30 mar 2020

Ensinanças da pandemia


                A nível ideológico, o liberalismo econômico chegou a monopolizar o discurso econômico e a impor os seus dogmas em todo o mundo. Pregava impulsar a iniciativa privada em todos os campos e minguar a capacidade dos poderes públicos para intervir na economia. A mão invisível do mercado já soluciona todo espontaneamente e toda intervenção na economia é disfuncional. O resultado foi o predomínio do mercado e do indivíduo e a redução do poder estatal para intervir na atividade econômica e corrigir as disfuncionalidades do sistema, e a globalização, com a deslocação de empresas.

                Quando se desencadeia a crise de 2008, centralizado em Europa o poder de decisão sobre a moeda, os políticos espanhóis mal solucionaram o problema, por imposição da troika, com recortes em sanidade, educação e serviços sociais, ou seja, em todo o que favorece as classes baixas e médias, que foram obrigadas a drenar recursos em favor das classes altas, que se enriqueceram mais que nunca, incrementando assim as desigualdades sociais. O presidente galego gabava-se publicamente de ser o campeão da austeridade, e de máximas como não se pode gastar o que não se tem, que, levada à prática, eliminaria de raiz todo o sistema de crédito. Agora todos eles reconhecem o seu erro.

                A primeira consequência foi que ao desencadear-se a pandemia do coronavirus, a sanidade está em panos menores, mas como a propaganda não tem cancelas, os políticos intentavam elevar a moral afirmando que temos um dos melhores sistemas sanitários do mundo. Mas a redução de pessoal sanitário e o cerramento de hospitais delatam o contrário. Foi muito notória a incapacidade do sistema para satisfazer a demanda de meios de proteção e a necessidade de adquiri-los no estrangeiro. Pregoam que estamos em guerra, mas têm que reconhecer que nesta guerra não há meios de defesa frente a um inimigo que mata desapiedadamente. Empresas que se dedicam a preparar este material, algumas delas espanholas ou galegas, estão deslocadas, o qual complica a solução da crise, e obriga a reconhecer que um governo responsável não pode deixar os seus habitantes aos caprichos dos que buscam prioritariamente incrementar a sua conta de resultados. Mas, ainda surpreende mais quando se comprova que tampouco Europa tem capacidade de produzir material para defender aos europeus.

                A Alemanha de Ângela Merkel, que já jogou um papel muito negativo na solução da crise do 2008, impondo recortes draconianos e negando-se a avançar na solidariedade dos europeus da EU, atuando como tampão que obstaculiza os anseios duma maior integração e duma maior solidariedade entre os países da UE, agora volve a a atuar de novo como tampão que impede que os países possam financiar-se dum modo solidário, diminuindo o custo do endividamento que esta crise provoca, apesar de que os estados não têm poder para atuar sobre a moeda única.

                O Estado espanhol decide estabelecer um procedimento para fazer frente à crise volvendo a um centralismo arcaico que já tem demonstrado claramente no passado as suas insuficiências e o seu fracasso. Pedro Sánchez justificou a sua decisão dizendo que o vírus não entende de fronteiras, e isso implica que em vez do homem concreto, integrado na sua comunidade de pertença, opta polo homem abstrato à margem das relações sociais. Substituem uma solução da crise em base à cooperação e à coordenação por uma baseada no ordeno e mando desde um centro sito em Madrid, e isso apesar de que quem têm as competências em sanidade são as CCAA, e quem melhor conhecem as próprias necessidades, meios e fortalezas, são os políticos autonômicos. O narcisismo sobre a competência para solucionar os problemas e o seu pronunciado centralismo leva-os a homogeneizar as medidas para uma realidade diversa, negando a pluralidade do Estado espanhol, considerando que só eles podem dar a solução ajeitada. Mas se a melhor maneira de solucionar os problemas é o centralismo, não deviam limitar-se a propô-lo para Espanha senão que deveriam pedir que em Europa todo se decidisse igualmente desde o poder hegemônico, e, portanto, desde Berlin, e que todos os demais Estado europeus seguissem caladinhos as consignas que emanassem do governo de Ângela Merkel.


19 mar 2020

Uma monarquia em crise


                Na denominada transição «modélica» espanhola de 1978 os partidos políticos aceitaram a imposição franquista dum chefe de Estado na pessoa dum rei designado polo ditador, restaurando por segunda vez a instituição monárquica que fora abolida de novo polo sistema democrático republicano de 1931. Isto, com ser grave, não foi o pior, senão que o declararam o rei inviolável e lhe deram atribuições plenas para manejar as suas finanças e lhe facilitaram de facto enriquecer-se pessoalmente a conta do erário público, e isto numa situação de anomia normativa e de opacidade total, tanto por parte dos representantes da cidadania como dos mídia, que se confabularam para silenciar todo o pudesse desprestigiar a coroa, tanto referido às suas múltiplas amantes como à acumulação do seu ingente patrimônio, que se eleva a perto de 2 mil milhões de euros, segundo vários meios de comunicação. Isto criou uma aureola fictícia de eficiência e de respeitabilidade que facilitou que todo o mundo lhe risse as suas graças e que adquirisse uma popularidade muito elevada por parte da cidadania, porque lhe faziam ver o que não era, Só a partir dos primeiros anos do século XXI se começou a informar sobre o seu ingente patrimônio pessoal, adquirido a base de comissões ilegítimas polo desempenho do seu labor de mediação com monarquias muitas delas corruptas, e sobre as suas andanças amorosas adulterinas.

                Agora sabemos por informações doutros países que regava às suas amantes com grandes somas de dinheiro, que corresponderiam legitimamente aos sofridos cidadãos, e que ele guardava bem custodiado em paraísos fiscais, a nome de fundações criadas com este objetivo. Isso não era óbice para que lecionasse com «moralina» barata aos seus «súbditos» sobre a igualdade da justiça para todos e sobre a necessidade de transparência e exemplaridade.

                Uma vez que a Corina informa em 2019 a Felipe VI sobre o dinheiro guardado e a sua procedência e de que ele é o segundo beneficiário do seu pai, o rei Felipe, para salvar a sua poltrona, decide ativar o complexo de Edipo e matar simbolicamente ao seu pai e renunciar à herança que pudesse corresponder-lhe por este conceito, ou seja, a algo que não é seu e que a lei não permite. Quer, com esta manobra, apresentar-se como uma pessoa exemplar e transparente, mas, para lograr os seus objetivos, teria que convencer à cidadania, antes de pendurar-se estas medalhas, que tem razões sólidas para não tê-lo feito em 2019 e esperou a fazê-lo até março de 2020 em que a fiscalia suíça destapou que figura como beneficiário numa fundação em suíça e outra em Panama, e que está investigando se recebeu 100 de euros em comissões do AVE Medina A Meca, dos que 65 milhões lhe foram doados a Corina, em conceito de testaferro? silêncio? favores sexuais? Está visto que os recortes que afetam aos cidadãos não lhe afetam nem a Corina nem à monarquia.

                Mas não só não foi transparente a monarquia, senão que tampouco o foram os partidos políticos, os denominados representantes da cidadania, e os governos de turno, porque é de supor que algo saberiam de todo o que estava a passar, que leriam a imprensa e os livros que se publicaram sobre isto, o CNI, etc. Se não o sabiam, alguém poderia pensar que se deve à incompetência, e se o sabiam, haveria encobrimento de delito. Nos nossos dias dá a sensação de que a grande maioria dos deputados e senadores mais que representantes da cidadania parece que são defensores da coroa, negando-se a reformar o seu status de inviolável, obrigando-o a render contas de como gasta o dinheiro dos cidadãos, tapando presuntivamente a sua corrupção e impedindo que se investigue e que se dê voz aos cidadãos para que decidam se querem uma monarquia ou um a república. Em vez disso dedicam-se a emitir afirmações intempestivas e intemperantes como as de Fernández Díaz, que disse que «pôr em questão a monarquia, seria pior para Espanha que a crise do coronavirus». A intervenção real sobre o coronavirus, vazia e pouco convincente, foi contraproduzente porque é uma instituição carente de autoridade moral, do qual é uma prova palpável a sonora caçolada na sua contra que acompanhou o seu discurso.

14 mar 2020

Sustentação da monarquia


                Se o número de reis e rainhas fosse um indicativo de eficiência e bom funcionamento dum sistema político, Espanha seria o melhor país do mundo, mas como o regime do 78 funciona francamente mal, já sabemos que nem o número nem a qualidade dos seus chefes de Estado têm nenhum mérito a este respeito. De igual modo poderíamos afirmar que se o número de aforamentos fosse um indicativo do bom funcionamento da justiça, Espanha teria o melhor sistema político do mundo, mas como a justiça, nos seus níveis superiores, funciona muito mal, logo também algo pode ter que ver os sistema de aforamentos e a eleição dos juízes.

                A monarquia é um, de seu, um sistema muito desigualitário em política; estabelece a maior desigualdade pessoal na cimeira do Estado, e quebranta o princípio da igualdade de oportunidades, de igualdade perante a lei, e já não digamos de igualdade de resultados. De ai que toda constituição monárquica tem que consagrar a desigualdade como norma. Todos somos iguais, também enquanto à justiça, salvo os membros duma família que se saltam a norma.

                Como é uma instituição vitalícia, os reis/rainhas São pessoas que têm que estar ultra protegidas pola lei. Quando os americanos derrotaram os japoneses na II Guerra Mundial obrigaram-lhe ao imperador nipônico a reconhecer que não era uma divindade, senão um ser humano mais. Na CE de 1978 não se chegou a tanto, mas si declararam ao rei inviolável, e, por conseguinte uma pessoa que não tem que responder dos seus atos. Dedica-se a regalar dinheiro dos sofridos contribuintes, em épocas de crise e paro alarmante, às suas múltiplas amantes, porque parece que cumpria muito bem o seu rol de semental ibérico, e resulta que os representantes dos cidadãos decidem por esmagadora maioria que não pode ser submetido a uma investigação sobre as suas ações porque é irresponsável. Claro que o cárcere está cheio de irresponsáveis, mas neste caso querem dizer que é irresponsável legalmente. Ai va! e ficam tão panchos e sem tomar a menor medida para que seja responsável, já que é difícil lograr que o seja pessoalmente, sim que o seja legalmente.

                É o sistema da incompetência na cimeira do Estado, porque a sua nomeação não depende da sua valia pessoal, senão simplesmente da sua animalidade, ou seja, da sua genética. A recombinação dos genes podem dar lugar a uma pessoa competente, mas no comum dos casos será uma pessoa do mais comum tanto intelectual como moralmente, e algumas vezes pode que um incompetente intelectualmente e/ou um depravado moralmente Os membros da família real são criados e educados numas condições especiais à parte do comum dos mortais. Para que mantenham a sua popularidade coloca-se, nas monarquias consolidadas dos nossos, o rei ou rainha à margem da luta partidária, em labores de moderação e representação e não de mando direto, mas, como vimos o 3 O essa norma não se cumpre no Estado espanhol. Isto tem como consequência que não respeitam o seu rol mais distintivo. Mas, a CE de 1978 empiorou-o muito porque lhe encomendou ao rei/rainha nada menos que a chefia da Forças Armadas, num país historicamente tão proclive às assuadas militaristas, a quem os bourbons lhe devem a sua restauração.

                Mas, poderia dar-se o caso de que uma cousa seja a falta de legitimidade de origem e o que de seu significa uma monarquia, incluso a incorreta regulação do seu status, e outra cousa a legitimidade de exercício, ou seja, o desempenho eficaz e responsável do seu rol por parte das pessoas que encarnam a instituição monárquica. Mas observamos que João Carlos I foi um rei que, segundo alguns meios, amontoou uma imensa soma de dinheiro, próxima aos dous mil milhões de euros em base a comissões polo desempenho do seu rol, e vai te a saber se a algo mais. É uma pessoa que cada vez é assinalado com mais insistência como o impulsor inicial do golpe de estado do 23 F, ainda que durante muito tempo nos insistiram que fora quem salvara Espanha da ditadura golpista. A nível internacional foi o culpável da entrega ignominiosa do Sara ocidental a Marrocos, atraiçoando o povo saarauí. Ë um empedernido afeiçoada à caça, preferentemente de ursos borrachos e de elefantes, ao tempo que presidia associações animalistas.

                A reação dos mídia mais importantes do Estado foi a de confabular-se para silenciar as suas falcatruas, com o resultado colateral de enganar a cidadania, o qual deu como resultado um grave dano à luta contra a corrupção e ao sistema democrático, ao tempo que a popularidade do monarca, em base à mentira e à ocultação, subia como a escuma, mas como não se pode enganar à cidadania de todo um Estado todo o tempo, parte das notícias terminaram por aflorar e fizeram cair em picado a sua popularidade. As pessoas que passavam por exemplares passaram a estar demonizadas. Agora, o CIS já não pergunta por ela, porque é muito baixa, e assim imos tirando. Os que se proclamam representantes da cidadania vêm tendo uma encomenda prioritária que se acrescenta ao seu labor para resolver os problemas dos cidadãos, que é a de sustentar a instituição monárquica, e, por isso aplaudiram entusiasticamente o dia da inauguração da nova legislatura, incluídos os que se declaram republicanos por convicção.

                Nos nossos dias a maioria dos deputados e senadores mais que representantes da cidadania parece que são defensores da coroa, incluso tapando presuntivamente a sua corrupção e impedindo que se investigue. Mas eu pergunto-me: esta atitude de defesa a todo transe das ações puníveis da monarquia, não chega já a ser um delito de encobrimento de delito, penado no artigo 451 do Código Penal?

10 mar 2020

Em prol do projeto plurinacional


                 Desde 1931 até transição de 1978, a política espanhola esteve dominada pola polarização entre a Espanha de direitas e a Espanha de esquerdas, os nacionais e os vermelhos, com uma igreja espanhola claramente intervencionista em política e inclinada cara o polo dos nacionais, da monarquia e do golpismo, e uma monarquia dedicada a conjurar contra a República desde o momento da sua instauração. Nos nossos dias, essa polarização minguou, ainda que por vezes parece que se quer ressuscitar, sendo substituída por outra de novo cunho: a polarização entre os chamados constitucionalistas, palavra que vem ser um eufemismo para evitar o termo espanholistas, formada por uma parte por Vox, PP, C’s e PSOE, que têm como ideia básica diretriz a defesa a todo transe da unidade de Espanha, realidade imutável marcada a fogo nos genes do espanholismo, única, uninacinal e unisoberana na que só se reconhecem os direitos do povo espanhol, e que consideram, portanto, seguindo a Ortega e Gasset, que o problema nacional espanhol não se pode resolver, senão que cumpre aturá-lo e Os partidos que administram esta realidade uninacional somente se movem a dialogar sobre os direitos dos outros povos que convivem no Estado espanhol pola necessidade de contar com o apoio dos partidos nacionalista para governar Espanha. Pola outra, polos defensores dos direitos de todos os povos espanhóis em plano de igualdade, formada polos partidos das nações sem Estado do Estado espanhol: Catalunha (ERC, JxCat e a CUP) Euskadi (PNV e Bildu),  Galiza (BNG), Ilhas Baleares (Mês per Malhorca), e Valência (Compromis). Estas formações são as que constituem o fermento do novo estado plurinacional, plurilingüístico e pluricultural, que constituiria a nova Espanha.

                Na Galiza, a formação híbrida de nacionalismo espanhol e galego, Em-Comum-Anova-Mareas, na que se integra o partido que se confessa como nacionalista Anova, na atualidade satelitizada a Podemos, tem um passado marcado pola conflituosidade interna e polo abandono de qualquer reivindicação nitidamente galega, especialmente se colide com as dinâmicas estatais do partido dominante que é claramente Podemos. De tal modo que a história de Anova, com muito pouca implantação social é uma história que vai da dominância a uma subordinação total á força estatal Podemos. UP, formação política de âmbito estatal, ocupa um lugar intermédio entre os espanholistas duros e o nacionalistas periféricos citados. Ë mais dialogante que os partidos constitucionalistas, mas as suas dinâmicas e possibilidades vêm-se limitadas polas concessões que se vê obrigado a fazer ao seu coligado no governo de Espanha, o PSOE.

                Neste momento de crise aguda no Estado espanhol, contamos com uma monarquia sumida numa corrupção imensa, com um rei emérito, que se enriqueceu a base do cobro de comissões polo desenvolvimento do seu trabalho, distribuindo parte do dinheiro dos seus “súbditos” entre as suas numerosas amantes numa época de crise profunda no Estado espanhol. O seu desprestígio é muito notório nos nossos dias em todo o mundo. Com um rei que não assume a pluralidade política dos povos do Estado que lhe tocou reger, e que em vez de “arbitrar e moderar o funcionamento regular das instituições”, dedica-se a tomar partido em prol dumas formações contra outras e dumas comunidades contra outras, e com uma família sumida condenada por casos de corrupção. Com uma justiça desprestigiada e humilhada por Europa, porque em vez de julgar delitos se dedica a defender as teses políticas do espanholismo e a condenar a discrepância política nos povos periféricos. Com alguns partidos políticos sumidos numa grande corrupção, com uma igreja dedicada a inscrever registalmente edifícios e outros bens que não são da sua propriedade, e com umas importantes tensões territoriais. Numa situação em que passa todo isto e que parece obrigar a câmbios de calado nas instituições e políticas, é importante que os cidadãos dos povos diferenciados do Estado espanhol apóiem a formações políticas que lutem contra esta situação e optem sem complexos por um projeto plurinacional e em defesa dos seus interesses políticos, socioeconômicos e lingüístico-culturais.