Que faço eu, que não tenho a
carreira de direito, metendo-me a opinar nestes assuntos? Pois singelamente, eu
são um afeiçoado nestas lides jurídicas, mas como professor de ética, que tinha
como cometido explicar os direitos humanos, não me arredo de manifestar também
o meu ponto de vista, como também sempre permiti que qualquer pessoa, incluso
leigo nas matérias que eu lecionava, expressasse o seu.
Para entender a sentença cumpre ter
em conta tanto os factos, como a questão à que responde o TJUE e os princípios
básicos da legalidade de que partem ou deveriam partir tanto este tribunal da
UE como o TS espanhol. Enquanto aos princípios, o primeiro é o respeito aos
direitos humanos, tanto individuais como coletivos, recolhidos na legislação
aplicável vigente, entre eles, o direito de liberdade, reunião, manifestação,
participação política passiva e ativa, o princípio político de democracia
representativa tanto dos eleitores como dos elegidos, direito de autodeterminação,
etc.
No transcurso do juízo contra o
independentismo catalão por ter celebrado um referendo unilateral de
autodeterminação o 1/10/2017, -e foi unilateral porque não contava com a anuência
do Governo espanhol apesar dos intensos e persistentes esforços dos
independentistas em consegui-lo-, o vice-presidente do Govern, Sr. Junqueras,
suscita a questão da sua imunidade parlamentar por ter sido elegido deputado do
Parlamento europeu nas eleições do 26/05/2019, e apresenta um recurso de súplica
perante o TS no que o insta a que pergunte ao TJUE se goza ou não de imunidade
e a partir de que momento. Surge, portanto, uma questão prejudicial, que, como
diz a LOEC (Ley Orgânica de Enjuiciamiento Criminal), se refere “a questões
civis e administrativas, propostas com motivo das factos perseguidos, quando
tais questões apareçam tão intimamente ligadas ao facto punível que seja impossível
a sua separação”. O Tribunal aceita realizar o recurso correspondente, que
foi enviado e recebido no TJUE o 1/07/2019. e recalca no seu escrito que o “não
condiciona o contido do pronunciamento sobre a causa principal” (30º), quiçá
para justificar a sua intenção de continuar com a tramitação da sentença, diga
o que diga o TJUE, e contar com uma sentença já firme para quando este tribunal
europeu se pronuncie; e que o problema suscitado é de caráter hipotético e não
real. Pola contra, o TJUE entende que a “interpretação solicitada polo TS
guarda relação direta com o objeto do litígio principal” (58º), e o
problema suscitado no citado juízo não é de caráter hipotético senão real.
Ao Sr. Junqueras foi-lhe permitido
apresentar-as eleições, mas uma vez que resultou elegido, não se lhe permite acudir
a JEC para cumprir a formalidade de prometer acatar a CE, conculcando deste
modo o seu direito e exercer como deputado do Parlamento Europeu. O TS
manifesta que decidiu “primar a privação provisional de liberdade do Sr.
Junqueras sobre o seu direito de participação política nos trabalhos do
Parlamento Europeu com o fim de preservar os fins do processo penal promovido
na sua contra, que correriam perigo ireversível se se lhe autorizasse a
abandonar o território espanhol” (35º), ou seja, que o TS primou garantir a
repressão de Junqueras sobre a conculcação dum direito fundamental seu numa
democracia, como é o direito ao sufrágio tanto passivo do Sr. Junqueras como o
ativo dos seus eleitores. Ou seja, que um direito fundamental fica subordinado
ao fim superior da repressão, a eficácia repressora prima sobre a ética e os
direitos humanos, segundo os valores do TS, e, com esta finalidade magnífica os
riscos de abandonar o território espanhol, apesar de que decidiu, como um novo
Sócrates, permanecer na Espanha e não optar por acolher-se a uma justiça
doutros países da EU mais garantista, como si fizera Puigdemont e os seus
companheiros deputados do Parlament. O sobre este despropósito original e
cardinal o TS pretende construir uma justiça punitiva num estado membro da EU.
Ora bem, não contemplou o TS que
Junqueras podia gozar de imunidade desde o mesmo momento da sua eleição polos
cidadãos, sem ter que submeter-se a nenhum outro requisito por parte dum
sistema político que pretende sempre controlar e vez de garantir a participação
política de todas as opções, aceitem ou não a legalidade que a fação majoritária
unionista impôs, que apresentam como sagrada e inviolável? Por que se quer
violentar a consciência dos dissidentes, obrigando-os a utilizar diversos subterfúgios
para poder exercer como deputados e para que vale uma promessa de acatamento
feita nesta tessitura?
O TS condenou a Baltasar Garzón por “laminar
direitos”, e ordenar práticas próprias de sistemas políticos já superados, ao
intervir comunicações desde o cárcere dos corruptos com os seus advogados; o
caso de Rosendo Naseiro foi arquivado porque as escutas telefônicas foram
ordenadas para investigar unicamente o caso de narcotráfico e, portanto, a sua
utilização no presunto delito de financiamento ilegal não gozava de supervisão
judicial, e, normalmente basta que qualquer prova se obtenha ilicitamente para
não ser considerada polos tribunais de justiça espanhóis. Por conseguinte,
nestes casos priorizaram-se os direitos humanos sobre a repressão, enquanto que
agora com os independentistas prioriza-se a eficácia repressora sobre os
direitos humanos. A que obedece esta câmbio de prioridades do TS? Temos que
contar com uma doutrina Junqueras, para acrescentá-la às de Atutxa, Parot,
Botin,..., todas tendentes a criar falhos ad hoc em vez de optar por uma justiça
igualitária?
Tendo em conta o despropósito
original citado, para mim está claro; o TS deve pôr em liberdade de imediato a
Junqueras porque toda a atuação do TS posterior ao 13/06/2019, e sobre todo ao
30 de junho, está viciada polo facto de que o TS devia esperar o veredito do
TJUE e não arriscar-se a condenar a uma pessoa que podia gozar já de imunidade,
e, uma vez que se obrou imprudentemente devia pô-lo em liberdade imediatamente
depois de receber o falho do TJUE, e toda permanência em prisão posterior à
apresentação do recurso de súplica e sobre todo da sentença do 19/12/2019 pode
considerar-se uma detenção ilegal e arbitrária e os culpáveis poderiam ser
acusados de prevaricação. Isto passa por não ter uma justiça independente, senão
que julga o que lhe interessa aos políticos unionistas.