17 jun 2017

Nação e plurinacionalidade



               A plurinacionalidade vem sendo defendida habitualmente por Podemos e ultimamente também foi assumida polo PSOE, polo menos nominalmente, no seu Congresso de junho de 2017, mas existe uma diferença importante entre as duas propostas. O PSOE fala de aperfeiçoar o reconhecimento do caráter plurinacional do Estado, o qual já implicaria que o Estado espanhol já é plurinacional; de definir Espanha como nação de nações, que foi uma proposta que já alguns deputados propuseram quando se debateu o artigo 2 da atual constituição, ao tempo que os socialistas Manuel Escudero e José Félix Tezanos, coordenadores do programa socialista, pontuaram que a proposta da plurinacionalidade não implicava posicionar a existência de nações políticas, mas de nações culturais; de substituir o Estado das autonomias por um Estado federal, mas sempre mantendo que a soberania é única e reside no povo espanhol. Portanto, temos que ajuizar se Espanha é uma nação, se o Estado espanhol já é plurinacional, se tem sentido falar duma uma nação de nações, se a soberania reside só no povo espanhol, se a soberania é única, mas primeiro temos que precisar que é uma nação.

               A palavra nação vem do verbo latino nascor, que significa nascer; logo, a nível etimológico, a nação é o lugar de nascimento. Os medievais utilizavam o termo nesta acepção quando se referiam ao agrupamento dos alunos por «nationes» nas universidades de Bolonha, Paris, Salamanca, Praga, etc. para procurar-se mútua proteç4ao num país estrangeiro. Em Bolonha foi onde primeiro surgiu a divisão em nações, que logo se estenderia às demais universidades europeias. Num início a palavra não tinha uma conotação política nem existiam a esta altura as entidades políticas que chamamos nações.

               Que é uma nação a nível político? Quando lecionava aulas costumava perguntar-lhe aos alunos e à vezes também a algum professor que entendiam por nação e a resposta era invariavelmente que uma nação é uma comunidade com língua própria, cultura, território, etc., mas sempre lhe retrucava que uma nação não é isto, senão que isto é uma etnia, que os sociólogos definem como um povo que se vê distinto dos demais e é visto polos demais como distinto por razões culturais. Este foi também o erro no que incorreu o ilustre galeguista Ramón Chao Rego, que creu solucionar o problema da Galiza reduzindo-a a uma etnia. De ser isto assim, na Idade Média a Galiza já seria uma nação, que foi um erro no que incorreu o insigne Castelao.

               Para evitar suspicácias de deriva nacionalista, tomarei uma definição de nação dum autor nada suspeitoso de nacionalismo, o professor de Filosofia do Direito da Universidade de Oviedo, o cacerense José Delgado Pinto: a nação é “a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade a respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma política autônoma” (G.E.R., t. 16, p. 537). Nesta definição aparecem quatro componentes fundamentais da nação: a) comunidade estável, e, portanto, um conglomerado de pessoas que assistem a uma partida de futebol ou a um concerto, independentemente da sua quantia, não é uma nação. Uma comunidade implica uma estrutura dotada de ordem, hierarquia, roles dos seus membros, etc. b) Os vínculos referem-se ao facto diferencial; toda comunidade nacional tem que ter algum elemento que a diferencia das demais, este elemento pode ser cultural, como a língua, cultura, religião, morfologia social; ou natural, como a raça ou o território. Como mínimo uma comunidade tem que ter um elemento diferenciador, mas, como no caso galego, pode ter vários, como a língua, cultura, direito tradicional,... c) ter consciência de si como uma realidade diferenciada que é vista também polos demais como um povo distinto, e d) a determinação de reger o seu destino e, portanto, dispor ou lutar polo direito de autodeterminação ou de decisão. Em geral, o nacionalismo galego insistiu muito nos vínculos diferenciais e muito menos na consciência de si e na determinação de reger os seus destinos próprios. Isto deveu-se a que as elites espanholistas lograram controlar a mídia galega e impor a sua visão à sua maioria social, e afogar as aspirações nacionalitárias, que nacionalismo galego não foi capaz de contra-arrestar. O mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça, terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade nacional, que é quiçá o elemento mais importante porque um povo, em definitiva, vai ser o que decida ser e o traduza nas urnas. De facto, a sua definição de nação tomada de Estaline não a recolhe em absoluto: a nação é “uma comunidade humana estável historicamente formada de idioma, território, de vida econômica e de hábitos psicológicos refletidos numa comunidade de cultura” (S.G., p. 39).

               Que o d) é o elemento mais importante da nação indica-o a atitude de oposição por parte dos espanholistas, no estado espanhol muito sinaladamente por parte do PP, C’s e também polo menos o PSOE anterior a Pedro Sánchez. A razão estriba em que um povo se adquire o status de nação tem direito de autodeterminação ou, dum modo equivalente, poder de decisão, e isto é o que lhe produz urticária aos que querem ter controlado todo o devir da política no Estado espanhol e mandar desde a capital da Corte. 

               Também como consequência deste quarto elemento, a nação é a instância última legitimadora do poder político numa comunidade nacional, quer dizer que os governantes legitimam-se polo voto dos cidadãos da nação, e não de instâncias alheias à ela. A nação é também o destino dos afãs e da lealdade dos seus nacionais. Por conseguinte, a nação própria dum cidadão é aquela à que lhe merece a sua maior lealdade, e, por tanto, para os catalães e, em geral, para os que dizem que a sua comunidade is not Spain, a sua nação não é Espanha, e as lealdades últimas não se podem dividir. Isto implica que um não pode ter duas nações, salvo nações de conveniência. Quando surge um conflito entre ambas, é quando um cidadão se posiciona por uma ou por outra. Falar de nação de nações não tem sentido, porque implica subordinar a própria nação, a que realmente se sente, a outra nação superior que é quem realmente tem o poder decisivo de decisão.

               Alguns autores espanhóis, sempre propensos a recorrer a eufemismos para disfarçar a realidade, utilizaram o termo nacionalidade para sacar-lhe a carga ideológica ao termo nação. No artigo 2 da CE de 1978 afirma-se que a Constituição “garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões”. Introduziu-se o termo nacionalidade, por pressão dos nacionalistas catalães de CiU e dos comunistas, pretendendo que servisse de referência para catalães, bascos e galegos, mas compaginando-a, por pressões dos militares e dos franquistas com a frase “a Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis”, que anulava qualquer carga política real do termo nacionalidade. Esta solução pareceu satisfazer a todos, mas ficou sem virtualidade nenhuma porque uns partidos entendiam a Espanha como uma nação de nações e outros como uma nação de nacionalidades, entendidas estas como nações de segunda categoria. Por tanto, a solução que agora propõe Pedro Sánchez como um grande adianto, já figurava recolhido na CE de 1978. O professor De Blas Guerrero entende a nacionalidade como “a nação que não transcendeu a uma organização política própria”, ou seja, que não se dotou dum estado, enquanto que outros a entendem como nação cultural, mas a tendência a desenvolver uma vida política autônoma é consubstancial com o conceito de nação, e de ai que a proposição de Sánchez de entender as  nações periféricas como nações culturais é uma contradição nos termos, pois toda nação tem que ter um componente político, além de que mantém a subordinação delas à nação espanhola. Como vemos, nada realmente novo, salvo a propaganda com a que se acompanha este suposto grande descobrimento.

               Na proposta do PSOE há outros problemas importantes. Um é o da unidade de soberania do povo espanhol, o qual implica negar a maioria de idade dos outros povos como o catalão, vasco e galego, e subordiná-los ao povo espanhol. Tendo em conta que nos estados federais, os depositários da soberania originária são os estados que se federam, que, atuando como estados a federar, decidem ceder parte dessa soberania e competências, por um pacto, um foedus, de onde vem a palavra federal e federalismo, a um único estado que é o estado federal, que sempre incluem as de assuntos exteriores, defesa e moeda, os estados federados retêm a soberania naquelas matérias não cedidas, como podia ser o caso da língua, cultura,...

               É Espanha uma nação tal como reza a Constituição espanhola? Eu responderia que depende. Se entendemos Espanha como uma realidade distinta das outras nações, si que é uma nação, mas Espanha como conjunto, que Castelao grafava Hespanha, não é uma nação senão um estado composto por vários povos que são nações, e nomeadamente por Catalunya, Euskadi e Galiza, que seria necessário reconhecer como tais, e enquanto não se faça, é inconsistente falar de que Espanha é um estado plurinacional. Considero que num Estado federal, as diversas nações e regiões que formam parte de nações deveriam poder federar-se entre si, porque é uma incongruência que se estabeleça um estado federal no que se proíba que as suas nações ou nacionalidades e regiões se federem, como passa na atual CE. Em consequência, Euskadi deveria poder federar-se com Navarra e Euskadi Norte; Catalunya com Valência e Baleares, e Galiza deveria poder pactuar com Portugal, principalmente com o Norte, que formava parte da Gallaecia.

               Os estados dividem-se em unitários e federais. Os primeiros são estados de soberania única e os segundos são estados nos que a soberania é compartidas entre os estados federados e o estado federal. Para que exista um estado federal tem que haver um pacto, e para estabelecer um pacto há que reconhecer a personalidade dos pactuantes, que são quem decidem concertar um pacto entre iguais polo que cedem a um estado novo, que é o estado federal, determinadas competências. Por conseguinte, falar de soberania única e de estado federal é contraditório. A soberania tem que ser, polo menos, compartida. Se se optar por uma confederação de estados, como fez Suíça num princípio, os estados membros retêm a soberania total e não criariam um novo Estado senão órgãos de coordenação, como é o caso da atual UE.


            

16 jun 2017

Plurinacionalidade do Estado espanhol



               Na moção de censura defendida por Unidos Podemos um dos eixos fundamentais foi a plurinacionalidade do Estado espanhol, defendida valentemente por Iglesias. Dizemos valentemente porque sabe que isso o enfrenta ao trio espanholista C’s, PP e PSOE, por esta ordem, que baseiam a sua política na defesa da sagrada unidade da nação espanhola, única e indivisível que aproveitam para esporear em torno a esta ideia aos seus votantes afogueados já em torno a ela durante os quarenta anos do período franquista. A competência por liderar esta ideia ou não ficar marginados ante os votantes curtidos nela foi o que motivou que Pedro Sánchez lhe oferecesse o seu apoio a Rajoy, sem ser-lhe demandado, na sua teima de fazer volver ao rego os catalães e obrigá-los a que se façam bons rapazes e aceitem a «realidade» das cousas, o destino da história e da natureza. Defendem esta tese aduzindo uma afirmação profusamente difundida polos pensadores espanholistas de que Espanha é a nação mais antiga de Europa, supondo gratuitamente que a nação espanhola se fundou durante o reinado dos Reis Católicos, e, por tanto, no século XV. Isto é o que temos que tratar agora.

               O dia 15/06/2017 a imprensa publicou que “O líder de Podemos atribui ao nacionalista galego (Xosé Manuel Beiras) a paternidade da aposta por um Estado plurinacional”, mas, sem restar-lhe nenhum mérito a este dirigente antes da sua caída do cavalo, esta afirmação é totalmente errônea, como se demonstra polo seguinte texto de Castelao do ano 1937 quando o Beiras tinha um ano: “Os federalistas entendíamos que, para devolver-lhe a Hespaña o seu ser autêntico, era preciso abrir os olhos à realidade e coordenar, dentro dum Estado plurinacional, os interesses materiais e morais dos diferentes povos. Desejávamos um Poder emanado do povo, querido do povo e a carão do povo. Para isto era indispensável truncar o fio da História; mas os Castelares da segunda República adoravam as abstrações mumificadas... Lembrai aquela frase de Lerroux, pronunciada na noite do 6 de outono do 1934: «¡Vamos a continuar la Historia de España!» Pois bem; esta frase patrioteira pode repetir-se...” (S.G., p. 60). Pode ver aqui o Sr. Iglesias que a frase vem de longe, igual que a luta dos povos peninsulares por lograr um status político distinto. Por conseguinte, a demanda de constituir um estado plurinacional é muito velha e remonta-se, polo menos, ao ano 1923 em que se assinou o Pacto da Tripla Aliança entre os catalão, galegos e bascos que defendem que constituem “uma aliança para a ação conjunta e a mútua ajuda na campanha pola liberdade nacional dos três povos... Reivindicam o direito dos três nações a dispor livremente dos próprios destinos e a viver segundo um regime de plena soberania política, afirmam a vontade dos galegos, dos catalães e dos bascos de conquistar com o próprio esforço e por todos os meios lícitos, a liberdade nacional” (Congresso Castelao, PP. 345 e 322). Numa entrevista que lhe fizeram faz uns dias ao líder de Podemos perguntaram-lhe se Espanha era um estado autoritário, e respondeu que com Rajoy si funciona como um estado autoritário, mas se alguém o nega, deveria responder à questão de se é ser flexível, democrático e respeitoso com as realidades nacionais um estado que oferece como única alternativa às legitimas demandas dos povos distintos do espanhol a propaganda, um sistema judicial controlado nas altas instâncias polo poder, a guerra suja contra os dirigentes doutras formações políticas, o medo e a repressão.

               Pode também comprovar o Sr, Rivera porque à vezes o qualifico de novo Lerroux, porque em realidade vem oferecer-nos como saída a pior história e Espanha, a história da Espanha corrupta e fracassada. Pode-se observar que o Estado espanhol foi incapaz de articular satisfatoriamente o poder das suas nações e manteve-se cego e surdo às aspirações dos diversos povos que o conformam apesar da longa história de reclamações neste sentido por parte das comunidades diferenciadas que o integram. É eloquente manifestação desta incapacidade o que escrevia Ortega em 1932: “Eu sustenho que o problema catalão, como todos os parelhos a ele que existiram e existem noutras nações, é um problema que não se pode resolver, que só se pode conlevar, e ao dizer isto conste que significo com isso, não só que os demais espanhóis temos que conlevar-nos com os catalães, senão que os catalães também tem que conlevar-se com os demais espanhóis” (Obras Completas, t. 11, p. 458). Ou seja, que segundo este ínclito filósofo encantador de serpentes que é capaz de solucionar um problema afirmando que não se pode solucionar, não fica outro remédio que suportar-nos mutuamente. A melhor encarnação desta posição orteguiana é a política de resistência do PP: há que aguentar até que se cansem de pedir e peçam papas, e isto permitirá espalhar aos quatro ventos que a democracia espanhola é forte e robusta, porque é capaz de submeter a qualquer povo que se lhe resista.

               Antes de dilucidar quando surgiram as nações cumpre que analisemos que é uma nação. Quando lecionava aulas costumava perguntar-lhe aos alunos e à vezes também a algum professor que entendia por nação e a resposta era invariavelmente que uma nação é uma comunidade com língua própria, cultura, território, etc., mas sempre lhe retrucava que uma nação não é isto, senão que isto é uma etnia, que os sociólogos definem como um povo que se vê distinto dos e é visto polos demais como distinto por razões culturais. Este foi também o erro no que incorreu o ilustre galeguista Ramón Chao Rego, que creu solucionar o problema da Galiza reduzindo-a a uma etnia. Sendo isto assim, na Idade Média a Galiza já seria uma nação, que foi um erro no que incorreu o grande Castelao.

               Que é uma nação? Para não ser suspeitoso de deriva nacionalista, tomarei uma definição dum autor nada suspeitoso de nacionalismo, o professor de Filosofia do Direito da Universidade de Ovieu, o cacerenho José Delgado Pinto: “a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade a respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma política autônoma” (G.E.R., t. 16, p. 537). Nesta definição aparecem quatro componentes fundamentais da nação: a) comunidade estável, e, portanto, um conglomerado de pessoas que assistem a uma partida de futebol ou a um concerto, independentemente da sua quantia, não é uma nação. Uma comunidade implica uma estrutura com ordem, hierarquia, roles dos seus membros, etc. b) Os vínculos referem-se ao facto diferencial; toda comunidade nacional tem que ter algum elemento que a diferencia das demais, este elemento pode ser cultural, como a língua, cultura, religião, morfologia social; ou natural, como a raça ou o território. Como mínimo uma comunidade tem que ter um elemento diferenciador, mas, como no caso galego, pode ter vários, como a língua, cultura, direito tradicional,... c) ter consciência de si como uma realidade diferenciada que é vista também polos demais como um povo distinto, e d) a determinação de reger o seu destino e, portanto, dispor ou lutar polo direito de autodeterminação ou de decisão. Em geral, o nacionalismo galego insistiu muito nos vínculos diferenciais e muito menos na consciência de si e na determinação de reger os seus destinos próprios. Isto deveu-se a que as elites espanholistas lograram controlar a mídia galega e impor a sua visão à sua maioria social, que nacionalismo galego não foi capaz de contra-arrestar O mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça, terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade nacional, que é quiçá o elemento mais importante porque um povo, em definitiva, vai ser o que decida ser e o traduza nas urnas. De facto, a sua definição de nação tomada de Estaline não a recolhe em absoluto: “uma comunidade humana estável historicamente formada de idioma, território, de vida econômica e de hábitos psicológicos refletidos numa comunidade de cultura” (S.G., p. 39).

               Quando surgiram as nações? Vários autores espanhóis e não historiadores precisamente lograram espalhar a falsa teoria, repetida a eito por pessoas pouco versadas nestes temas, que Espanha é a nação mais velha do continente europeu. Assim, Ortega e Gasset diz em Espanha invertebrada que “Teve Espanha a honra de ser a primeira nacionalidade que logra ser uma, que concentra no punho dum rei todas as suas energias e capacidades” (p. 144). Segundo Julián Marías o processo nacionalizador inicia-se na segunda metade do século XV nos países ocidentais de Europa e os primeiros países que se nacionalizam são Espanha, Portugal, França, Inglaterra; logo Holanda, Suécia, Prússia e Áustria; ás últimas, Alemanha e Itália. Mas frente a esta teoria cumpre dizer que a nação não pode surgir antes do nacionalistas, que são quem dão lugar à nação. O nascimento das nações se produz quando a intelligentsia dum Estado ou duma etnia consolida uma legitimação nacional do poder, utilizando como meio certos atributos comuns a uma ou várias etnias, resultando desta arte Estados mono ou pluriétnicos. Nestes últimos, se não se produz uma nacionalização exitosa do poder a escala estatal, como aconteceu no caso de Espanha, propiciará que a intelligentsia de alguma das etnias periféricas intente legitimar o poder em base a atributos da comunidade étnica própria, dando lugar á construção de novas nações e por conseguinte a novos Estados independentes ou a um Estado plurinacional, na que diversas nações pretenderão estabelecer uma difícil convivência em pé de igualdade: tal seria a origem dalguns dos Estados federais ou confederais. Segundo H. Kohn "O NACIONALISMO, tal como o entendemos nós, não é anterior aos últimos cinquenta anos do século XVIII. A Revolução Francesa foi a sua primeira grande manifestação, dando ao novo movimento uma força dinâmica crescente" (KOHN, HANS, Historia del nacionalismo, Fondo de Cultura económica, Madrid, 1984, p. 17. Ver também nota 1, cap. 1, p. 479).

Vários autores espanholista difundiram a ideia que os Reis Católicos fundaram, com o seu casamento, a unidade de Espanha, como já recolhe Castelao no seu tempo, “mas é mais certo que cada um deles regia separadamente os bens anexos à sua coroa, e depois de morta Isabel ainda volveu a casar-se Fernando em busca dum herdeiro que anulasse o compromisso do Tanto Monta, quer dizer, o dobre e forçoso reinado que recairia em Juana la Loca, e somente à esterilidade da segunda mulher de Fernando se deve a soldadura de Castela e Aragão. A prova de que não existia uma unidade hespañola está em que o cerramento da Reconquista cumpriu-se com a incorporação de Granada à coroa de Castela, ficando a coroa aragonesa desvinculada deste novo aporte. Somente Felipe II creu ter consumado a unificação política da Península ao sentar-se no trono português”(S.G., 313). A rainha Isabel estabeleceu no seu testamento que, ainda que a herdeira do trono era a sua filha Joana, o rei Fernando administraria e governaria Castela no seu nome polo menos até que o infante Carlos, primogênito de Joana, tiver cumprido vinte anos. Isto indica que os dous reinos não estavam soldados numa unidade a esta altura.

14 jun 2017

Moção de censura contra o governo de Rajoy



A moção de censura promovida por Unidos Podemos contra o governo de Rajoy véu precedida duma forte campanha de descrédito por parte de certos mídia muito influentes, tanto da Galiza como da capital do Estado, que estão muito interessados em que esta formação patine para que todo siga igual. Num artigo anterior do mês de maio já me tinha posicionado sobre a conveniência de apresentar uma moção de censura, incluso ainda que não se somasse o PSOE, porque este partido não merece muita credibilidade à hora de procurar cambiar o statu quo socioeconômico e político e implantar medidas que beneficiem à maioria social, e, especialmente, aos que suportaram o custo da crise, as classes baixas e médias. Creio que os meus vaticínios foram acertados e que, os dias 13 e 14 de junho, pudemos escutar toda uma série de medidas que, de levá-las à prática, fariam do Estado espanhol um pais mais habitável e justo onde todos nos sentiríamos mais cômodos, especialmente os que vivemos em povos com personalidade de seu que se negam a ser assimilados polo onipresente e asfixiante nacionalismo espanhol. Vou destacar alguns dos fitos que me pareceram importantes.
Para corrigir esta situação de corrupção o candidato Iglesias propôs algumas medidas muito importantes que nunca se quiseram implementar no Estado espanhol, mas que já estão vigentes em muitos países, o qual indica um intento claro de consagrar polos factos consumados a política de espólio do público, e, por tanto, dos haveres de todos os cidadãos, em benefício privado duns poucos.
                A estrela do debate, presente tanto nas intervenções de Irene Montero como de Pablo Iglesias, foi o imenso oceano de corrupção que anega o Estado espanhol, e que representa um pesado fardel, cifrado por Iglesias em noventa mil milhões de euros, que os cidadãos se vem obrigados a suportar para enriquecer aos seus governantes e aos seus favorecidos, além do nocivo exemplo de contágio que produz na massa social. O PP não está em disposição de fazer frente a esta lacra porque a sensação que se extrai das notícias que se propalam um dia sim e outro também na mídia é que todos os que ocupam cargos relevantes nesta formação estão besuntados de corrupção. Frente a isto, a tática deste partido consiste em negar a realidade, resistir o embate da mídia e da cidadania e esperar a que a tormenta amaine para poder sair indemnes deste transo. Aliás, é humilhante que o PP chegue afirmar quando lhe interessa que as leis estão para cumprir-se e a consubstancializar a democracia com o estado de direito ao tempo que a cidadania observa a grande quantidade de cargos imputados por corrupção, e, portanto, por incumprir a lei. O candidato recorreu à história para documentar diversos casos de corrupção que volvem a reiterar-se nos nossos dias e que documentam que o Estado espanhol foi, polo menos na sua etapa bourbônica, um ninho de corrupção que sorve as energias dos cidadãos em benefício das elites dirigentes, se assim podem chamar-se porque em vez de elites dirigentes deveriam denominar-se elites extrativas, que extrair e chuchar foi o que fizeram realmente.
                Das onze propostas de Iglesias para lutar contra a corrupção, destacamos as seguintes: “Uma lei de contratos públicos que impossibilite os contratos sem publicidade”. Considero que os contratos a dedo, sem autêntica concorrência das empresas interessadas que possam competir entre si em igualdade de condições pola atribuição das obras públicas, é uma das fontes mais importantes da corrupção. Uma das práticas recorrentes nas administrações espanholas é o amiguismo em política que se traduz na concessão de obras a empresas predeterminadas em condições sem verdadeira concorrência das demais, amiguismo que deriva em clientelismo eleitoral e, portanto, no mantimento do poder para os que governam.
                Uma segunda medida é reforçar a independência do Poder Judicial, do Tribunal Constitucional e da Fiscalia Geral do Estado e adscrever a Policia Judicial aos julgados e tribunais com a finalidade de que não dependa organicamente do governo ao que tem que investigar. Nos nossos dias é o governo quem nomeia o Fiscal Geral do Estados, de quem dependem organicamente todos os demais fiscais e são os partidos majoritários os que nomeiam os membros do Conselho Geral do Poder Judicial e do Tribunal Constitucional que depois vão tomar decisões que favorecem a quem os nomeou. Isto motiva que não existe no Estado espanhol uma autêntica separação de poderes, por muito que Rajoy insista no contrário, que é um requisito imprescindível para que exista autêntica democracia. Haveria que reverter também as medidas tomadas polo PP, nomeadamente a lei Berlusconi, para que os julgados disponham do tempo e meios necessários para investigar os casos de corrupção com a finalidade de poder lutar eficazmente contra a corrupção.
Também propôs introduzir no Código Penal o delito de enriquecimento ilícito, pois é inapresentável que um político ou um empresário se enriqueçam à custa de espoliar os bens dos cidadãos. Alguns alegam que este delito já está recolhido no Código Penal, mas isto é equívoco porque o que se recolhe no artigo 401 é o enriquecimento ilícito dum funcionário no exercício do seu cargo, mas não afeta aos políticos, sempre que não sejam funcionários ou que sendo funcionários não o façam no exercício do seu cargo. O contrário seria, tal como se faz agora, bendizer a espoliação. Não estaria tampouco incluído o caso dos que se enriquecem evitando pagar impostos em paraísos fiscais.
                Outro dos eixos da moção foi a plurinacionalidade do Estado, também presente nos dous líderes citados que o PP, C’s e o PSOE não são capazes de reconhecer e muito menos pôr em prática. Irene disse que o PP mantém um espanholismo râncio e nunca tendeu pontes, nunca fizeram nada. “O seu projeto de Espanha contra Catalunya só pode dar asas a uma Catalunya sem Espanha”. Podemos fez uma aposta valente polo reconhecimento da plurinacionalidade do Estado porque é consciente de que luta em contra da propaganda oficial do espanholismo rampante, representado polos citados partidos, que é totalmente renuente a reconhecer um direito básico fundamental como é o direito dos povos a ser reconhecidos como tais e o direito que lhe compete a decidir livremente o seu futuro sem impedimentos externos. Ante qualquer iniciativa neste sentido de seguida retrucam que isso é inconstitucional, considerando a CE como um livro sacrossanto à que há que render reverência e preitesia.
Todo o mais ao que chega o tandem PP, PSOE e C’s é a propor que votem sobre Catalunya todos os cidadãos espanhóis, o qual é indicativo da falta de reconhecimento do direito dos povos que se sacralizou na CE onde só se reconhece como tal o povo espanhol, pois a ninguém se lhe ocorreria que o Brexit fosse decidido polos cidadãos de toda a EU. Esta subestima da realidade nacional vai acompanhada de manifestações chauvinistas como afirmar que Espanha é uma grande nação, porque não pode ser uma grande nação aquela que condena aos seus moços ao exílio, que não oferece às vítimas da crise outra solução que a mendicidade, a Cocinha Econômica ou o Banco de alimentos. Falsando totalmente a história e confundindo a nação com o estado chegou a afirmar Rafael Hernando que Espanha é a nação mais velha de Europa, porque as nações, como reconhecem os historiadores mais prestigiosos nestes temas, não surgem até o século XVIII com a Revolução Francesa, sendo França a primeira noção européia.
É sabido que após quinhentos anos de assimilacionismo, primeiro austríaco e depois bourbônico, os dirigentes espanhóis não foram capazes de borrar as identidades nacionais, contrariamente ao que sucedeu no Estado francês, e estas identidades nacionais reclamam, nos nossos dias, ser reconhecidas como nações, que é a forma de existência que têm em todo o mundo os povos de seu que não são vítimas da violência exterior. Negar que um povo possa decidir livremente o seu futuro representa uma conculcação deste direito fundamental e uma violência sobre a cidadania, porque se pretende que se adapte e uma legislação que não está feita à sua medida em vez de cambiar a lei para que se adapte à sua realidade nacional. E isto acontece com um povo que aprovou e plebiscitou um Estatuto que foi invalidado por iniciativa dos que agora lhe negam este direito servindo-se dum Tribunal Constitucional baixo suspeita porque é elegido por e atua muitas vezes aos ditados do poder.
                O problema que pode ter Unidos Podemos para efetivar a sua política é a necessidade de ter que contar com o PSOE porque uma das poucas medidas que tomou Pedro Sánchez uma vez elegido secretário geral foi manifestar o seu apoio ao governo do PP a respeito do problema catalão. Todo indica que uma exigência deste partido para pactuar com Podemos pode ser que este renuncie a facilitar qualquer iniciativa dos catalães a realizar um referendo de autodeterminação e que se submeta ao princípio de imobilismo na forma de estado em vez de optar pola defesa dos interesses dos povos. Corremos o risco, portanto, de que as conveniências de governação estatal se imponham sobre as necessidades das nações periféricas. O porta voz socialista, Abalos, já reiterou, na sua intervenção, que não compreendem Catalunya sem Espanha e Espanha sem Catalunya. É certo que Pedro Sánchez reconheceu que Catalunya é uma nação, mas entendida a nação como nação cultural, ou seja, como uma etnia, mas sem consequência políticas, o qual representaria um engano mais. Os problemas políticos não se solucionam negando a carga ideológico-política própria dos conceitos no seu uso normal e deslustrando o seu significado, porque isso não vai ser aceite polos implicados e o problema catalão, ao igual que o da Galiza e Euskadi continuaram sem resolver.
Na Galiza o problema é ainda mais grave porque carecemos duma representação forte e nitidamente nacionalista. O representante de En Marea esteve correto, mas este partido é um produto mestiço e nunca sabemos por onde vai sair, quais vão ser as forças predominantes no seu seio. Alguns falam da unidade das esquerdas na Galiza, mas isso exigiria também a unidade de projeto e isso é impossível que se logre se não há certa coincidência tanto no modelo de estado como no modelo de sociedade, e os que defendem esta opção teriam que explicar-nos como se pode lograr isto, ou seja, como se pode quadrar o círculo. O que si creio que é fundamental é cooperar uma vez celebradas as eleições, mas não estabelecer antes uma unidade orgânica, que pode converter-se numa gaiola de grilos.
A intervenção de Rajoy acudiu às justificações de sempre e em vez de responder ao relatório de casos de corrupção, da precarização das relações laborais, da congelação das pensões que condena à miséria aos pensionistas num futuro não muito afastado, das enormes desigualdades sociais por ter estabelecido um sistema de drenagem dos recursos dos de abaixo com os da cima. É certo que se incrementaram os postos de trabalho, mas foi à custa que incrementar dum modo drástico os contratos precários e diminuir os salários. Também é certo que aumentou a exportação, mas foi à custa do incremento da produtividade baseado na baixa de soldos. Ousaram negar que o seu partido seja corrupto e qualificaram o relatório do candidato de demagógico e exagerado. É certo que um partido, enquanto uma estrutura abstrata não delinqüe, mas si os seus dirigentes e estes implicam o partido.
As intervenções tanto de Irene como de Iglesias tiveram um tom muito aceitável. Quiçá foram prolixos e reiterativos de mais no seu relato, mas tiveram o grande mérito de que estiveram bem documentados e ofereceram uma diagnose acertada da situação atual do Estado espanhol. Rajoy pouco convincente e Rafael Hernando atuou como um autêntico demagogo, descortês e provocador que se limitou a procurar exacerbar a bancada popular sempre propícia ao aplauso fácil.
Entre as medidas econômicas mais importantes citamos: a suba do salário mínimo inter-profissional, impulsar a inovação nos setores estratégicos para incrementar as exportações, ligar as pensões à evolução do IPC, reforma fiscal progressiva que obrigue a tributar aos que não o fazem, incrementar o IRPF a partir dos 60 mil euros anuais, estabelecer um imposto à banca para que retornem aos contribuintes as quantidades invertidas no seu resgate, implementar um mínimo o imposto de sociedades para que se reduza a cissura entre a tributação nominal e a real, restaurar o imposto de patrimônio, se bem suponho que quererão dizer incrementá-lo porque restaurado já está na atualidade, medidas antidespejo e em prol duma maior igualdade salarial.