29 sept 2015

Nação política e identitária




 
A nação, por Castelao
A situação dum país delata a situação dos seus meios de comunicação, e quando se trata dum país com um nacionalismo absorvente, expansivo e intransigente, como é o caso da nacionalismo espanhol, que controla todos os meios de comunicação realmente relevantes, isto determinará a focagem da divisão territorial do poder, a ideologia dos meios de comunicação e a qualidade da sua democracia. É bem eloqüente a este respeito a diversa maneira de encaminhar as tensões territoriais o Reino Unido, com Escócia, e Espanha com as reivindicações dos nacionalismos defensivos catalão, vasco e galego. Se Catalunya ou o País Vasco gozam duma situação política mais boiante que a galega e duma capacidade de autodefesa da sua identidade, isto obedece, em grande parte, á distinta situação dos seus meios de comunicação, e, por tanto, da sua capacidade de contra-restar as idéias com as que nos bombardeiam desde a capital do reino. Quando um lê a imprensa ou escuta os tertulianos dos meios espanholistas, praticamente os únicos existentes com poder de influência importante a nível de massas, um não pode por menos que ficar surpreendido da pobreza argumentativa e da sua tendência á manipulação e a tergiversação. Espanha nunca teve grandes filósofos e isto paga-se.

O jornal El País, veio publicando nestes dias passados uma série de artigos sobre a nação e a pátria com o objetivo de desacreditar o nacionalismo catalão, amparando-se na liberdade de expressão, que é capaz de carregar com toda a deformação e tergiversação para procurar os próprios objetivos. Um destes artigos estava assinado por Felix Ovejero, professor da Universidade de Barcelona, titulado «Pátrias e fronteiras», do que o jornal destaca a seguinte manifestação: “Frente á idéia da nação republicana, território político comum dos compatriotas, levanta-se a nação sustida sobre a identidade, que exclui aos cidadãos que discrepam”. Alude, por tanto, á tradicional diferença entre a noção de nação emanada da Revolução Francesa, concebida como um povo formado por todos os indivíduos que o compõem, independentemente da sua etnia de procedência, e a noção alemã, baseada nos fatos diferenciais, quer dizer, nos caracteres identitários da língua, cultura, território, economia, religião, etc. A noção de nação proveniente da França revolucionária de integradora não tinha nada, e foi proposta com o propósito de estabelecer uma comunidade nacional por acima das diferenças e traduziu-se, na prática, no maior centralismo e etnocídio cultural da história, que propiciou a eliminação de todas as línguas salvo o francês e para criar um centro único macrocefálico de poder, criação e irradiação cultural, que seria após imitado pola Espanha borbónica. Frente a esta idéia de nação, pretensamente integradora mas na pratica laminadora das diferenças, pois a única integração digna de tal nome é a voluntária, levanta-se por parte de Fichte, a raiz da derrota de Alemanha ante França, na guerra de Jena do ano 1806, a idéia de nação étnica, com a finalidade de levantar os ânimos do povo alemão nesta etapa de desmoralização. Foi uma idéia de nação de carácter defensivo, que após se vai propalar por Europa, e também, naturalmente, por Galiza, mas já complementada com os ingredientes subjetivos da consciência e o sentimento nacional de P. S. Mancini. 

A formulação de Ovejero, como opiniões próprias, não haveria nada que objetar se não se utilizasse com objetivos espúrios, identificando a Espanha com a defesa da idéia da nação republicana e a Catalunya com a da defesa duma nação identitária de carácter reacionário . Não deixa de ser curioso que se pretenda argumentar em contra da realidade que um está observando e padecendo a diário. Espanha, em primeiro lugar, não foi nunca, salvo em períodos excepcionais e mais bem anedóticos e mui breves, uma república, porque já se encarregaram as forças reacionárias, e principalmente o nacionalismo espanhol de direitas, de fazê-la inviável. Em segundo lugar, foi sempre, e ainda o é hoje, sumamente excludente e negadora dos direitos fundamentais dos povos, como o de autodeterminação, de expressão da sua vontade política, de expressar-se na própria língua, de controlar os próprios recursos, de decidir sobre a própria cultura, etc. Não tem, por conseguinte, nada de integradora senão que é fundamentalmente impositiva e etnocida. Que mais negação dos direitos dos povos que pretender espanholizar aos meninos catalães? Há muitos meninos catalães, vascos e galegos que não são capazes de expressar-se na sua própria língua, mas não há nenhum menino catalão, vasco ou galego que não fale espanhol. Mas, surpreendentemente, isto não é satisfatório para os hierarcas espanhóis, que parece que somente estariam satisfeitos com a eliminação total das línguas periféricas. O problema fundamental que tinha Galiza com o bipartito era, segundo parece, que falava muito em galego, e, por isso, já o PP se encarregou de pôr as cousas no seu sítio. Tenhamos em conta, por outra parte, que a guerra civil se desencadeou para lutar, em primeiro lugar, contra o demonizado separatismo, do qual são expoente os milhares de patriotas mortos, e, em segundo lugar, contra o comunismo.

Em terceiro lugar, o status histórico normal de Espanha foi a ditadura e não a democracia, inclusive a democracia deturpada como é a atual, na que nem sequer funciona a divisão de poderes. Somente foi esporadicamente democrática, e inclusive a qualidade da democracia atual é totalmente insatisfatória Os trinta e oito anos do regime da Restauração não se podem considerar como democráticos, nem muito menos os seis anos da ditaduras de Primo de Rivera e o quarenta do regime franquista. Hoje mesmo, quem se atreve a afirmar que é democrático que a cidadania dum povo não pode ser consultada sobre o seu futuro?
  
Diz o Sr. Ovejero que “Nenhum Estado, razoavelmente democrático, rouba”. O Estado é uma entidade abstrata e, como tal, não rouba, mas si que podem roubar os que o controlam. Creio que estas manifestações deveriam ser evitadas polo menos num momento em que a cidadania constata estupefata como foram expropriados os recursos públicos por parte dos administradores do estado. Não é roubo também perdoar dinheiro somas quantiosas de dinheiro ás elétricas, que após se vem obrigados a pagar os cidadãos para suster os serviços publicos? Quiçá no dia de hoje a corrupção política no Estado espanhol é das maiores de Europa, sem que existam disposições legais eficazes para combatê-la, porque não se quer fazê-lo. Os administradores do Estado de fato também favorecem a umas pessoas determinadas e drenam os recursos doutras, como se põe de manifesto polas crescentes desigualdades entre as oligarquias e a cidadania, e não vale como justificação que são leis democráticas. Não é suficiente que uma lei seja controlada por um governo que se diz democrático, porque ainda os governos mais democráticos podem impor leis que atentam contra os direitos dos cidadãos e dos povos. Estes últimos não só não são respeitados no Estado espanhol senão que são duramente combatidos e anatematizados por parte dos dirigentes estatais, que os únicos direitos dos povos que reconhecem são os do povo espanhol, único ao que se lhe reconhece o direito de soberania e de decisão.

Aliás, o nacionalismo espanhol não se pode dizer que não seja identitário, porque uma das suas medidas políticas estratégicas está cifrada na difusão da língua e cultura espanhola polo mundo, a través do Cervantes. Nem tão-pouco se pode afirmar que os nacionalismos vasco, catalão e galego sejam somente identitários, porque defendem a integração de todos os cidadãos que vivem nas suas comunidades e não somente os dos que falam as suas respectivas línguas. Não são menos democráticos que o espanhol, senão ao revês, nem se pode afirmar que os nacionalismos que ele denomina identitários são reacionários, porque a existência de partidos ERC, Bildu, BNG, são prova do contrário. 

O conceito de «unidade de destino», é produto da concepção voluntarista da nação que tem a sua origem na Revolução Francesa que, ao não dispor de elementos identitários, o francês somente era falado polo quarenta por cento da população, criou uma noção que lhe permitisse submeter a povos diversos em cultura, língua, etc. Renan aceitou esta noção de nação sob a forma de “plebiscito quotidiano”, e utilizou-a para defender a incorporação de Alsácia e Lorena, de fala alemã, a França. Esta teoria será aceitada por Ortega e Gasset que afirma, em Espanha invertebrada, que “no secreto inefável dos corações faz-se todos os dias um fatal sufrágio que decide se uma nação pode de verdade seguir sendo-o”, expressão que se reduz a pura mística sem sentido mas que será aproveitada por ele para afirmar a espanholidade de Catalunya, Euskadi e Galiza. Como «unidade de destino no universal» foi proposta por Otto Bauer, e incorporada por Prat de la Riba e mais tarde por José Ortega e Gasset, sob a forma de «destino histórico», «destino comum», «comunidade de destino», de quem a tomou José António Primo de Rivera, que se servia dela para negar os direitos do povo catalão e o seu anseio de submetê-lo á autoridade espanhola, porque não aceitava, segundo ele, essa unidade de destino no universal. Em Prat de la Riba não tinha estas conotações imperialistas. Por tanto, cada povo assume a concepção que lhe parece mais ajeitada para a defensa dos seus interesses. Os ideólogos espanhóis defendem o que eles chamam uma noção integradora da nação porque isso lhe permite justificar o seu domínio sobre as nações periféricas. Os catalães insistem muito na vontade dos cidadãos enquanto que Risco e Castelao punham o acento principalmente nos caracteres nacionalitários objetivos: língua, cultura, ..., se bem também tiveram presente o aspeto voluntarista, fondamente democrático no rianjeiro.




 




24 sept 2015

Mistificação de Anova, Podemos IU




Iniciativa pola União
A linguagem política pretende muitas vezes, em vez de transmitir uma mensagem diáfana e clara, encobri-la, agachá-la e disfarçá-la para fazê-la mais recetível polo destinatário, com uns efeitos que podem ser mui perturbadores e terminar semeando a desilusão na cidadania, e inclusive representar uma traição aos que se diz servir. Os políticos aproveitam-se freqüentemente da credulidade e pouca capacidade de defesa duma cidadania muitas vezes desinformada ou insuficientemente informada para meter-lhe gato por lebre, porque o caso é ganhar as eleições e não os métodos utilizados para conseguir este fim. Isto é o que se quer fazer com o povo galego, muito menos lúcido politicamente que o catalão ou o vasco, o qual explica, em grande parte, o nosso devir histórico-político, até o momento desafortunado. Em Catalunya creio observar uma grande dissintonia de Pablo Iglesias com o povo catalão e os seus resultados parece que não serão boiantes, e careceria de sentido que algum partido político nacionalista catalão se entrega-se atado de pés e mãos a um partido nacionalista espanhol em aras dum resultado eleitoral imediato. Igualmente, algo parecido podemos dizer dos partidos nacionalistas vascos.



Anova e Esquerda unida já têm experiência provada na manipulação da cidadania com o invento de AGE, no qual Anova, carente da mais mínima infra-estrutura e convertida num puro fruto mediático, quiçá com o único objetivo de desacreditar o BNG, se converteu em sacristão de IU, também, agora, numa fase de clara decadência política e eleitoral e e com um grande divisionismo interno. O seu êxito eleitoral foi sobressalente mas a prática política da Alternativa foi o maior fracasso de nenhuma formação política desde que se criou o sistema autonômico. Não podiam comparecer com esta carta de apresentação a umas novas eleições. Por outra parte, Podemos está a perder influência a olhos vista no eleitorado, polos seus câmbios de mensagem e pola sua chularia madrilenha, que parece que vai comer o mundo e que reduz os demais ao papel de reserva indígena incapaz de captar o devir histórico. Eles são os que sabem e os que devem marcar o passo e os demais corpo a terra. A deriva, por tanto, destas formações necessitava um salva-vidas, e a solução creram encontrá-la num matrimônio de conveniência, no que a prejudicada é a noiva denominada Galiza. Operaram com o BNG igual que fizeram com Compromisso por Galícia, de cara ás autonômicas, á que marearam até a última hora para após eleger a confluência com os social-comunistas espanhóis.



Por outra parte, o nacionalismo de Anova é mais bem um reclamo eleitoral que uma convicção firme, como se prova claramente pola purga de Cerna, o setor nacionalista que comvivia no seu seio. O seu selo é hoje o social-ecologismo desenraizado da identidade nacional galega real e concreta, que deveria ser o norte da sua atuação, o qual explica que optassem polo pólo esquerdista e postergassem o pólo nacionalista, pretextando que, neste momento de crise, é prioritário, como se fossem excludentes e como se um grupo parlamentar autenticamente nacionalista de esquerdas fosse um obstáculo para coligar-se com uma alternativa de esquerdas a nível do Estado. Parece que em Anova não sabem assobiar e montar a cabalo ao mesmo tempo. Esquecem que a esquerda consolidada no poder, por muito que pregasse e incluísse o direito de autodeterminação na constituição, sempre o invalidou na prática. 



No dia de ontem, anunciaram as três formações: Podemos, Anova e IU, um acordo de princípio, elaborado e aprovado polas cúpulas partidárias á margem de toda participação da cidadania, á que diziam dar a prioridade e ser motores principais, convertendo a expressão «unidade popular» na maior fraude dos últimos tempos. Em realidade, a unidade popular não existiu mais que como um reclamo eleitoral na mente dalguns para pescar incautos. Nesse acordo, surpreendentemente, deixam na sombra a principal exigência do BNG, que se trate de formar um grupo parlamentar próprio submetido aos ditados da do povo galego e não do povo espanhol. Isto indica que a confluência entre as duas plataformas, O Encontro e a Iniciativa, fica invalidada na prática, porque os partidos já decidiram praticamente todo, e o que fizeram os do Encontro afirmando que era necessário tratar o câmbio de metodologia, etc. Não era mais que uma tática para ganhar tempo.



Agora, do que se trata é de mistificar a linguagem para apresentá-la como assumível polo eleitorado, e, para isto, um dos vetores importantes é conservar o pedigree nacionalista de Anova, por puro marketing eleitoral, e de ai que a primeira mensagem ao eleitorado se baseie na legitimação da sua atuação apelando nada menos que a Castelao, esquecendo que Castelao nunca priorizou as formações espanholistas sobre as galegas e tronava contra Risco pola sua teima em dividir o nacionalismo galego. A primeira mensagem que lançam consiste em afirmar que só participarão numa confluência “com quem aceite que Galiza é sujeito político soberano”, o qual de cara á galeria soa mui bonito e, na prática, não obriga a nada, ao igual que o que acrescentam a seguir, que “só renderá contas ao povo galego”, compromisso que podem assumir perfeitamente o PPG ou o PSdG. O que fica já claro é que renunciam a que o povo galego tenha um grupo parlamentar próprio, seguindo o guião traçado polo amo madrilenho, que diz que já decidiram em Vista Alegre que todos têm que ir sob o pára-chuvas de Podemos, como se isso fosse já um dogma de fé imutável ainda que existisse vontade política de fazê-lo. Aos catalães não foram capazes de fazer-lhe tragar tal indignidade, mas sim á formação do velho Beiras, que tolea por ir a Madrid, ainda que seja só sob as ordens do de Valhecas, e sem conseguir para Galiza grupo parlamentar próprio. A informação jornalística não deixa lugar a dúvidas: “Tanto Anova como Podemos coincidem em que esse não deve ser o objetivo fundamental ante um regime «que não vale», ainda que também insistem em que se articularão todos os mecanismos para fazê-lo possível, algo que condicionam a uma maioria ruturista na Câmara e na Mesa do Congresso. «O grupo próprio sem uma quebra do regime não vale, é preciso um câmbio importante da correlação de forças". Por tanto, Galiza deve ser sujeito político soberano mas sem os instrumentos para poder defender essa soberania, quer dizer, políticas próprias, salvo que o Grande Chefe lhe conceda uns minutinhos quando o que vão defender passou o seu filtro. Por outra parte, o PNV, Amaiur, ERC, CDC que tomem nota do invento. O que fizeram até o momento foi perder o tempo, e no futuro deveriam já acovilhar-se sob um pára-chuvas espanholista, e justificá-lo com o recurso a Sabino Arana ou a Prat de la Riba. Eis, a formação que se diz nacionalista galega, Anova, convertida num mero apêndice de Podemos, ad majorem gloriam de Pablo Iglesias. Uma autêntica mofa e uma estafa. 



A atuação do BNG até o momento foi mui inteligente, porque amostrou muita flexibilidade e permitiu derivar a responsabilidade do fracasso das plataformas na falta de vontade política por parte dos social-ecologistas galegos, mas creio que devem já desistir de confluir com quem não tem vontade política para fazê-lo. Do que se trata é de saber comunicar-lhe a realidade á cidadania galega.