28 nov 2017

Hipercriticismo e hipotolerância à crítica (II)



O anti-semitismo no cristianismo dos primeiros séculos

            As múltiplas denúncias que os setores cristãos espanhóis apresentam contra os não aderentes desta religião fundamentam-se na ofensa aos sentimentos religiosos, tipificados ainda hoje como delito no artigo 524 do Código Penal vigorante que diz: “Quem em templo, lugar destinado ao culto ou em cerimônias religiosas executar atos de profanação em ofensa dos sentimentos religiosos legalmente tutelados, será castigado com pena de prisão de seis meses a um ano ou multa de 12 a 24 meses”. Pareceria que uma religião como o cristianismo, que goza de tal proteção seria exemplarmente respeitosa com as demais religiões, evitando qualquer ato ou manifestação que pudesse ferir os sentimentos dos membros doutras confissões religiosas. Porém, poderemos constatar a seguir que essa não foi a pauta seguida por ela senão que se dedicou a discriminar, insultar, condenar e eliminar a quem não compartia o seu credo, e inclusive a aqueles que, sendo cristãos, não compartiam totalmente o credo dos denominados «ortodoxos». Hoje imos falar do judaísmo.
            O anti-semitismo foi unha corrente sempre presente no seu do cristianismo desde os primeiro tempos, como se reflete nos escritos de São Paulo e dos Padres da Igreja e Escritores Eclesiásticos. As críticas desapiedadas e, creio que isentas da caridade cristã, a outras religiões foram constantes. Quando Sam Paulo manifesta a respeito dos judeus que "estes são os que deram morte ao Senhor e aos profetas e os que nos perseguiram a nós; não agradam a Deus e são inimigos de todos os homes"1, atribuindo assim a todo um povo, também aos que o aclamaran em vida, o facto de que Jesus fosse condenado a morte por Pilatos, porque o judeus não podiam faze-lo2, a incitação duma turba manipulada polos hierarcas judeus, não deixa de ser unha evidente e injusta exageração, e não um exemplo de cortesia precisamente.
            Entre os Santos Padres e Escritores eclesiásticos destacam, polo que diz respeito ao anti-semitismo, Santo Ambrósio (340-397), São João Crisóstomo (347-407) e Santo Agostinho (354-430). Santo Ambrósio escreveu no ano 379 que “Os judeus são os mais desprezíveis de todos homes. São libertinos, gulosos, rapaces. São os pérfidos assassinos de Cristo. Adoram o demo. A sua religião é uma doença. Os judeus são os odiosos assassinos de Cristo e para o assassino de Deus não há expiação possível, nem indulgência, nem perdão. Os cristãos não podem cessar a vingança, e os judeus têm que viver em servidão para sempre. Deus sempre odiou os judeus. É essencial que todos os cristãos os odeiem3. Os judeus ofenderam a Deus não respeitando os direitos da viúva e dos menores e, por isso, foram castigados com a rejeição divina, mas se os respeitam mitigarão a sua cólera.“E que diremos dos Juízos humanos, dado que nos Juízos de Deus os judeus são apresentados como tendo ofendido o Senhor em mais nada que violando o que é devido à viúva e os direitos dos menores. Isto é proclamado polas palavras dos profetas como a causa que levou sobre os judeus o castigo de rejeição. Isto é mencionado como a única causa que mitigará a cólera de Deus contra o seu pecado: se honram a viúva, e executam um juízo verdadeiro para os menores, por isto lemos: «Julga os órfãos, trata justamente a viúva, vem e julguemos conjuntamente, disse o Senhor». E noutra parte: «O Senhor mantém o órfão e a viúva»4. Se Deus rejeitasse a todos os povos que não respeitam os direitos dos menores e das viúvas, não ficaria povo que se livrasse do castigo divino. Aliás, o cristianismo não está legitimado para dar lições a outras confissões e muito menos à sociedade civil, porque se caraterizou polo menosprezo dos direitos humanos, do qual é um bom expoente o Sílabo de Pio IX.
            No ano 381 o cristianismo é declarado religião oficial do Império Romano e, a partir deste momento, a fação nicena vai dedicar-se a destruir os templos das outras religiões e os das fações cristãs dissidentes, como eram os arianos e semi-arianos, ao tempo que o Império vai ditar duras penas contra os «heterodoxos», castigando-os com a confiscação dos seus bens e o exílio. A repressão cavalga inexoravelmente para impor definitivamente o discurso único religioso e o único Deus, uno e trino. No ano 388 uma turva de cristãos de Cainico, no atual Iraque, liderados polo seu bispo, queimaram uma sinagoga judia. Ambrósio descreve assim os fatos: “Um informe foi feito polo conde militar do Leste de que uma sinagoga foi queimada, e que isto foi feito por instigação do bispo, Vos destes a ordem de que os outros sejam castigados, e a sinagoga seja reconstruída polo próprio bispo. Eu não reclamo que a explicação do bispo deveria ser esperada, porque os sacerdotes são apaziguadores de conflitos e amantes da paz, salvo quando se movem por alguma ofensa contra Deus ou insulto à Igreja5. Portanto, a violência fica justificada em caso de ofensa ao Deus cristão ou insulto à Igreja, sem ter em conta que, ainda nestes casos, cumpre ter em conta se esta suposta ofensa a um deus está penalizada pola lei e que, em qualquer sociedade civilizada, não se pode tomar a justiça pola própria mão. A carta de Ambrósio tinha como finalidade repreender o Imperador por entender que favorecia s sinagoga. Nela, apresenta-se como obediente aos mandados de Deus e o que pretende, em resumidas contas, é que esta ação de queima dum santuário da religião judia fique impune. 
            Considera Ambrósio que se o imperador castiga o bispo vai fazer dele um apóstata ou um mártir, e propõe como solução que o castigue a ele próprio no seu lugar. “Isto é, O Imperador, o que eu, também pedi, que te vingues mais bem em mim, e se consideras isto um crime, atribui-o a mim. Por que ordenar juízo contra alguém que está ausente? Tens o home culpável presente, escuta a sua confissão.- Declaro que lhe pôs fogo à sinagoga, ou polo menos que ordenei a aqueles que o fizessem, porque não pode haver um lugar no que Cristo seja negado6.  Recorre também Ambrósio à treta de mitigar a culpabilidade da ação pola incredulidade dos judeus, ao tempo que delata o descrédito que se produziria nas fileiras cristãs. “Deve, pois, fazer-se um lugar para os incrédulos dos judeus com a pilhagem da Igreja, e deve o patrimônio, que com o favor de Cristo foi ganhado para os cristãos, seja transferido às tesourarias dos incrédulos? Ouvimos que os velhos templos foram construídos para os ídolos com o saque tomado dos cimbros, e a pilhagem doutros inimigos. Devem os judeus escrever esta inscrição no frontispício da sua sinagoga: «O templo da impiedade, erigido com a pilhagem dos cristãos»7.
A conclusão de Ambrósio é que cumpre deixar impune esta ato vandálico. “Não existe motivo suficiente para tal comoção, que o povo deveria ser tão severamente castigado pola queima dum edifício, e muito menos dato que é a queima duma sinagoga, a casa de incredulidade, a casa de impiedade, o receptáculo de loucura, que Deus mesmo condenou8.
            O bispo de Constantinopla, Doutor da Igreja e um dos seus mais eloquentes predicadores cristãos dos primeiros séculos, São João Crisóstomo (347- 407), propõe-se destruir a boa imagem de que gozavam a nível social os judeus e, com esta finalidade não duvida em lançar as maiores patranhas contra a sinagoga servindo-se de textos proféticos do Antigo Testamento. ”Muitos, sei-o, respeitam os judeus e pensam que o seu presente modo de vida é venerável. Isto é polo que eu me apresso a desarraigar e arrancar esta opinião letal. Eu disse que a sinagoga não é melhor que um teatro e exibo os profetas como testemunhas. Seguramente os judeus não são mais merecedores de confiança que os seus profetas. «Ti tinhas uma testa de prostituta; devéns desavergonhada diante de todos»9.
            Os qualificativos que João dirige contra a sinagoga: teatro, bordel, casa de ladrões, excedem toda ponderação e sensatez.“Onde uma prostituta  se instala, este lugar é um bordel. Mas a sinagoga não é só um bordel e um teatro; é também uma cova de ladrões, e uma morada para bestas selvagens.  Jeremias disse: «A vossa casa converteu-se para mim na cova duma hiena». Não diz simplesmente «de besta selvagem», senão «duma besta selvagem imunda», e também «abandonei a minha casa, eu renunciei à minha herança». Mas quando Deus abandona um povo, que esperança de salvação fica? Quando Deus abandona um lugar, este converte-se em residência do demônios10. Também acusa todo um povo, sem o mais mínimo argumento, de cair no hedonismo mais crasso. “Mas os judeus não conhecem nem imaginam estas cousas. Vivem para as suas barrigas, ficam boquiabertos para as cousas deste mundo, a sua condição não é melhor que a dos porcos ou cabras a causa das suas maneiras luxuriosas e gula excessiva. Eles sabem uma cousa: encher as suas barrigas e emborrachar-se, romper e esmagar todo, ser magoado e ferido quando combatem polos seus cocheiros favoritos11. Os judeus são tão ímpios como os pagãos e sacrificam sobre o altar as almas dos homes. “Assim a impiedade dos judeus e pagãos vão de par. Mas os judeus praticam o engano que é mais perigoso. Na sua sinagoga levanta-se um altar invisível de engano sobre o qual sacrificam não cordeiros e bezerros senão as almas dos homes”12. Nas suas sinagogas e nas suas almas habitam os demos. “Certamente é tempo para mim de mostrar que os demônios habitam na sinagoga, não somente no espaço físico senão também nas almas dos judeus13. Nas suas almas habitam demônios que são mais perigosos que os dos antigos judeus e deve evitar-se todo trato com estas pessoas. “Vedes que os demônios habitam nas suas almas e que esses demônios são mais perigosos que os dos antigos? E isto é muito razoável. Nos tempos antigos os judeus obraram impiamente cara aos profetas; agora ultrajam o mestre dos profetas. Dizei-me isto. Não tremeis de entrar na mesma praza com homes possessos, que têm tantos espíritos impuros, que foram criados entre matanças e derramamento de sangue? Deveis compartilhar uma  saudação com eles e intercambiar uma simples palavra? Não deves afastar-te dado que são a desgraça comum e a contaminação de todo o mundo? Não chegaram a toda forma de malícia? Não se esgotaram todos os profetas fazendo muitos e longos discursos de acusação contra eles? Que tragédia, que modo de ilegalidade não eclipsaram com os seus assassinatos?14. Sacrificaram os seus próprios filhos e filhas aos demônios e converteram-se em mais selvagens que qualquer besta. “Eles sacrificaram os seus próprios filhos e filhas aos demônios. Negaram-se a reconhecer a natureza, esqueceram os sofrimentos da descendência; esmagaram a criança dos seus filhos, destruíram desde o seus alicerces as leis da realeza, devieram mais selvagens que qualquer besta. Bestas selvagens arriscam as suas vidas e desdenham a sua própria segurança para proteger os seus pequenos. Nenhuma necessidade forçou os judeus que assassinaram os seus próprios filhos com as suas próprias mãos para render honras aos vingativos demônios, os inimigos da nossa vida. Que ações suas nos impressionarão mais? A sua impiedade, a sua crueldade ou a sua inumanidade15. Este si que é um exemplo de crítica injusta e destrutiva contra todo um povo. Este doutor da Igreja, patriarca de Constantinopla, xenófobo e mestre de xenófobos, é considerado pola Igreja católica como um dos quatro grandes padres da Igreja de Oriente, junto com Atanásio, Basílio Magno e Gregório Nacianzeno. Isto já indica que não é óbice, senão quiçá um mérito,  para ser declarado santo semear gratuitamente o ódio incluso contra o povo matriz do cristianismo e que adora o mesmo deus. 
            O grande repressor Agostinho de Hipona somou-se a esta maré anti-semita. Parte do absurda acusação de deicídio contra os judeus por ter dado morte ao Senhor, a Jesus Cristo, o qual significa, segundo a sua mentalidade e na dos seus correligionários, que deram morte a Deus. No ano 397 afirma que no dia que “vulgarmente chamamos quarta feira, reuniram conselho os judeus para matar o Senhor16. Os judeus, segundo ele, cometeram o erro de dedicar-se a perseguir os cristãos “ignoravam a justiça de Deus; queriam estabelecer a própria, e assim não se submetiam à justiça divina... Paulo diz-nos que condenou e reputou como esterco estes e outros erros para ganhar a Cristo17. Para ganhar os seus ouvintes, Paulo dizia-lhe aos interlocutores o que estes queriam ouvir. Assim Paulo celebrou os sacramentos dos judeus, como a observância da Lei, “aparentando ser judeu, para ganhar os judeus; por que não sacrificou com os gentios, pois também se fez como sem lei com aqueles que estavam fora da lei, para ganhá-los também a eles? Sem dúvida fez o primeiro porque era judeu de nascimento18.  Esta tática utilizada com os judeus foi também a que utilizou com os filósofos epicureus e estoicos. No Concílio de Jerusalém debateu-se o tema de se cumpria circuncidar os gentios, como dizia Pedro, ou se ficavam dispensados deste cumprimento, como mantinha Paulo. A tese paulina foi a que se impôs. Portanto, a esta altura, um judeu convertido podia continuar praticando os ritos judaicos sem restrição de nenhuma classe, e inclusive era desejável que todos atuassem assim. Mas a partir do momento em que o cristianismo se converteu em religião oficial do Estado, como já não necessitava adaptar-se aos fieis, estabeleceu uma dura repressão contra os que continuassem praticando os ritos judaicos. Durante o período inquisitorial obrigou a que somente se praticassem os ritos especificamente cristãos e queimou vivos aos que continuavam as suas práticas rituais nativas. 
            Agostinho detém-se especialmente no tema da necessidade de praticar os ritos judaicos, como fez o mesmo Paulo, ou se a um cristão lhe estava proibido fazê-lo. A solução que propõe é que em tempos apostólicos havia que aprovar essa prática e agora condená-la, e esta solução fundamentou, durante o período inquisitorial, a condena a ser queimados vivos aos conversos que, por uma parte, aderiam ao credo cristão e, pola outra, seguiam praticando ocultamente os ritos judaicos. Considera o bispo de Hipona que “as cerimônias dos judeus são mortíferas e perniciosas para os cristãos, e quem as observe recai no abismo do demo,... distingo eu entre a conduta sincera do apóstolo Paulo no seu tempo e a observância sincera das cerimônias judaicas no nosso. Então havia que aprová-las, enquanto que agora há que detestá-las”19. Este é um razoamento do tipo disse-o Blas, ponto redondo. "O judaísmo, desde Cristo, é uma corrupção, efetivamente, «Judas é a imagem do povo judeu»; o seu entendimento das Escrituras é carnal; eles levam a culpa da morte do Salvador, porque a través dos seus pais eles mataram a Cristo. Os judeus prenderam-no, os judeus insultaram-no, os judeus ataram-no, coroaram-no de espinhas, desonraram-no cuspindo-lhe, azotaram-no, amontoaram abusos sobre ele, colgaram-no dum madeiro, atravessaram-no com uma lança". Só citamos estes textos, entre inúmeros, dos autores mais notórios representativos do sentir de diversos Padres da Igreja. Creio que abundam para deixar claramente o anti-semitismo judaico e a dupla vara de medir utilizada polos cristãos para com os seus correligionários e com os membros das outras confissões.
            Imos refletir agora as decisões dalgum órgão colegial. A primeira decisão conciliar sobre a relação dos fiéis cristãos com os infiéis, tanto hereges como judeus, produziu-se no Concílio de Elvira do ano 306, que, no cânon 16, estatui: “Os hereges, se não querem incorporar-se à Igreja católica, não se lhe entregarão donzelas católicas; mas determinou-se que nem aos judeus nem aos hereges se lhe dessem polo facto de que não pode haver nenhuma relação do fiel com o infiel. Se os pais obrassem contra esta proibição, que sejam excomungados por cinco anos”. Também se proíbe sob pena de excomunhão, no cânon 49, que bendigam os frutos dos proprietários cristãos porque então teriam o mérito de fazer prosperar os seus bens, e no cânon 50 determina-se que “Se algum clérigo ou fiel tiver tomado o alimento com os judeus, que se abstenha da comunhão, para que seja emendado”.
            Os imperadores romanos chegaram algumas vezes a equiparar em privilégios os judeus com os cristãos, mas nas mútuas relações entre estas religiões, os judeus sempre saíram perdendo. No I Concilio de Niceia, 325, o imperador Constantino, presidente honorário do concílio, dirigiu-se aos bispos com estas palavras: "Nós não desejamos ter nada em comum com este povo tão aborrecível, dado que o Redentor marcou outro sendeiro para nós". Este afã de afastar-se das práticas judaicas levou os participantes neste concílio a optar polo descanso em domingo e não no sábado como fazem os judeus. Como líder supremo, incontestável, e como o responsável da execução dos acordos do concílios, escreve-lhe uma carta aos ausentes para cominá-los a aceitar os acordos da assembleia. A sua missiva é toda uma lição de anti-semitismo e de uniformismo. “Quando se suscitou a questão relativa ao dia da Páscoa, pensou-se geralmente que era conveniente que todo o mundo celebrasse esta festa o mesmo dia. Que pode, com efeito, haver de mais belo e mais justo que ver esta festa, que nos dá a esperança de imortalidade, celebrada por todos de comum acordo e da mesma maneira. Declarou-se que era particularmente indigno seguir para esta festa, a mais santa de todas, o costume dos judeus, que mancharam as suas mãos do mais pavoroso dos planos, e cuja alma está cegada. Rejeitando o seu costume, podemos transmitir aos nossos descendentes o modo legítimo de celebração da Páscoa, que nós observamos depois do primeiro dia da paixão de Cristo até o presente. Não devemos, por conseguinte, ter nada em comum com o povo dos judeus. O Salvador amostrou-nos outra via; o nosso culto segue outro derroteiro mais legítimo e mais conveniente, e por conseguinte, adotando unanimemente este modo, queremos, meus caros irmãos, subtrair-nos à companhia dos judeus. É verdadeiramente vergonhoso para nós ouvi-los vangloriar-se que, sem eles, não poderíamos celebrar esta festa. Como poderiam estar na verdade, eles que, após a morte do Senhor, não se deixaram conduzir pola razão, senão por uma paixão insensata? Não possuem a razão nesta questão da Páscoa; na sua cegueira e a sua repugnância por toda melhora, celebram frequentemente duas Páscoas no mesmo ano. Não poderíamos imitar a aqueles que estão manifestamente no erro. Como seguiríamos a estes judeus, que o erro cega incontestavelmente? Celebrar duas Páscoas no ano é totalmente inadmissível... Como por uma parte é para nós um dever não ter nada em comum com os assassinos de Cristo, e como, por outra parte, este costume, já seguido polas igrejas do Oeste, do Sul, do Norte, e por algumas do Leste, é o mais aceitável, pareceu-nos conveniente a todos (e eu fiz-me garante do vosso assentimento) que vós a aceiteis com alegria, dado que é seguida em Roma, em África, em toda a Itália, a Espanha, as Gálias, a Bretanha, a Líbia, toda a Acaia, nas dioceses de Ásia, do Ponto e de Cilícia. Deveis considerar não somente que o número de igrejas destas províncias formam a maioria, senão também que é justo pedir o que a razão aprova, e que não devemos ter nada em comum com os judeus. Em resumo, o Juízo unânime decidiu que a muito santa festa de Páscoa seja celebrada em todas partes o mesmo dia, e não convém que a santidade desta solenidade seja manchada polas nossas divisões”. 
            O Concílio de Laodiceia,Frígia,  celebrado entre 343 e 381, amostra-se mais estrito que outros concílios anteriores a respeito da presença de hereges nas celebrações cristãs, pois outros permitiam-lhe essa presença tanto dos hereges como dos judeus nas leituras e sermões que precediam o ofício divino propriamente dito. O de Laodiceia estabelece no cânon 6, que “não está permitido aos hereges, entretanto permanecem na heresia, pôr o pé na casa de Deus”. No cânon 37 determina que “Não é apropriado que os cristãos aceitem regalos que foram enviados por judeus ou hereges, nem celebrar festas com eles”. Esta proibição indica que se vinha fazendo e o objetivo do concílio é evitá-lo e converter assim os judeus numa espécie de parias sociais. “Não é apropriado para os cristãos aceitar pão  ázimo dos judeus, e tomar parte nas suas impiedades” (Cânon 38). Desta maneira pretende-se cortar também todo vínculo religioso entre cristãos e judeus.
            O cânon 129 do Códice dos cânones da igreja africana decreta que os escravos, libertos, condenados por crimes públicos, marcados com o selo da infâmia, pagãos, hereges e judeus não podem atuar como acusadores perante os tribunais20.
            O cânon 14 do concílio de Calcedônia do ano 451 uma pessoa não batizada “não se lhe permite ser batizada por hereges, nem casar com hereges ou judeus ou pagãos, a menos que a pessoa que se vai unir com o ortodoxo prometa adotar a fé ortodoxa. Se alguém transgride esta ordenança do santo sínodo, deve ser castigada de acordo com os cânones21.





1.  I Tes. 2, 15.
2.  Jo. 18, 31.
3.  RUNES, DAGOBERT DAVID, The Jew and the Cross, Philosophical Library, New York:, 1965, p. 61.
4.  ST. AMBROSE, The treatise concerning widows, ca. 2, 13.
5.  Carta XL a Teodósio, 6.
6.  Carta XL a Teodósio, 8.
7.  Carta XL a Teodósio, 10.
8.  Carta XL a Teodósio, 14.
9.  Je. 3, 3.
10.  Eight Homilies against the jews, I, III, 1.
11.  Eight Homilies against the jews, I, IV, 1.
12.  Eight Homilies against the jews, I, VI, 4.
13.  Eight Homilies against the jews, I, VI, 6.
14.  Eight Homilies against the jews, I, VI, 7.
15.  Eight Homilies against the jews I, VI, 7-8.
16.  Carta,35, 30.
17.  Carta 40, 6.
18.  Carta 40, 6.
19.  Carta 82, 18.
20.  HEFELE, Histoire des conciles, liv. 8, sec. 121.
21.  HEFELE, History of the council, liv. 11, sec. 200.

Proibição da leitura e traduções vernáculas da Bíblia (III)


Índices de livros proibidos

            Na época do Renascimento se produz, por uma parte, a renovação das ciências naturais e humanas, fruto, no caso destas últimas, do novo humanismo que vai substituir o teocentrismo medieval. Surge também o movimento de reforma da espiritualidade que vai afetar o cristianismo. A Igreja responde perante a nova situação com a repressão, que se vê impotente para coartar a difusão das ideias. No 1523, Carlos V (1500-1558) proíbe a difusão das obras de Lutero em todos os seus domínios, proibição que foi ratificada por Clemente VII (1523-1534) para toda o orbe católico, ao tempo que proliferam os Índices de livros proibidos, primeiro na Inglaterra de Enrique VIII (1509-1547), no ano 1529, em 1542 na Sorbona de Paris, e em 1546, por encargo de Carlos V, na Universidade de Lovaina, Índice que é adoptado como próprio pola Inquisição espanhola em 1551, com um apêndice dos livros publicados em castelhano. O responsável desta edição, assim como da de 1559, foi o Presidente do Conselho de Castela e inquisidor geral de 1547-1566, o asturiano Fernando de Valdés e Salas (1483-1568). Em 1554 acrescentou-se a listagem de livros proibidos com a inclusão de 56 edições de Bíblias e Novos Testamentos, editados majoritariamente em Paris e Lyon, sob pretexto de que podiam induzir à heresia. A Inquisição espanhola ordenou ao seu braço executor, os tribunais da Inquisição, que recolhessem todos os exemplares da Bíblia impressos sem a preceptiva licença, confiscando 450 volumes em Sevilha, 218 em Zaragoza e quantidades importantes também em Valência e Salamanca. Carlos V introduziu a inquisição em Sicília e intentou, sem êxito, introduzi-la também em Nápoles. Também criou um tribunal nos Países Baixos onde havia desde fazia tempo luteranos nas cidades, aos que ordenou condenar a morte, queimando na fogueira os homes e enterrando vivas as mulheres. Em 1515 ordena aos mourescos de Espanha que se batizem ou saiam do país.
            O monarca integrista, Felipe II (1556-1598), incrementou esta vaga repressiva com a promulgação por parte da sua irmã, a regente Joana, com a aprovação do rei, da Pragmática de 1558, pola que se instaura um sistema de censura de livros, ao tempo que se proíbe a importação de livros escritos em castelhano, sob pena de morte e confiscação de bens aos que incumpram a norma. O Índice de livros proibidos da Inquisição espanhola, de 1559, incluía uns 700 livros, e não se cinge, como a de 1551, a reproduzir listagens anteriores. Vai ser aplicada em todo o âmbito do Monarquia hispana em vez do Índice de Trento. Os livros que se incluíram no Índice, segundo se especifica no Preâmbulo, são os seguintes: os condenados polos papas ou os concílios anteriores a 1515; os escritos por hereges, judeus ou muçulmanos quando tenham por objeto atacar o cristianismo; as traduções da Bíblia em língua vernácula; as disputas e controvérsias de caráter religioso entre católicos e hereges, assim como as refutações de Maomé em língua vulgar, porque podem dar uma ideia das crenças dos infiéis; os livros de ciências ocultas ou de astrologia preditiva; os livros que utilizam a Bíblia com fins profanos ou os poemas que a interpretam duma forma dês-respeitosa, etc. Precisava que a proibição de determinados livros se devia a que “não era bom lê-los na língua vulgar”. Ou seja, que se estabelecem uma série de proibições com a finalidade de que os cristãos não tenham um conhecimento veraz das doutrinas dos hereges.
            Felipe II, aríete da perseguição contra a liberdade de pensamento e de culto, utiliza a inquisição como um instrumento defensivo da sua política. E ante a pretensão dos padres do concílio de Trento de regulamentar a inquisição, responde que a ação do tribunal é em interesse da fé, e que a autoridade da Inquisição não devia ser diminuída nem sequer discutida. O resultado é que a inquisição vai ampliando cada vez mais o seu campo de ação e começa a atuar nos casos de blasfêmia, sodomia, bigamia, e nigromancia. Além de amostrar mais zelo contra os dissidentes ideológicos que a mesma Igreja, nem sequer teve em conta as protestas do Parlamento espanhol contra os abusos da inquisição. “As Cortes seguirão protestando contra os abusos de autoridade, mas sempre em vão, porque Felipe II tomara como norma apoiar à Inquisição em toda circunstância. Nas Cortes de 1563 (Aragão e Valência) foi apresentada ao rei uma petição neste sentido. A Assembleia pedia que o papel da Inquisição se reduzisse exclusivamente ao conhecimento dos casos de heresia. Felipe II não respondeu nem sim nem não. Então os membros das Cortes negaram-se a votar a contribuição de 12.000 ducados que o rei pedia, e só volveram do seu acordo quando se lhes prometeu que se iniciaria uma investigação sobre os abusos dos tribunais da Inquisição1. 
            A severidade do Santo Ofício é cada dia maior, amostrando-se cada vez mais papista que o papa. Por ordem do 27/02/1557 decreta que “a quarta parte dos bens do acusado será a recompensa do delator em caso de condena. Mais tarde, o 7/09//1557, decreta-se a pena de morte contra qualquer vendedor, comprador ou leitor de livros proibidos2. Criam-se assim as condições para que gentes sem escrúpulos delatem aos seus familiares, vizinhos ou conhecidos. Isto é reforçado pola imposição de penas totalmente desproporcionadas, que vão amedrontar a população. A promoção da leitura por parte da Igreja fica fora de toda dúvida!.
            Em 1559, sendo Inquisidor Geral Valdés, a Suprema chegou a ordenar a confiscação não só de todos os livros que falassem da Bíblia senão também de todos os livros que falassem da doutrina cristã. “Em fevereiro de 1559, sob o mando de Valdés, a Suprema ordenou que se confiscassem todas as obras em Espanha cujo tema fosse a Bíblia publicadas em línguas vernáculas fora do país, e numa carta à Inquisição de Sevilha, agregou que as resenhas do catecismo de Carrança se deviam confiscar, e que, «para que não pareça que este livro é o único livro sob exame (quer dizer, que precisamente este ‘era’ o único livro de interesse), seria bom publicar editos nos que se ordene a confiscação de todos os livros escritos em língua vernácula que falem da doutrina cristã3.  
            Sob o papa de Paulo IV (1555-1559), nepotista, anti-semita, anti-protestante, fanático, intransigente e inimigo do imperador Carlos V, a Inquisição romana promulgou o 15/02/1559, o Índice de Livros Proibidos, com o título longo, «Índice de Autores e Livros que por ofício da  S. Rom. e universal inquisição se ordenam sejam evitados por todos e cada um na universal república cristã, sob as censuras indicadas contra os leitores, ou possuidores de livros proibidos na bula, que se leu na ceia do Senhor (Quinta Feira Santa), e sob outras penas contidas no decreto do mesmo sacro ofício»4. Este Índice seria promulgado, a petição do Concílio de Trento, polo Papa Pio IV em 1564. Segue-lhe uma introdução com o título: Teor da proibição do decreto da universal inquisição, na que se afirma: “A todos os fiéis cristãos qualquer que sejam o seu status, graus, ordens, condição ou dignidade, e onde quer que se encontrem, sob censuras, e penas indicadas na Bula Ceia do Senhor, e nos Decretos do sacrossanto Concílio Lateranense, e também sob a pena de suspeita de heresia, de privação de todos os grãos, ofícios, benefícios para sempre, de inabilitação, perpétua infâmia, sob outras penas infringidas polo nosso arbítrio, com rigor ordenamos e mandamos, que ninguém no futuro ouse: escrever, publicar, imprimir ou fazer imprimir, vender, comprar, por empréstimo, regalo ou dar por qualquer outro pretexto, tomar publicamente, ou reter ocultamente consigo, ou como se queira doutro modo guardar, ou fazer ser guardado livro, ou escrito algum deles, que neste Índice do Sacro Ofício são anotados,... Quem tiver descuidado obedecer, ou do mesmo modo tiver livros, e escritos quaisquer, após a notícia do decreto, tida polo modo que seja, enquanto pudesse, não os tiver apresentado realmente, ou com toda aplicação e diligencia não procurasse que seja apresentado, ou aos Ordinários do lugar, ou aos inquisidores da maldade herética, ou aos seus Vicários, ou enviados fielmente por ofício da santa romana e universal inquisição, que incorra ipso facto nas citadas censuras de excomunhão  latae sententiae, e outras penas5. A excomunhão latae sententiae afeta aos delitos mais graves e produz-se automaticamente quando se produz o facto delitivo, enquanto que na ferendae sententiae tem que incoar-se um procedimento para a condena a pena de excomunhão.
            Uma comissão dos Padres escolhida polo concílio de Trento redigiu dez regras, ‘as regras tridentinas’ dos livros proibidos, que abarcava todo o âmbito da Cristandade católica, que depois foram confirmadas por Pio IV (1559-1565), o 24//03/1564, pola constituição ‘Dominici Gregis custoriae’, e que vão permitir incluir no Índice de livros proibidos multidão de obras, que são as seguintes:
            1ª.- “Todos os livros que foram condenados, quer polos supremos pontífices quer polos concílios ecumênicos antes do ano 1515 e não se contêm nesta lista, devem ser considerados condenados da mesma maneira que foram formalmente condenados.
            2ª.- Os livros desses hierarcas, que a partir do ano citado originaram ou reviveram heresias, assim como de aqueles que são ou foram cabeças ou líderes dos hereges, como Lutero, Zwinglio, Calvino, Baltasar Friedberg, Schwernckfeld e outros parecidos a estes, qualquer que seja o seu nome, título ou natureza da sua heresia, estão absolutamente proibidos. Os livros dos outros heréticos, sem embargo, que têm relação ex-professo com a religião, estão absolutamente condenados. Aqueles, por outra parte, que não têm relação com a religião e por ordem dos bispos e inquisidores foram examinados polos teólogos católicos e aprovados por eles, estão permitidos. Do mesmo modo, os livros católicos escritos por aqueles que depois caíram na heresia, assim como por aqueles que depois da sua caída retornaram ao seio da Igreja, podem ser permitidos se foram aprovados pola faculdade teológica duma universidade católica ou pola inquisição geral”.
            3ª.- A tradução de escritores, também eclesiásticos, que foram editadas por autores condenados, estão permitidas sempre que não contenham nada contrário à sã doutrina. A tradução dos livros do Antigo Testamento pode ser permitida, a juízo do bispo, só para homes formados e piedosos, sempre que tales traduções sejam utilizadas só como elucidações da edição da Vulgata para a compreensão da Sagradas Escrituras e não como um texto são. As traduções do Novo Testamento feitas por autores da primeira classe desta lista não serão permitidas a ninguém, dado que resulta um grande perigo e pouca utilidade usualmente para os leitores da sua leitura. Mas se com tais traduções, como foram permitidas, têm circulado algumas anotações ou com a edição da Vulgata, estas podem também, após ser expurgadas as passagens suspeitosas por uma faculdade teológica de alguma universidade católica ou pola inquisição geral, ser permitidas a aqueles a quem as traduções estão permitidas. Sob estas circunstâncias, o volumem inteiro dos livros sagrados, que se chama comummente «Bíblia Vatabli» ou partes dela podem ser permitidas a homes formados e piedosos...
            4ª.- Tendo em conta que a experiência ensina que, se a leitura da Santa Bíblia é permitida geralmente sem discriminação nas línguas vernáculas, resultará mais dano que vantagem a causa da temeridade dos homes, a questão é a este respeito deixar ao juízo dos bispos e inquisidores, que possa ser permitida, com o conselho do pastor ou confessor, a leitura dos Livros Sagrados traduzidos à língua vernácula por autores católicos a aqueles que eles sabem que não se derivará um mal de tal leitura senão um acrescentamento da fé e da piedade. O permisso dar-se-á por escrito. Qualquer livreiro que venda ou que subministre de qualquer outro modo bíblias escritas em língua vernácula a alguém que não tenha este permisso, perderá o prezo dos livros, que se aplicará para finalidades piedosas, e em concordância com a natureza do crime estarão sujeitos a outras penas que se deixam ao juízo do mesmo bispo. Os regulares que não tenham permisso dos seus superiores não podem lê-los ou comprá-los.
            5ª.- Aqueles livros que provêm da labor de autores heréticos, nos que não se acrescenta nada ou pouco de seu, senão que recolhem afirmações doutros autores, como são os léxicos, concordâncias, apótemas,.. Se contêm algo que precisa ser purgado, que sejam permitidos uma vez que se tenham retificado ou emendado sob concelho do bispo. 
            6ª.- Livros em língua vernácula acerca das controvérsias entre católicos e hereges do nosso tempo não serão geralmente permitidas, senão que a respeito delas se respeite o que se estatuiu das bíblias escritas em língua vernácula. Enquanto a aqueles que foram escritos em língua vernácula e que tratam da razão de bem viver, contemplar, confessar e semelhantes, se contêm uma doutrina sã, não existe motivo para proibi-las.
            7ª.- Os livros que tratam, narram ou ensinam ex-professo de cousas lascivas ou obscenas, dado que não só cumpre dar razão da fé, senão dos costumes, que facilmente podem corromper-se pola lição destes livros, ficam totalmente proibidos. O livros antigos compostos por pagãos serão permitidos pola e elegância e propriedade da língua; sem embargo por nenhum motivo se lhes leram aos meninos.
            8ª.- Os livros dos que o contido principal é bom, nos quais sem embargo se inseriu ocasionalmente alguma cousa que diz relação com a heresia ou a impiedade, a adivinhação ou superstição, expurgados... polos teólogos católicos, podem ser permitidos.
            9ª.- Todos os livros de geomancia hidromancia, aeromancia, piromancia, oniromancia, quiromancia, necromancia, ou nos quais se contêm sortilégios, feitiços, Augúrios, agoiros, encantamentos de artes mágicas, são rejeitados totalmente. Porém os bispos que vigilem para que não se leiam ou possuam livros de astrologia judiciária, tratados, índices, que, quer tratem de sucessos futuros contingentes, de casos fortuitos ou de aquelas ações que dependem da vontade humana, pretendam afirmar que algo acontecerá como certo.
            10ª.- A respeito da impressão dos livros e outras escrituras observe-se o que se estatuiu no Concílio Lateranense V, sob Leão X, sses. X
            “Finalmente, ordena-se a todos os fiéis, que ninguém se atreva contra o prescrito nestas regras ou a proibição deste Índice ler ou ter algum livro. E se alguém lesse ou tivesse livros dos hereges ou escritos de qualquer autor, condenados e proibidos por heresia ou por suspeita de dogma falso, imediatamente incorra em sentença de excomunhão”6. Estas regras servirão de referência no futuro para a possessão, leitura, tradução, compra, venda e subministração dos livros e escritos impressos, incluídos os das Sagradas Escrituras, e, muito especialmente, os da autoria de autores condenados, entre eles prioritariamente os reformadores ou protestantes.
            A Bíblia foi incluída no Índice de livros proibidos, durante o papado de Pio IV, no ano 1559. A Inquisição foi abolida definitivamente em 1834, mas a sua influencia continuou vigente nalguns âmbitos, como a promulgação do Índice de Livros Proibidos, que publicou a sua última edição em 1848.
            O Índice de Livros Proibidos, de 1564, criado para censurar todas as publicações que se publicassem no mundo cristão, não foi suprimido até o ano 1966, quando Paulo VI compreendeu que tinha um efeito contrário ao que se pretendia, pois dava-lhe uma grande publicidade às obras condenadas e incentivava a sua venda. Alguns dos autores que viram a sua obra incluída no Índice foram: Copérnico, Erasmo de Rotterdam (1500), François Rabelais, Giordano Bruno, René Descartes (1633) Thomas Hobbes (1649-1703), David Hume (1761-1872), Denis Diderot, Honoré de Balzac Émile Zola (1894-1898), Anatole France (1922), Henri Bergsom (em 1914), Maurice Maeterlinck, André Gide (1952), Jean-Paul Sartre (1959), Freud, Marx, Nietzsche.





1. DOMINIQUE, PIERRE, La inquisición, Luis de Caralt, Barcelona, 1973, p. 275.
2. DOMINIQUE, PIERRE, La inquisición, Luis de Caralt, Barcelona, 1973, pp. 252-253.
3. GREN, TOBY, La inquisición. El reino del miedo, Ediciones B.S.A., Barcelona, 2008, p. 289.
4. Index Livrorum Prohibitorum, 1559.
5. Index Livrorum Prohibitorum, 1559.
6. 'Regulae Tridentinae' de libris prohibitis, confirmatae in Const. 'Dominici gregis custodiae', 24 mars 1564, Denzinger, http://catho.org/9.php?d=bx5, nºs. 1851-1861.


14 nov 2017

Proibição da leitura e traduções vernáculas da Bíblia (II)



            A proibição estende-se por Inglaterra e Alemanha

            No século XIV a Igreja passa por uma crise de corrupção generalizada, que se traduzia, a partir deste século, numa obscena simonia para fazer frente ao financiamento eclesial, entre outras cousas, para a construção da Basílica de São Pedro. No seu seio surge o movimento dos Reformados ou Protestantes, que vai dar lugar a uma nova cisão entre os cristãos, com Lutero ao frente, no século XVI, ao que responde o catolicismo com a Contra-Reforma, que se vai concretizar no Concilio de Trento (1545-1563), um dos mais negativos para o Catolicismo.  
 
            Wicliffe foi o primeiro autor que fez uma tradução de toda a Bíblia para o inglês, terminada no ano 1382, servindo-se da Vulgata de Santo Jerome. As razões que o impulsaram foram que “visto que a Bíblia contém todo o que é necessário para a salvação - é necessária para todos os homes, não só para os sacerdotes. Ela sozinha é a lei suprema para regular a Igreja... sem tradições e estatutos humanos. Cristo e os seus apóstolos ensinaram o povo na língua melhor conhecida por eles. Por isso, a doutrina não deveria estar só em latim senão na língua comum. O laicado deveria entender a fé e as doutrinas da nossa fé estão nas Escrituras, e os crente deveriam ter as Escrituras na língua que eles entendem perfeitamente1.

            No século XII fundaram-se as comunidades religiosas masculinas, chamadas dos beguinos, e femininas (beguinas), atribuídas a um sacerdote de Lieja Lambert le Bègue. Pregavam o arrependimento e levavam uma vida ascética e de pobreza. Na Alemanha, Carlos IV (1355-1378), rei de Boêmia e Santo Romano imperador, “promulgou um edito para quatro inquisidores contra a tradução e a leitura da Escritura à língua germânica. O edito foi provocado polas atuações dos beguinos e beguinas. Beltoldo, arcebispo de Magúncia, promulgou um edito contra a impressão de livros religiosos em alemão, dando entre outras razões a surpreendente de que a língua germânica era inapropriada transmitir corretamente ideias religiosas, e, portanto, seriam profanadas. O edito de Bertoldo teve alguma influência, mas não pudo impedir a divulgação e publicação de novas edições da Bíblia. Os dirigentes da Igreja recomendaram alguma vez ao laicado a leitura da Bíblia, e a Igreja guardou silêncio enquanto que estes esforços não se converteram em abusos2. A afirmação de que a língua alemã não vale para transmitir ideias religiosas pode surpreender a primeira vista, mas é o que normalmente acontece em todos os povos colonizados ou aqueles que estão em contato com uma língua A mais prestigiada, como neste caso, o latim. No ano 1486, o arcebispo de Magúncia proíbe que se imprimam cópias da Bíblia sem autorização da Igreja: o célebre «Imprimatur» ou «Nihil obstat».

            O terceiro Sínodo de Oxford de 1408, proíbe a leitura das poucas cópias da Bíblia de Wicliffe em circulação. No cânon 2 diz-se: Fica proibido “sob pena de de interdito local, que os eclesiásticos ou os seculares  permitam que ninguém pregue sem autorização, nas igrejas ou nos cemitérios3. O cânon 6 estabelece que ninguém pode publicar um livro sem autorização dos acadêmicos de Oxford; e o cânon 7 decretou que não se deve permitir a tradução da Bíblia em língua vernácula se não está aprovada polo bispo, sob pena de incorrer em excomunhão maior e de ser castigado como reio de heresia. “É perigoso, como declara São Jerome, trasladar o texto das Santas Escrituras dum idioma para outro, dado que não é fácil na tradução preservar exatamente o sentido em todas as cousas. Por conseguinte, mandamos e ordenamos que de aqui em diante ninguém traduza o texto das Santas Escrituras ao inglês ou a outro idioma qualquer como livro, opúsculo, ou folheto, desta classe ultimamente feito no tempo de João Wicliffe ou desde então, ou que de hoje em diante possa ser feito, seja parcial ou total, pública ou privadamente, sob pena de excomunhão, até que tais traduções tenham sido aprovadas e autorizadas polo Concílio Provincial. Quem obrar doutra maneira será castigado como um instigador de heresia e erro”4. Não se deixa resquício nenhum para que o interessado possa ler os livros da Bíblia, a exceção dos que aprove a Igreja. Como toda tradução dalgum modo desfigura o pensamento original, a solução que oferece a Igreja é não traduzir e, por tanto, ignorar ou ler um livro que for convenientemente expurgado. Aplicado ao ensino, equivaleria impedir-lhe ao alunado ler livros em francês ou inglês porque podem não compreender bem os conceitos.

            No ano 1412, o arcebispo de Canterbury, Thomas Arundel, escreve-lhe uma carta ao papa João XXIII (1410-1415), mais tarde declarado anti-papa, na que define o filósofo e teólogo escolástico John Wicliffe (1320-1384), como “esse canalha pestilente John Wicliffe, de condenável memória, o precursor e discípulo do anti-cristo que, como complemento da sua maldade, inventou uma nova tradução das escrituras na sua língua materna5. O Concilio Ecumênico de Constança celebrado nos anos 1414-1418, postumamente “declara a John Wicliffe como herege, condena a sua memória e ordena que os seus ossos sejam exumados. Alem disso, começou um processo, pola autoridade ou por decreto do concílio de Roma, e por mandado da igreja da Sê apostólica, após o devido intervalo de tempo, para a condena do mencionado Wicliffe e da sua memória. Foram enviados convites e editos convocando os que desejassem defendê-lo a ele e a sua memória. Porém ninguém apareceu que quiser defendê-lo a ele ou a sua memória. Foram examinados os testemunhos polos comissários nomeados polo papa reinante João XXIII e por este sagrado concílio, a respeito da sua impenitência e obstinação final. Proveram-se as provas legais, de acordo com todas as devidas formalidades, como a disposição da lei exige numa matéria desta classe, tocante à sua impenitência e obstinação final. Isto foi provado polas indicações claras das legítimas testemunhas. Este santo sínodo, portanto, a instâncias do procurador fiscal e dado que se emitiu um decreto de que a sentença deveria ser ouvida neste dia, declara, define e decreta que o citado John Wicliffe foi um notório e obstinado herege que morreu na heresia, e e anatematiza-o e condena a sua memória. Decreta e ordena que o seu corpo e ossos devem ser exumados se podem ser identificados entre os cadáveres dos crentes, e ser espalhados em todas as direções desde o lugar de cremação da igreja, de acordo com as sanções canônicas e legais6. A ausência de candidatos para defender os chamados hereges explica-se polo clima de repressão imperante no seio da sociedade, que poderia converter em suspeitoso a quem ousar defender uma pessoa anatematizada e condenada. O zelo contra os dissidentes ideológicos provoca que nem sequer deixem em paz os mortos, senão que são exumados e queimados para escarmento das gerações presentes.

            O primeiro autor que traduziu a Bíblia do hebreu e do grego para o inglês foi William Tyndale (1494-1536), de tendência pró-reformadora. Sentindo-se inseguro na Inglaterra para realizar a versão citada por não obter a licença das autoridades religiosas, marchou para Alemanha onde pudo terminá-la e imprimi-la antes de 1535, para depois introduzi-la secretamente na Inglaterra. A tradução foi proibida e Tyndale, atraiçoado por um inglês, Henry Phillips, foi arrestado e encarcerado no castelo de Vilvoorde, no que permaneceu 16 meses. O 6/10/1536 foi sacado da sua cela para ser executado. Amarrado a uma estaca, primeiro foi enforcado e depois o seu corpo queimado na fogueira. A sua tradução do Antigo Testamento ficou incompleta, sendo terminada polo seu ajudante Miles Coverdale que a publicou neste mesmo ano em Alemanha. Em 1543, o Parlamento inglês proíbe toda tradução da Bíblia salvo a de Coverdale, que pronto seria também condenada, ao igual que a de Wycliffe, e decretou que era um crime ler ou explicar em público as Escrituras.

            A imprensa, a inquisição espanhola, o livre exame e a Contra-Reforma

            No 1436 Johannes Gutenberg (ca. 1398 - 1468) desenvolveu um sistema mecânico de tipos móveis que produziu a revolução da imprensa moderna e a Igreja apresta-se a tomar medidas para controlar este meio de difusão. Aproximadamente no ano 1454, imprimiu-se a Bíblia por primeira vez na imprensa, permitindo uma rápida difusão de livros, que fez que as versões protestantes da Bíblia proliferassem.

            Espanha contribuiu em grande medida á repressão contra a publicação de bíblias proibidas, valendo-se da Inquisição espanhola e o Tribunal do Santo Oficio, aprovada por Sixto IV (1471-1484), papa aos que se lhe acusa de obsceno nepotismo, de impulso da venda de indulgências, da pratica da simonia, de proclamar o jubileu em 1475 com ânimo arrecadador, de ter seis filhos ilegítimos, um deles com a sua irmã, de ter imposto um tributo às prostitutas e de cobrar aos clérigos por ter amantes. A aprovação da Inquisição foi feita pola bula Exigit sincerae dovotionis, de 1/11/1478, a petição reiterada dos Reis Católicos ao Pontífice, com objeto de dotar-se dum instrumento de poder que lhe permitisse perseguir os desviantes políticos, sob pretexto do «perigo» judaizante7, ou seja, dos judeus conversos ao cristianismo que continuavam praticando os seus ritos judaicos, e dos mourescos. O papa concede-lhe aos reis a faculdade para nomear três bispos, sacerdotes seculares ou religiosos em cada cidade ou diocese dos seus reinos de Espanha dotados, para a averiguação e castigo dos hereges, dos mesmos poderes que os Ordinários ou outros Inquisidores pontifícios. Atendendo às súplicas reais concede-lhes aos Reis Católicos a faculdade de designar: “três bispos ou superiores a eles ou outros varões probos presbíteros seculares ou religiosos de ordens mendicantes ou não mendicantes, de 40 anos cumpridos, de boa consciência e laudável vida, mestres ou bacharéis em Teologia ou doutores em Direito Canônico ou trás rigoroso exame licenciados temerosos de Deus, que vós crerdes em cada ocasião eleger em cada cidade ou diocese dos citados reinos, ou polo menos dous deles, ostentem tocante aos reios dos citados crimes, ou seus encobridores e fautores a mais completa jurisdição, autoridade e domínio de que gozam por direito e costume os Ordinários do lugar e os Inquisidores da maldade herética8. Esta bula permitiu a mais brutal repressão e xenofobia contra os judeus conversos, mourescos, protestantes, bruxas, iluminados,... com o propósito de conseguir a pureza de sangue dos católicos únicos legitimados legalmente para habitar nos domínios da coroa espanhola. Torquemada “expulsou os judeus. Não há que expulsar também os mourescos? Assim acabar-se-iam em Espanha as falsas religiões e os falsos católicos. Só quedariam espanhóis em Espanha, homes da mesma raça e do mesmo sangue9O objetivo é a erradicação dos desviantes ideológicos, e os instrumentos a tortura sobre o acusado com a finalidade de obrigá-lo a reconhecer o seu crime, o terror sobre a população e a pureza de sangue, uma medida racista que servirá de prólogo para o racismo dos séculos XIX e XX. Reconhecia o inquisidor da coroa de Aragón, Nicolau Eimerich, que “devemos recordar que o principal objetivo do juízo e pena de morte não é salvar a alma do acusado, senão promover o bem público e aterrorizar à gente10. O principal instrumento para este objetivo terrorista era o secretismo, que protegia o a pessoa do acusador ou delator impedindo que o acusado soubesse quem o acusava e de que o acusavam.    

            A inquisição serviu também como um instrumento fiscal ao serviço do Estado que lhe dava via livre para confiscar os bens dos supostos hereges, como se deduz das cédulas emitidas polos reis aos inquisidores, das que apresentamos a seguinte: “Pedro de Badia, o meu receptor dos bens confiscados polo delito e crime da heresia e apostasia na cidade e bispado de Barcelona, eu fui informado como pondes pouca diligência no vosso ofício e o servis por substituto, o qual é em dano do meu fisco e por ende eu mando-vos que de aqui em diante entendais por vós no ofício e ponhais boa diligência nas cousas que nele ocorrerem porque se o fazeis doutra maneira, mandarei prover acerca disso como ao meu serviço cumpra. Feito em Sevilha a oito dias do mês de maio do ano de mil quinhentos. Eu o rei (rubrica) Por mandado do rei Juam Ruyz de Calcena (rubrica)11.

            Com o renascimento acentua-se o individualismo frente ao coletivismo medieval e à hierarquia, individualismo que responde ao despertar da economia burguesa de livre iniciativa privada, sendo impulsado também polo livre exame dos reformadores.  Este defende como eixo cardinal que a compreensão da Sagrada Escritura por parte dum ser humano bem disposto não precisa de nenhuma mediação, no necessário para a salvação. O autêntico crente pode interpretá-la fielmente sem necessidade de contar com a tradição nem com o magistério da Igreja. O que late no fundo desta questão é o controlo das consciências que a Igreja católica não está disposta a perder, porque a sua supervivência depende, em grade parte, dela. Isto provocou que proliferassem as traduções das bíblias em línguas vernáculas para acercar a palavra de Deus à cidadania.

            O V Concílio de Latrão, que faz o 18 concílio ecumênico da Igreja ocidental, do ano 1515, estabelece uma férrea censura de todas as publicações em todo o âmbito da sua competência dirigida a ter um controlo total das consciências, pois estende-se a toda classe de livros sem exceção. “Nos, portanto, determinamos e ordenamos que de aqui em diante, para todo tempo futuro, ninguém se atreva a imprimir ou ter impresso algum livro ou outro escrito de qualquer classe em Roma ou em qualquer outras cidades e dioceses sem que o livro ou escrito tenha sido rigorosamente examinado, em Roma polo nosso vicário e o mestre do sacro palácio, noutras cidades e dioceses polo bispo ou alguma outra pessoa conhecedora da impressão de livros e escritos desta classe e que foi delegada para este cometido polo bispo em questão, e também polo inquisidor de heresia da cidade ou diocese onde a citada impressão tenha lugar, e a menos que o livro ou escrito tenha sido aprovado por uma ordem judicial assinada pola sua própria mão, que tem que ser dada, sob pena de excomunhão, livremente e sem demora. Além disso, para que os livros impressos sejam confiscados e publicamente queimados, o pagamento de um cento de ducados à fábrica da basílica do príncipe dos apóstolos em Roma, sem esperança de auxílio, e suspensão por todo um ano da possibilidade de interessar-se da impressão, e será imposta a qualquer que atue doutro modo a sentença de excomunhão. Finalmente, se a contumácia do ofensor aumenta, que seja castigado com todas as sanções da lei, polo bispo ou vicário, de igual modo para que outros não tenham incentivo de intentar seguir o seu exemplo12. Esta normativa vai servir de referência para o futuro.

            Enquanto os reformadores ou protestantes impulsaram a leitura e tradução da Bíblia e o mesmo Lutero traduziu a Bíblia ao alemão, a Igreja católica responde com uma forte reafirmação e dogmatização das suas teses e de condena de todo o que representa o movimento reformador. Esta reafirmação estendeu-se também à proscrição da leitura e tradução da Bíblia, que vai ser assumida polo magno concílio integrista de Trento (1545-1563), que impõe como única versão autêntica a Vulgata de São Jerome13, o qual significa que, como esta versão está em latim, todas as traduções em línguas vernáculas são despossuídas de valor, como interpretou Pio VII, e, para contra-arrestar a doutrina do livre exame de Lutero, que democratiza a leitura e interpretação da Bíblia, decretou em 1546 que ninguém ouse interpretar a Sagrada Escritura, em matérias de fé e costumes “conforme ao sentir próprio, contra o sentido que susteve e sustém a santa mãe Igreja, a quem atinge julgar do verdadeiro sentido e interpretação das Santas Escrituras, ou também contra o unânime sentir dos Padres14. Portanto, os únicos que podem saber realmente o que di a Bíblia som os hierarcas de turno, e os demais devem limitar-se a recolher e repetir o que eles dizem. Tampouco se pode interpretar contra o sentir unânime dos Santos Padres, se bem cumpre qualificar este preceito de improcedente porque tal sentir unânime não existe. O objetivo da igreja católica é controlar a sua divulgação e monopolizar a sua interpretação, fazendo dependentes e menores de idade a todos os fiéis cristãos.  

           


1. That pestilent and most wretched John Wycliffe! - Grace Gems!www.gracegems.org/.../That%20pestilent%20and%20most%20wr...
2. Bible Reading by the Laity, Restrictions on www.ccel.org/s/schaff/encyc/encyc02/htm/iv.v.lxi.htm
3. PELTIER, L’ABÉ, Dictionaire des conciles, tom. 2, Ateliers catholiques du petir Montroure, Paris, 1847, Concílio de Oxford, T. 2, p. 910.
4. Archbishop Thomas Arundel’s Constiturions against the Lollards,  www.bible-researcher.com› english versions › John Wyclif, nº. 7.
5. The Forbidden Bible - Frontline Fellowship, https://www.frontline.org.za/index.php?option... Why Wycliffe Translated the Bible Into English - Christian History Institute https://christianhistoryinstitute.org/.../archives-why-wycliffe-transl...
6. Concílio de Constanza, sessão do 4 de maio de 1415.
7. DE AZCONA, TARSICIO, Isabel la Católica,, Sarpe, Madrid, 1986, tomo II, pp. 7-57.
8. MARTÍNEZ DÍEZ, GONZALO, Bulario de la Inquisição Espanhola (hasta la muerte de Fernando el Católico), Madrid: Complutense, 1998, p. 77.
9. DOMINIQUE, PIERRE, La inquisition, Luis de Caralt, Barcelona, 1973, p. 281.
10. GREEN TOBY, La inquisición. El reino del miedo, Ediciones B.S.A., 2008, p. 36.
11. Cédula real del rey Fernando el Católico. 1500 AHN, sec. Inquisición, lib. 242, fol. 197 v  “(Cruz) El Rey.
12. The Fifth Lateran Council 1512-1517 e.c. part six Session 10, 4/05/1515 Major Councils of the Church,  (councils.htm)
www.dailycatholic.org/history/councils.htm
13. Denzinger, 785.
14. Denzinger, 786.