31 oct 2015

Uma AGE rebatizada e um BNG refundado


Já dizia o velho Empédocles que os motores que regem o mundo são o amor e o ódio, dos quais o primeiro é a força unitiva e o segundo a força afastadora. Ambos movem montanhas, em palavras evangélicas, mas o primeiro constrói enquanto que o segundo destrói. Na Assembléia do BNG de Ámio de 2012 explodiram ressentimentos e dissensões longo tempo incubados que não acharam na organização uma via de solução; foi-se diretamente á confrontação e todos saíram perdendo, embora os restos da explosão tiveram distintas derivas. Mutatis mutandis é o mesmo que está a passar com Catalunya, que, ao não achar uma via de canalização das suas aspirações no Estado espanhol, rebenta e faz tensionar um sistema imobilista espanhol, fechado a todo câmbio no que respeita o sistema de distribuição territorial do poder. Os frutos de Ámio foram: um BNG debilitado; uma facção, denominada Encontro Irmandinho, liderada por Beiras; e outra Mais Galiza, liderada por Aymerich e logo Bascuas. Isto deveria servir de lição de cara ao futuro, já que nos faz ver que o integrismo organizativo ou o império da lei ou dos estatutos não lhe podem pôr barreiras ao campo; não podem coutar indefinidamente as aspirações dos indivíduos e/ou dos povos, e que um câmbio tempestivo é indício de inteligência política.

A fação formalmente ganhadora na Assembléia, «Alternativa pola Unidade», liderada por Guilherme Vázquez, que seria a que permaneceu no BNG, não soube eleger um candidato idôneo e semeou a defecção incluso entre muitos dos seus mesmos aderentes, e traduziu-se numa baixada constante na aceitação popular. O «Encontro Irmandinho», após rebatizada como «Anova», carente de qualquer infra-estrutura organizativa, elegeu como companheiro de viagem a Izquierda Unida, que, na Galiza a essa altura, era irrelevante, formando a coligação AGE, que, apadrinhada por um importante apoio mediático, que tentava diminuir os apoios aos BNG, logrou um êxito eleitoral importante nas autonômicas de 2012. Para esta viagem, teve que renunciar a um dos postulados nacionalistas e confessar que, a essa altura, o mais importante é o câmbio do modelo de sociedade, ou seja, a confrontação esquerda-direita, ao tempo que, no modelo de Estado, quer dizer, a confrontação nacionalismo espanhol-nacionalismo galego, o importante é mudar o marco político espanhol, como se fossem incompatíveis e não se pudesse assobiar e montar a cabalo ao mesmo tempo. O seu corolário foi uma nova iluminação do áugure  Beiras, de que há que optar polo federalismo e não polo nacionalismo, porque Galiza carece da consciência nacional que tem Catalunya. A terceira facção, «Mais Galiza», transformada em «Compromisso por Galícia», optou pola via socialdemocrata no modelo de sociedade e por menos Galiza, ou seja por um nacionalismo light, do qual também é indicativo o seu câmbio de nome, que eles denominam galeguismo, como modelo de Estado. Este galeguismo nem eles mesmos sabem dizer-nos que é e cada um entende-o ao seu modo; uns como nacionalismo e outros como mero autonomismo. Seriam os melhores representantes na Galiza da alternativa de Unió Democrática de Catalunya. Até o momento o seu apoio cidadão foi escasso salvo nalguns concelhos determinados, algum muito significativo, como o de Lalim.

Os membros da coligação AGE, e também a mesma coligação, deram uma prova manifesta de divisionismo político, inoperância organizativa, irrelevância social e histrionismo parlamentar; o qual teve como corolário que não podiam volver a apresentar-se como tales a umas novas eleições. O assunto solucionou-o Alberto Garzón, montando, para Galiza, um sucedâneo autóctone do nacionalismo que seriam as denominadas Marés, que se reduziam á mesma AGE com aditamento podemita, que obteve também um grande êxito eleitoral. O truco utilizado para conseguir o milagre foi o da unidade popular, que é o maior fraude político que se está a vender á cidadania, porque, em primeiro lugar, nunca houve nem haverá unidade popular, porque todas as sociedades são plurais na sua composição interna; em segundo lugar, porque essa recorrência á unidade popular não é mais que um eufemismo para ocultar o protagonismo partidário num momento em que os políticos estão fortemente desacreditados, e, por tanto, uma mostra de camaleonismo político, também refletido nos contínuos câmbios de denominação. Que isto da unidade popular não é mais que um slogan político pôs-se de manifesto com a apresentação do preacordo entre as cúpulas dos três partidos: Anova, IU, Podemos, para concorrer juntos ás gerais, ridicularizando as gestões que vinha realizando Encontro por uma Maré galega, agora transmutado em foro político, e os reiteradas manifestações do próprio Beiras de que a cidadania seria o motor principal e os partidos o secundário. Os partidos são, neste caso, o único motor.

O novo nome elegido para as eleições gerais Maré-Podemos, pretende aproveitar o tirão das Mareas, em espanhol como deve ser, intentando repetir o êxito obtido por estas nas municipais, e com a participação dos mesmos atores: Podemos, Anova, IU, ou seja, dous partidos espanholistas e um partido federalista. O federalismo não é mais que uma técnica de distribuição do poder político, que, de por si, não tem em conta os elementos substantivos que constituem uma nação. Pode dar-se entre nações, mas também entre províncias, cantões, cidades, etc. O PSOE e Ciudadanos não têm empacho em pregoar o federalismo, mudando de nome ás que agora são comunidades autônomas, e chamando-lhe estados federados, e denegando que estas sejam nações.

O BNG atuou inteligentemente e foi capaz de refundar-se com todos os atores que, neste momento, representam algo, ainda que não seja muito relevante neste momento, no âmbito galego, tanto a nível individual como coletivo, e estão dispostos a implicar-se para mudar este país. Creio que esta injeção de nova sábia lhe pode vir muito bem para cambiar a imagem do BNG de organização pouco flexível e permeável aos novos tempos. Há que terminar com a política das purgas, que foram uma constante na organização, e dar entrada a todo aquele que queira trabalhar polo país, também naturalmente, aos do 15 M, pois, como dizia Castelao, numa vinheta de 1922, intitulada precisamente «nacionalismo»: “Não lhe ponhais tacha á obra mentes não se remata. O que cuide que vai mal, que trabalhe nela; há sítio para todos”. Evidentemente, essas pessoas têm que compartir uns determinados princípios, e, o mais básico de todos, o direito a decidir ou direito de autodeterminação dos povos, para que O Estado espanhol cambie o seu modo de atuar, e dê pretexto a que alguns o denominem como um cárcere dos povos.

O ressentimento conduziu aos antigos membros do BNG a adotar práticas políticas que buscam preferentemente acabar com o outro em vez de construir em positivo. Tenho a impressão que o Beiras não foi bem tratado nas listas eleitorais polo seu sucessor na porta-vozia, Anjo Quintana, mas igualmente, que ele se dedicou a fazer-lhe a contra a este desde o primeiro momento, quiçá com a finalidade de que não se consolidasse; também considero que, na sua nova etapa, é o ressentimento o que está a marcar a sua atuação em contra do nacionalismo, que sempre visou a destruir e nunca a estabelecer pontes de comunicação para construir entre todas as organizações nacionalistas uma alternativa forte galega. O seu anseio de supervivência política fá-lo tomar as decisões que geram o maior descrédito da sua antiga organização e da mesmo termo «nacionalismo», termo do que vários dos mesmos dirigentes de Anova sentem complexo. Creio que é o momento de que muitos dos que participaram na Assembléia de Ámio dêem um passo atrás e permitam que novas pessoas e caras passem a liderar o nacionalismo galego, e, neste sentido, creio que tanto Beiras, como Paco Rodríguez e o mesmo Bascuas, devem passar a segunda linha, parece que o Paco já o fez, e ceder o relevo a gentes sem ressentimento e sem complexos que saibam trabalhar construtivamente polo futuro deste país. Se chegassem ao poder as esquerdas de Podemos, IU e PSOE, o problema da Galiza seguiria igual sem solucionar. Nenhum partido espanholista vai procurar a eliminação da tarifa única, obrigar a que as empresas, com centros de produção na Galiza, tributem aqui; vai pular por um desenvolvimento centrado no país, etc. Galiza necessita não menos senão mais nacionalismo, incluído também um nacionalismo de direitas, uma eiva histórica da nossa nação que estamos a pagar muito caro.

A respeito do fracasso da candidatura galega de unidade considero que estava cantado, porque as Marés sentem-se fortes e atuam como de acordo com o esquema do darwinismo político, ou seja, de destruir e eliminar o adversário. Com todo, não é nenhum apocalipse, porque o país precisa uma organização nacionalista forte e coesionada, e há que dar-lhe saída a este anseio desde nós mesmos. É muito louvável o rol que desempenharam nesta tarefa pessoas como Suso de Toro, José Manuel Pereiro, e tantos e tantos outros, mas não há pior xordo que o que não quer ouvir, e somente puderam assistir, como espetadores atónitos, a um espetáculo de cinismo maiúsculo dalguns dos dirigentes implicados.        








26 oct 2015

Fracasso da candidatura unitária gelaga



Os que, coma mim, são pessoas independentes, ou como digo a vezes, tigres solitários na selva do nacionalismo galego, temos a desvantagem de não compartilhar os êxitos nem ter muitas possibilidades de ocupar postos de relevância, mas temos a vantagem também de não sofrer tão duramente, em primeira pessoa, os fracassos, de não participar nas animadversões que cria a convivência entre pessoas que buscam o protagonismo no seio das organizações, nem a responsabilidade dos fracassos, neste caso políticas, se não alcançam os objetivos propostos. É muito mais grave ainda quando essas animadversões e fobias criadas se convertem em leit motiv da própria atuação política.

Eu afiliei-me durante quatro meses a Compromisso por Galícia, porque, seguindo pronunciamentos dos seus dirigentes, queriam fundar um partido de amplo espetro que cobrisse também o centro político galego, deixando claro, desde o princípio, que não queria mais protagonismo que o dum simples militante de base sem ambição nenhuma por ocupar postos nem participar em candidaturas. Pretendia, ingênuo de mim, que surgisse um partido nacionalista que competisse com o PP polo voto da direita civilizada, de centro e centro esquerda, ainda declarando-me eu de tendência socialdemocrata, mas, quando vim que se definia como socialdemocrata, com exclusão do liberalismo progressista e que pretendia aplicar políticas de esquerda, manifestei que eu não me afiliara para lutar com o BNG ou com Anova. Por outra parte, eu defendia um modelo de estado, nacionalista sem adjetivações, e um modelo de sociedade, moderado, enquanto que se impôs um nacionalismo descafeinado e um modelo de sociedade de esquerdas, espaço já coberto amplamente no nosso País. Vivia-se um ambiente grato, mas tive a impressão que se reproduziam muitos estereótipos da militância nacionalista anterior, com críticas a políticos de filiação e protagonismo no PP.

Creio observar, tanto em Compromisso como em Anova, um grande ressentimento pola sua antiga formação, ressentimento que não temos os tigres solitários, e que muitas vezes se converte em eixo da sua atuação política, na que, em vez de procurar acordos com o outro, se busta a sua destruição, que chega inclusive a estender-se aos demais grupos que abandonaram a organização. Em Compromisso informou-se-nos várias vezes que Beiras não fizera o mais mínimo esforço por confluir com eles de cara ás eleições, senão que atuou exitosamente como um velho raposo buscando deixar na estacada e sem poder de reação aos de Compromisso, que caíram como pardais. As estratégias exitosas procuram repetir-se e eu creio que agora com o BNG pretenderam fazer exatamente o mesmo.

Eu participei em duas reuniões de Iniciativa pola União e nelas sempre observei um clima de grande franqueza e liberdade nas intervenções e um grande desejo de lograr confluir numa candidatura unitária, aceitando a participação de partidos estatais, e com um único requisito que era lograr um grupo parlamentar próprio com o seu centro de decisão no nossa terra e ao serviço dos interesses do país. Em realidade, eu sempre considerei que é o mínimo que um partido nacionalista podia demandar, e entendia que seria aceitado por AGE porque não é apresentável que nos ponham, como autênticos sipaios e alienígenas, ás ordens de poderes alheiros ao nosso País. Considerava também que o Beiras faria honor ao seu passado e não chegaria ao extremo de aceitar servir de acólitos ás ordens de Podemos, sob o pretexto de lograr um câmbio institucional no Estado, que cada passo se desvanece mais, ou, em todo caso, se faz menos ambicioso. É bem absurdo pretender que os demais atores políticos, em muitos aspetos competidores nossos, aceitem ser os protagonistas das nossas reivindicações, pois os problemas dum país, ou os arranjam os seus moradores, ou ficarão sem arranjar per saecula saeculorum. Esta foi, é e será uma constante histórica.

Dá-me a impressão que o Beiras lhe colheu um ódio visceral á formação que antes dirigia, e que a situa sempre como alvo das suas teimas, esquecendo-se de adversário. Durante esse dilatado período de líder do BNG, evitava criticar o PSOE por considerar que ele, repetia, não se enganava de adversário, mas eu gostaria que me explicasse se agora o BNG é o seu adversário e mais adversário que o PSOE. Causou-me hilaridade que, tanto ele como Martinho, apelaram á generosidade, recurso que já praticaram quando contenderam com Cerna, ao tempo que eles nunca amostraram a mais mínima; ou que falassem de egoísmos partidários, quando essa foi sempre a sua maneira de atuar. Eu, como são mal pensado, o que penso é que não esperavam que o BNG cedesse tanto para assim descarregar nesta formação a responsabilidade da ruptura, mas não tiveram êxito.

Quando havia duas plataformas que procuravam a confluência, todos nos assistimos estupefatos a apresentação dum acordo entre as cúpulas dos partidos Podemos, IU e Anova, á margem de toda participação cidadã, da que se declararam os adais. Agora, como justificam que a cidadania tem que ser o motor principal e eles os auxiliares, quando eles atuam á margem dela e em contra dos princípios que dizem praticar, e deixando-lhe á cidadania só o papel de comparsas dos partidos aludidos? Eu, desde logo, não consentiria que me tomassem o pouco pelo que me queda. Mas já tinham preparada a resposta de botar-lhe a culpa ao BNG, como fez sem o mais mínimo rubor Iolanda Diaz, após ter explicitado um acordo que fazia inviável a confluência ao não garantir nada mais que a luta por um câmbio político no Estado, e deixando no ar todo o que interessa a Galiza, que é a defesa dos seus interesses..

Compromisso por Galiza salvou-se da ruptura mas com um preço muito importante, ao optar por não concorrer ás eleições. Dessa maneira, demonstraram a sua debilidade política, e puseram de relevo que não foram capazes de analisar a situação real do que passou, incluso depois de ter sido marginados por estes mesmos partidos com ocasião das eleições autonômicas. A que vem que agora nos digam que a responsabilidade é de todos, emitindo um juízo que é como a noite na qual todos os gatos são pardos? Não são conscientes que a responsabilidade implica consciência, voluntariedade e liberdade na procura dum objetivo ou na obstrução para que este se consiga? Não sabem que, na análise duma situação, há que deslindar responsabilidades e não carregar contra todos indistintamente? Não se dão conta que não se podem meter no mesmo saco os violadores que as violadas; os que fazem mal como os que obram corretamente; os que procuram com toda lealdade e sinceridade um objetivo com os que o entorpecem? Não obstante, alguns membros deste partido sabem e disseram bem claramente que foi o que sucedeu em todo este assunto, e sabem bem que a traição á terra não se compensa com votos, ainda que estes permitam ocupar cadeiras luminosas. 







24 oct 2015

Democracia para os b¡nossos dias (I)



Que é a democracia?

Parece que se avizinham tempos de câmbio, tempos em que cumpre substituir o sistema constitucional espanhol, obsoleto e caduco, por outro distinto. Para afrontar este processo cumpre ter as idéias claras e que cada um exponha as linhas diretrizes por onde deve decorrer o processo para assentar uma democracia de maior qualidade. Proponho-me expor ao longo dalguns artigos, quais são as reformas que cumpriria introduzir nesse hipotético câmbio normativo. Antes de nada, creio que devemos ter claro que queremos uma democracia de qualidade, um sistema político permita canalizar corretamente as aspirações dos indivíduos e povos que conformam o Estado espanhol, em plena igualdade de direitos e deveres.

A democracia não é questão de todo ou nada, de democracia plena ou de carência de democracia, senão que a democracia admite grãos; e assim, um país pode ter um sistema político que se chama democrático e ser pouco ou mui pouco democrático. Por tanto, há democracias avançadas, de nível médio e democracias raquíticas.
 
Etimologicamente, a palavra democracia está composta de duas palavras gregas: demos (povo) e kratos (poder, governo). Seria, por tanto, a nível etimológico, o poder ou governo do povo. Contrapunha-se na sociedade grega á aristocracia, ou governo dos melhores; á oligarquia, ou poder duns poucos que têm muito dinheiro; timocracia, ou governo dos militares, e tirania, ou governo arbitrário e que utiliza a violência institucional para lograr o assentimento dos cidadãos. O povo não é outra cousa que o conjunto dos cidadãos duma determinada comunidade, e, como tal, não pode governar-se a si mesmo no sentido de que cada qual ocupar postos no poder executivo ou judicial, que requerem, especialmente nos nossos dias, importante preparação técnica e rapidez na tomada de decisões. Se todos fossem iguais para ocupar postos dirigentes, o procedimento de eleição deveria ser, como dizia Castelao, o sorteio.

O rol principal que cumpre o povo nas nossas sociedades consiste em participar na eleição dos seus representantes e, indiretamente dos governantes, e também, com a aparição das redes sociais, a participação política por meio da manifestação da sua opinião, atuando como ativistas políticos, expressando as deficiências socioeconômicas, ... Esta democracia representativa atribui a tomada de decisões a representantes populares, que, nas democracias atuais, não estão submetidos a mandado imperativo, ou seja, que não têm porque responder ante os cidadãos das decisões adotadas, o qual afasta os representantes das aspirações populares. Outra forma de participação mui importante é a participação em referendos, que são uma manifestação de democracia direta, mas, em geral, as democracias atuais são renitentes a utilizar este sistema.

O filósofo, jurista e politólogo italiano Norberto Bobbio dá por sentado que a democracia, em contraposição com a aristocracia, está "caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com que procedimentos". (BOBBIO, NORBERTO, El futuro de la democracia, Planeta Agostini, Barcelona, 1994, p. 21). Segundo este autor, um regime democrático carateriza-se: a) por atribuir o poder de tomar decisões a um número muito alto dos membros do grupo, e quanto maior seja o número mais democrática será a sociedade. No caso das democracias representativas, isto deve entender-se da participação nas eleições de grande quantidade de votantes, e, por tanto, podemos dizer que uma alta participação implica maior compromisso cidadão e maior democracia. Isto já nos faz ver que países onde a participação é baixa, como nos EEUU de Norte-América, a identificação dos cidadãos com o sistema democrático é insuficiente. b) a regra fundamental da tomada de decisões é a da maioria, como mínimo e a do consenso como ótimo. Isto somente pode entender-se como concorrência maior ou menor dos representantes na tomada de decisões; e c) os chamados a eleger ou decidir devem ser postos frente a alternativas reais, ou seja, que devem estar representadas todas as opções, os interesses dos diversos grupos contendentes. Isto já nos indica que os sistemas proporcionais que permitem que estejam representadas mais opções são mais democráticos que os majoritários. Por tanto, países como o Reino Unido ou Estados Unidos de Norteamérica têm problemas neste sentido e podemos dizer que são democracias menos perfeitas que as que têm sistemas proporcionais.

Para Anthony Arblaster a essência da democracia "é o poder dos povos para conformar governos e fazer que os seus representantes acedam á vontade e ás demandas populares". (ARBLASTER, ANTHONY, Democracia, Alianza Editorial, Madrid, 1992, p. 143.). Por conseguinte, um governo no que os seus dirigentes se guiam por critérios pessoais, como pode ser o cumprimento do próprio dever á margem das aspirações populares, ou polas próprias crenças religiosas, não seria um governo democrático. Igualmente, tão-pouco é democrático um governo que, em vez de cumprir o seu programa, aplica o que lhe ordenam ou insinuam prebostes alheios, como poder ser a Sra.. Merkel; nem tão-pouco um parlamento que legisla sob ordens de instituições forâneas. Em todas as definições de democracia subjaz a idéia de poder popular, duma situação na que o poder e quiçá a autoridade descansam no povo. Em que medida existe «governo» do povo? O povo só elege os deputados que conformam o Parlamento, mas a governança não recai neste senão no executivo, que deve poder ser controlado não só polo grupo majoritário, que normalmente atua de comparsa do governo de turno, senão pola oposição. Mas, agora, no nosso país, o Governo, em vez de ser controlado pola oposição e responder da sua gestão, utiliza as sessões de controle para controlar e desautorizar a mesma oposição. Quando um governo se nega a dar conta da sua gestão ante os representantes do povo, ainda que constituam uma minoria, está-lhe a negar o direito a intervir, sem motivos que o justifiquem, na governança, por mais que só seja por meio de representantes. As modernas sociedades democráticas vem o seu poder diminuído pola existência de múltiplos polos de poder com enorme poder de decisão -empresas multinacionais, ...- que caem fora do domínio e do controle dos governos eleitos, minguando o poder popular e, por conseguinte, debilitando a democracia.

A democracia é identificada, a miúdo, com o regime da maioria, pois, como sublinha Arblaster, pretender a unanimidade nas atuais sociedades pluralistas não é realista, mas neste caso, se o povo é o corpo completo dos cidadãos e a democracia é o governo do povo, surge a questão de decidir até que ponto os que se opõem se estão governando a si mesmos. Pode responder-se que "estão comprometidos com esta decisão na medida em que aceitam tanto o princípio das decisões majoritárias como a justiça dos procedimentos a través dos quais se chega á decisão. Se se aceita que a unanimidade é praticamente impossível e que a decisão majoritaria é o mais aceitável, também há que reconhecer como regra geral que um se pregará á decisão majoritária ao encontrar-se em minoria. ... Sem embargo, numa sociedade tão dividida que contenha uma ou mais minorias permanentes que sabem que nos assuntos que mais lhe incumbem jamais poderão sair-se com a sua, precisamente devido ao princípio de maioria, esse princípio deixa de ser adequado". (Ibid., p.106).  Este autor tem presente a problemática de Irlanda do Norte, mas por extensão também seria aplicável ao problema da reforma constitucional pedida insistentemente, antes por  catalães, vascos e galegos, e, agora, praticamente por todo o mundo. A sua conclusão é que há "razões sólidas para rejeitar qualquer equiparação grosseira da democracia com um princípio qualificado de governo da maioria. ... As minorias também são parte do povo e, na medida do possível, os seus interesses, posições e convicções devem ser tomados em conta nos processos de desenho de políticas e tomada de decisões. ... Mas uma democracia onde alguns grupos étnicos, religiosos ou políticos estão permanentemente em minoria, e por tanto na oposição, tende a ser instável e a perder legitimidade. Em circunstâncias extremas, uma minoria, e especialmente uma minoria nacional, ao achar-se numa posição tal, pode decidir simplesmente separar-se e criar uma sociedade e um Estado onde forme maioria". (Ibid., pp. 109-110). Por outra parte, a exigência de maiorias qualificadas pode converter a maioria em refém da minoria, e parece que isso é o que pode passar agora com a reforma constitucional, que um partido como o PP se nega em redondo a reformar. Rousseau apresentava a questão de se o voto majoritário ou inclusive unânime garante a melhor alternativa para a comunidade, pois a vontade de todos os indivíduos, ou seja, o que todos querem, não concorda necessariamente com a vontade geral, quer dizer, com o que devemos querer  se buscamos o bem da comunidade, mas isto supõe colocar a ética por acima das necessidades e aspirações dos indivíduos reais e concretos, e isto não se pode aceitar. A ética em geral e a justiça em particular, não são distintas dessas aspirações concretas dos membros duma comunidade, se estão devidamente informados, se bem, historicamente, os ostentadores do poder ou os seus acólitos apresentaram os seus interesses particulares como idênticos com o bem comum, por acima das aspirações populares. 

A democracia exige uma certa igualdade social, pois, como sustinha Rousseau, "um grão demasiado alto de desigualdade numa sociedade impedia o desenvolvimento da vontade ou o interesse comum". (Ibid., p. 115). As desigualdades sociais e econômicas, se são grandes e excessivas, não só ameaçam a coerência da sociedade, senão que negam o princípio de igualdade política, da que é expressão a democracia. "A desigualdade na riqueza e no poder econômico é, noutras palavras, uma forma de desigualdade política que contradiz o princípio de igualdade expressado no lema «uma pessoa um voto»". (Ibid., p. 119). "Há, por tanto, uma tensão entre a existência continuada das desigualdades econômicas e sociais que conferem vantagens políticas a alguns grupos e desvantagens a outros e o princípio democrático de igualdade política que deve, em princípio, significar, não meramente a igualdade na urna eleitoral, senão também igualdade de acesso á tomada de decisões políticas, assim como igualdade de oportunidades para influir sobre a direção que deve tomar a sociedade no seu conjunto
(Continuará)

19 oct 2015

Entre Iglesias e Rivera, eu opto por Galiza



Ontem pudemos presenciar o primeiro debate entre os chefes de fila dos dous partidos emergentes, Ciudadanos e Podemos, promovido por uma cadeia estatal de televisão e como primeiro passo para publicitar a dicotomia esquerda-direta e nível estatal para modelar o voto cidadão por uma ou outra destas alternativas, em detrimento das opções nacionalistas periféricas. Foi um debate pouco dirigista e no qual os interlocutores podiam interromper-se mutuamente, o qual tem a vantagem do seu frescor e flexibilidade mas também o inconveniente de que o que mais interrompa ganha porque molesta mais a emissão da mensagem do interlocutor, e também de que muitos temas ficaram sem tocar.

Se tivesse que emitir um veredicto em termos de marketing, diria que Rivera foi um vendedor mais hábil dum produto trucado, o qual também indica que tem maior facilidade para vender gato político por lebre a compradores inexpertos, ao tempo que Iglesias parece que preparou menos a sua intervenção, acudiu muito a mensagens sorvadas e foi um vendedor dum produto de melhor qualidade, mas com defeitos importantes de terminação, de posta em funcionamento e de marketing. Pretenderei provar estas conclusões.

Rivera é o vendedor do conceito da Espanha tradicional no pior sentido da palavra, uma, intransigente, que submete os povos e cidadãos por meio da lei “madrilenha” e deficientemente democrática. Tanto o seu partido como UPyD caracterizam-se por ressuscitar o centralismo mais absorvente; um centralismo que agora se apresenta como federalismo cooperativo, como se um câmbio de nome mudasse de por si a realidade. Por muito que digamos que as dezassete autonomias se chamam estados federados, isso não muda a situação, porque no fundo empiora ainda o do café igual para todos, como se põe de manifesto com a sua declarada intenção de eliminar a quota vasca, e o seu alinhamento constante com as medidas centralistas e repressivas do PP em contra dos nacionalistas. O pretexto aduzido é o de sempre, o cumprimento da lei, como se a lei não tivesse uma paternidade destinada para afogar o que não interessa, como a recente do Tribunal Constitucional para castigar a Mas; como se não fosse um corpete sacro-santo para coartar as aspirações populares e não a converteram num fetiche ao que todos devamos adorar, em vez de ser um instrumento ao serviço do ser humano e dos povos em que se insere. Esta Espanha tradicional não é capaz de entender que os indivíduos em si são uma abstração e somente são seres autênticos como membros dos povos e que estes têm direito á vida e a liberdade, ao igual que os indivíduos. Como dizia Castelao, não pode haver indivíduos livres em povos que careçam de liberdade. A posta em prática desta política, que normalmente rende mui bons resultados no resto do Estado, não poderá mais que produzir tensões, principalmente, com as denominadas nacionalidades históricas: Catalunya, Euskadi e Galiza. Pretendem que afirmando que há que seduzir os povos de Espanha para que aceitem um sistema de dominação que nega a sua personalidade própria, já convencerão aos destinatários, mas este pretendido encantamento não deixa de ser mais que uma nova fraude, que dificilmente vai ser aceitada. Que indivíduo aceitaria ver anulada a sua liberdade pessoal como fruto dum encantamento e dum adubo? Uma democracia que não reconheça os direitos dos povos, entre eles o de autodeterminação, não pode ser mais que uma democracia imperfeita.  
   
A Espanha de Rivera é a Espanha do capital, que, nalguns sentidos, inclusive empiora as políticas do PP. Necessitamos cambiar a uma política que esteja prioritariamente ao serviço da gente e não só das oligarquias e dos seus oligopólios. Dá mágoa contemplar o espetáculo atual e constatar que os nossos moços e moças não podem planificar o seu futuro, formar uma família, ter meios para contribuir criar a progênie, a perpectiva duma pensão suficiente, ...  por carecer de estabilidade laboral, por ter salários insuficientes, por ter soldos mui baixos, e isto não se soluciona com medidas como a do contrato único para converter todos os trabalhadores em indefinidos com indenizações de 12 dias o primeiro ano e 13, o segundo, ... porque isso equivale a converter todos os contratos em precários. Nalguma justificação desta medida Rivera tem aduzido, em intervenções anteriores ante os meios, que os empresários com esta medida não teriam medo a contratar, apresentando aos empresários como uns acolhoadinhos que sentem vertigem de pagar trinta e três dias por ano trabalhado quando em tempos da ditadura a indenização estava num mínimo de seis meses. Empiora também as políticas do PP querer rebaixar ainda mais o tipo máximo do IRPF do 43 ao 42 por cento, quando antes da reforma do PP estava no cinqüenta e dous por cento, dez pontos nada menos por acima, que pretendem vender afirmando que vão obrigar os possuidores das SICAV a que paguem mais a Fazenda. Os que mais ganham têm menos problemas em contribuir com o 52 por cento que um trabalhador que ganha mil euros ao mês com o dez, quinze por cento ou vinte por cento, porque praticamente todo o que ganha tem que investi-lo em gastos inescusáveis de mantimento, criança e abrigo tanto próprio como da prole. Corrobora isto também a negativa deste político a subir o salário mínimo, quando é um dos mais baixos da Europa, e a decisão de completar com fundos públicos os salários que não cheguem a um tope, obrigando ao sofrido contribuinte, já atossicado de impostos, a complementar os soldos que pagam os empresários, abrindo a via de rebaixa dos salários ou do pagamento de complementos em negro. Esta medida somente se justificaria no caso de empresas de escassíssimos trabalhadores e com uns ingressos mínimos dos seus titulares. Nega-se a criar uma banca pública sem argumento nenhum convincente, somente pretextando que se meteriam nela os políticos, quando a regulação que se faça não tem porque ser essa senão que devem ser bons gestores que tenham que dar conta dos seus resultados, garantindo desta arte ao setor financeiro que não terá competência do setor público. Já, para terminar com este apartado, creio que é indicativo que a política econômica deste partido seja a louvada polas empresas do IBEX, e não vale dizer que há que falar com todos, o qual é certo, senão de que outros expressam publicamente as suas preferências. Os louvores do presidente do BBVA são bem significativas.

Pablo Iglesias apresenta um programa em princípio mais democrático. Reconhece publicamente que não se podem sobrecarregar, com medidas penalizadoras administrativas, as penas jurídicas, impedindo-lhe aos presos acercar-se ao País Vasco e incrementando a dor das famílias. Reconhece que o encarceramento de Otegui é um sem sentido; manifesta a sua disposição a solucionar os temas políticos politicamente e não somente por meio da ameaça e o submetimento a leis repressivas e antidemocráticas; compreende melhor a pluralidade real existente no Estado espanhol, e poderia contribuir exitosamente a solucionar as tensões territoriais existentes.

No eido econômico, subiria o salário mínimo, ainda que com dúvidas sobre a sua quantia; ao igual que Ciudadanos, subiria as pensões de acordo como o IPC; subiria os salários e incrementaria o gasto público para acercá-lo ao existente noutros países do Norte de Europa; criaria uma banca pública, á que tanto Ciudadanos como o PP têm urticária, com um funcionamento despolitizado e com critérios de solvência econômica. O problema mais grave que lhe observei, á parte das inconcreções nalguns pontos, é que ele mesmo reconhece que o acusam de que não sabem quadrar as contas, e isto é sumamente grave. Não basta reconhecer publicamente deficiências, há que solucioná-las. Não vale prometer o ouro e o mouro e que, pro falta de rigor nas contas públicas se conduza novamente ao país á ruína, repetindo o enorme fracasso do PP e do PSOE de Zapatero. A política não deve ser a arte do encantamento senão a do rigor, disciplina e seriedade. Não se podem criar leis semelhantes ás de dependência, mui conveniente sem dúvida, se não se é capaz de dizer-nos se se podem pagar e de onde vão sair o dinheiro. Creio que é uma aspiração legítima estabelecer uma renda básica para os que não têm trabalho contem com  uns ingressos mínimos suficientes, e a isto terá que chegar-se porque não se pode deixar que a gente careça dum mínimo vital, mas há que fazê-lo progressivamente e quando a situação o vaia permitindo. Numa situação de dívida pública tão elevada como a atual, creio que é inviável.

Eu que vivo num povo com personalidade de seu, com os seus defeitos e as suas virtudes, tive e tenho o convencimento firme de que se os integrantes de qualquer coletivo não são capazes de defender os seus direitos como coletividade, ninguém o fará por eles. O feminismo é bem eloqüente; quando na Revolução Francesa se arvorou o princípio da egalité, dele ficaram excluído as mulheres, era somente uma igualdade entre o homes, e ninguém faria nada se a francesa Flora Tristan não defendesse a igualdade de gênero. Isto passa igualmente com os povos; um povo que não se defende a si mesmo é um povo sem porvir, um povo decadente, um povo morto.

Seguindo este critério, eu não quero que o meu povo morra, quero que os meus filhos tenham porvir na nossa terra, quero que sejamos um povo que se sinta orgulhoso de si mesmo, um povo que se sinta também orgulhoso dos seus antepassados que aqui viveram, aqui sofreram, aqui se sentiram enganados e decepcionados. Consoante com isto, apoiarei sempre uma opção política que assuma os nossos direitos e a nossa personalidade coletiva como princípio reitor da sua atuação. Sempre defendi e defenderei uma alternativa que lute por recuperar a vitalidade agora esmorecida da nossa personalidade coletiva, que defenda e propugne os direitos dos povos: o direito de decisão ou autodeterminação, o direito ao cultivo dos nossos sinais de identidade, o direito a controlar os nossos recursos; uma alternativa que defenda uma economia centrada no país e não em servir ás oligarquias forasteiras. Temos que ter uma economia adaptada á nossa realidade, que nos permita produzir, que seja capaz de lutar contra as constrições que se nos impuseram e as que nos querem impor com os novos tratados TTIP, CETA, TPP, TISA, - quanto trabalham os setores oligárquicos para incrementar a drenagem cara a si de recurso da cidadania!- que parecem destinados a fechar o estrangulamento dos setores produtivos autóctones e das massas trabalhadoras, iniciado com tanto êxito pola globalização da economia, responsável da deslocação das empresas, o fortalecimento das multinacionais, a diminuição dos salários dos trabalhadores europeus para fazer frente aos competidores de países menos desenvolvidos e o declive do setor camponês. Com a globalização, quem ganho foi a capitalismo transnacional e perderam os autônomos, pequenos empresários, os agricultores e os trabalhadores em geral. Para mim, defender esta opção significa defender Galiza, defender Sempre em Galiza.

Tenho a total segurança de que uma alternativa galega genuína ajudará muito mais ao câmbio no Estado, e que esse câmbio repercuta em interesse do nosso país, que o que podem fazer as Mareas, que venderam a sua alma aos reitores forasteiros com objeto de lograr resultados fáceis ainda que sejam efêmeros. Alguns dos dirigentes deste grupo, que, por certo, conhecem bem as artes de marear, criaram-lhe o maior dano até o momento ao nacionalismo galego, do que mesmo se envergonham, segundo me reconheceram mesmo expressamente membros do PP. Quando este valor “galego” se minimiza na prática, seguro que se incrementará na propaganda. Tempo ao tempo.

15 oct 2015

Das causas e dos efeitos




Vinheta de Castelao
Começava o artigo titulado «Os nacionalismos e o projeto europeu» afirmando que a proposição que diz que «Todo efeito tem a sua causa», cumpria completá-lo com a que afirma que «Toda causa tem um efeito». Mas, ante a sugestão dalgum leitor, vou explicitar mais estas duas proposições.

A formulação da primeira proposição deriva de Leibniz, que a fundamentava no princípio de razão suficiente. Todo tem que ter uma razão suficiente de que existe em vez de que não exista: “nihil est sine ratione seu nullus efectus sine causa”, (nada existe sem razão ou nenhum efeito sem causa), de acordo com o qual, Derrida afirmava que de todo pode render-se razão, e, por tanto, explicar os efeitos a partir das causas.. 

O status desta proposição, «Que todo efeito tem uma causa», depende da definição que lhe dêmos á palavra efeito. Se definimos o efeito como aquilo que foi produzido por outra cousa, deixada na indeterminação mas a que chamamos causa, é evidente que estamos ante uma proposição analítica, quer dizer uma proposição na que o predicado «tem um efeito» está incluído no sujeito «causa»; são proposições vazias, ou seja, verdadeiras em virtude da sua forma, e, por tanto, não é preciso recorrer á experiência para verificar a verdade de que se há um efeito necessariamente tem que haver uma causa, senão que podemos constatá-la a partir da definição dos termos implicados, ou seja, «efeito» e «causa».

Tomás de Aquino enfrentou-se ao problema de acarretar  argumentos racionais, teoricamente polo menos, da possibilidade da existência da alma como entidade separada do corpo e, para isto recorreu á teoria hilemórfica aristotélica, segundo a qual todo está constituído por matéria e forma, e a forma é o que lhe dá o ser á matéria e pode existir sem esta. “Quando há dous seres que têm entre si a relação de causa e efeito, o que é causa pode existir sem o efeito, mas não á inversa. Pois bem, esta é a relação que se dá entre a matéria e a forma: a forma confere o ser á matéria. E por isso é impossível que exista a matéria sem a forma, enquanto que não o é que exista a forma sem matéria”. (Do ente et essentia, cap. IV). Segundo o próprio Tomás de Aquino, a alma é criada por Deus e opera num corpo que, imediatamente, procede por geração humana, e, por tanto, deve aclarar em que consiste essa ação de conferir o ser, porque o ser da matéria provém por geração dos pais, e a alma, segundo os defensores do dualismo antropológico, somente atua no corpo, conforma ou modela o corpo, e só se prova que é independente dele, se o faz como um agente exterior, ou seja, se se pressupõe o que se quer demonstrar. Esta teoria atribui á alma o que hoje se explica por meio do sistema nervoso, mas este não pode conceber-se como algo independente do corpo. A herança de Platão, pai do dualismo antropológico, que será assumido polo cristianismo, produz, como diz Bertrand Russell, um problema enorme na filosofia, porque criou um monstro lógico que é incapaz de interpretar a realidade. Mas, ao mesmo tempo, sob a forma de «intercessão polas benditas almas do purgatório» e do «medo ao inferno», constituiu uma fonte de ingressos insuperável para as finanças eclesiais. Mas, é possível a imortalidade da alma? Logicamente, não implica contradição, e, por tanto, é possível, mas física e biologicamente todo indica que, infelizmente, não é assim. O que se chama alma não é mais que um conceito abstrato, que não responde a nenhuma realidade concreta, e que se utiliza para designar os diversos sentimentos, afetos, desejos, pensamentos que se produzem numa matéria organizada. Este argumento carece de qualquer rigor e de qualquer verosimilidade, e foi proposto, ad hoc, para demonstrar o indemonstrável, e que, em definitiva, só demonstra que a separação da alma a respeito do corpo não se pode demonstrar. Uma filosofia digna de tal nome não se pode subordinar ao mito nem a nenhum sistema de crenças, de credos irracionais.

Platão considerava que a realidade estava dividida em dous mundos: o sensível, que é o mundo no qual nós vivemos, e o inteligível, que é o mundo das idéias, que são realidades imateriais, eternas, necessárias, fixas, imóveis, que servem de protótipos, de modelos ou exemplares de todas as realidades que existem no mundo sensível, e constituem a verdadeira essência destas. As cousas são boas porque participam da idéia de bondade; os humanos são homes porque participam da idéia de humanidade, ... Esta teoria é a alicerce do denominado idealismo platônico, e vai ser utilizada por ele com fins políticos, entre outros, com efeito de construir uma sociedade mais justa, uma sociedade estável e alheia aos vaivens humanos. Nesta sociedade estática e permanente, cumpria estabelecer mecanismos para propiciar a conformidade das pessoas, o seu comportamento cívico e moralmente correto, e um instrumento eficaz para conseguir este objetivo era demonstrar a imortalidade da alma e a retribuição no mundo de ultra-tomba, que basearia no teoria das idéias.

Historicamente, isto foi o que serviu de baseamento ás três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Do cristianismo em concreto, diz Nietzsche, que não é mais que platonismo disfarçado. De fato, num e noutro existe a separação em dous mundos, em ambos a doutrina das idéias, em ambos a defesa a todo transe da imortalidade da alma, em ambos o mesmo idealismo de base, ...

Aristóteles não aceita esta teoria do mundo das idéias, mas manteve a noção de idéia com o nome de forma, não afastada senão encarnada nas diversas realidades, o qual indica que, no fundo, a filosofia aristotélica não foi capaz de indepentizar-se de Platão e continua a ser  também uma filosofia idealista. Mas, nem ele mesmo soube explicar propriamente em que consistiam nem de onde procediam. A vezes diz que se identifica com a figura, mas isto não se pode admitir porque a figura é algo acidental num corpo; nos seres vivos identificou-a com a função, mas uma função somente pode ser operada por um ser existente, e, por tanto, cumpre dilucidar quem é este ser; alguns dizem que se identifica com a estrutura, que é um sinônimo de forma, mas uma estrutura em si não explica a operação. Por muito que tenhamos a estrutura dum home, quer dizer, os traços básicos que o conformam, não sabemos que é um home.Enquanto á sua origem, Aristóteles sustém que, nos seres materiais, a forma é aduzida da matéria pola ação da causa eficiente. Nos seres vivos, a forma procede do calor solar. Esta formulação idealista aristotélica que, não obstante, negava a imortalidade pessoal, vai ser domesticada por Tomás de Aquino adaptando-a aos dogmas cristãos. 

Tomás de Aquino defendeu que não todo efeito tem causa, em contra dalguns que “sustiveram que a série mesma ou disposição das causas enquanto tal é necessária, de modo que todo sucede por necessidade, devendo-se isto a que todo efeito tem a sua causa, e, posta esta, é necessário que se siga o efeito. Mas isto é evidentemente falso”. (I, 116, 3c).  “O que só acidentalmente é ser, não tem causa, posto que não é propriamente ser, ao não ser propriamente um. Exemplo, tem causa o ser branco e igualmente a tem o ser músico, mas o ser músico branco não a tem, porque tal ser não é ser ao não ser propriamente um”. (I, q. 115, 6c). Considero que a frase «músico branco», se queremos dar-lhe um sentido inteligível, somente pode entender-se a conjunção de duas notas: “«músico» e «branco»”, atribuídas a um sujeito, normalmente um ser humano, e, pro tanto, este ser humano, que tem estas características e muitas mais, evidentemente tem uma causa, que é a conjunção do que faz a um ser ao tempo músico e branco. Partir da noção abstrata de «ser», em realidade inexistente, e «um», não conduz a nenhuma parte.

Kant identificava o efeito com «algo que sucede», e então concluía que a proposição «Todo o que sucede» tem uma causa», é uma proposição sintética, ou seja, uma proposição na que o predicado, «tem uma causa», diz algo distinto que o sujeito,  «todo o que sucede», e, por tanto, acrescentar-se-lhe-a sinteticamente a este. Mas, ao igual que na anterior proposição, nós não necessitamos recorrer á experiência para verificar se é verdade que «todo o que sucede tem uma causa», e, por isso concluía que é uma proposição sintética a priori. Assim, se vemos fume, podemos concluir que necessariamente tem uma causa, que a experiência nos dirá qual é, normalmente o lume.

A física quântica pôs em questão esta proposição porque a incerteza é o principal ingrediente da teoria quântica e dela deduz-se a imprevisibilidade, tal como sinala Paul Davies: “A ciência que melhor refutou a reivindicação de que cada sucesso tem uma causa é a física quântica. ... O fator quântico, não obstante, parece romper esta cadeia causal permitindo a ocorrência de sucessos sem nenhuma causa. ... Num Universo não determinista ocorrem sucessos sem nenhuma causa” (Dios y la nueva física, Salvat, Barcelona, 1986, pp. 42, 162). A nível subatômico é impossível determinar a posição e a quantidade de movimento duma partícula, já que se conhecemos um destes extremos, perdemos o outro, porque os nossos instrumentos de medida afetam os dados que se vão medir. Isto pode explicar-se quer como incerteza, quer dizer, como impossibilidade de medir por tratar-se de partículas mui pequenas que se vem afetadas polos instrumentos de medição,  ou como indeterminação estrita, ou seja que a natureza não obedece a leis estritas, que funciona ao louco, e, por tanto, qualquer cousa pode suceder, sem que, polo menos no momento atual seja possível dilucidar qual delas é a correta. porque se conhecemos a posição, desconhecemos a quantidade de movimento, e ao revês. “A maioria dos científicos, sob o liderado do físico danês Niels Bohr, aceitaram o fato de que a incerteza atômica é algo verdadeiramente intrínseco á natureza: as regras dum mecanismo de relojoaria são aplicáveis a objetos familiares como as bolas de bilhar; mas quando se trata de átomos, as regras são as do jogo da roleta”. (Ibid. P. 119) No entanto, o fato de que qualquer das alternativas pode ser possível, por muito que a maioria dos científicos se incline por uma delas, não descarta totalmente a outra, senão que é uma possibilidade aberta, e que nos conduz a um mundo sumamente enigmático..

A segunda proposição que diz «Toda causa tem o seu efeito», não goza duma aceitação tão unânime. É evidente que se definimos o termo «causa» como aquilo que produz um efeito, se há uma causa tem que haver um efeito, e assim, se há lume pode ser que não haja fume ou, quiçá, que haja pouco fume, mas sempre haverá algum efeito, seja qual for, como pode ser o incremento do calor ambiente, a fugida de animais, ... Tratar-se-ia, por tanto, duma proposição analítica.

Em Aristóteles não se dá uma autêntica definição de causa. Somente se diz que “Todo ser que se faz tem uma causa produtora”, (Metafísica, 1033 a), mas sem precisar em que consiste a produção que exerce a causa.

Tomás de Aquino define a causa como “aquilo ao qual segue algo necessariamente”. (I-II, q. 75, 2), que é uma proposição analítica, porque no conceito de causa já vai incluído o predicado indicado, e que não precisa da experiência para ser verificada, mas isto entra em contradição como o que afirma no texto anterior no que afirma que a causa pode existir sem o efeito, o qual significa que não seria causa, porque dela não se segue nada. Um pai que não tem filhos não é pai. Eu creio que tanto Aristóteles como Tomás de Aquino têm a propensão a conceber estaticamente a realidade e a separar as causas dos efeitos. Não existe um mundo separado das causas e outro dos efeitos, senão que existe uma série contínua de acontecimentos nos que se dá encadeamento e inter-relação de causas e efeitos na que qualquer realidade é causa e ao mesmo tempo efeito.  «a» engendra «b», e este «c»; mas também, «a» influi em «b», e «b» influi em «a», e isto acontece não só entre dous acontecimentos, senão que é uma inter-relação múltipla e multilateral.

9 oct 2015

Nacionalismos de Estado e projeto europeu



Angela Merkel

Diz um adágio latino que não há efeito sem causa, e podemos completá-lo afirmando que toda causa tem um efeito. Num contexto social, a causa é o ato dum agente e o efeito é a reação do receptor. Todo agente deve calcular a ação e a eventual reação do interlocutor de tal modo que procure incrementar os ganhos e diminuir as perdas, efeitos que dependerão duma série de fatores como a percepção do evento polo receptor, o dano recebido, a capacidade de reação, ... Os bons políticos são aqueles que são capazes de analisar a realidade para lograr o melhor resultado em conjunto numa situação dada. Quando se quer procurar a adesão social democrática do interlocutor cumpre propor-lhe um projeto sugestivo de vida em comum, que, segundo Ortega era o que constitui uma nação, na que ambas partes saiam ganhando, pois em caso contrário, uma das partes pode intentar romper as regras de jogo estabelecidas.  



A nível do Estado espanhol a ação de fustigação do PP, contra os sinais de identidade dos povos e contra os seu direito de decisão, está a produzir uma convulsão no país. Atacou a língua e cultura catalães, pretendendo espanholizá-los, invalidou os seus desejos de estabelecer uma nova relação com o Estado espanhol, invalidando o aprovado polas Cortes espanholas e o votado polos cidadãos de Catalunya, e pretender fiar toda solução do problema catalão á repressão das leis promulgadas ao efeito, e á decisão de tribunais de justiça «colaboradores», equiparando torpemente estado de direito e democracia. O resultado está claro: a adesão voluntária fracassou totalmente, e o problema catalão não tem fácil solução.



Em Europa sucede algo parecido. A política praticada pola UE foi a de favorecer o predomínio do capital oligárquico e a deterioração da vida dos seus cidadãos. Põe-se em pratica um modelo europeu que deixou os países inermes ante a crise econômica, que os cidadão não produziram mas que devem carregar com todo o seu peso. Ninguém é capaz de explicar como num contexto mais rico que nunca, os cidadãos estão passando-o pior que nunca. Adotam-se determinadas políticas mui nocivas para a cidadania, mas pretende-se, por outra parte, que não reaja ante a perda de direitos democráticos e sociais.



Numa intervenção ante o Parlamento Europeu, Merkel e Holande alertam de que o nacionalismo e o populismo ameaçam com destruir Europa. Quando li a notícia por primeira vez nos titulares dum jornal num quiosque, pensei que se referiam aos nacionalismos periféricos ou defensivos: vasco, catalão, galego, corso, bretão, escocês, etc., se bem considerava um despropósito que se lhe desse tanto poder a um político como Artur Mas, mas a minha surpresa, quando pude ler os artigos com mais detimento, foi comprovar que se referia aos nacionalismos dominantes, aos nacionalismos de estado, que foram os favorecidos por todas as políticas dos membros da UE. Quando todos pensávamos que os Estados estavam em crise, produziu-se, inexplicavelmente, a sua maior consolidação, debilitando na prática o próprio projeto europeu, que, ao carecer de poder de sugestão para os cidadãos aderem a novas formações políticas que lhe oferecem novas saídas. É uma reação normal de pessoas agredidas socialmente.



Éu não podo por menos de dar-lhe a razão neste pronunciamento a Merkel e a Hollande, ainda que dissinto profundamente das premissas que o fundamentam. A União Européia não funciona democraticamente polo peso que têm nela os nacionalismos de Estado, que os líderes destes países fomentam, que são os que provocam a carência de autêntica democracia e que são os que podem fazer colapsar o projeto. Tanto o desenho como as políticas praticadas em Europa estão orientadas a fortalecer os nacionalismos dominantes nos diversos países membros, em vez de fomentar uma Europa dos povos e dos cidadãos numa autêntica comunidade democrática.



Os cidadãos europeus elegem os membros do Parlamento Europeu, instituição carente dum poder real e que somente tem atribuições em políticas de menor calado. Participa também indiretamente, na eleição do Presidente da Comissão Européia, que denominam governo da UE, mas não é um órgão decisório nas políticas importantes européias senão um órgão mais bem de caráter administrativo, com um orçamento raquítico, que gere o pouco que lhe deixam ou encomendam os prebostes comunitários. A Instituição que tem o poder real na Europa é o Conselho Europeu, formado polos Chefes de Estado e de Governo dos países aderidos. Alguém pode pensar que dado que estes foram elegidos polos seus cidadãos, logo, em resumidas contas, as medidas adotadas por eles foram legitimadas mediatamente da cidadania; mas nada mais longe da realidade. Isto somente seria assim se os cidadãos europeus participassem na eleição destes dirigentes europeus como tales, mas somente participa na eleição dos dirigentes do próprio estado, que devem depois obter o beneplácito de dirigentes doutros países em cuja eleição eles não têm arte nem parte. As políticas dos estados membros da UE estão subordinadas aos interesses dos nacionalismos dominantes nos países mais fortes da UE, principalmente Alemanha. Um exemplo bem eloqüente é o que passa no Estado espanhol. Um dirigente, como Mariano Rajoy, foi elegido pola cidadania espanhola, á que lhe apresentou um programa, que dizia ser como um contrato com ela. Mas, uma vez elegido, converteu-se no discípulo avantajado da Chanceler e pôs em prática todas e cada uma das medidas que ela lhe indicou, fazendo caso omisso dos seus compromissos com os cidadãos, atuação que justificou dizendo que não estava cumprindo o seu programa mas si com o seu dever. Quer dizer, que o cumprimento dum suposto dever pessoal, mui subjetivo por certo, antepõe-se ao que em democracia é o autêntico dever, que é o ser fiel ao mandado das urnas, e nunca um mandado de Deus nem da própria consciência, que a ninguém lhe interessam nem que foram aduzidos por ele quando demandou o voto da cidadania. Por outra parte, o bipartito PP-PSOE procedem á modificação da Constituição por pressão do BCE, sem contar para nada com os outros partidos nem com a cidadania. O país é patrimônio deles e podem fazer da sua capa um saio, ad majorem gloriam do nacionalismo espanhol.



Antes da celebração das eleições européias, o nacionalismo espanhol procurou a legitimação da sua política com Catalunya demandando o pronunciamento, em contra da independência, de  grandes líderes mundiais, para lecionar as hostes indígenas catalãs sobre a orientação do seu voto, ao tempo que, segundo acusações, torpedeou o voto dos ausentes. Todo com o claro propósito de reforçar o nacionalismo espanhol, que se nega em redondo a que os povos sejam consultados sobre o seu futuro. O nacionalismo dominante é sagrado e instaurado polas leis intangíveis da natureza e da história, que somente loucos ou perversos se atrevem a pôr em questão.



A gestão da crise grega demonstrou até a saciedade que se subordinara o pronunciamento democrático do povo grego aos interesses das oligarquias, alegando que o cumprimento dos compromissos não pode ver-se condicionado por decisões dos povos, chamando compromissos ao que são imposições troikaianas, fracassadas na prática, e negando-se a estabelecer um plano sério que permita que o país heleno poda pagar solventemente a sua dívida, sem auto-imolar-se. Aproveitando-se da debilidade do povo grego e da falta de políticas alternativas de Tsipras, impõem-lhe a este país um resgate ainda mais duro que os anteriores. O pouco compromisso como o projeto europeu pôs-se de manifesto quando se noticia que os países mais intransigentes na negociação eram os que tinham pendentes contendas eleitorais. Quer dizer, que o nacionalismo dominante de cada um desses países subordinou os resultados da negociação ao temor de que os seus interesses partidários se vissem prejudicados pola irrupção de partidos emergentes.



Quando se iniciou esta crise perene, com a que os líderes europeu não foram capazes de lidar, e que conduziram a uma situação limite de empobrecimento da cidadania, em benefício das oligarquias e dos seus paraísos fiscais, a chanceler Merkel atreveu-se a ferir o orgulho dos cidadãos dos países surenhos, acusando-os de preguiçosos, pouco sérios, que trabalhavam poucas horas e se jubilavam pronto. O tempo veu demonstrar que estas acusações eram infundadas, ou polo menos, exageradas, e, por outra parte, que em todas partes cozem favas, como se patenteou polas práticas turbas e irresponsáveis do Deutsche Bank e a falsificação das emissões da Volkswagem, que nos enche de vergonha e de preocupação de cara ao futuro desta fábrica. A solução da crise por parte dos máximos hierarcas europeus foi um fracasso soado. Nada de políticas de mutualização da dívida, que cada estado agüente da sua vela, nada de reforma do BCE para que atue como um autêntico banco central e não seja meramente o valedor da oligarquia financeira, nada de autêntica reforma bancária. Os países que têm problemas, e Alemanha vaia se os teve!, só lhes queda desvaliar os salários, por certo não acompanhada da desvaliação dos preços, obrigar a trabalhar mais horas por salários de miséria, incapacidade para os nosso moços de programar o seu futuro pola precariedade laboral, ... Isto si que denigra o projeto europeu, mas não que um minúsculo país como Eslováquia se resista a botar-lhe uma mão neste momento ao país com uma economia mais boiante, como é Alemanha, que ante a avalancha de imigrantes que desejam dirigir-se ali, quer obrigar aos demais a que compartem obrigatoriamente parte do esforço de acolhida.

.     

As politicas na UE estão determinadas polos líderes políticos dos grandes países da UE, Alemanha, em primeiro e destacado lugar, e em segundo lugar, França, que atua mais bem de  comparsa. Durante a presidência de Sarkosy, a direção recaia em Merkosy, e na atualidade em Merkollande. Na crise de Ucrânia, quem representou a Europa foi Merkollande, sem que aparecesse por nenhuma parte, a alta representante da União para Assuntos Exteriores e Política de Segurança da UE, a italiana Federica Mogherini. O Presidente da Comissão Européia, polo que eu sei, não se pronunciou ao respeito. Em realidade não deixa de ser um acólito do papa Merkollande, que, á sua vez, somente trabalha para favorecer os interesses partidários do nacionalismo dominante nos seus países. Merkel sobe em Alemanha cada vez que castiga e pôe á raia aos países surenhos. As instituições comunitárias foram vaziadas de contido por dirigentes europeus que, segundo o grande chanceler Helmut Kohl, não têm um projeto de Europa, um projeto sugestivo que lhes iluda e não a Europa dos minijobs, da precariedade e da falta de futuro.     




3 oct 2015

Beiras brama contra a “pestilência dos focos de opinião”




Na apresentação do pré-acordo de Podemos, IU e Anova, José Manuel Beiras emitiu uma dura crítica ético-pessoal contra o que ele denominou focos de opinião, que me surpreendeu e que me fiz perguntar-me se eu próprio poderia estar concernido por ela, dado que publiquei um artigo no que criticava precisamente este pré-acordo. A surpresa provém de que Beiras desvia a crítica do eido político, que é unicamente no que eu pretendia mover-me, ao eido pessoal e ético, porque a palavra pestilência tem estas duas conotações. Tenho como norte da minha atuação analisar criticamente a realidade mas preservando sempre os vínculos de amizade que me unem com as pessoas; criticam-se as ideologias, ou em palavras cristãs, o pecado, mas nunca o pecador.

Eu sempre aprecei a Beiras pessoalmente e comparti com ele o pensamento político até a viragem que experimentou em 2012, não polo fato de sair do BNG, senão polos furibundos ataques ás formações nacionalistas e polo fato de apoiar a formações estatais em vez de coligar-se com CxG, que creio que não lhe minguaria o êxito eleitoral, porque os votos eram dele pessoalmente na grande maioria polo seu tirão eleitoral. O meu apreço pola sua pessoa mantém-se mas não podo compartilhar o seu posicionamento político atual. Quando se criaram As Marés, algumas das minhas filhas votaram esta opção para os concelhos, sem receber nenhuma observação e muito menos crítica pola minha parte. Eu mesmo sempre tenho dito a quem quer escutar-me que As Marés representam um passo a respeito dos governos anteriores, mas corremos o risco de que o prezo que pode ter que pagar-se seja demasiado elevado, porque um projeto espanholista das formações estatais nunca vai beneficiar á longa um projeto próprio e soberano.

Beiras fala dos focos de opinião, e isto desde logo não vai comigo, porque eu não sou nenhum foco, porque quando se fala dum foco normalmente alude-se a um grupo de pessoas, e eu não formo parte de nenhum partido nem de nenhum grupo de opinião, senão que são somente um tigre que erra solitário na selva do nacionalismo. Tão-pouco me considero sequer um foco solitário senão somente um vaga-lume que irradia em contextos mui limitados. Considero que é nefasto para uma comunidade política que qualquer dirigente político pretenda silenciar a voz crítica da cidadania, achacando-lhe juizos de intenções e perversidade moral, porque expressa o seu sentir sobre o devir do país; somente se lhe deve exigir que seja uma crítica construtiva, e toda crítica que seja veraz, é construtiva, porque ajudará a melhorar a realidade existente. Um político não pode pretender que reduzamos o nosso rol ao aplauso e ao louvor dos participantes no partido, sem que, depois de pagar a entrada, podamos valorar as diversas jogadas e criticar se se metem goles na própria meta. Uma sociedade sem crítica é uma sociedade morta e profundamente corrupta. Ninguém ouvirá de mim um ex-abrupto, uma desqualificação pessoal, mas deixem-me polo menos pensar e falar que é o único mecanismo que nos queda de participação política; que ninguém queira tão-pouco ensilvar-me em ataques pessoais, porque a amizade e os sentimentos humanitários devem primar sobre o ideário político, sobre todo com aqueles que nos aparentam muitas cousas.

Aproveito para dizer que os participantes na assinatura do acordo, convidam-nos a que o leamos antes de falar. Eu tenho que dizer que já o li mas não fui capaz de solucionar as minhas dúvidas, porque eu quero saber se quando se diz que “o povo galego como sujeito político soberano, ... operará em conseqüência com este princípio para todos os efeitos e em todos os planos: político, jurídico, simbólico, comunicativo e organizativo”, isso implica que pode ter um grupo parlamentar próprio ou se esta possibilidade se fia a boa vontade dos órgãos do Congresso para que permitam o que o Regulamento da Câmara não permite. Não vale pássaro em mão para Podemos e IU, e cento voando para Galiza. O que si vejo que estão mui bem garantidas as políticas referentes ao câmbio político, com as quais também nos identificamos, mas o referente a Galiza fica, polo menos, numa espécie de penumbra.

Queria também aconselhar-lhes que se a candidatura leva o nome usado para a candidatura de A Corunha e Ferrol, se utilize o nome galego Marés e não, como o que passou com o Bloque, o espanholismo de Mareas.