25 may 2019

Os três ginetes do 155 seguem a cavalgar


                Faz tempo que venho dizendo que Espanha não negocia nem negociou nunca os problemas territoriais, como o demonstra o feito de que todas as suas colônias tiveram que recorrer à violência para independer-se. É certo que durante a transição democrática se chegou a acordos premidos por umas circunstâncias muito concretas que obrigavam a isso para lograr a integração em Europa e para que o regime ditatorial mudasse a sua face repressiva e mantivesse grande parte do seu poder, mas muitos dos acordos a que se chegou em matéria de distribuição territorial do poder foram, desde então, desnaturalizados por um tribunal constitucional que favoreceu sempre à equipa de casa, que eram sempre os unionistas, que são quem os elegem para o cargo e com os que têm que corresponder. Estas nudezes da democracia espanhola vêm-na compensando o espanholismo com o incremento da propaganda de que em Espanha há separação de poderes e independência judicial.

                Um dos últimos exemplos sangrantes dessa desnaturalização foi a resolução do Tribunal Constitucional, constituído irregularmente, de aceitar o recurso do PP para invalidar vários artigos do Estatuto de Catalunha apesar de ter sido já referendado polo povo catalão, uma vez laminado previamente polas Cortes para expurgá-lo de qualquer suspeita de inconstitucionalidade. O resultado foi que, em contra do estabelecido polo Estatuto de Autonomia de Catalunha, a norma de autogoverno do povo catalão não foi votada por este, e de Estatuto de Catalunha ficou em estatuto do PP para Catalunha. O resultado desta política é que agora todos os demais estatutos de autonomia podem ser reformados e desnaturalizados por um TC amigo, e, portanto, o sistema autonômico todo ele está em questão e sem visos de que se possa emendar este enorme dislate. Mas não para ai a cousa senão que continua descaradamente a campanha de acirramento dos políticos unionistas contra o povo catalão com o objetivo de obter reditos eleitorais à sua custa no resto do Estado.

                O castigo aos catalães por ter organizado um referendo não autorizado polos unionistas, apesar de ter-lhe desnaturalizado o seu estatuto, foi a aplicação do artigo 155 da CE em toda a extensão que lhes véu em ganha de jeito que servisse para destruir todo o que lhes pareceu oportuno, disser o que disser a sua literalidade, incluído o de nomear e depor presidente da Generalitat. A partir desse desaguisado original agora a direita vem utilizando a ameaça de pô-lo em prática sem que exista motivo nenhum que o justifique, e a extrema direita proclama a vento e mareia que cumpre eliminar os mesmos estatutos de autonomia.

                O último fito dos despropósitos é o escândalo do processo judicial contra os independentistas catalães por organizar um referendo pacífico de independência, sem a autorização do governo estatal que se negou em redondo a pactuar com eles nada referente ao seu futuro como povo. A única solução que lhe oferece o PSOE é uma convivência forçada e sempre que se exclua qualquer poder de decidir, e isto um partido que historicamente defendeu o direito de autodeterminação dos povos; os demais partidos só oferecem pau e tem-te teso. Ninguém observou violência de nenhuma classe, salvo a exercida polos corpos de segurança do Estado, e o que devia saldar-se com denegar-lhe o valor a esta iniciativa, orientou-se pola via da construção dum relato inventado para poder castigar exemplarmente um país com forte personalidade de seu, com aviso a navegantes, para procurar povos sem direitos e dóceis aos desígnios dos unionistas após ter desnaturalizado todos os estatutos de autonomia.

                Este processo teve como corolário a suspensão dos deputados independentistas por ter sido acusados dum delito de rebelião que ninguém vê, salvo o relato policial, depois de serem autorizados polo tribunal julgador a apresentar-se às eleições do 28 A, ser elegidos polos cidadãos da sua circunscrição respetiva, ser autorizados a recolher a ata, poder assistir à apertura da legislatura, não ter sido condenados por nada até o momento, nem inabilitados para o exercício dos seus direitos parlamentares e depois de passar já por uma dilatada prisão preventiva, muito dificilmente justificável a olhos próprios e alheios, e que deveu terminar polo menos uma vez elegidos deputados, com a finalidade de que o Pleno do Congresso pudesse conceder, se o estimava oportuno, o correspondente suplicatório, mantendo entretanto o juízo em suspenso. Com isto conseguiu-se poder alterar o cômputo das maiorias da câmara e facilitar que o governo possa ser investido sem contar com os votos de parte significativa da população por meio dos seus representantes, que vê anulada polos tribunais o seu poder de intervir na vida. pública por meio dos seus representantes, salvo que se lhes permita in extremis delegar o seu voto noutro parlamentar. É um autêntico sem sentido que, em vez de criar as condições que permitam que todos os povos convivam pacificamente e a gosto no estado espanhol, se esteja a avivar desde já faz tempo, a través dos meios de comunicação e dos partidos políticos unionistas, um ódio visceral entre eles, e a criar um clima geral de exaltação patrioteira espanholista que todo o resolve a base de bravatas testiculares e de colocar uma bandeira espanhola cada vez mais grande e negar a diferença e a existência de povos com direitos, que possam decidir pacificamente o seu futuro.

                Chegados a este ponto a solução não se aventura nada fácil, porque os nacionalistas não vão desaparecer por muita propaganda e ódio que o nacionalismo expansivo espanhol espalhe contra os nacionalismos defensivos dos povos periféricos do estado espanhol. Uma reforma da CE parece descartada no momento presente porque as direitas carecem de qualquer vontade negociadora e não está disposta a conceder nada aos que acusa de ter dado um golpe de estado porque parte da população catalã foi votar no referendo. Por outra parte, a via dos estatutos fica invalidado porque o TC invalidou a única garantia que tinham os estatutos de que qualquer reforma necessitaria da participação dos afetados. O órgão do estado que tem todo o poder de hetero-determinação dos povos, além dos unionistas espanhóis, é o próprio TC.

                Estes factos desacreditam os unionistas, e semeiam o cepticismo na proposta de diálogo de Sánchez, que parece ficar numa mera pose de cara à galeria, muito semelhante à oferta de diálogo de Mariano Rajoy e carregam de razões os independentistas, que podem proliferarão por todas partes. Sánchez aplica a via repressiva sempre que se tercie, concordando com a direita mais radical de PP e C’s e compagina esta prática com confissões formais de diálogo com os reprimidos. É uma pena que se tivesse optado por esta via, que é a menos sensata de todas, e também a de mais duvidosa legalidade. Professores espanhóis significados em direito (Urias, Cuevilhas, Antoni Bayona, Pérez Royo,...) alegam que é uma via claramente ilegal , porque se aplica não a deputados em exercício do cargo e por um delito sobrevindo na sua atuação, como contempla a legislação, senão a políticos que foram processados quando não ostentavam a condição de parlamentares, elegidos ex novo e que depois uma vez elegidos não cometeram nenhum delito. Não se pediu o correspondente suplicatório ao pleno do Congresso, como é preceptivo, parece que com a finalidade de que não se dilate o processo, nem, de momento, tampouco se previram as medidas para garantir os seus direitos e prerrogativas.

2 may 2019

Fracasso do hibridismo


                Já criticamos no seu momento as operações de mistura de projetos políticos que originariamente não compartiam o mesmo modelo de estado, ou seja, a maridagem de projetos nacionalistas galegos com projetos nacionalistas espanhóis. Este foi um erro persistente no nacionalismo e galeguismo do nosso país desde a transição de 1978 e praticada polos mesmos dirigentes que teoricamente manifestavam doestá-la. Desconfiando das suas próprias forças e da viabilidade dos projetos radicados na Galiza, espalhavam aos quatro ventos que os problemas galegos se resolveriam com a camaradagem com as esquerdas unionistas, e incluso se sugestionavam a si mesmos e fiavam a solução do problema galego ao convívio com as esquerdas europeias e espanholas, aliás fortemente espanholistas.

                Começaram a ceder nos princípios, concordando com a esquerda «desunida» espanholista em que neste momento era mais importante o problema social que o problema de identidade, como se fossem incompatíveis e não pudéssemos cantar e montar a cavalo ao mesmo tempo, ser nacionalistas e esquerdistas simultaneamente. Sentado isto, o único que interessava era o êxito fácil, ainda que fosse a custa de projetos descafeinados e mal articulados nos que literalmente se hipotecava o futuro do país ao tempo que contribuíam a descabeçar as forças próprias e ressuscitavam cadáveres aos que lhe entregavam a representação política da nossa terra. Isto compassava-se de frases grandiloqüentes, de retórica vazia e de mística pseudo-revolucionária só ao alcanço das elites iluminadas que são as únicas que podem aceder ao conhecimento da autêntica realidade, do que estão excluídos os errantes mortais.

                O BNG não servia, a AGE passou-lhe o mesmo, Em Maré tampouco; a solução é criar outro novo instrumento cometendo de novo os mesmos erros de maridagem? Perante o fracasso estrepitoso desta operação, agora toca culpar ao «outro» dos próprios desatinos para continuar exercendo de grandes timoneiros dum povo galego ao que levaram a um beco sem saída. Dá nojo ver que os cidadãos galegoss, que chegaram a colocar o nacionalismo galego como segunda força no 1998, contemplam agora atônitos o desnorte dos líderes beneficiados com o seu apoio entusiasta e sincero. Quantos optaram por outras alternativas por não considerar merecedor da sua confiança o projeto nacionalista! Alguém deveria pedir perdão, mas isso também necessita um valor que não está ao alcanço de todos.

                Hoje contemplamos que o BNG que passou de 300 mil votos em dous mil foi decrescendo nos seus apoios até obter nas últimas de 2019 só 93.000, com um incremento notório sobre 2016, mas totalmente insuficiente. É uma força que tem o mérito de ter-se mantido sempre fiel a um projeto de país, mas cumpre abri-lo mais à sociedade. Em Maré só chegou nestas eleições a 17.700 votos, como resultado do fracasso total do hibridismo, que, ao tratar-se de eleições gerais, beneficiou a Unidas Podemos.A este estrepitoso fracasso também contribuiu a falta de compromisso do grupo parlamentar de Unidos Podemos com Galiza, que não defendeu os interesses do nosso país. O resultado é que enquanto várias comunidades de Espanha, além das nações históricas, obtiveram representação em Madrid, Galiza, uma vez mais ficou sem representação.

                Creio que não é momento de deixar-nos vencer polo desânimo, senão de chegar a acordos entre todos os nacionalistas, militem numa formação ou noutra, que concordem no princípio de autodeterminação e que creiam no futuro deste velho país e nas suas gentes. Cumpre começar um projeto de desconstrução do hibridismo e apostar por forças próprias como princípio cardinal. Se a convivência de militantes nacionalistas galegos tem os seus problemas, como se pôs de manifesto no 2012, muito mais problemática é a convivência de nacionalistas galegos e espanhóis, e não se trata de que uns sejam melhores que outros senão de que as dinâmicas de ambos nacionalismos são distintas. Eu considero que muitos dos militantes de Em Maré, especialmente que são membros de Anova são muito válidos para defender um projeto de país, e esta formação poderia coligar-se com o BNG para somar entre todos. Creio que os que conduziram à situação atual devem ceder a outros o seu protagonismo.