A nível ideológico, o
liberalismo econômico chegou a monopolizar o discurso econômico e a impor os
seus dogmas em todo o mundo. Pregava impulsar a iniciativa privada em todos os
campos e minguar a capacidade dos poderes públicos para intervir na economia. A
mão invisível do mercado já soluciona todo espontaneamente e toda intervenção
na economia é disfuncional. O resultado foi o predomínio do mercado e do
indivíduo e a redução do poder estatal para intervir na atividade econômica e
corrigir as disfuncionalidades do sistema, e a globalização, com a deslocação
de empresas.
Quando se desencadeia a crise de
2008, centralizado em Europa o poder de decisão sobre a moeda, os políticos
espanhóis mal solucionaram o problema, por imposição da troika, com recortes em
sanidade, educação e serviços sociais, ou seja, em todo o que favorece as
classes baixas e médias, que foram obrigadas a drenar recursos em favor das
classes altas, que se enriqueceram mais que nunca, incrementando assim as
desigualdades sociais. O presidente galego gabava-se publicamente de ser o campeão
da austeridade, e de máximas como não se pode gastar o que não se tem, que,
levada à prática, eliminaria de raiz todo o sistema de crédito. Agora todos
eles reconhecem o seu erro.
A primeira consequência foi que
ao desencadear-se a pandemia do coronavirus, a sanidade está em panos menores,
mas como a propaganda não tem cancelas, os políticos intentavam elevar a moral
afirmando que temos um dos melhores sistemas sanitários do mundo. Mas a redução
de pessoal sanitário e o cerramento de hospitais delatam o contrário. Foi muito
notória a incapacidade do sistema para satisfazer a demanda de meios de
proteção e a necessidade de adquiri-los no estrangeiro. Pregoam que estamos em
guerra, mas têm que reconhecer que nesta guerra não há meios de defesa frente a
um inimigo que mata desapiedadamente. Empresas que se dedicam a preparar este
material, algumas delas espanholas ou galegas, estão deslocadas, o qual
complica a solução da crise, e obriga a reconhecer que um governo responsável
não pode deixar os seus habitantes aos caprichos dos que buscam
prioritariamente incrementar a sua conta de resultados. Mas, ainda surpreende
mais quando se comprova que tampouco Europa tem capacidade de produzir material
para defender aos europeus.
A Alemanha de Ângela Merkel, que
já jogou um papel muito negativo na solução da crise do 2008, impondo recortes
draconianos e negando-se a avançar na solidariedade dos europeus da EU, atuando
como tampão que obstaculiza os anseios duma maior integração e duma maior
solidariedade entre os países da UE, agora volve a a atuar de novo como tampão
que impede que os países possam financiar-se dum modo solidário, diminuindo o
custo do endividamento que esta crise provoca, apesar de que os estados não têm
poder para atuar sobre a moeda única.
O Estado espanhol decide
estabelecer um procedimento para fazer frente à crise volvendo a um centralismo
arcaico que já tem demonstrado claramente no passado as suas insuficiências e o
seu fracasso. Pedro Sánchez justificou a sua decisão dizendo que o vírus não
entende de fronteiras, e isso implica que em vez do homem concreto, integrado na
sua comunidade de pertença, opta polo homem abstrato à margem das relações
sociais. Substituem uma solução da crise em base à cooperação e à coordenação
por uma baseada no ordeno e mando desde um centro sito em Madrid, e isso apesar
de que quem têm as competências em sanidade são as CCAA, e quem melhor conhecem
as próprias necessidades, meios e fortalezas, são os políticos autonômicos. O narcisismo
sobre a competência para solucionar os problemas e o seu pronunciado centralismo
leva-os a homogeneizar as medidas para uma realidade diversa, negando a
pluralidade do Estado espanhol, considerando que só eles podem dar a solução
ajeitada. Mas se a melhor maneira de solucionar os problemas é o centralismo,
não deviam limitar-se a propô-lo para Espanha senão que deveriam pedir que em
Europa todo se decidisse igualmente desde o poder hegemônico, e, portanto,
desde Berlin, e que todos os demais Estado europeus seguissem caladinhos as
consignas que emanassem do governo de Ângela Merkel.