14 jun 2015

Finit comoedia, incipit tragoedia!


Ontem passeavam dous moços pola cidade de Santiago, e um deles começou a cantar: “
Os pitinhos dizem
pio, pio pio,                                                                


quando têm fame
Quando têm frio

O segundo respondeu:
A galinha busca
o milho e o trigo
dá-lhes a comida
e busca-lhes abrigo

Então o primeiro emitiu um sonoro aturuxo: Beir..................


Temos novos governos municipais, recebidos com uma notória alegria e sensação de libertação dum enorme pesadelo, por abrir a porta á esperança duma nova política, que termine duma vez com uma política sumamente lesiva para as maiorias sociais que pretendem governar, e alienígena para com a nossa maltratada nação. Saudamos como positivas algumas medidas simbólicas, como a negação de participar na maridagem político-religiosa das oferendas, nas que os políticos mais corruptos e criminais expressam os seus desejos de que a festa continue em benefício próprio. Também foi positiva a tomada de posição franca e manifesta de Martinho Noriega em prol da república, que, se bem de por si não soluciona as cousas, si é um elemento que contribui á igualdade social entre as pessoas.. 

Este êxito foi possível porque as Marés foram capazes de canalizar o enorme mal-estar cidadão contra as políticas corruptas e austericidas, que muitos vimos criticando desde faz muitos anos. Estas Marés estão compostas de participantes heterogêneos nos que se mistura o modelo de estado, pois uns são nacionalistas galegos e outros nacionalistas espanhóis, e compartem grosso modo o modelo de sociedade, pois todos os que as apoiaram -EU, Anova, Podemos-, eram de esquerdas. Não sabemos a quem corresponde exatamente patrimonializar este êxito, e só podemos destacar alguns fatos.

EU e Anova, componentes de AGE, estavam praticamente despejados polos seus contínuos conflitos internos e pola sua deficiente labor de organização, o seu escasso protagonismo social e o seu histrionismo parlamentar. Souberam, com todo, unindo-se nas Marés e incorporando novos elementos sociais, e com o impulso reformador de Podemos, apresentar-se com uma nova fácies e encandilar a muita gente.

Agora todo indica que esta mistura toca, em grande parte, ao seu fim, para desgosto dos próprios participantes e quiçá de muitos cidadãos, mas estava cantado. Tanto IU como Podemos são partidos estatais e querem governar um estado o mais homogêneo possível para evitar dissonâncias na mensagem e nas políticas. O mais que podem fazer, em certo momento histórico, é buscar a companhia de elementos «estranhos» como compañheiros de viagem provisórios e sem assumir compromissos reais efetivos. Tenhamos presente que aceitar sobre o papel o direito de autodeterminação pode ter o mesmo resultado que incluir na CE que todos temos direito ao trabalho e á vivenda. É uma pura ingenuidade crer que Podemos, PSOE ou PP vão solucionar os problemas galegos, se os galegos não são capazes exercer uma reivindicação contundente que os obrigue a isto. Não se deve a nenhuma maldade destes partidos senão á dinâmica própria partidária. São partidos estatais e os seus votantes são principalmente espanholistas e contrários ás aspirações nacionalistas, e as suas políticas pretendem sobre todo contentar a este eleitorado, e temperar gaitas com os restantes.

Anova é um partido, em princípio, nacionalista galego, que tem como objetivo governar este país sem intromissões alheias que coarctem a aplicação de políticas em benefício da cidadania galega. Quando um partido pretende que o seu competidor por um espaço político lhe solucione os seus problemas, isso indica que algo não funciona na sua estratégia política.  É querer desempenhar o rol de pitinhos da canção “Os pitinhos dizem”, pretendendo que a mai galinha venha na sua ajuda. Podia ser mui bem a Beiras a quem remedasse um dos moços aludidos.

Neste momento, todo indica que Podemos tem claramente fixado o seu campo: irá com as suas siglas próprias, sem admitir sopa de siglas, ainda que quiçá permitindo a inclusão de alguma outra que as acompanhe. Como diz Monedero, seria: Podemos-o que seja, mas na que Podemos seria a nave nutriz, que canaliza o movimento. “Ficaria claro que Podemos é o impulsor, o catalisador, quem organizaria as primárias, quem buscaria a ocasião para encontrar-nos”, mas também se representaria o câmbio plural pola união doutras formações. E acrescenta Monedero que isto deve ser assim porque Pablo Iglesias “é como a nave que vai abrindo o sulco no gelo que permite que as demais acompanhem e que unifica depois o trabalho desde o Parlamento”. Ou seja, o câmbio representa-se pola adesão de outros que desempenhariam o rol estético de comparsas, de sacristães, «ad majorem gloriam» de Podemos.

A situação na que se encontra Anova não é nada fácil, e, em grande parte produzida pola sua miopia política, por ter bendito e ressuscitado á espanholista EU, neste momento em caída livre, em vez de ter-se unido como os nacionalistas de Compromisso por Galiza, do BNG ou de ambos, aproveitando, em benefício de Galiza, o tirão eleitoral de Beiras, em vez de fazê-lo em benefício de Espanha. Primaram os interesses imediatos de obtenção de resultados eleitorais e careceu-se duma mínima estratégia a longo prazo. O prejuízo que lhe causou ao nacionalismo galego, segundo o sentir de muitos cidadãos, foi enorme. 

A situação também é mui delicada para IU, que nas eleições européias lhe deu cabaças a Podemos e agora vê como o processo se repete em sentido inverso, com o agravante de que Podemos se apropriou do seu eleitorado e da sua política «revolucionária» e não está interessado em confluir com um partido sumido na balbúrdia constante e que o arreda da centralidade política, e agora fica a vê-las vir. Não pode fazer frente ao embate de Podemos nem aceitar o seu convite para que se una numa atitude de submissão vergonhosa, nem tão-pouco é capaz de oferecer á sua noiva Anova futuro algum promissório, nem levantar cabeça ante o seu eleitorado tradicional.

A solução viável que lhes queda aos membros de AGE é intentar capitalizar o capital das Marés em benefício próprio e emancipá-lo de Podemos, e confluir com os partidos nacionalistas numa grande maré galega, nada fácil para EU, porque teriam que aceitar que o grupo galego no Congresso mantivesse a obediência a partidos galegos em vez de fazê-lo a IU. Tem o inconveniente que o êxito não está garantido, porque todo indica que as próximas eleições se vão polarizar entre a direita do PP e a esquerda de Podemos-PSOE, e, isto, numa situação de «cabreo» como o atual, vai concitar o apoio de muitos cidadãos que, nas municipais, votaram as Marés e em parte também, em menor medida, dos que votaram os partidos nacionalistas. Quiçá a citada Maré galega seria a melhor solução para Galiza e para os mesmos partidos.

O BNG manteve-se sempre fiel a Galiza, susteve uma luta polos excluídos, como preferentistas, emigrantes, ... digno de todo encômio, e não se pode suster que esteja significativamente luxado pola corrupção. Creio, com todo, que deveria fazer um esforço para procurar sintonizar e empatizar melhor com a cidadania, e abrir-se mais á cidadania com autênticas primárias abertas a todos os militantes e simpatizantes, para converter-se no instrumento real do câmbio da esquerda deste país. Essa maré galega podia ser também a solução para não ver-se excluído politicamente do movimento de câmbio, e a sua exigência que o grupo mantenha a obediência galega, parece lógica, totalmente razoável e o mínimo exigível para seguir mantendo esa lealdade para com a Nossa Terra.