28 may 2016

As oligarquias contra-atacam


Dizia o filósofo Sócrates que ele somente sabia uma cousa, que sabia que não sabia nada. Triste desgraça a deste insigne intelectual, mais ainda pior é a minha porque nem sequer sei se sei ou se não sei.  Quantas vezes suspirei por ser como Platão que já sabia todo a nativitate! A mim a deusa Atenea deixou-me totalmente desvalido, e, em conseqüência também aos meus netinhos, que, segundo constato um dia e outro também, não têm traça nenhuma de possuir mais saber que o que aprendem e em muitos casos com sacrifício.

Claro que se o penso com detidamente tampouco é tanto problema. As oligarquias já têm solucionado os meus problemas econômicos e a sua aliada, a igreja, os problemas morais e os do destino de ultra-tomba, e, por tanto, que mais quero? Ninguém afirmará, suponho, que o domínio total que hoje exercem as oligarquias no mundo se constrói sem saber. Quando existia a URSS ainda por vezes se punha em questão essa profunda sabedoria que as caracteriza, mas já se viu que os fundamentos do regime socialista estavam baseados num saber efêmero que se desfundou como um castelo de naipes e hoje o domínio das oligarquias é total e absoluto. Nos nossos dias o socialismo não existe e a chamada social-democracia, ao igual que os conservadores e liberais, são somente os gestores das finanças dos oligarcars. Que maravilha esta sociedade de classe única, a oligarca, que toda a população se limita a louvar e imitar para escapar da sua precariedade! Definitivamente está claro que Leibniz tinha razão e vivemos no melhor dos mundos possíveis.

Fixem-se que equivocado estava que pensava que não pode sustentar-se uma sociedade consumista sem pessoas que consumam, porque, pensava eu, se não se consome, os compradores não necessitam tantos empregados; se não há empregados, aumenta o paro; se aumenta o para aumentam as subvenções aos parados, e, por tanto, o gasto social; se aumentam os parados, diminuem os dinheiro que a gente tem no peto, e, por tanto o consumo, e também diminuem as receitas da fazenda pública para pagar o gasto social e manter os serviços públicos; se diminuem as receitas não se podem equilibrar os ingressos e gastos e isso incrementa o déficit e a dívida pública. Dei-me conta do equivocado estava ao ver que o PP logrou a quadratura do círculo e fez-nos felizes a todos. Há empregos para todos e de todas classes: por horas, por dias, por semanas, de dia, de noite, a dous, três, quatro, cinco, seis,... euros a hora, e, para que ninguém se queixe, inclusive a mil ou dous mil euros a hora. Já dizia Leibniz que não mundo deve haver de todo: gozos, alegrias, dores, doenças, sofrimento, etc., pois todo contribui ao equilíbrio cósmico.

Mas, não para aí a cousa. Eu pensava também que há que ser responsável no gasto, ainda que muitas vezes é, não só conveniente senão também necessário endividar-se em aras de impulsar o crescimento das empresas e incrementar a taxa de emprego. Mas, as oligarquias fizeram-me ver que também estava equivocado. Não há que gastar o que não se tem, esse é o slogan que cumpre interiorizar e repetir incessantemente como um encantamento para chegar a estar profundamente convencido desta sempiterna verdade. Mas, eu pergunto-me, para que queremos as entidades de crédito? a quem se recorreria depois para obter o financiamento preciso para pagar os serviços públicos? Não será que o PP e o PSOE querem fechá-las todas as entidades financeiras para dar-lhe na cabeça aos que sustêm que somente são gestores das oligarquias e, ao mesmo tempo, aforrar a sua avultada dívida financeira com os banco por desaparição do prestamista? Não será que querem duma vez acometer a revolução pendente da que falava o ínclito José Antonio Girón de Velasco?

As oligarquias velam pelos cidadãos de a pé muito mais que nenhuma das divindades conhecidas. Esta vigia faz que meditem dia e noite em elaborar tratados que podam fazer-nos felizes: Globalização, WTO, NAFTA, TPP, TTIP, TISA,... todos eles concebidos e promulgados para ajudar á gente do comum. Alguns dizem que é mui suspeitoso esse segredismo com o que se fazem, mantê-los em segredo vários anos após a sua aprovação e também que intentem aprová-los de costas á cidadania, mas isto é totalmente infundado. Somente o fazem assim para aforrar-lhe trabalho á gente e para que não rompa a cabeça desnecessariamente em conhecê-los. Aliás, isso seria duvidar da sua boa fé e isso é pior que a apostasia contra a divindade. Eles trabalham para criar um mundo harmônico e destruir todas as causas dos ódios e malquerenças, e isso somente merece o nosso agradecimento e a nossa gratidão eterna.

Mas, esse domínio harmônico e global das oligarquias vê-se deslustrado por certos países e pessoas díscolas, sempre há ressentidos que não estão contentes, aos que cumpre declarar-lhe a guerra sem quartel para lograr uma harmonia unânime em todo o universo, ad majorem pecuniae gloriam. Só por citar alguns elos desta luta, começou com Grécia, país que quis pôr em questão a evidência, ou seja, a sabedoria e equanimidade dos máximos representantes da oligarquia global, a denominada troika. Continuou pelo Brasil, que tinha uma presidenta inexperta elegida por uns votantes irreflexivos, e que obrigou aos sisudos, ponderados e imaculados representantes da oligarquia a intervir para salvar o país da quebra e do caos. Uma vez mais deram um exemplo preclaro de patriotismo e de altruísmo perante os cidadãos de todo o mundo. É difícil entender que haja gente que não reconheça esse meritório labor.

O seguinte, ou anterior, que mais dá, foi Venezuela, que tem a metade da sua população no cárcere e onde não se cumprem as mais elementares normas da democracia. Reparemos que ainda não foram capazes de promulgar uma lei mordaça, como a que temos em Espanha, apesar dos resultado tão positivos que está produzindo no nosso país. Tem uns governantes que se dizem elegidos em votações limpas, mas sabe Deus que fariam para obter este certificado de credibilidade. Reparemos também que têm uns mídia tendenciosos e majoritariamente escorados cara ás oligarquias, que os revoltosos de turno criticam, mas que, eu penso, é uma grande vantagem porque contribui á harmonia e á paz social. Tenhamos em conta também que têm uns meios públicos favoráveis ao governo, entretanto em Espanha há também algum deles escorado cara ao PSOE, e que acredita a imparcialidade do sistema. Os mal pensados criticam que em Espanha os dirigentes destes meios são nomeados pela governo, quando esse é o maior sinal de imparcialidade, porque o governo é quem melhor sabe o que há que fazer no país. Mas o governo deu a sua maior prova de previsão ao convocar o Conselho de Segurança Nacional para tratar a situação de Venezuela. Sabia que os imigrantes espanhóis nesse país, todos eles de tendência bolivariana, preparavam um desembarco em Espanha ás ordens de Maduro para arrasar o país, mas, mercê a esta previssão governamental, o tiro saiu-lhes pela culatra. Que se fodam, como dizia a outra dos obreiros!   

Para atalhar esse enorme caos que sofre Venezuela, Espanha exportou por uns dias ao alto representante das oligarquias e campeão mais puro centralismo, o presidente de C’s, Albert Rivera, para instruir a estes analfabetos venezuelanos, que ainda andam com tangas, sinal inequívoca do seu primitivismo biológico. Mas este político espanhol, sempre tão reflexivo, não foi de qualquer maneira, senão previamente instruído e lecionado por dous grandes presidentes, nada suspeitosos de favorecer as oligarquias, González e Zapatero. Com esta preparação e a ilimitada verborréia do candidato, o resultado não pode ser mais esperançado. Fixemo-nos no eloqüentes que são estes três senhores que souberam descobrir o que o comum dos mortais ignora, que o nosso destino depende do nosso labor de redenção de Venezuela. Somente os mal-pensados, e há tantos neste mundo!, podem afirmar que lhe foram prestar um serviço á CIA, quando o único que fizeram foi servir aos sábios oligarcas que põem todo o seu afã e altruísmo, que é infinito, em fazer-nos felizes. Este político, que somente aspira a servir á cidadania, de aí o nome do seu partido, diz em Venezuela verdades como punhos: “somente vim para ajudar”, que sem dúvida o diz para dar-lhe nos narizes aos mal-pensados, pois a nenhuma pessoa de bem lhe cabe na cabeça que poda ir para outra cousa. Alguns dizem que ninguém pediu a sua ajuda, mas não se dão conta que uma pessoa preocupada pelo interesse alheio ajuda ainda em contra da vontade dos destinatários, porque o fundamental é ajudar para fazer felizes aos demais. Dizem também que se enterneceu e chorou ao ver semelhantes carências na população e que tinha bem de que chorar em Espanha: parados, mendigos, meninos mal-nutridos, pessoa sem ingressos vitais de nenhuma classe, desigualdades sociais escandalosas, mas os que aduzem isto não se dão conta de que os de Venezuela sabem chorar melhor, e, no caso de Leopoldo López já o vem fazendo desde há muito tempo por não ter podido desbancar aos chavistas e aceder ao governo do país.   

Em Espanha o entorto a remediar é o partido Podemos, com vínculos claros com os bolivarianos, e que ninguém venha com endrôminas de que isso não está provado, porque há cousas que são evidentes ainda que não estejam provadas e ademais isto somente obedece a que tem comprado o poder judicial espanhol, que agora somente vê pelos seus olhos. Aliás, se algo não está provado cumpre atuar preventivamente para que não chegue nunca a provar-se, e para isso o melhor é um bom ataque, como dizem os treinadores de futebol, que disto sabem um montão. Está claro que o problema do país é Podemos e que o interesse geral deve concentrar-se em eliminar duma vez todo o que cheire a lutar pela maioria social, porque a única e autêntica libertação é a da oligarquia, que se desvela na procura do nosso bem e da nossa felicidade coletiva.     


19 may 2016

Saturnização da esquerda filoespanholista galega



Saturno, deus romano da geração, dissolução, abundância, riqueza, agricultura, renovação e libertação, corresponde ao grego Cronos, símbolo do tempo, do eterno nascer e perecer das cousas. Filho benjamim do deus romano Caelus, Céu, e da deusa Tellus, Gáia, Terra, que correspondia á antiga deusa Cibeles, dominou ao seu pai e mutilou-o no momento em que se acercava a sua esposa para engendrar de novo. Uma vez destronado o seu pai, fez um pacto com o seu irmão primogênito Titão pelo qual poderia reinar, mas sempre que não deixasse descendência, com a finalidade de que o reino ficasse na linha do morgado. Saturno casou com Ops (Rea) com a qual teve vários filhos, mas com a finalidade de não ser despossuído do seu trono devorava-os enquanto nasciam. Ops, para evitar a morte dos seus filhos, oculta a Júpíter, Neptuno e Plutão, e só amostrou a sua filha Juno. Conhecedor o engano, Titão encarcera a Saturno e a Ops. Uma vez adulto, Júpíter fez-lhe a guerra ao seu tio Titão, destrona-o e devolve-lhe o reino ao seu pai. Saturno intenta matar a Júpiter, mas foi derrotado por este, que se apoderou do Céu. 

Quando aqui falamos de esquerda filoespanholista, referimo-nos aos ao conglomerado híbrido formado pelas formações que conformam o que neste momento se conhece como En Mareas, com um nome em espanhol como deve ser e como faria toda pessoa sensata e de sentido comum. É filoespanholista porque dos três grupos que a integram, dous são claramente espanholistas e sem interesse nenhum em praticar uma política proativa favorável aos interesses do povo galego. Isto não é um reproche para as citadas organizações, senão uma constatação do que cada um é, e é evidente que cada organização política tem a sua estrutura, natureza  e dinâmica próprias de acordo com as quais, se quer ser coerente, tem que atuar. O que é Anova eles terão que dizê-lo, mas não devem esquecer que, como diz o adágio popular, “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”, e também o que disse Jesus de Nazaré: “Pelas suas obras, conhecê-los-eis”. Dizemos neste momento porque este conglomerado tem já data de caducidade.

Os discursos do Sr. Beiras amostram nas últimas datas uma grande simpatia pelas esquerdas européias das que nos lecionou a propósito da eleições ao Parlamento europeu, e pelas esquerdas espanholas, com as que contraiu um matrimônio após abandonar o seu lar paterno que era o BNG, por considerar que são as predestinadas a redimir aos indígenas galaicos, que tanta falta nos faz. Poderia e deveria explicar-nos quais são esses supostos benefícios que a Galiza extraiu do alterne com as esquerdas da sua candidata em Bruxelas. A respeito do alterne com as esquerdas espanholas até o momento, o povo galego só conquistou um retrocesso enorme, de tal modo que hoje a Galiza tem menos consideração no Estado espanhol que Valência, com uns partidos nacionalistas que nasceram ontem. Como dizíamos num artigo anterior: “sem grupo próprio, sem primárias e com minifundismo político”. Este é o panorama e, segundo o meu parecer, já lhe podemos retrucar a Beiras e aos seus: “Assim è como se destrói um país e a sua auto-estima”.

O Sr. Beiras decide matar ao seu pai, e entendo por tal, como é óbvio, não o seu pai biológico senão ideológico, que era o seu admirado Garcia Sabell e o seu entorno pinheirista, com um galeguismo mui sui generis, que construiram Realidade Galega para tratar galeguizar aos partidos espanholistas, terminando por converter-se no setor galeguista do PSOE, e, narealidade, em meros espetadores mudos e legitimadores do jacobinismo socialista. Uma vez consumado o parricídio estabelece um matrimônio que parecia sólido e definitivo com a NA-PG, UPG, PSG e independentes, para dar nascimento, a uma criatura denominada BNG, mas o matrimônio esfarelou-se enquanto o grande vendedor do produto, embora com limitações claras em organização e análise crítica da realidade, o Sr. Beiras,  que estivera a ponto de converter-se no Presidente de Galiza, começou a recuar eleitoralmente, após uma dura campanha dos mídia autóctones na sua contra, provocando o seu despido democrático, mas prematuro, improcedente e sem um recâmbio com dotes similares de marketing no BNG,. A partir desse momento, a política nacionalista converteu-se num campo de batalha na luta pelo poder para conseguir a pátria potestade da criatura, acompanhada de de ódios e ressentimentos, dos que o povo galego foi o principal prejudicado.

Em 2012, a formação do Sr. Beiras decide promover um novo matrimônio, esta vez com a líder dum partido espanholista, Yolanda Díaz, de cuja união nasce AGE (Alternativa Galega de Esquerdas), ressuscitando assim o dirigente caudilho galaico a velha pretensão de Realidade Galega de cristianizar os partidos estatais para convertê-los em adaís do nacionalismo e do seu direito de autodeterminação. Parece que a experiência soviética não foi suficiente para evidenciar que uma cousa é reconhecer um direito e outra mui distinta efetivá-lo. Tampouco basta o que pregoa em teoria a Constituição Espanhola sobre os direitos e liberdades, por exemplo, o direito ao trabalho, para terminar conculcando-o a diário na prática. Parecia que políticos curtidos e de longa experiência deveriam estar imunizados contra a ingenuidade política, mas parece que não necessariamente é assim. A criatura durou bem pouco e os seus pais devoraram-na ao pouco de nascer para que não amostrasse ao mundo as suas imperfeições. Como em todas as cousas que passam a melhor vida, a gente decide não pedir-lhe responsabilidades a somente ensalçar ritualmente as suas imaginadas virtudes, e silenciar os seus defeitos, para grande alegria dos seus progenitores.

Nas vésperas das eleições de 2015, o matrimônio decide unir-se com Podemos e agrupações cidadãs, para dar nascência a criatura Em Marea, que teve um batismo rutilante nas eleições do 20D, mas de seguida se viu que era em realidade ouropel, pois a criatura amostra defeitos que a fazem inviável, e os pais já decidiram devorá-la e só silenciar as suas imperfeições para poder mantê-lo com vida artificialmente até as próximas eleições do 26J deste ano 2016. O problema é que os progenitores não se põem de acordo, como lhe aconteceu com AGE, para dar-lhe a alimentação e formação adequadas ao neonato, e, como é normal, a criatura morre. Não lhe pidamos tampouco responsabilidades a esta expirante criatura exigindo-lhe cousas que só se lhe ocorrem a cretinos, Rubén dixit, como lograr ter um grupo parlamentar próprio em Madrid, silenciar os problemas do povo galego, ou semelhantes. Há que ser respeitoso com as pessoas com um prognóstico tão pessimista e já com data de falecimento anunciado. Há que manter sempre um mínimo de bom gosto e sensibilidade. Agora,  o carismático líder galego, já têm que reconhecer ante a cidadania que a criatura tampouco vai superar a prova do grupo parlamentar que tanto pregoaram como justificação do seu parto dos montes da fábula de Esopo. Anova até ameaçou com tomar medidas se a coligação não participava como partido instrumental para ter opções a ter grupo parlamentar, mas onde há patrão não manda marinheiro. Que felizes somos por poder presenciar um fenômeno poucas vezes dado contemplar aos humanos, como é a doma e castração dum leão, capaz de rugir com verbo altitonante ante as multidões, petar na mesa de presidentes e deputados para pô-los firmes e sacar zapatos em parlamentos, e agora ei-lo em presença de todo um povo orelhas agachas, sem discurso político, humilhado ante os seus e, ao tempo que come o pó, limitando-se a dizer: não há tempo,... Já por espetáculos desta índole valia a pena uma e mil vezes viver num povo do Noroeste peninsular.   

Como fruto das infidelidade dos pais de Em Marea, surgiram filhos a eito: Mareas em Común, Mareas municipalistas, Mareas vivas, Marea Atlântica, Marea de Ourense, e outras que seria mui tedioso enumerar. Alguns mau-pensados dizem que estão a marear a gente, mas são pessoas seguramente decepcionadas pelas suas escassas ou nulas dotes reprodutivas. Agora do que se trata é de que os pais de Em En Marea não se põem de acordo sobre quem devem ser os pais da nova criatura que se anuncia, pois como eles já vão velhos decidem que converter-se em avós e que sejam algum dos seus filhos quem alumiem o novo ser que todos estamos expectantes por  receber com o alvoroço e as alvíssaras que se merece uma nova criança numa etapa em que se necessita tanto incrementar a natalidade. Que pena que não existam os tão famosos e cacarejados prêmios á natalidade que repartia o grande Timoneiro, para que pais tão prolíficos vissem reconhecido o seu esforço procriador!

Há, porém, uma diferença notória entre estas devorações e as do deus Saturno, pois nas atuais não existe nenhuma piedosa Ops, senão que participam nelas de mútuo acordo tanto o pai como a mãe, e tal vez também, como nas anteriores, avós, irmãos, tios, sobrinhos e demais família, mas quiçá não se salve nenhuma destas infelizes criaturas. Ou haverá um hercúleo parente que logre ressuscitá-las?


15 may 2016

Conflicto lingüístico

Alá pelos anos 80 do século XX costumava-se afirmar que o problema lingüístico de países como Galiza, Euskadi e Catalunya era um problema de diglossia, ou seja, de desnível entre duas línguas numa determinada coletividade: a língua A, que é a língua de prestígio, de poder, a língua na que se leciona o ensino, a língua que se utiliza em contextos formais e mais solenes; e a língua B, a língua íntima, familiar, a língua que se emprega em contextos informais, como nas relações com a família ou os amigos, a língua desvalorizada entre os utentes dessa língua. Distinguir-se-ia-se do bilingüismo em que neste se utilizariam as duas línguas com um nível semelhante de competência para todas as funções. A solução pregoada e  implantada, formalmente, em países submetidos, como o nosso, foi o bilingüismo, que, além de além de teoria lingüística de equilíbrio das línguas, é uma ideologia ao serviço do poder de turno para poder assimilar mais facilmente a língua dos povos com factos diferenciais que não foram capazes de borrar por meio da repressão, que no caso de Galiza dura já mais de 500 anos. Agora pretendesse conseguir o mesmo objetivo por meio do sistema democrático e prevalendo-se da grande potência dos meios de comunicação de massas, que espalham os usos e costumes dominantes e afogam a diversidade e a diferença. 
    
Uma vez implantado o sistema autonômico muitos consideraram que a situação da Galiza não era de diglossia, senão que cumpria falar de conflito lingüístico. Considero que em nenhuma comunidade existe uma situação realmente bilíngüe, porque se bem é possível, pelo menos aproximadamente a nível individual, a nível comunitário, nunca se chegam a conhecer duas línguas com o mesmo nível de competência, embora si que é possível possuir uma língua própria, com a qual a comunidade se identifica realmente, e outra língua conhecida por grande parte da população que se utiliza para o intercâmbio com os utentes doutras línguas, como pode ser na atualidade o inglês. Penso que não procede enterrar o conceito de diglossia, porque ainda que é certo que o galego e o espanhol se utilizam ambos em contextos formais, porém o galego continua a sofrer uma desvalorização social, que é o que faz que, apesar de que na atualidade todos os galegos têm o direito de conhecê-lo e falá-lo, segue mesmo a perder falantes e a escola continua sendo um instrumento de desgaleguização. Isto agrava-se com as campanhas de desprestígio do galego por parte nada menos que do governo da Galiza que deveria ser quem o impulsasse e normalizasse, e na falta duma forte reação da sociedade galega ante os aberrantes inquéritos feitos aos pais para que decidissem qual deveria ser a língua de transmissão do ensino. Se o galego estivesse igual de prestigiado que o espanhol, os galegos optariam por ele mui majoritariamente como língua de uso em todos os níveis de ensino, porque nenhum povo com auto-estima se suicida voluntariamente numa situação normal. 

Quando falamos de conflito lingüístico cumpre é ter bem claro quê é o que queremos dizer. Falar de conflito de línguas em si não tem sentido. As línguas são sistemas de comunicação abstratos e como tais não lutam entre si, senão que os que lutam são os seres reais e concretos. Se queremos compreender a realidade temos que superar, por tanto, as abstrações mentais e baixar ás cousas concretas. Se as línguas não lutam entre sim não fica mais que atribuir esta pugna aos utentes das línguas, aos indivíduos reais e concretos. Os partidários da substituição do galego pelo espanhol mantêm uma atitude beligerante e põem em prática umas políticas que tem como finalidade conseguir uma situação de domínio do espanhol, incluso muitas vezes recorrendo a certos mecanismos, convenientemente deturpados, do sistema democrático, como foi o caso do recurso á liberdade individual no caso do Governo galego. Nesta deriva são ajudados, consciente ou inconscientemente, pela maioria conformista, muitas vezes desconhecedora do problema e convenientemente manipulada. 

Dizia Carlos Marx que os obreiros não têm pátria, e, por tanto, o que cumpre é conseguir uma sociedade mundial regida pela classe obreira. Um dos corolários desta posição é que os trabalhadores unidos nesta sociedade global compartem também os seus valores, usos e costumes e entre eles a mesma língua. Isto explica que Carlos Marx não soube dar uma resposta ao problema dos povos que lutam pela sua liberdade. Com todo, o êxito do sistema marxista foi muito limitado e hoje não é um ideal estimulante pelo qual lutar tendo em conta o fracasso dos chamados países de democracia popular. Hoje o problema vem mais bem pelo campo oposto, pelo sistema oligárquico. Em tempos de Marx, a oligarquia contentava-se com dominar no mercado nacional e impor nele o uniformismo social, mas hoje considera que lhe queda reduzido e pregoa a abolição de todo tipo de barreiras: aduaneiras, legislativas, lingüísticas,... e todo ad maiorem pecuniae gloriam, para a maior glória do capital. Dizíamos num livro escrito no ano 1980, que “A língua está intimamente ligada ás relações de produção. Um sistema que defenda o expansionismo socioeconômico tenderá também a defender o expansionismo lingüístico”.  Hoje, o maior inimigo para a supervivência das línguas minoradas é a oligarquia imperante que ameaça com borrar as diferenças de língua, cultura, bem-estar, sistemas de produção diferenciados, etc.

Neste labor de destruição do próprio e identitário, os inimigos da própria língua são ajudados por aqueles pseudo-nacionalistas que acomodam a sua praxe lingüística ao seu interlocutor, e isto seria legítimo se este fosse estrangeiro ou não pudesse seguir uma conversação em galego, mas não com os que praticam, consciente ou inconscientemente, a praxe assimilacionista. Mas há que quedar bem visto e parecer dialogante e tolerante com os assimiladores, até chegar a compartir com eles que a política lingüística do galego é cousa de liberdade e querença.  

Creio que são desacertadas também, em muitos casos, as respostas ao discurso da imposição do galego, e não deixa de ser curioso que não se contra-reste este discurso quando o idioma que está imposto, com todas as da lei, incluída a Constituição Espanhola, é precisamente o espanhol. As línguas devem poder impor-se se for preciso para a sua supervivência, mas impor-se não significa outra cousa senão que os representantes dum povo com língua própria devem poder legislar também sobre ela sem interferências alheias de nenhuma classe. Agora muitos espanholistas estão defendendo uma espécie de diglossia do espanhol a respeito do inglês, política que considero totalmente desacertada, que pode obrigar nalgum momento a que haja que tomar medidas para protegê-lo aqui na própria Espanha, e considero que é mui legítimo facê-lo. Isto mesmo aplico-o ao galego.

Os inimigos do próprio e diferencial consideram que têm um problema com o discurso identitário, e toda a sua teima está a ser precisamente deslegitimar este discurso. Ante esta embate muitos nacionalistas parece que adotam uma atitude timorata e de retirada, para falar mais bem dum nacionalismo inclusivo, um nacionalismo de cidadãos, mas este nacionalismo não é nada se prescinde do facto diferencial, se prescinde dos sinais de identidade. Evidentemente que os protagonistas do devir dum povo são os cidadãos, e não uma enteléquia como o território, mas os cidadãos como indivíduos isolados são abstrações, pois os indivíduos são o que são enquanto atores sociais comunitários. Aliás, batem-se em retirada ante um interlocutor que defende nada menos que como sinal identitária a morte e sofrimento para deleite público dos touros numa praça repleta de vozes que ensalçam o sangue derramado por uma boa estocada a um animal a piques de expirar.

É conveniente e necessário não conformar-se com o protagonismo partidário, sem dúvida valioso e importante neste momento histórico, mas insuficiente, e incrementar o protagonismo dos cidadãos e dos grupos e associações em prol da normalização do idioma próprio com objeto de demandar a implementação das medidas necessárias e suficientes para que o galego tenha um uso normal na nossa sociedade. Uma língua não é somente um instrumento de comunicação, intercambiável por qualquer outro, pois neste caso bastava-nos com o idioma universal dos cães, senão que é também o resultado do labor criativo dum povo para fazer frente ás suas necessidades materiais e espirituais; é o maior sinal de identidade coletiva, que reflete a nossa personalidade própria; é a língua que melhor expressa os nossos avatares históricos, a nossa psicologia coletiva e a nossa cosmovisão; em resumidas contas, a língua galega é a Galiza profunda e imorredoira.      
         

  
 


7 may 2016

O medúlio ganadeiro

O ano 22 a.e.c. teve lugar no monte Medúlio o último capítulo duma batalha entre os guerreiros galegos, cântabros e astures contra as legiões romanas ao mando de Caio Fúrnio e Públio Carísio e no que os últimos resistentes se suicidaram para não cair em mãos dos inimigos romanos. O historiador romano dos s. I e II, Lúcio Aneo Floro oferece o seguinte relato deste episódio: “Por último teve lugar o assédio do Monte Medúlio, sobre o qual, depois de cercá-lo com um fosso contínuo de quinze milhas, avançaram a um tempo os romanos por todas partes. Quando os bárbaros se vem reduzidos á extrema necessidade, em meio dum festim, deram-se morte com o  lume, a espada e o veneno exprimido da árvore  teixo. Assim a maior parte liberaram-se da catividade, que a uma gente até então indômita parecia mais intolerável que a morte.” (MARTINO EUTÍMIO, Roma Contra Cántabros y Astures. Nueva Lectura de las Fuentes,  Editorial Sal Terrae, Santander, 1982, p. 32). Ante uma situação desesperada, estes guerreiros preferem a morte a um mal que se apresenta como inevitável e que seria ainda pior que ela, como é ser reduzidos a escravos dos romanos.

Faz uns dias os meios de comunicação deram a notícia de que um ganadeiro galego deixou morrer de fame as suas vacas e ante este facto respondeu: «Por desgraça, não vou ser o último», e alegou que não pôde alimentá-las pela grave situação econômica que está a passar. Agora está sendo investigado pela guarda civil e está pendente de acusação pela fiscalia. Outras quarenta vacas morreram e vinte e quatro foram sacrificadas em Chantada, quinze em Boiro,... Neste país, todo problema social se soluciona mediante a repressão, caindo no absurdo e no sem-sentido. Igual que os guerreiros galegos se imolaram ante uma situação limite, os ganadeiros deixam perecer as suas vacas, que são parte constitutiva deles mesmos, ante a situação de quebra econômica e fracasso pessoal, muitas vezes acompanhado de inclinações suicidas, como no caso que comentamos.

Creio que todo este modus operandi dos ganadeiros é produto duma desesperação extrema, por duas razões: porque lhe querem ás vacas e porque estas constituem o seu modo de vida, e vêm-se na tessitura de ver como lhe vão morrendo progressivamente uma trás outra sem ter possibilidade nenhuma de remediá-lo nem de desfazer-se delas. Quiçá não podamos imaginar o mal que tem que sentir-se uma pessoa nestas situações, e, como ele mesmo disse, esse é um drama que afeta a muitos mais.

As administrações aprestaram-se a declarar que estes são somente casos isolados, não querendo ver que são as políticas que padecem estes ganadeiros as que os levam á ruína, e virão muitos casos mais, mas também serão casos singulares. Dessa maneira pretendem acalmar a sua consciência e a da própria cidadania. Tão-pouco, segundo elas, os casos de mortes por hepatite C, são devidos ás políticas de austeridade praticadas. Neste país todos são efeitos raros ou sem causa. 

As mobilizações dos ganadeiros, pessoas nada propensas ás manifestações, sucederam-se ininterruptamente nos últimos tempos e puseram de manifesto ante os cidadãos a situação limite que estão a atravessar. Estão-lhe a pagar o litro de leite a 0,27 cêntimos, quando não muito menos ou inclusive que não têm assegurada a sua recolhida, e os custos de produção não baixam dos 0,30 cêntimos. Os contratos que assinam com as distribuidoras, midiatizados pelas administrações, terminaram sempre em papel molhado, e não serviram para dar um mínimo de estabilidade a um preço do leite rentável.

Ante as manifestações ganadeiras, parece que as administrações não tiveram outra preocupação que a de sufocá-las, servindo-se da desinformação e de promessas que não tinham interesse nenhum em cumprir. Quiseram demonstrar que são capazes de vencê-los e ignorar a sua protesta e tiveram êxito, mas um êxito pírrico, porque o problema fica latente, e está a provocar a desertização do nosso campo e o abandono das aldeias rurais a ritmo acelerado. Parafraseando a Rosalia, podemos dizer: este vai-se, e aquele vai-se e todos, todos se vão; o campo sem homes queda que o podam trabalhar, e todo isto ante a passividade total das administrações que consideram que o problema não vai com eles.

E entretanto todo isto sucede, os ex-presidentes dão-se bombo publicando os seus discursos parlamentares para intentar demonstrar-lhe a cidadania o bem que o fizeram e o avanço conseguido por Galiza mercê ao seu labor exitoso. Isto numa comunidade subsidiada, atrasada, dependente, sem possibilidade de criar uma economia auto-centrada que nos permita defender os nossos recursos e as nossas vantagens comparativas frente ao poderoso sistema oligárquico e centralista espanhol.