4 mar 2015

A RELIGIÃO NO TEMÁRIO CURRICULAR

A propósito dum debate

Andrés Torres Queiruga
O dia 2/03&2015 presenciei parte dum debate, sobre o rol da religião no programa curricular escolar, numa cadeia de TV galega no que partipavam, entre outros, o meu amigo e teólogo Andrés Torres Queiruga, Tuco Cerviño e Pilar Garcia Negro. Creio que não se centrou bem o debate e isso gera uma impossibilidade de acertar no diagnóstico e prognóstico. Vou comentar algumas das cousas que se disseram.

Eu considero que a religião surge das necessidades humanas e da incapacidade de resolvê-las por parte do homes. Entre estas necessidades está também a superação do medo ante situações que não controlamos, a incapacidade de dominar e prever as forças da natureza em casos como as catástrofes meteorológicas, e a necessidade de proteção frente a inimigos exteriores e interiores.  Esta proteção faz-se mais premente no caso de conflitos bélicos, e de ai que todos os povos se dotaram dum deus ou santo, para o caso é o mesmo, que os protejam nestas situações de resultado incerto e que podem supor a aniquilação de grande número de pessoas ou do grupo em si. Por tanto, o Estado esteve sempre interessado em promover a religião polos seus efeitos de proteção ante o perigo, além de controle e uniformização social. A religião que tem autêntica força é a religião favorecida polo Estado, que a vai colmar de prebendas frente as demais para que realize a sua função de intercessora ante a divindade para realizar os cometidos aludidos. O favor estatal dá-se á religião a câmbio de subordinação á política de turno, que é o que se fez a través da história. Por conseguinte, como uma instituição parasitária do Estado, colabora com os poderes públicos a câmbio de contrapartidas de caráter econômico e de facilidades para propagar a sua mensagem, também modelando as consciências desde o ensino que, nos nossos dias, constitui uma perturbação da formação científica do alunado ao ser misturada, esquizofrenicamente, com uma formação mítico-supersticiosa.    

A necessidade de proteção ante a adversidade, pode colmar-se de duas maneiras: fazendo ao home débil, pecador, e a Deus onipotente, onisciente e bondoso em sumo grão, que foi o caminho que adotaram as grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo; ou intentando reforçar a pessoa humana e fazê-la menos perturbável ante a adversidade com técnicas de melhoramento pessoal, que foi a opção seguida polas religiões budista, confucianista, etc., que inclusive carecem de divindades ás que acudir. As primeiras são religiões que odeiam e desprezam este mundo como indigno de ser vivido e intentam escapar dele, porque, como diz São Pedro de Mezonzo, este mundo é um vale de bágoas. Inventam um mundo fictício de ultra tomba que é o que realmente importa, e propalam que a felicidade nunca pode encontrar-se neste mundo senão no mundo do além, e de ai que é lógico que no novo temário de religião incluam o domínio de competências como ser capaz de reconhecer que a pessoa humana é incapaz, de por si, de alcançar a felicidade, e também de que o escolar seja capaz de compreender a origem divina do universo. Uma vez que se descarregou todo o poder, benevolência e sabedoria em Deus, não fica outra via que apelar a tales tópicos. Estas religiões monoteístas são religiões mui intolerantes que são capazes de cometer os atos mais cruentos e inumanos em nome do seu deus, que, por acima, os premia com a felicidade no paraíso. Porém discrepo de Tuco Cervinho quando disse que a religião cristã foi muito mais repressiva e intolerante que o Estado, porque o poder soberano dum país reside no Estado e não na Igreja, que se comete atos abomináveis, como o genocídio dos índios americanos por parte do cristianismo, foi porque o Estado lho permitiu. A religião cristão converteu-se em enormemente repressiva, intolerante e cainita a partir do seu reconhecimento oficial por Constantino, mas este deixava-lhe fazer porque queria tê-la subordinada aos seus desígnios políticos e isso tão-pouco conflitava com a sua moral criminal pessoal. O que si podemos dizer que é a instituição religiosa mais repressiva que existiu, com uns fitos não superados, como as cruzadas, a inquisição, a proibição de ler os textos bíblicos, a conivência com todos os regimes mais repressivos, defesa da castração polo reino dos céus, da escravidão, negações dos direitos humanos, mui nomeadamente nos nossos dias, os direitos dos povos, especialmente o da língua, como pôs de relevo Garcia Negro, etc., etc. Polo seu renome social e polo seu compromisso com a nossa língua, que sempre mereceu os meus parabéns, tenho convidado a dar uma charla sobre a língua galega na Igreja lá polo ano 1979 e fiquei surpreendido de não fosse minimamente crítico com a sua atuação alienante no nosso país. Após esta data convidei a outros clérigos inteligentes e comprometidos com a língua, polo menos teoricamente, e passou o mesmo. Do qual um extrai a conclusão, muitas vezes reafirmada, de que a crítica, que sempre é construtiva se é veraz, não vai com os membros da clerezia. A situação do galego no seio da Igreja não mudou o mais mínimo desde aquel então e quando assisto a uma celebração litúrgica, observo que os que comigo na átrio falam o galego, transmutam-se na celebração do rito porque Deus entende muito melhor a língua do poder e de passo contentam aos setores mais espanholistas.

As religiões budista e confucianista apelam basicamente a aperfeiçoar a pessoa humana e diminuir as fontes de insatisfação pessoal, e de ai que creiam muito mais nos seres humanos e na vida deste mundo. Estas religiões, igual que o hinduísmo, não vem a morte dum jeito dramático senão como um processo natural e inevitável porque as almas morrem e renascem de novo, e do que se trata é de como evitar este ciclo de mortes e renascimentos. Se bem também caíram na tentação de criar paraísos futuros, como seria, neste caso, a consecução da felicidade no estado de nirvana, são religiões muito mais tolerantes porque se baseiam no convencimento de que cada un tem que encontrar por si a felicidade mediante o autocontrole, autodisciplina e sabedoria e não existe uma Igreja que decida por eles o seu itinerário próprio nem têm que defender os direitos de nenhum deus, polo que os homes são capazes, nas outras religiões, de cometer os atos mais perversos e abomináveis.  

Em épocas de grande ignorância de como funciona a natureza e o ser humano, este inventou explicações míticas e imaginativas, segundo as quais o mundo está regido por forças animadas, por vontades poderosas que subjazem além dos acontecimentos concretos, que atuam ao seu bel prazer e que nos podem ajudar ou prejudicar, e de ai a necessidade de impetrar o seu favor e auxílio. A medida que se foi incrementando o conhecimento racional filosófico e científico, descobriu-se que o que antes se atribuía a espíritos benignos ou malignos, em realidade é produto de processos naturais e que pouco podem fazer os citados espíritos. No evangelho relatam-se casos de muitas possessões diabólicas, que eram tratados por curandeiros ou pessoas ás que se supunha certo poder magnético. Quando com o avanço da medicina deveu claro que em realidade não eram mais que fruto de desequilíbrios nervosos, epilepsia, etc., a solução que se busca é o diagnóstico dum psicólogo-psiquiatra, neurólogo, etc.

Até o século passado considerava-se que os fenômenos meteorológicos da chuva, vento, furacões, terremotos, etc., eram produto duma vontade divina airada e imisericordiosa com os seres humanos. De ai que cumpria fazer rogativas para que Deus nos enviasse a chuva. Eu tenho participado muitas vezes no Seminário em tales rogativas onde se implorava a todos os santos e santas, além de ao mesmo Deus, que se calmasse e atendesse as necessidades dos nossos campos e dos nossos animais, que hoje caíram totalmente em desuso e a gente olha mais para as isóbaras, baixas pressões, etc., que para as portas do céu. É outro campo no que também se considera que Deus tem mui pouco papel que cumprir.

Nos casos de defesa frente ao exterior, também se adquiriu consciência de que as jaculatórias pouco têm que fazer frente a preparação logística, bélica, tácticas acertadas, espia do possível inimigo, etc., e de ai que nenhum pais fiaria a sua defensa á vontade dum espírito em vez dum exército bem dotado, adestrado e preparado para competir em caso necessário.

Igual que a natureza exterior está dominada por forças animadas, também o ser humano tem dentro de si uma alma ou espírito que o dirige e que é independente dele e pode viver após a morte. Mas com os progressos da psicologia científica e a neurociência, esse hipotético motor interior que domina o corpo, esvai-se e o home chega a compreender que em realidade o que se chama alma não são mais que atos de pensamento, consciência, sentimento, etc., originado por um centro neurológico que é o nosso cérebro, e que, fora deles, não existe nada mais, e quando morre o cérebro também desaparecem os seus atos. Desta maneira, a imortalidade pessoal volve-se problemática e reclui-se no âmbito da crença, e muitas vezes duma crença irracional. Isto supõe um forte impacto para as religiões que sustêm a existência dum paraíso futuro no qual seremos felizes com Deus ou atormentados polo demo, ao tempo que representa um autêntico shock para pessoas que introjectaram a mística  crença de que este mundo não importa, porque o fundamental é o mundo futuro. Esta perda de espaço para impetrar os favores divinos, entre eles, para sacar as almas do purgatório, determina que o cometido da Igreja esmorece e cada passo vê-se como mais desnecessária. Cumpre ter presente que os clérigos sustêm-se em grande parte como resultado da crença no purgatório, que foi um invento platônico, concebido como medida política para incentivar as pessoas a que se portassem bem por medo a estes castigos post-mortem.

Também deixou Deus de ter um protagonismo na origem da vida, do home e do mundo, porque ha soluções científicas alternativas que também o condenam ao paro, e, polo princípio de economia, tanto físico como metafísico, o que é desnecessário numa explicação científica tem que se eliminado.

O Torres Queiruga aponta-se á tese do papa Francisco de que a religião não se contradiz com a ciência, e isto dizem-no os membros duma religião culpável da queima na fogueira de Giordano Bruno; de perseguir a Galileu até obrigá-lo a renegar do heliocentrismo para salvar a sua vida;  excomungar a Kepler; de incluir o livro de Copérnico no Índice de Livros proibidos, assim como os de Descartes, Kant; ..., condenar o evolucionismo e o livre pensamento em pessoas como Wiclef, Huss, Miguel Servet, etc., etc. Não basta que agora, em vista dos fracassos históricos que produziu a sua atuação, se diga que não ha conflito entre ciência e religião, porque foi a mesma Igreja cristã a que demonstrou que são incompatíveis com a sua guerra declarada contra a ciência a través da história.

Não está afortunado este notório teólogo galego, a quem eu respeito, ao dizer que a ciência não tem nada que ver com a criação e carece de sentido a sua pretensão de querer reservar um espaço próprio para a religião e a filosofia, que seria a criação, mentes que reservaria ao âmbito científico explicar como funciona o mundo. Consciente ou inconscientemente, o que se pretende é reservar-se um espaço místico próprio protegido com couraça de ferro contra a crítica e inoculado ante as objeções que pudessem derivar-se da eventualidade incompatibilidade dos descobrimentos científicos sobre as origens do mundo, da vida e do home. A teoria da evolução e do big bang são teorias respectivamente sobre a origem do home e a origem do universo, e tanto a religião como a filosofia devem estar abertos aos progressos científicos e assumi-los e pouco mais têm que dizer com sentido. No mundo sucederam-se diversas explicações da origem do universo e do home, e a explicação que aparece na Bíblia e foi adotada e ainda é sustida pola Igreja, é a explicação mítico-imaginativa babilônico-judia, que hoje não está em disposição de competir com a explicação científica. Não tem sentido desacreditar a Stephen Hawking ou Einstein dizendo que acertam como científicos, mas que patinam no âmbito religioso ou filosófico, porque hoje a única filosofia válida que se faz, sobre as questões da origem do universo e do home, são as teorizações dos astrofísicos e os biólogos e paleontólogos. O cometido da filosofia, e diria que também da religião, é construir explicações gerais integradas a partir dos descobrimentos produzidos em todas as ciências, não reservar espaços para pretender defender o mito, que foi em realidade o que fizeram as religiões até este momento. Ás suas investigações não se lhe podem opor mitos, por mui sacralizados que estejam por uns hierarcas religiosos ignorantes nestas matérias.

Lamento que o Torres Queiruga não pudesse explicar-se mais claramente ante a pergunta de Ignácio Bermúdez sobre o problema do mal, que não era o objeto de debate, mas polo que disse pareceu-me que deveria aperfeiçoar as sua explicação da origem do mal no universo. Creio que foi muito desafortunada a sua comparação de Deus e duma mai ante o problema de dor ou sofrimento do seu filho, porque uma mai não escolhe que filho pode gerar e o seu rol limita-se a decidir ser ou não mai e seguir certos conselhos médicos para procurar evitar problemas, mas definitivamente o filho é fruto dum processo natural e dum entorno social que ela somente domina numa mínima parte. O problema de Deus é distinto, porque a Igreja o define como onipotente, onisciente e bondade infinita e a partir desta definição é totalmente impossível justificar o sofrimento e o pecado no mundo. Porquê Deus não decidiu fazer-nos mais perfeitos, com uns materiais resistentes ás doenças e esforçados toda a nossa vida para procurar o nosso sustento e abrigo? Não sabia? Então não é onisciente. Não podia? Então não é onipotente. Não queria? Então é um ser malévolo. E de aqui não ha maneira de sair-se por muito disingos que se façam de cara á galeria. O que passa é que a Igreja não quer nem modificar o seu conceito de Deus nem pode fechar os olhos ante a realidade e então inventa teorias totalmente insatisfatórias, e construir florituras semânticas que em realidade obscurecem o problema. A religião tem toda a legitimidade de propor como crença teses que transcendem a explicação científica, mas dificilmente aquilo que colide frontalmente com a ciência. Por outra parte, penso que deve atrever-se a interpretar os seus textos fundacionais historicamente e não como textos definitivos e últimos que espartilhem, impeçam ou distorçam o conhecimento científico da realidade. 
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Enquanto ao diagnóstico das causas polas que os fieis a abandonam, creio que os clérigos cristãos se equivocam ao considerar que é um mero assunto de estar mais perto dos cidadãos e de saber transmitir melhor a sua mensagem, porque esta é tão repetitiva e monótona que não cabe ignorância dela. Do que se trata é de que carecem duma mensagem estimulante, novidadeira e atualizada, que enganche á cidadania. Trata-se sempre duma mensagem monotemática centrada numa moral sexual arcaica de caráter tribal judaica, que não sintoniza com a moral sexual da maioria social, como se comprovou na sua teima em restringir a lei do aborto liderando os setores mais integristas do país. Em realidade o cristianismo, como se lhe acusou muitas vezes, não tem uma moral própria, senão que é uma mistura de normas da moral tribal judaica, de caráter vingativo, em grande parte corrigido por Jesus de Nararé, cruel e amortecedora dos sentimentos de indignação cidadã ante a injustiça e a opressão, misturada e estruturada com aditamentos filosóficos platônico-aristotélico-tomistas e fundamentada em princípios diversos incoerentes entre si, liderados polo conseqüencialismo ético de que o fim da maior glória de Deus justifica qualquer meio por mui repressivo e perverso que seja, como tivemos ocasião de comprovar pola prática eclesial ao longo da história e, ultimamente, com as justificações da hierarquia sobre o silêncio dos escândalos de pederastia. Espero poder demonstrar detidamente todas estas afirmações numa próxima entrega, se o tempo e as forças mo permitem.

É uma moral que não conecta nem de longe com a problemática e sofrimento do home de hoje, vítima duma exploração brutal das oligarquias econômicas extrativas, que escravizam e degradam a personalidade humana até limites equiparáveis aos do liberalismo emergente décimononico, para o qual a Igreja não tem nada que oferecer. Quando, ao início da crise, se lhe insinuou que havia que limitar os seus privilégios, não se lhe ocorre nada melhor que afirmar que então reduziriam a sua já de por si mui parca contribuição a Caritas. Quando um lê o que se diz nos evangelhos sobre a pobreza e o que pratica a Igreja, bem se vê que não concordam em absoluto, porque a Igreja evangélica dos primeiros tempos, foi substituída, a partir de Constantino, pola Igreja poder, de caráter dogmático, repressivo e intransigente, que atesoura na terra enormes quantidades de dinheiro e patrimônio.

Frente a isto, não basta com afirmar que é na Igreja ha pessoas de todos os partidos, porque se bem na sua literalidade é certo, a proporção de pessoas de direita e extrema direita, que são quem realmente decidem, é abafante. Em conseqüência, é difícil de crer as suas afirmações de que a Igreja não é de direitas, pois basta com escutar o que propalam polas suas emissoras de rádio e televisão para precatar-se que sempre transmitem os valores mais reacionários e afastados da sensibilidade do home de hoje. Recomendar-lhe-ia a Torres Queiruga que deixe de falar das excelências do papa Francisco, porque até o momento presente somente teve uns quantos gestos, sem dúvida positivos, mas totalmente insuficientes e que não incidem nos autênticos problemas eclesiais: igualdade de gênero, celibato sacerdotal, corrupção generalizada, mensagem arcaica, dogmatismo fechado e incapaz de adequar-se aos descobrimentos científicos e á sensibilidade moral dos novos tempos, uma opção polos pobres que supere o nível de mero desejo, um financiamento próprio deixando atrás a imposição de que os cidadãos que não comungam com os seus valores se vejam obrigados a financiá-la como sucede na atualidade, as suas portas giratórias com o poder político, recebendo dinheiro das arcas públicas a câmbio da defesa duma única nação espanhola, etc., etc. Já que querem que sejam os pais que decidam na educação, que os pais decidam também no seu financiamento, e não retruquem com que ja cobre a sua casilha do IRPF quem quer, porque os que não a cobrem também têm que contribuir tanto como os que o fazem. Porquê uma percentagem tam importante de ateos que existem em Espanha tem que sufragar os gastos de instituições que negam a sua ideologia?