrem que era em realidade uma mulher. “Depois de três ou quatro dias, Eu, Jacobe o diácono, teve o desejo de visitar Jerusalém em aras oferecer orações á ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo. Pedi permissão do bispo e deixou-me ir com estas palavras: «A minha recomendação para ti, irmão diácono, é que quando chegues a Jerusalém, investigues lá acerca dum certo irmão Pelágio, um monge e um eunuco que foi encerrado em soidade por muitos anos. Visita-o. Estou seguro que será de grande proveito para ti». Sem dúvida estava falando da servente de Deus Pelágia, afora atualmente diz-se assim. Quando cheguei a Jerusalém, adorei a santa ressurreição do nosso senhor Jesus Cristo, e ao dia seguinte informei-me da servente de Deus. E fum ao Monte das Oliveiras e encontrei-no onde o Senhor orou, numa minúscula cela completamente cerrada salvo por uma pequena janela no muro. Petei na janela e abriuse-me. Pelágia reconheceu-me, mas eu não a reconheci127. Pode que for polo seu efeminamento polo que  foi considerada como um eunuco. Mas o que revela este fato é que a esta altura o eunuquismo estava bem visto no seio do cristianismo, que não tinha inconveniente em aceitar entre os seus membros consagrados especialmente a Deus a pessoas castradas. Neste caso, inclusive o bispo lhe facilita o seu travestismo, fazeéndo-se passar por eunuco.



4.6.- Santo Ambrósio (340-397)



Bispo de Milão, foi um dos qatro padres latinos, junto com Jerome, Gregório Magno e Agostinho de Hipona, e um dos 35 doutores da  Igreja católica. Ao igual que os seus correligionários, estava absorto polos temas da perversidade deste mundo do que cumpre fugir, pola luta contra as paixões, especialmente as sexuais, oferecendo como opção a castidade que, para el, é preferível ao matrimônio, e também pretendeu dar resposta ao texto de Mt. 19, 12, mas não chega a expressar o que diz o texto senão o que a ele lhe convem para os seus propósitos, oferecendo uma solução que se insere na linha da que será a doutrina «oficial» da  Igreja. Poderia ser que ao ocupar um bispado onde estava a esta altura a corte imperial, fosse mais consciente das implicações negativas, tanto legais como sociais, da prática da castração. No seu tratado Sobre as viúvas afirma: “«Porque ha eunucos que nasceram assim do ventre da  sua mai», nos que existe uma necessidade natural não a virtude da castidade. «E ha eunucos que se fizeram a si mesmos eunucos», pola  sua própria vontade, isto é, não por necessidade. «E ha eunucos que foram feitos eunucos polos homes...». E, por isso, é grande a graça da continência neles porque é a vontade, não a incapacidade, a que faz o home continente”128. Como vemos, neste texto, o que constitui a continência é a vontade e não a incapacidade que se dá nos eunucos, que dado que não têm que lutar para ser continentes a  sua vitoria não tem mérito. “O caso não é o mesmo dos que se castraram a si mesmos, e eu toco este tema deliberadamente, porque ha algum que o consideram uma ação virtuosa reprimir a culpa com a castração. Embora não quero expressar a minha própria opinião a respeito deles, apesar de que foi estabelecida polos antepassados; porém considerem que ninguém o aduza como uma manifestação de doença antes que de firmeza. Logo que ninguém lute para que não seja vencido alguma vez; nem use os seus pés temendo o perigo de caminhar; nem ninguém utilize os seus olhos quem teme um pecado de concupiscência. Mas que aproveita cortar a carne, quando pode haver culpa inclusive na mirada? «Porque quem olhou uma mulher com desejo de prazer sexual, já cometeu adultério com ela no seu coração». De igual modo, quem viu um home desejando-o já cometeu adultério. Convém-nos que sejamos castos, não doentes; ter os olhos pudicos, não débeis129. Como podemos observar, Ambrósio admite que ha alguns que defendem a castração no seio da  Igreja, qualificando esta ação como virtuosa, e fazem-no precisamente apelando ao testemunho de Jesus Cristo em Mt. 19, 12, do qual ele não se para a elucidar o sentido. Manifesta que não quer expressar a  sua opinião mas fica bem claramente estabelecida, e, por outra parte, parece sensata; outra cousa é que expresse ou não o sentir de Jesus Cristo. Para este autor não pode haver prêmio se não ha luta, o qual parece mui razoável. A respeito das afirmações deste tocante a que se pode cometer adultério por desejar uma mulher, é uma afirmação que está afastada da moralidade de hoje, que repara muitos menos nestes aspectos e mais noutros temas como pode ser a igualdade entre os sexos. Continua este autor: “Ninguém deve, como muitos estimam, castrar-se a si mesmo, senão vencer, pois a  Igreja aceita vencedores, não vencidos. E por que utilizar argumentos quando está a dispor a norma do mandado do apóstolo? Assim pois, «Oxalá sejam castrados os que querem que ti sejas circuncidado». Por que se lhe elimina a ocasião da vitória ao home, que nasceu para o louvor, preparado para a vitória, que pode polo poder da  sua alma castrar-se a si mesmo? «Ha eunucos que se castraram a si mesmos polo reino dos céus130. Neste texto reconhece que são muitos os que consideram que um deve castrar-se a si mesmo, que ele contrapõe á luta contra as paixões por meio da castração espiritual.



4.7.- São Jerome de Estridão (Dalmácia, c. 346 –  420)



Tradutor da Biblia para o latim, que se conhece com o nome de Vulgata. Numa longa carta que lhe dirigiu a Eustóquio, no Ano 384, diz-lhe: “Algumas mulheres, é certo, desfiguram as  suas caras para aparecer entre os homes para jejuar. Quando logram ver a algum jovem, baixam a vista; cobrem as  suas caras, todo menos um olho, que deixam livre para ver com ele. A  sua vestimenta é obscura, o seu cinto é de linhagem, as  suas mãos e pés são sujos; só o seu estômago -que não pode ser visto- está quente com comida. Destes canta-se diariamente o salmo: «O Senhor diseminará os ósos de aqueles que se satisfazem a si mesmos». Outras cambiam a maneira de vestir e assumem o aspecto de homes, envergonhando-se de ser o que nasceram para ser -mulheres. Cortam os seus cabelos e não estão envergonhadas de parecer como eunucos. Algumas vestem-se com pele de cabra, e pondo-se um capuz, pensam devir meninos de novo fazendo-se olhar como muitas coruxas131. Não conheço as razões que induzem a Mathew Kuefler132 a afirmar que se trata duma lenda, mas, seja lenda ou um fato real, testemunha da existência de eunucos na comunidade cristã.



São Jerome, no livro Contra Joviniano, do ano 393, em resposta a um livro que este lhe enviara, no que afirma que “uma virgem não é melhor que uma mulher aos olhos de Deus”, ao tentar demonstrar, seguindo a São Paulo, que Jesus não impôs a virgindade como obrigatória, comenta o texto de Mt. 19, 12 da seguinte maneira: “Alguns são eunucos por natureza, outros por violência dos homes. Os eunucos que me agradam são os que são tales não por necessidade, senão por eleição. Gostosamente recebo-os no meu seio a quem se fizeram eunucos a si mesmos polo reino dos céus, e em aras de adorar-me renunciaram á condição do seu nascimento. Temos que explicar agora as palavras, «Aqueles que se fizeram eunucos polo reino dos céus». Se aqueles que se fizeram a si mesmos eunucos têm o prêmio do reino dos céus, segue-se que aqueles que não se fizeram eunucos a si mesmos não podem ser colocados com os que se fizeram. Quem é capaz, disse ele, de receber isto, que o receba. É um sinal de grande fé e de grande virtude, ser o templo puro de Deus, oferecer-se a si mesmo em holocausto, e, consoante com o mesmo apóstolo, ser santos em ambos, no corpo e no espírito. Existem eunucos, que considerando-se a si mesmos árvores secas a causa da  sua impotência, ouviram por boca de Isaias que têm uma praça preparada nos céus para filhos e filhas. O seu modelo é Ebedmelech o eunuco em Jeremias, e o eunuco da rainha Candazes nos Atos dos Apóstolos, quem por causa da fortaleza da  sua fé ganharam o nome dum home133. Deste texto destacamos o seguinte: Jerome posiciona-se claramente de parte de Jesus e advoga pola castração, entendida não ao modo dos que tergiversam o sentido dos textos polos seus a priori dogmáticos, ou seja, neste caso, como celibato ou virgindade. A expressão que utiliza Jerome é terminante a este respeito: “e sunt eunuchi, qui se castraverunt propter regnum coelorum” (Ha eunucos, que se castraram polo reino dos céus”134. Além disso, renunciar á condição do nascimento unicamente pode entender-se como mutilação dos órgaos sexuais, pois um celibatário não renuncia á condição do seu nascimento, senão só ao exercício da função sexual, permanecendo home na  sua integridade. Esta interpretação reforça-se polo fato de que Jerome, neste mesmo livro, utiliza o termo virgines com um sentido distinto ao de eunuchus135. Podemos ver também que, segundo Jerome, em seguimento de Jesus, este ato de suma piedade justifica um meio tão espúrio como é a mutilação corporal. Destaca-se também neste texto a impureza da sexualidade, pois o home só castrando-se chega a ser puro de corpo. Finalmente, recorre-se a um texto do Trito-Isaías para justificar como palavra de Deus a prática da castração.



Testemunha Jerome que tanto João o batista como o evangelista eram eunucos, convertidos em tales por Jesus, verdadeiro Deus que toma a forma humana. “Por que fez que João o apóstolo e João o batista se fizessem eunucos polo seu amor, após ter causado que nascessem varões? Logo os que cremos em Cristo, sigamos o seu exemplo136.



No ano 398, a petiçãode Eusébio de Cremona redige á pressa o Comentário ao Evangelho de Mateo, no que, comentando o versículo 12 do capítulo 19, manifesta: “Existem três classes de eunucos, dous carnais e o terceiro espiritual. Alguns nascem assim do útero materno, a outros faz-nos a catividade ou as delícias matronais. Os terceiros são os que se castraram a si mesmos polo reino dos céus, e, podendo ser varões, por Cristo fazem-se eunucos. A estes promete-se-lhes prêmio, aos anteriores que têm necessidade de castidade mas não vontade, nada se lhes deve”137. Neste texto, delinea Jerome claramente os três tipos de eunucos de que fala Jesus, mas, corrigindo ao mestre, afirma que os dous primeiros são carnais e o terceiro espiritual. Quiçá poucos celibatários se vejam identificados com a  sua afirmação de que deixaram de ser varões, pois se são eunucos espirituais não perderam a  sua virilidade e, por tanto não deixaram de ser varões. Para ele existem os eunucos por necessidade e os eunucos voluntários. Os primeiros compreendem os eunucos naturais  e os que são feitos polos homes. O Concílio de Nicea não passou em vão e neste texto já aparece clara a interpretação da  Igreja a respeito da expressão «os que se fazem eunucos polo reino dos  céus», que passa a interpretar-se alegoricamente mas sem que se resolvam os problemas que esta nova interpretação acarreta. Também surpreende que diga que somente merece o reino quem se castra por Cristo, dando a entender que os eunucos polo reino dos céus estavam castrados, o qual é contrário á tese que queria defender, ou, alternativamente,  haveria que admitir também uma castração espiritual ou, finalmente, considerar que Jerome teve um lapsus mental.  A seguir intenta aclarar melhor as cousas, mais o que faz é enreda-as muito mais.  “Podemos dizê-lo doutra maneira: são eunucos desde o útero da mai os que são de natureza mais frígida e não apetecem prazer sexual, e outros que são feitos polos homes, ou os que fazem os filósofos, ou os que a causa do culto dos ídolos se amolecem como mulheres, ou por simulação herética simulam castidade para mentir sobre a verdade da religião. Mas nenhum deles consegue o reino dos céus salvo quem se castrou por Cristo. De onde inferiu: Quem pode que entenda, para que cada um considerasse as  suas forças para ver se pode cumprir os preceitos de virgindade e pudor. Pois por si a virgindade é branda e atrai a qualquer cara a si. Mas ha que ter em conta as forças para que quem pode entender que entenda. A voz do Senhor é a voz do que exorta e concita aos seus soldados ao prêmio do pudor”138. O texto anterior parece pouco elaborado e adolesce de confusão mental, como imos ver. O primeiro parágrafo começa falando dos que são eunucos de nascimento, mas, sem solução de continuidade, mete aos eunucos feitos polos homes sem que o aclare, e, por tanto, dando lugar a confusões. A respeito dos que nascem eunucos, Jerome inclui nesta categoria a todos aqueles que sofrem frigidez sexual sem precisar a causa, e, por tanto poderia incluir aos que nascem com anomalias congênitas: atrofia testicular, aplasia testicular, criptorquídia, ectopia testicular, monorquia e  anorquía, hipospádias, hipoplásia testicularhipogonadismo, agenésia gonadal. Algumas destas anomalias impedem o normal desenvolvimento dos testículos, responsáveis da segregação da testosterona no varão, junto com a cortiça suprarrenal. Embora Jerome não o contempla, este tipo de eunuquismo seria aplicável também á mulher quando tem níveis anormalmente baixos de testosterona, que são sintetizados polos ovários, junto com a cortiça suprarrenal. Dificilmente, com todo, se estende aos homo-sexuais, como alguns pretendem, pois estes apetecem ter relações com pessoas do mesmo sexo, mas não se inclui no seu conceito a frigidez. Nos eunucos feitos polos homes inclui: a) os que fazem os filósofos, agora convertidos por ele em castradores de homes, categoria desconhecida para mim historicamente; b) os que se convertem em efeminados polo culto dos ídolos, o cal parece incluir os galli entre outros, que, por outra parte, não são feitos polos homes senão que se castram voluntariamente; e c) os que simulam castidade, que tão-pouco são feitos polos homes. Somente conseguem o reino de Deus os que se castram por Cristo, e todos os demais são enviados ao fogo do inferno, como Deus manda.



A ideologia de Jerome peca de misoginia e desprezo do sexo inclusive no seo do matrimônio, que qualifica de servidão entendida pejorativamente, frente á servidão a Cristo que é a servidão liberadora, que é a daquele que cultiva a virgindade. Seguindo a São Paulo, os que têm esposas devem viver como se não as tivessem, ou seja, que devem abster-se das relações sexuais, pecaminosas e indignas do ser humano perfeito. Este terá uma recompensa maior que os que têm filiação, pois tem uma filiação espiritual. Já se pode supor a dano que causaria na sociedade uma mística como esta. Cambia o sentido de eunuco, que deixa de entender-se dum  jeito literal, para ser concebido metaforicamente. São eunucos “os que se preocupam das cousas que são de Deus”139. A castidade é obra da vontade e não produto da debilidade corporal. “A castidade não está na debilidade do corpo, mas na vontade do ánimo140. Seguindo ao Trito-Isaias concebe que os eunucos, tal como ele os define, têm um posto reservado na casa de Deus se cumprem os preceitos divinos. Não ha diversidade alguma entre os eunucos polo reino dos céus a respeito do sexo, pois ambos são igualmente chamados á salvação. Mortificaram sobre a terra os seus membros até que cheguem ao varão perfeito. Por conseguinte, o destino, tanto do home como da mulher que se entregam a Cristo é devir um varão perfeito, devendo desaparecer como tal o sexo feminino. 



No livro I Contra Joviniano, suscita o problema da esterilidade dos que praticam a virgindade, que levaria a que, se ninguém procriasse, o gênero humano desapareceria. Segundo o judaísmo e cristianismo, as pulsões humanas, e por tanto, a mutua atração entre os sexos, estão inseridas na natureza humana, que eles defendem que é obra de Deus. E se Deus nos deu uma tal natureza é para que atuemos de acordo com as  suas exigências, e, por tanto, Deus deve querer que se satisfaçam as pulsões humanas, único meio, por outra parte, de garantir a supervivência tanto dos seres humanos como dos demais animais sexuados. Como se justifica, então, essa preferência da  Igreja pola virgindade como um estado superior do ser humano, que parece emendar a obra criadora divina? Jerome formula o problema da seguinte maneira: “«E por que -dirás- foram criados os genitais e fomos fabricados assim polo sapientísimo criador de modo que padeçamos os ardores mútuos nossos e tendamos á cópula natural?»141. A estas questões oferece as respostas seguintes: a) Não ha que temer que todos se convertam em virgens e desapareça a espécie porque a virgindade é cousa difícil, e muitos são os chamados e poucos os elegidos. b) Se a função dos genitais é ater-se sempre aos ditados da natureza, seria também natural que outro home apagasse o insaciável apetito da minha esposa. Mas a satisfacção das pulsões sexuais não implica que deva fazer-se dum  jeito indiscriminado, promíscuo e desordenado. c) O nascer com estes membros não significa que se tenham que utilizar, pois também Cristo nasceu em forma humana e não utilizou o sexo e foi circuncidado para mostrar o seu sexo. d ) Ressuscitaremos com o nosso sexo mais não cumpriremos a função do nosso sexo. Pura inventiva sem a mais mínima justificação.



Na Epístola que lhe dirige a Leta o ano 403, esposa do filho de Santa Paula, Toxócio, e filha do sacerdote pagão Albino, expressa a moral excessivamente puritana e rigorista dos cristãos fundamentalistas primitivos: “Eu sei que ha quem proíbe ás virgens consagradas a Jesus Cristo banhar-se em presença dos eunucos e das mulheres prenhes, porque aqueles conservam sempre o natural do home, e que estas aparecem num estado que não deve ser visto por uma donzela; mas pola minha parte, eu proibo totalmente o banho a uma donzela adulta, que não pode ver-se despida sem ruborizar-se142. O pudor leva-se a tal extremo que um tem que sertir vergonha do próprio corpo.



4.8.- Santo Agostinho (354-430)



Nascido em Souk Ahras, no que hoje é Algéria, bispo de Hipona, o Padre mais destacado da  Igreja. De temperamento místico e visceral, compartia as preocupações de Santo Ambrósio e São Jerome na  sua luta contra este mundo e a fobia contra as paixões, nomeadamente as sexuais. Nas Confissões revela que, no seu itinerário pessoal, chegou um momento em que não lhe interessava o dinheiro nem a cobiça, mas estava ainda encadeado pola mulher. Como diz no livro citado, escrito no ano 400, o Apóstolo não lhe proibia casar, mas ele escolhia uma vida mais mole. “Ouvira de boca da verdade, que ha eunucos que se castraram a si mesmos polo reino dos céus, mas disse: quem pode entender que entenda143



No seu livro De Sancta Virginitate, escrito no ano 400-401, intenta demonstrar que não ha que amar a continência em aras da vida presente, senão da que se nos promete no reino dos céus. “Quando (Jesus) falou divina e terrivelmente sobre a não separação dos cônjuges a não ser por causa da fornicação, disseram-lhe os discípulos: «Se tal é a condição com a mulher, não convém casar». Aos que lhe disse: «Não todos entendem esta palavra. Pois ha eunucos que nasceram assim; mas ha outros que foram feitos polos homes; e ha eunucos que se castraram a si mesmos polo reino dos céus. Quem poda entender que entenda». Que cousa mais veraz, mais lúcida se podia dizer? Cristo diz, a Verdade diz, a Virtude e Sabedoria de Deus diz-lhe a aqueles, que com um propósito piedoso se contiveram de tomar esposa, que se castrem a si mesmos polo reino dos céus, e pola contra a vaidade humana pretende com impia temeridade que os que fazem isto somente evitam a penosidade das moléstias conjugais, mas que no reino dos céus não participarão mais que os demais144. Aqui limita-se Agostinho a repetir as palavras de Jesus, inserindo-as no contexto dogmático da  Igreja niceana, tão característico do proceder deste autor, que mistura constantemente a reflexão filosófica com textos de autoridade bíblicos ou eclesiais. Acentua que os que se castram o fazem por um prêmio no outro mundo e não por evitar as penosidades associadas á vida conjugal. Como a castração poderia entender-se no sentido espiritual e não físico, temos que ver se nos aclara noutros textos a qual delas se refere.



Para provar a  sua tese de que a castração se faz polo reino dos céus, aduz um argumento tirado de Isaias 56, 5. “Mas de que eunucos fala Deus polo profeta Isaias, ao que di que dará na  sua casa e dentro dos seus muros um lugar ilustre, muito melhor que o dos filhos e filhas, a não ser destes que se castraram a si mesmos polo reino dos céus? Pois a aqueles, aos que se debilita o membro viril, para que não podam gerar, como são os eunucos dos ricos e dos reis, basta si, quando se convertem em cristãos e guardam os preceitos de Deus, contudo são duma condição que teriam cônjuge se pudessem, que na casa de Deus se equiparem aos restantes fieis casados, que alimentam a prole, lícita e pudicamente recebida, no temor de Deus, instruindo aos seus filhos para que ponham a  sua esperança em Deus, mas não receberão um melhor lugar que o dos filhos e filhas. Pois não tomam esposas por virtude senão por necessidade da carne145. Neste texto deslinda claramente quem vão ser favorecidos polo prêmio especial reservado na casa de Deus. Não são todos os castrados, senão só os que se casam polo reino dos céus. Equipara, quanto á debilitação da carne, aos castrados por outros motivos distintos dos que se fazem polo reino dos céus, com os casados, e só recebem prêmio os que se castram polo reino dos céus e não por outros motivos. Para reforçar a sua argumentação continúa: “Que dispute com tino quem quiser que o profeta profetizou destes eunucos, que são mutilados de corpo; também este erro apóia a causa que defendemos. Pois não lhe deu a preferência a estes eunucos sobre aqueles que na  sua casa não têm lugar de nenhum modo, senão também a aqueles que preservam o mérito da vida conjugal gerando filhos. Pois quando diz: «Dar-lhes-ei um lugar muito melhor», amostra que também lhe dá um posto aos casados, ainda que mui inferior146. Agostinho vê-se obrigado a reconhecer que quiçá Isaias fala de todos os castrados e não especialmente dos que se converteram em eunucos polo reino dos céus, mas se todos os castrados têm reservado um posto no reino dos céus, com mais razão os que se castram por este motivo. Contudo, pare ele somente são estes os que são preferidos aos que se converteram em pais de família enquanto que os castrados físicos não são preferidos aos que vivem casados, porque se não se casam não é por virtude do espírito senão por uma necessidade que lhe impõe o seu físico.



A continuação, Agostinho tenta provar que os que se castram polo reino dos céus não podem, de nenhum modo, ficar postergados com respeito aos eunucos que se castram por outros móveis, e se estes últimos têm prioridade sobre os casados, com mais razão teriam que tê-la os que se convertem em eunucos por uma causa tão piedosa como alcançar o reino dos céus. “Logo concedamos, pois, que se predisse que na casa de Deus haveria eunucos segundo a carne, que não existiram no povo de Israel, pois vemos que não se fazem judeus, senão cristãos, nem deles disse o Profeta, que não buscando o matrimônio com o propósito de continência, se castram polo reino dos céus: assim existe qualquer com tanta demência contrário á verdade, que creia que os convertidos em eunucos na carne tenham um melhor lugar na casa de Deus, e os que se contêm com propósito piedoso, castigando o seu corpo até o desprezo das núpcias, castrando-se não no corpo senão na raiz mesma da concupiscência, praticando a vida angélica na mortalidade terrena, dispute que são iguais aos méritos dos casados e um cristão contradiga que aqueles que, com o louvor de Cristo, se castraram a si mesmos, não por este mundo senão polo reino dos céus, afirme que isso é útil para a vida presente e não para a futura? Que lhe queda senão a estes senão afirmar que pertencem a esta vida temporal na que agora estamos? Que impede que a cega presunção chegue a esta loucura?147. Começa destacando Agostinho, nesta por vezes abstrusa argumentação, que no povo de Israel não houve eunucos, que como vimos, é contrário á verdade, se bem é certo que estavam discriminados na Assembléia, se bem pode que não existissem em tempos de Agostinho. Constata que os eunucos se fazem cristãos e não judeus, o qual é compreensível se temos em conta que o judaísmo é uma religião nacional, mais estreitamente ligada a uma etnia, enquanto que o cristianismo se converteu em religião universal que acolhe tanto a judeus como a gentios. Intenta demonstrar a continuação que o Trito-Isaías alude aos que se castram polo reino dos céus, para terminar contrapondo a castração corporal, que é a dos que foram mutilados, á castração na raiz da concupiscência, própria dos que se castram a si mesmos polo reino dos céus, porque buscam extirpar a fonte do pecado, que é a concupiscência. Finalmente, deixa transluzir a  sua miso-sexualidade ao afirmar que os que se castram polo reino dos céus levam uma vida angélica na terra, contrapondo esse angelismo á vida de casados.     



Agostinho aduz ainda outro argumento mais tomado também do Trito-Isaías 56,5, para provar a  sua tese de que o prêmio não é terrenal senão para o estádio futuro. “Quando disse dos eunucos: «Dar-lhes-ei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar ilustre, melhor que o dos filhos e filhas», para que ninguém demasiado carnal julgar que devia esperar algo temporal nestas palavras, de seguida acrescentou: «Dar-lhes-ei um nome eterno, que nunca lhes faltará»”148. Agora o que lhe resta por provar é que o nome eterno não está associado a este mundo. “«Dar-lhes-ei um nome eterno» Por que pretendes o reino dos céus, polo que se castraram a si mesmos os santos eunucos, se deve entender somente desta vida? «Dar-lhes-ei um nome eterno». E se quiçá intentasses tomar este mesmo eterno no sentido de duradoiro, acrescento, acumulo, inculco: «E nunca lhes faltará». Que mais buscas? Que mais dizes? Este nome eterno, qualquer que seja, aos eunucos de Deus, que também significa uma gloria própria e excelente, não será comum com muitos, ainda que estejam ubicados no mesmo reino e na mesma casa. Quiçá se disse nome, que distingue a aqueles aos que se lhe dá dos demais149.



Na Cidade de Deus, escrita entre os anos 413-426, afirma que os filósofos, com a ajuda de Deus, chegaram a descobrir cousas importantes, e quanto “melhor e mais honesto seria ler num templo de Platão os seus próprios livros que contemplar nos templos dos demos a castração dos galos, a consagração dos invertidos, a mutilação dos furiosos e todo quanto ha de cruel e de vergonhoso, ou de vergonhosamente cruel ou de cruelmente vergonhoso, que se costuma celebrar nos ritos desses deuses!150. Isto mesmo poderia aplicar-se á religião cristã, que tem muita menos sensibilidade moral nos nossos dias que a sociedade civil. De fato, todas as conquistas dos direitos humanos fizeram-se sempre afora do âmbito eclesial e com a sua decidida oposição. Critica que se reduza a teologia civil, digna de culto observante, á teologia fabulosa, cheia de indignidade e torpeza, de acordo com a qual se representam nas comédias a desonestidade dos deuses, que faz difícil que os sacerdotes podam plasmar nas suas cerimônias uma honestidade dos deuses que não existe. Existem mistérios “da mai dos deuses, onde o adolescente Atis, por ela amado e feito eunuco a impulsos do zelo mulheril, é chorado também pola infelicidade dos homes castrados, aos que chamam galos”151.Aproveita esta dissertação sobre os galos para condenar a castração. “Certamente, os que fazem em secreto por meio dos castrados e efeminados eles os saberão; mas não puderam ter ocultos a esses mesmos homes, desgraçada e torpemente enervados e corrompidos152.



Tácio consagrou como deusa a Cloacina; Rómulo, a Pico e Tiberino; e Hostílio, a Pavor e Palor, mas a questão é se se podem ter a estes por deuses e admiti-los no céu. Com que liberdade falou Séneca dos ritos tão cruéis e torpes. “Tão grande é o desvario da mente perturbado e afora de si, que pensam que aplacam os seus deuses com a crueldade que não chegaram a praticar nem os homes mais cruéis e desapiedados. Despedaçaram os tiranos os corpos de alguns em holocausto de tirânica voluptuosidade, mais ninguém por ordem do seu senhor pôs as mãos sobre si para deixar de ser varão. Eles despedaçam-se a si mesmos nos templos, e rogam com as suas feridas e com o seu sangue153.  Falando de Tellus, a deusa romana da terra, equivalente á grega Rea, também chamada Mater ou Terra Mater, da que procede todo o referente ás sementes mortais e á prática da agricultura, Agostinho posiciona-se várias questões em aras de demonstrar o absurdo dos mistérios em honor á esta deusa Tellus ou Cibele, utilizando uma dobre vara de medir porque a sua condena deveria estender-se á também á defesa do castração no seio da Igreja católica, tanto a fisiológica como a espiritual, que produziu e produz enorme sofrimento e perversão entre quem são obrigados a realizá-la: “Acaso os galos castrados servem a esta grande deusa para significar que os que carecem do sêmen han cultivar a terra, quando mais bem a sua servidão lhes faz estar privados de sêmen? Se pois seguindo a esta deusa, se necessitam sêmen, o adquirem; ou mais bem seguindo a esta deusa, se o têm, perdem o sêmen? É isto interpretar ou maldizer? Não se considera quanto prevaleceram os demônios malignos, que não ousaram prometer algo grande a estes mistérios, e puderam exigir cousas tão cruéis. Se a deusa terra não existisse, os homes aplicar-lhe-iam as suas mãos trabalhando, com a finalidade de conseguir sêmen por ela: não martirizando-se para perder o sêmen por causa dela. Se a deusa não existisse, faria-se fecunda com as mãos alheias, e não obrigaria ao home a fazer-se estéril com as suas próprias mãos154



A deusa mai, segundo Agostinho, superou a todos os deuses, salvo a Saturno, que mutilou ao seu pai e matou aos seus filhos. Mas, inclusive nos seus mistérios puderam os homes morrer a mãos alheias em vez de mutilar-se a si mesmo. “Mas esta grande Madre dos deuses levou eunucos aos templos romanos, e conservou esta crueldade e costume; com a crença de que ajudava as forças dos romanos, amputando as partes viris dos homes155. Jano não pode comparar-se com ela em crimes. Aquele acrescentava os seus membros com pedras, esta os amputava nos homes. Tão-pouco se lhe pode comparar Júpiter, que somente desonrou o céu com as corruptelas femíneas de Ganímedes; “aquela com tantos invertidos profissionais e públicos, profanou a terra e ultrajou o céu156.



Considera que Varrão omite na sua descrição vários aspectos da Deusa Madre, como os invertidos consagrados á Telus ou aos crimes desta, aspecto que ressalta Agostinho, que critica igualmente o que acontece nos mistérios de Liber, deus romano da fertilidade, viticultura e liberdade, equivalente ao romano Baco e ao grego Dionísio, a quem se rendia culto nas bacanais, nas quais as sacerdotisas convidam a multidão a ultrapassar as convenções sociais e sexuais. Numa cena delas uma honesta matrona coroava as vergonhas viris á vista da multidão, e noutra, fazia-se sentar a recém casada sobre o membro viril de Príapo, deus da fertilidade. “Lá teme-se a maldição sobre os campos, aqui não se teme a amputação dos membros; profana-se lá a vergonha duma recém casada, mas não se lhe quita nem a sua fecundidade nem a sua virgindade; aqui, porém, amputa-se de tal jeito a virilidade que não se converte em mulher nem segue a ser varão157. No cap. 25 do livro VII da Cidade de Deus, critica a castração de Atis, que, segundo o filósofo Porfírio, simboliza as flores e foi castrado porque as flores caem antes que o fruto. “Não foi, pois, ao home, ou quase homes, chamado Atis, a quem compararam com a flor senão ás suas partes viris. Estas cairam vivendo ele; melhor ainda; não caíram, nem foram cortadas, senão despedaçadas de raiz; nem perdida aquela flor, houve fruto algum depois, senão seguiu a esterilidade”158. Varrão forma-se um embrulho ao referir os deus masculinos ao céu e os femininos á terra. “Telus é, con efeito o princípio das deusas, quer dizer, a grande Mai, entorno á qual rumoreja a insensata torpeza dos invertidos, mutilados, castrados e contorsionistas”159




5.- A prática do castração desde o 431 até o Concílio de Arlés




5.1.- Antíoco, Lausus, Elias e Escolâstico



Com o sucessor de Arcádio, Teodósio II (401-450), o eunuco Antíoco (fl. 404-421) converteu-se numa personagem rica e poderosa. Já exercera, como vimos, o posto de cubiculário com Arcádio, e com o seu filho ascende a prepósito do cubículo sagrado, e por tanto, chefe da câmara imperial,  arredor do ano 421.Administrou os assuntos públicos e recebeu o título de patrício. Mas foi acusado de atitude dominante polo imperador, e, num acesso de fúria, condenou-o por crime de lesa majestade, cessou-o seu cargo de praepositus sacri cubiculi, ou grande chamberlain,  confiscou-lhe os seus bens, incluído o seu palácio em Constantinopla e obrigou-o a retirar-se á Igreja de Santa Eufémia em Calcedônia, como monge, onde morreu.



O seguinte prepósito do cubículo sagrado de Teodósio II foi Lausus ou Lausos (c. 400 e.c. - c. 450 e.c.) que exerceu o cargo entre o 420 e 422. Fez-se famoso por ter adquirido um palácio, que seria destruído polo fogo no ano 475, e uma extensa obra de arte. No Concílio de Calcedônia cita-se ao eunuco e presbítero Calopódio entre os que intercederam ao imperador em favor de Eutiques, e que seria deposto polo bispo de Constantinopla Anatólio, e o historiador grego Cedrino afirma que um tal Calopódio foi prepósito do cubículo sagrado com Teodósio II, mas pouco se conhece da sua vida e nem sequer se estes dous são a mesma pessoa. Cumpre não confundir este Calopódio com outro eunuco também do mesmo nome que exerceu como eunuco na corte de Justiniano.



Durante o reinado de Teodósio II, imperador do Império romano de Oriente (408-450), home débil, dominado pola sua irmã maior Pulquéria, o eunuco Elías, exerceu como criado da sua esposa a imperatriz Eudoxia (401-460). Era monofisita, que viveu em Terra Santa, onde atuou como ajudante de Pedro o Ibérico, por quem foi curado. Durante o seu reinado teve grande influência o eunuco Escolástico, que foi subornado por Cirilo, com a entrega de muitas libras de ouro por parte do patriarca Cirilo de Alexandria (376-444), assassino da filósofa Hipátia (355-415/416), suborno do que o imperador descobriu a prova entre os seus papeis  após a sua morte. Este grande quantidade de ouro seria reposta ao erário público polo sobrinho de Cirilo, Paulo, filho do seu irmão menor, e Cônsul dos Consistórios.



5.2.- Crisáfio (408-450)



Entrou mui novo ao serviço de Elia Eudóxia, esposa do imperador,  e, de seguida, prevalendo-se da sua astúcia e habilidade negociadora, começou a escalar postos na administração até ascender ao mais elevados na corte chegando a primeiro ministro de Teodósio II, pouco dotado como negociador, que o admirava pola sua beleza.



Vítima dos seus ciúmes com o poeta Ciro, natural de Pentapolis, no Egito, mui popular na cidade, no ano 441 propôs-se neutralizá-lo nomeando-o bispo de Cotieu, na Frígia, onde foram linchados os quatro últimos hierarcas eclesiásticos, mas Ciro sobreviveu e retornou a Constantinopla no ano 451, após a morte de Crisáfio. No ano 443 é nomeado prepósito do cubículo sagrado, na prática ministro-chefe de Teodósio II.



Em 443, ascende ao posto de prepósito do cubículo sagrado que controlava o corpo dos cubiculários, normalmente também eunucos e era o responsável da câmara imperial, do vestiário e recepção. A sua proximidade ao imperador deu-lhe um grande poder e atuava de fato como o grande camarista (chamberlain) de palácio, espécie de primeiro ministro, hierarquicamente subordinado ao imperador. Viu-se envolto numa trama contra Élia Pulquéria, irmã do imperador, á que conseguiu expulsar da Corte; e, a seguir, acusou a imperatriz de adultério com um amigo da infância do imperador, Paulino, que provocou o seu banimento no ano 444, ficando ele como governante plenipotenciário do império.



Em 447 Atila, rei dos hunos, chegou ás muralhas da cidade de Constantinopla, ameaçando gravemente o coração do império. Intentou corromper a Edeco, chefe dos esciros e pai de Odoacro, para que assassinara a Atila, mas o plano terminou por fracassar por negar-se este a atraiçoar ao seu chefe Atila.  Este, como castigo, exigiu a cabeça de Crisáfio, e só lhe perdoou por uma forte contrapartida em dinheiro, cada ano mais elevada. Estas compensações econômicas, conjuntamente com a sua rapina, dessangraram o erário público.



Crisáfio teve como padrinho do batismo o archimandrita de Constantinopla, Eutiques (380-456), ao que ele pretendia colocar na sede episcopal de Constantinopla, para assim incrementar o seu poder político, mas fracassou no intento e foi Flaviano o elegido no ano 447, ao tempo que Eutiques foi condenado como herege pola Igreja por afirmar que em Cristo se dava uma fusão de elementos humanos e divinos. Como fruto das suas intrigas chegou a acumular por subornos uma grande fortuna, ao tempo que depauperava a população sobrecarregando-a de impostos e fazendo-se odioso para ela. Também lhe exigiu um suborno a Flaviano, mas este, a quem apoiava Pulquéria, negou-se a pagá-lo. 



Quando morre Teodósio desencadeou-se uma luta polo poder, na que a sua irmá, a continente Pulquéria (450-453), se apresentava como a única contendente de Crisáfio, uma vez que fora banida Eudóxia, acusada de adultério. Crisáfio era o chefe da facção dos verdes, que apoiara a Teodósio II, enquanto que Marciano, capitão da guarda, tribuno e senador, apoiava a facção dos azuis. Impôs-se a irmã do imperador, que casa com Marciano (450-457), também inimigo de Crisáfio, ao que nomeia imperador-consorte, com a promessa de respeitar a sua castidade.



Marciano ordenou que Crisáfio comparecesse perante um tribunal para dar conta dos seus crimes, e no caminho foi apedrejado pola multidão exacerbada e os seus bens foram confiscados. Negou-se a continuar pagando o tributo a Atila, e este, consciente de que não poderia tomar Constantinopla, dirige-se ao ocidente.



5.3.- Os eunucos durante o reinado de Valentiniano II



No Império de Ocidente, Valentiniano III (419-455), filho de Constâncio III (360-421) e de Gala Placídia (392-450),  namorou-se loucamente da esposa de Petrónio Máximo e matinou em como coabitar com ela. A este efeito, jogou ás cartas com ele e depois de ganhar pediu-lhe, como convieram, o seu anel em prenda, que lho enviou á  sua mulher e lhe disse que vinhesse a Palácio para falar com a imperatriz. Quando chegou levaram-na a um quarto afastado do da imperatriz Eudóxia, onde o rei a violou. Máximo decide tomar represálias contra o Imperador fazendo-o morrer, mais antes tinha que desfazer-se do obstáculo que para ele representava o general Flavio Aécio.”Ele empregou pois os artifício dos eunucos da corte, para fazer crer a Valentiniano que Aécio planeava uma revolta. Este príncipe deixou-se persuadir o que estas infâmias lhe inventavam, pois só sabia que Aécio era um home de talento e nobre; e assim fê-lo morrer. Diz-se que um romano disse uma palavra acertada a este propósito. Tendo-lhe perguntado o Imperador que lhe parecia a morte de Aécio, respondeu que não podia dizer, se nisto obrara bem ou mal, mas que estava seguro que fizera a mesma cousa que se com uma mão cortasse a outra160. Gala Placídia teve entre os eunucos de Palácio a Lauricio (fl. 423-443), que também exerceu como chamberlain de Valentiniano III. Construiu uma tomba para ele próprio num mosteiro anexo á Igreja de São Lourenço, em Ravena, a uns 600 metros da porta principal do bairro de palácio. 



5.4.- Concílioa de Seléucia e Arlés



Num suposto Concílio celebrado em Seléucia-Ctesiphão, capital do Império Sasánida de Pérsia,  também chamado Concílio de Mar Isáac, no ano 410, reitera-se o posicionamento da Igreja a respeito dos eunucos. A  Igreja volve reiterar a denegaçãodo aceso ao sacerdócio aos auto-emasculados no Concílio de Arlés do ano 452, no que estabelece que “Aqueles que sem ter-se resistido ao vício da carne, se castram, não podem formar parte do clero161. Não se pronuncia a respeito dos laicos. Por conseguinte, não se proscreve a castração senão que somente se proíbe que os que se castram a si mesmos voluntariamente podam aceder ao sacerdócio, mas não os que são castrados por outros, com o qual se abre a porta pequena para que continuem exercendo o seu ministério apesar desta prática, que seguiu sendo tolerada no seio da Igreja. Existia nesta instituição uma tendência á castração, seguindo o conselho de Jesus, e a manter esta prática em segredo, que os mesmos hierarcas não eram capazes de eliminá-la, o qual suscitava o perigo de que se coasse alguma mulher ao papado, como, supostamente passou com a papisa Joana, que ocupou a sede papal, com o nome de Bento III, do ano 855-858, de tal modo que em Roma, no processo de eleição papal, os candidatos deveriam superar uma prova de masculinidade, trás a qual, se a superavam, o comprovador anunciava aos cardeais presentes: «Duos habet et bene pendentes».






1  At. 8, 27-39

2  Is. 56, 5.

3  Mt. 5, 29: Cf. Mt. 18, 9.

4  JUSTINO, I apologia, 29, 2-5.

5  ATENÁGORAS, Legação em favor dos cristiáns, 33.

6  HIPÓLITO DE ROMA, Tradição Apostólica, Parte II, 16, 3-5.

7  HIPÓLITO DE ROMA, TradiçãoApostólica, Parte II, 16, 20.

8  HIPOLYUS OF ROME, Refutation of all heresies, Liv, V, cap. III, p. 99, em www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus

9  HIPOLYUS OF ROME, Philosophumena, Liv, V, 7, em  www.forgottenbooks.com/...pdf/

10  HIPOLYUS OF ROME, Refutation of all heresies, Liv, V, caps. II e III, em www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus

11  HIPOLYUS OF ROME, Philosophumena, Liv, V, 9, 10-11, em  www.forgottenbooks.com/...pdf/

12  HIPOLYUS OF ROME, Refutation of all heresies, Liv, IX, cap. VII, p. 236, em www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus. Cf. HIPOLYUS OF ROME, Philosophumena, Liv, IX, 12, em  www.forgottenbooks.com/...pdf/ 

13  CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Stromata, Lib. I,  15

14  BARDAISAN, O livro das leis do aís, 45.

15  CLEMENTE DE Alexandria, Strómata, lib. III, XVII, 102.

16  CLEMENTE DE Alexandria, Stromata, Lib. III,  13, 91.

17  CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Stromata, Lib. III,  13, 92

18  TOUGHER, SHAUN, The eunuch im antiquity and Beyond, The classical press of WaLes, 2002, p. 128.

19  CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Stromata, Lib. III,  13, 92

20  HORT, FENTOM JOHM ANTHONY (1911). "Basilides, Gnostic sect founder". Im Wace, Henry; Piercy, Wilhiam C. Dictionary of Christiam Biography and Literature to the End of the Sixth Century (third ed.). London: Johm Murray.

21  Concílio local em www.holytrinitymission.org/books/.../canones_concílios_locales.htm

22  Cânon LI, em www.voskrese.info/spl/Xapost-cano.htmlý

23  Atos de João, 52-53.

24  Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. V, cap. 24, 5.. Cf. São JEROME, De viris ilustribus, cap. 45.

25  CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Pedadogo, Lib. III, 3.

26  CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Pedadogo, Lib. III,  4, 26.3. Cf. Lib. III, 29, 2.

27  CLEMENTE DE Alexandria, Protreptico, II, 14.

28  CLEMENTE DE Alexandria, Protreptico, II, 24, 1.

29  CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib. III, 1

30  TOUGHER, SHAUN, The eunuch im antiquity and Beyond, The classical press of WaLes, 2002, p. 125.

31  TERTULIANO, Ad uxorem, I, 6.

32  TERTULIANO, De cultu feminarum, II, 9, 6-7.

33  TERTULIANO, De cultu feminarum, II, 9, 8.

34  TERTULIANO, O veu das Virgens, X

35  TERTULIANO, Exhortação á castidade, XII.

36  TERTULIANO, Adversus Martinonem, I, 1.

37 TERTULIANO, Adversus Martinonem, I,29.

38 TERTULIANO, Da monogámia, I, 4.

39  TERTULIANO, De Monogamia, Cap. III, 1-3.

40  SÃO PAULO, 1 Cor. 7, 25.

  KUEFLER, MATHEW, The manly eunuch, The University of Chicago Press, 2001, p. 259.

42  TERTULIANO, De Monogamia, Cap. III, 1-3. Cf.  KUEFLER, MATHEW, The manly eunuch, The University of Chicago Press, 2001, p. 266.

43  TERTULIANO, De Monogamia, Cap. VII, 4.

44 TERTULIANO, De Monogamia, Cap. V, 7.

45 TERTULIANO, De Monogamia, Cap. VIII, 4-5.

46  ORÍGENES, Comentário ao evanxelho de Mateo, 15, 3.

47  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 4.38.1.4-1.7.

48  Mt. 18, 8.

49  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 2, 1-2.2.

50  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 2, 4.

51  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 3, 1

52  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 4.5-4.7.

53  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 4.11. Cf. SANTO AGOSTINHO, As heresias, 37.

54  EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 1.1-1.3.

55  ORÍGENES, Comentário ao evanxelho de Mateo, 15, 3.

56  ORÍGENES, Comentário ao evanxelho de Mateo, 15, 5.

57  Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 1-2.

58  Hstory Of The Councils Of The Church, Vol. 1 a 5, CAP. II, Sec. 4, HEFELE, CHARLES JOSEPH, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtmlolumes.

59  Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 4.

60  Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 3.

61  Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 4.

62  ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes, Lib. V, 5, 1-4-6, 1-6.

63  ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes, Lib. V, 5, 16, 1-6.

64  ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes, Lib. V, 5, 17, 1-3.

65  EUSÉBIO DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VII, 32, 2-3.

  EUSÉBIO DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VIII b, 7, 4.

67  EUSÉBIO DE CESAREA, Historia eclesiástica, 10, 5, 23.

68  SÓCRATES, História eclesiâstica, Liv. V, introducião.

69  EUSÉBIO, História eclesiâstica, 8,17,1 ss; 10, 5, 2. Vie de Constantin, 3, 25 ss; 4, 62. LACTÂNCIO, De mortibus persecutorum, 34; 48. Liber Pontificalis. Vita Silvestri. Código Teodosiano, 16, 10, 1.

70  Eusébio, Hsitoria eclesiástica, VII, cap. 22, 3.

71  SÓCRATES, Historia eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 32.

  SOZOMENO, Historia Eclesiástica, Lib. VIII, cap. XXIV.

73  Codicis domini nostri iustiniani sacratissimi principis repetitae praelectionis, Lib. IV, 4.42.1. Cf. (Const. M. Opera. Migne Patrol. vol. VIII., 396.).

  A Hstory Of The Councils Of The Church, Charles Joseph Hefele D.D., Volumes 1 to 5 , The so called Apostolic Canons, www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

75  SOZOMENO, Historia eclesiástica, lib. II, Cap. IX.

76  Foxe's Book of Martyrs -13. Peresecutiom im Persia, www.exclassics.com/foxe/foxe15.htm13.

77  SÓCRATES, Historia eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMEN, Historia eclesiástica,  II, 2. Cf. SOZOMEN, Historia eclesiástica, III, 1.

78  HEFELE D. D. CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Sec. 53, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

79  SOZOMENO, Historia eclesiástica, IV, 12.

80  SOZOMENO, Historia eclesiástica, IV, 16.

81  TEODORETO DE CIRO, Historia da  Igreja, Lib. II, 16.

82  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, II, 10.

83  SÓCRATES, Historia eclesiástica, Lib. II, 2, 5-6. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, Lib. III, 1-4.

84  ZOSIMOS, Historia nova, Lib. II.

85  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 35.

86  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 36.

87  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 37.

88  TEODORETO DE CIRO, Historia da  Igreja, Lib. II, cap. 16.

89  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 41.

90  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 41.

91  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VI, 43.

92  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 51.

93  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 58.

94  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 60

95  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VIII, 68.

96  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, VIII, 75.

97  SÓCRATES, Historia eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III, 1.

98  SÓCRATES, Historia eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III, 1.

99  SÓCRATES, Historia eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III, 1;  V, 5.

100  SANTO ATANÁSIO,  Historia dos arianos, I, 4.

101  HEFELE D. D. CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Liv. IV, Sec. 58, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

102  TEODORETO DE CIRO, Historia da  Igreja, Lib. II, 24.

103  SANTO ATANÁSIO,  Historia dos arianos, III, 20.

104  SANTO ATANÁSIO,  Historia dos arianos, IV, 28.

105  HEFELE D. D. CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Liv. V, Sec. 73, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

106  SOZOMENO, Historia eclesiástica, IV, 12.

107  SANTO ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 38.

108  SOZOMENO, Historia eclesiástica,  VI, 5.

109  SOZOMENO, Historia eclesiástica,  VI, 5.

110  A History Of The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., The second General Council at Constantinopla, Secção 95, www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

111  A History Of The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., The second General Council at Constantinopla, Secção 99, www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml

112  SOZOMENO, Historia eclesiástica,  VII, 12.

113 SÓCRATES DE CONSTANTINOPLA, Historia eclesiástica, V, 25. SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 22.

114 SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 22.

115 ZOSIMOS, Historia nova, lib. V.

116  SÓCRATES DE CONSTANTINOPLA, Historia eclesiástica, VI, 8. Cf.   SOZOMENO, Historia eclesiástica, VIII, 8.

117  ZOSIMOS, Historia nova, lib. V.

118  ZOSIMOS, Nea historia, lib. V.

119  ZOSIMOS, Nea historia, lib. V.

120  ZOSIMOS, Nea Historia, Lib. V, 43.

121  ZOSIMOS, Nea historia, Lib. V.

122  ZOSIMOS, Nea historia, Lib. V.

123  PROCÓPIO DE CESAREA, Historia da guerra dos vândalos, Lib. I, cap. 2, 4.

124  PRUDÊNCIO, AURELIO, «Contra Símaco », Lib. I, 165-189 em Obras Completas, BAC, Madrid, 1981, p. 380/381.

125  PRUDÊNCIO, AURELIO, «Contra Símaco », Lib. II, 862-864 em Obras Completas, BAC, Madrid, 1981, p. 460/461.

126  PRUDÊNCIO, AURELIO, «Hamartigénia », 957 em Obras Completas, BAC, Madrid, 1981, p. 302-303.

127  The Life of St Pelagia the Harlot by Jacob the Deacon, caps. 13-14.

128  SANTO AMBRÓSIO, De viduis, 13, 75.

129  SANTO AMBRÓSIO, De viduis, 13, 76.

130 SANTO AMBRÓSIO, De viduis, 13, 77.

131  JEROME, Carta a Eustóquio, 22, 27.

132  KUEFLER, MATHEW, The manly eunuch, The University of Chicago, 2001, p. 261.

133  JEROME, Contra Joviniano, Lib. I, 12, 256.

134  JEROME, Contra Joviniano, Lib. I, 12, 256-257.

135  JEROME, Contra Joviniano, Lib. I, 13, 258.

136  JEROME, Contra Joviniano, Lib. I, 36, 295.

137  JEROME, Comentário a Mateo, Lib. III, 168 (16,13-22,40) em Obras Completas, BAC, II, Madrid, 2002, p. 258

138  JEROME, Comentário a Mateo, Lib. III, 168 (16,13-22,40) em Obras Completas, BAC, II, Madrid, 2002, p. 258

139  JEROME, Comentário a Isaías,, Lib. XV, 633, em Obras Completas, BAC, VIb, Madrid, 2007, p. 222.

140  JEROME, Comentário a Isaías,, Lib. XV, 634, em Obras Completas, BAC, VIb, Madrid, 2007, p. 224.

141  JEROME, Contra Xoviniano,, Lib. I, 271, em Obras Completas, BAC, VIII, Madrid, 2010, p. 226.

142  JEROME, Epístola CVII, 11.

143  SANTO AGOSTINhO, Confissões, Lib. VIII, cap. 1, 2.

144  SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 23.

145  SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.

146  SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.

147  SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.

148 SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 25.

149  SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 25.

150  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. II, 7.

151  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 7.3.

152  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 7.3.

153  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 10.

154  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 24.2.

155  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 26.

  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 26.

157  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 24.2.

158  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 25.

159  SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 28.

160  PROCÓPIO DE CESAREA, Historia dos guerras dos vândalos, Lib. I, cap. IV, 4.


161  A History Of The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., Liv. X, sec. 164, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml