27 ene 2016

“Espanha é uma nação de nações”, Monedero dixit


O ideólogo de Podemos, João Carlos Monedero, anda por Espanha difundindo a sua sabedoria aos seus paroquianos, aos seus círculos, mas também de vez em quando aproveita os meios de comunicação locais para instruir-nos um pouco, que boa falta nos faz. Vou-me cingir a comentar dous aspetos das suas manifestações a um canal de televisão galega: a de que Espanha é uma nação de nações e a solução que propõem para evitar a lei de ferro das oligarquias.

Quando se critica algo, e alguns galegos temos a mania de andar enredando as cousas, sempre tem que fazer-se em base a uns princípios que guiem o nosso discurso, e, por isso, vejo-me obrigado a precisar que entendo eu por nação. Imos referir-me naturalmente, ao significado que tem hoje este termo e não ao sentido que teve na Idade Média. A palavra nação deriva do verbo latino nascor, que significa nascer, e, por tanto, o significado etimológico de nação é o lugar de nascimento. Os medievais utilizavam-na nesta acepção quando se referiam ao agrupamento dos alunos por «nationes» nas universidades de Bolonha, Paris, Salamanca, etc. para procurar-se mútua proteção num país estrangeiro. Em Bolonha foi onde primeiro surgiu a divisão em nações, que logo se estenderia ás demais universidades. Havia quatro nações: Lombardia,  Toscana, Roma e ultramontanos, que incluía também os franceses, alemães e ingleses. Igualmente, na universidade de Paris, os estudantes estavam agrupados, pelo lugar de procedência, em quatro nações, como acredita o Dictionnaire de l'Académie Française:  "A Faculdade de Artes da Universidade de Paris está composta de quatro nações, que têm cada uma o seu título particular. (A honorável nação de Francia, a fiel nação de Picardia, a venerável nação de Normandia, e a constante nação de Germânia”.  Foi neste sentido como utilizava o termo Cervantes.

 A nação foi definida por José Delgado Pinto (1932- ) como "a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma vida política autônoma" (DELGADO PINTO, J., «Nación» em Gran Enciclopedia Rialp, Tomo 16,  Madrid 1973, pp. 537-9). Como se trata dum professor de Cáceres e não nacionalista não se prestará a suspeitas. Eu diria que há, nesta definição, quatro elementos principais: a) É uma comunidade humana estável, e, por tanto, os que assistem a um partido de futebol não são uma nação; e uma comunidade humana estável é um sócio-sistema, um sistema social, uma comunidade estruturada, em resumidas contas, um povo; b) Possui uma série de vínculos naturais, como território, clima, relevo, ... e culturais, como a língua, cultura, organização econômico-social, ...; é, pois, um fato diferencial, se bem isto não é suficiente para constituir uma nação, e, por tanto afirmar que Galiza é uma nação não pode basear-se simplesmente em que temos língua, cultura, etc.; c) Tem consciência da sua diferença com respeito doutros povos, sente-se diferente, e autodenomina-se como «nós» frente aos «outros»; e d) tende a desenvolver uma vida política autônoma, uma vida própria, que atenda as suas necessidades, aspirações, etc. A palavra «autonomia», está composta de duas palavras gregas: autos, que significa si mesmo, a si mesmo, por si mesmo, e nomos, lei, por tanto, etimologicamente significa dar-se a lei a si mesmo, o qual indica que o uso que se fez desta palavra, utilizando-a para dar-se leis em âmbitos restringidos e subordinadas a outras leis, desnaturalizou o seu significado originário. Tender a levar uma vida política autônoma significa que a nação se converte na instância legitimadora do poder político, quer dizer, que a legitimidade se adquire pela fidelidade á nação. E podem-se ter duas fidelidades ou três? Eu diria que é ainda mais difícil que ser fiel a duas mulheres, porque os interesses são, na realidade material, na prática quotidiana, contrapostos. Se eu lhe quero levar a energia grátis a Madrid, não vou contentar aos galegos, e se, lha corto aos madrilenhos, estes vão-se resistir.

O Sr. Monedero afirmou nessa entrevista que “Espanha é uma nação de nações”, e justificou este asserto no fato de que um pode sentir-se galego e espanhol ao mesmo tempo, ao igual que vasco e espanhol, ou catalão e espanhol. Fundamenta, por tanto, a nacionalidade num sentimento de pertença, e mira por onde agora observo que os de Carvalho já fomos sempre uma nação, e eu já são membro de duas nações,  pois embora que o azar histórico me levou por outros roteiros, nunca deixei de sentir-me um carvalhés; e como também me sinto santiaguês, pela minha prolongada moradia, nesta cidade, já são três, e com a espanhola, quatro. Descrevo isto para pôr de relevo o absurdo ao que nos leva fundamentar a nação dum jeito idealista; não é que seja irrelevante este sentimento de pertença, mas creio que os sentimentos, um fato subjetivo e volúvel,  não são suficientes para fundamentar uma nação, mas si para mistificar a sua idéia.

Por conseguinte, falar de nação de nações é um absurdo lógico, que somente tem a virtualidade de dar-lhe nova roupagem a á velha idéia de submissão duns povos sobre outros, dumas nações sobre outras. Se crê o Sr. Monedero que vai satisfazer aos galegos, vascos e catalães dizendo-lhe que são uma nação submetida á Espanha está mui equivocado. Que mais me dá a mim que me digam que Espanha é uma nação de nações que uma nação de nacionalidades, como figura agora, se, na prática se justifica que todo siga igual. Os povos tem que conviver em pé de igualdade e não de subordinação; há que criar uma convivência em horizontalidade e não em verticalidade, da que tanto gosta podemos. Há que partir da idéia de que no Estado espanhol convivem quatro povos: espanhol, galego, vasco e catalão, e não pretender espanholizar-nos a todos.

Em relação com isto está o problema de se Espanha é ou não uma nação, questão que foi tratada muito detidamente na história do nacionalismo galego, e mui especialmente na obra de grande Castelao. Este político afirma que Hespanha, referida a todos os povos que convivem no Estado espanhol, não é uma nação, mas que Espanha, referida á comunidade distinta de Catalunya, Euskadi e Galiza, si é uma nação, tese com a que eu concordo totalmente. O nacionalismo atual, em vez de escrever Hespanha para referir-se ao conjunto, escrevem Estado espanhol, e o Estado espanhol não é uma nação, senão que é um conjunto de nações, que desejam conviver no seu seio em pé de igualdade.

Com todo, há que reconhecer-lhe a Podemos que, pelo menos, respeite o direito de autodeterminação, ou seja, o direito que têm os povos a expressar livremente que querem fazer com o seu futuro, pelo menos no sentido de que se poda consultar a vontade popular e não castigar aos que consultem, mas isto não significa que sejam proativos para que se exerça nem que defendam esse direito, senão que já avisaram que serão proativos em contra, especialmente pelo que diz respeito á independência, que vão votar em contra, porque a sua opção é a Espanha uma. São democratas mas pretendem condicionar esse direito de acordo com os interesses «superiores» da sua política estatal; noutras palavras, pretendem que triunfe o unionismo democraticamente para soldar mais fortemente a unidade, frente a PP. PSOE e Cidadãos que pretendem impô-lo coativamente. Os do partido morado não são dos «nossos», ainda que manifestam que não vão malhar em nós e  pensam tratar-nos mais civilizadamente. A ninguém deve surpreender esta alternativa sua, salvo a quem pense que os problemas dos galegos lhe vão vir resolvidos por organizações alheios ao país, algo que não sucedeu em nenhum país do mundo nem a respeito de nenhum direito humano.

Referente a PP, PSOE e ao espanholista de pro Cidadãos, podemos afirmar que são organizações que nem sequer atuam democraticamente, senão que querem impor a nivel social a teoria da «con-lhevância», que propusera o espanholista até as nádegas Ortega e Gasset, esse do que tanto gosta Felipe González, que afirmava que o problema de Espanha não se pode resolver senão que há que con-levá-lo, ou seja, agüentar a esta espécie de inquilinos morosos até que cansem e desistam das suas pretensões. Num artigo anterior temos definido a democracia como o império das maiorias com respeito dos direitos humanos tanto individuais como coletivos. PP, PSOE e Cidadãos, nem sequer querem entender que o ser humano não é um átomo isolado senão que a humanidade se adquire pela inserção numa determinada coletividade, com a que um compartilha necessidades, aspirações, vantagens e desvantagens comparativas, no seio duma comunitária, no seio dum povo. O PSOE sempre defendeu o direito de autodeterminação mas, uma vez que chegou a ocupar cadeirões, não cansa de lançar anátemas contra ele e contra quem o defenda.

Monedero tem claro algo que o PP sempre distorce, seguindo ao integrista Julião Marias, a realidade histórica ao afirmar que Espanha é a nação mais velha de Europa, pois já foi nação desde os reis católicos, confundindo as noções de Estado e de nação. As nações surgiram com a Revolução Francesa, ligadas estreitamente á soberania popular. No momento em que os amotinados em Paris lhe dizem a Luis XVI que a soberania lhe pertence a eles e não ao monarca, estavam criando a nação francesa, que si podemos dizer que é a nação mais velha de Europa. Espanha somente se pode dizer que se constitui em nação a partir das Cortes de Cádiz; e Galiza, iniciaticamente, a partir de 1916.

Também creio que cumpre reconhecer que Monedero tem razão quando fala do devir das nações, pois estas não são seres estáticos, que têm uma essência permanente e imorredoira, senão que, como todo produto histórico, nascem, desenvolvem-se e morrem. A sua morte produz-se como efeito da pressão doutros povos, que, democrática ou antidemocraticamente, destroem a sua estrutura social.

Tocante á lei de ferro das oligarquias, ou seja, a lei proposta pelo alemão Robert Michels que diz que “tanto na autocracia como na democracia sempre governará uma minoria", diz o ideólogo de Podemos que pretende solucioná-lo limitando os mandados, e, por isso, afirma, ninguém poderia ocupar mais de duas legislaturas o mesmo posto. Mas, se o Sr. Monedero, não quer enganar-se a si mesmo, com isto na invalida esta lei, porque que não governe mais tempo uma minoria não implica que seja substituída por uma maioria, senão que será substituída por outra minoria, minorias que se reproduzem ininterruptamente. 

18 ene 2016

Da UPG e outras histórias




Cada quem fala da feira segundo lhe foi nela, e, por tanto o que eu poda dizer também está condicionado pelas minhas vivências e pelas minhas reflexões, que não têm por que ser compartilhadas por outros. Quero contribuir, desde a minha atalaia particular, ao processo de esclarecimento que pretende levar a cabo o BNG, neste momento difícil para ele.

Somente militei um ano na ANPG (Assembléia Nacional Popular Galega), associação de massas do BNPG (Bloque Nacional Popular Galego), controlada pela UPG (União do Povo Galego), partido de ideologia marxista leninista, que parece que se intenta agachar um pouco, porque um partido destas características dificilmente vende nos nossos dias. Á sua frente esteve quase sempre Francisco Rodríguez, um home mui trabalhador, bom organizador, creio que honesto e que identificou parte da sua vida com a da organização. Este partido pratica o centralismo democrático, que de centralismo tem muito e em democracia anda mais bem escasso, e tem proclividade ás purgas e aos processos de clarificação, e, por tanto, ao exclusivismo e ao férreo controle dos associados.

No ano que militei na ANPG, encomendaram-me um escrito sobre língua para um trítico, que realizei em tom irônico, mas, á hora da publicação observei que mo cambiaram eliminando a ironia e deixando-o descafeinado e insulso. Nunca pude saber quem era a mão invisível e misteriosa que realizava estas censuras, nem, naturalmente, ninguém me comunicou quem o fez e por quê. Mas o que me impulsou a deixar a organização foi a leitura na imprensa a primeiros de maio do ano 1981, quando assistia em Poio ao I Congresso da AELG (Associação de Escritoras e Escritores em Língua Galega), duma notícia na que se dava conta purga de destacados militantes nacionalistas, entre eles, Manuela Freguela, Branhas, Manolo Dios, ... Na seguinte reunião local que tivemos em Santiago entreguei um escrito no que lhe comunicava que eu não podia militar numa organização que expulsa a pessoas como as indicadas. Uns dias mais tarde, encontrei-me a rua Alfredo Branhas de Santiago, a Paco Rodríguez e a outro militante, e comuniquei-lhe a minha desconformidade com esta atuação e que não entendia como se expulsava a pessoas destas características. O acompanhante de Paco respondeu-me que “está visto que sempre que houve conflito medramos”, ao que lhe respondi que “se atuais com esses critérios, pouco tenho que dizer”. Sempre pensei que uma organização política tem que ser inclusiva e não depuradora. A partir desse momento, converti-me num espectador do devir político, concentrei-me muito na minha atividade docente desde um prisma galego e nacionalista, ao tempo que participava em quase todos as manifestações que se fizeram na defesa da nossa identidade coletiva. Nunca lhe guardei nem lhe guardo rancor a ninguém.

Creio que a história do BNG pode resumir-se em clarificações periódicas, purgas, e, se os purgados amostram capacidade de resistência e adquirem relevância social, recomposição de novo do espaço político e/ou sindical afetado. Quando uma organização satélite do BNG adquiriu força e protagonismo social, se não é controlada pelo partido hegemônico vai ter problemas, do qual é um claro exemplo o que aconteceu no SLG (Sindicato Labrego Galego) e na INTG (Intersindical Nacional de Trabalhadores Galegos). Creio que se deixaram muitos cadáveres nas valetas e muitíssimas pessoas desencantadas e desiludidas. Creio que era já em 1981 quando se falava de re-fundar o BNPG.

No 1982 a ANPG, UPG, PSG e independentes fundam o atual BNG, que gira em torno a Paco Rodríguez como organizador e controlador não só da UPG senão também do BNG, e a Beiras como presença mediática e protagonismo eleitoral, e esta simbiose, quando se abriu a mais setores,  logrou os maiores êxitos para o BNG chegando a converter-se na segunda força galega no ano 1997, com 18 deputados. Tanto Paco Rodríguez como Beiras sentiam-se cômodos nas suas respetivas funções: um satisfazia o seu anseio de controle, e o outro com o seu protagonismo social exitoso colmava o seu narcisismo pessoal, e sentia-se mui cômodo em que outros realizassem o trabalho organizativo, sem querer dar-se conta que lhe estavam preparando a sua tomba política, especialmente após ter descabeçado o Beiras o partido Esquerda Galega, que ele mesmo fundara. Parecia que o governo da Xunta estava ao seu alcanço nas eleições do ano 2001, mas, a forte campanha mediática em contra de Beiras, ao que se tachava de desequilibrado, e da organização saldou-se com um retrocesso de dous pontos de apoio eleitoral e um deputado. Paco Rodríguez considerou que chegara o momento de prescindir do indômito Beiras, que se vê obrigado a ceder a portavozia a Anjo Quintana em novembro de 2003. Alguns membros do BNG me têm confessado que tiveram o seu grande êxito a esta altura fora o relevo de Beiras, do que eu dissentia profundamente, e assim lho manifestei a membros do BNG. Eu considerava que um político que foi capaz de protagonizar um incremento tão notório do apoio ao BNG não pode ser despedido por uma baixada discreta do apoio eleitoral, e isto foi o que lhe transmiti no seu momento a Manolo Portas, que também coincidia com a minha posição.Também discordei muito acerca da política de pactos com o PSOE, sócio que nunca considerei leal, que eu qualifiquei ante membros do BNG, de câncer para esta organização, mas que incompreensivelmente em certos momentos foi tido em grande consideração pelos nacionalistas do BNG. Considerei também, no seu momento, que foi improcedente que o Fraga fosse convertido por Beiras, por arte de berloque, de demo em anjo da noite para a manhã, quiçá para salvar um pouco a sua posição com novas iniciativas. Uma cousa é que se chegasse a certos acordos e outra mui distinta são aqueles abraços e louvores que não iam a nenhures.  

As medidas de Quintana de restar-lhe protagonismo a Beiras, para que não eclipsasse o seu liderado, provocam a atitude de Beiras de negar-lhe o apoio a Quintana e de socavar a sua chefia, e em criticas cada vez mais ácidas e mordazes contra a direção do BNG, que se traduzem numa guerra aberta e declarada entre ambos. A crispação e a luta interna incrementa-se paulatinamente e cristaliza em 2012 com o abandono do BNG por parte de Mais Galiza e Encontro Irmandinho. A organização matriz do nacionalismo acode uma vez mais ao lema da clarificação, preâmbulo habitual das purgas, e não foi capaz ou não teve vontade de integrar aos discrepantes.

Estas purgas internas não foram exclusiva do BNG, senão que também uma das suas filhas, Anova, herdeira de Encontro Irmandinho, recorre a elas e não foi capaz de integrar o setor proclive á coligação com os nacionalistas e o setor que pretendia coligar-se com Esquerda Unida, uma organização espanholista, vencendo esta última alternativa, se bem há que reconhecer que teve inicialmente um importante êxito eleitoral, ultrapassando ao BNG em número de escanos: 9 frente a sete em 2012. Por tanto, se medimos as decisões em termos pragmáticos, de rentabilidade eleitoral, cumpre aceitar que tinham razão, mas de seguida, como pudemos constatar, esse invento terminou como o rosário da aurora.

No 2015, surgem as famosas coordenadoras: Iniciativas pela União e Encontro por uma Maré Galega. Eu participei na primeira por considerar que devia contribuir a reforçar o polo nacionalista numa eventual confluência. Foi um autêntico esperpento que, quando estávamos esperando que ambas coordenadoras se reunissem em procura dum acordo a partir da unidade popular, aparece nos meios a notícia dum acordo entre as cúpulas de Podemos, Anova e IU, para ir juntos ás eleições, fechando-lhe o passo, de fato, ao BNG. Eu apoiei a coligação Nós, Candidatura Galega, por coerência, se bem não estava convencido das suas possibilidades de êxito, entre outras cousas, porque os membros da coligação não tinham entidade suficiente para criar entusiasmo de nenhuma classe.

Agora parece que Em Maré Podemos, após o seu êxito nas gerais do 20 D, está interessada em tender-lhe a mão ao BNG, para criar a grande coligação que permita neste ano relevar ao PP no governo da Xunta de Galiza, mas também parece que um setor importante do BNG, incluída a UPG, não está pelo labor, e, como sempre, é possível e provável que triunfe esta alternativa. Creio que seria um erro importante, porque o BNG, neste momento, não está em posição de competir eleitoralmente com umas mínimas probabilidades de êxito. Por outra parte, é tal o deterioro das instituições que não é possível esperar a uma futura recuperação, que, em todo caso, para tarde mo fiais. Uma cousa é o que pensamos que, teoricamente, é melhor, e outra o que podemos fazer neste momento histórico. É evidente que esta opção também implica riscos, mas também oferece grandes possibilidades de mudar as cousas, e cumpre nos momentos decisivos ser atrevidos e valorosos, tendo em conta, ademais, que a alternativa pode ser destrutiva para a própria organização.

O que tem que examinar o BNG é porquê se produziu essa perda constante de apoio desde o ano 1997, e porque as diversas medida adotadas não lograram reverter a situação. A UPG deve refletir sobre a conveniência de seguir controlando a organização porque o que está conseguindo é que nada se mova nem respire. Se confronta o que lhe está passando a organizações como IU, com uma estrutura comparável, deveria ver que esse não é o modelo. Creio que o nacionalismo padeceu ab origine o síndroma infantil do esquerdismo, apresentando-se como a organização mais esquerdista do espetro político, mas isto pode ter predicamento em conventículos de iluminados, mas não logra incidir na maioria social. Podemos entendeu perfeitamente que, para ter êxito, não pode escorar-se á extrema esquerda, senão que tem que ocupar um espaço não mais radical que o do PSOE, que é onde pode captar uma maioria social. Nem IU nem o BNG podem aspirar a liderar um governo desde a extrema esquerda, se bem o do BNG é principalmente de palavra e não, até o momento onde governou, nos fatos, quando poderia ser quiçá ao revés. Isto volve-o também vulnerável á hora de pautar, porque qualquer aspirante a coligar-se com ele, sabe que o seu eventual sócio não tem outra saída que o pacto com a sua organização.
 
O BNG tem que fazer câmbios de grande calado, e um dos urgente, é o de terminar duma vez com a bicefalia UPG versus direção oficial. A UPG é um partido mui disciplinado e trabalhador, mas também sumamente exclusivista, e, segundo a minha impressão, todas as decisões são pre-cozinhadas e preparadas na cúpula deste partido antes de ser transmitidas ao oficialismo e as bases. Qualquer dirigente oficialista se vê constrangido por umas decisões prévias que contam com o apoio de antemão duns oitocentos membros disciplinados e dispostos a impõe-las aos demais. Por outra parte, isto cria uma dicotomia entre decisões e responsabilidade. As decisões tomam-nas uns e as responsabilidades têm que assumi-las outros, de tal modo que o fracasso dumas políticas nunca se atribuem a aqueles que as parem.

Vemos também que o BNG perdeu o apoio dos setores mais dinâmicos e juvenis da sociedade, e se perdes tanto a mocidade como os setores mais inquietos da sociedade, pouco podes fazer. Há que afrontar a realidade e não tapar os olhos e considerar que não vai conosco. Aliás, detectamos que o BNG se converteu historicamente num cemitério de cadáveres, e parece que um cadáver mais, seja por suicídio ou homicídio, é a do próprio Vence, o melhor líder, o mais capaz e preparado, que entrevejo hoje na nossa Terra. É improcedente que setores da velha guarda, como Batista Álvarez, se atrevam a insultar e pôr em questão a sua valia, questionando a renovação e indicando que “haverá que retirar-lhe timão de mãos dos grumetes”. É igualmente inaceitável que se critique uma campanha por detalhes totalmente anedóticos e que não repercutem quiçá nem positiva nem negativamente, faltando-lhe ao respeito aos candidatos que se apresentaram. Nos comícios que presenciei, considero que o fizeram francamente bem, e que mereciam um mínimo de respeito. A ver agora onde toda os pilotos expertos e candidatos com mais valia, que o único destino que lhes fica é queimar-se na fogueira duma organização que já tem acendido demasiadas piras políticas e, precisamente contra uns sócios que foram sempre modelos na sua entrega e trabalho desinteressado. Com estes prelúdios, o fracasso nas próximas eleições creio que está servido, e que o insulto e/ou o mero voluntarismo não será, nem muito menos, um antídoto eficaz.

De nada serve botar-lhe a culpa dos próprios males á perfídia dos demais, nem á democracia televisiva, porque, entre outras cousas, essa é a realidade com a que temos que lidar, e o que urge é cambiar o governo para conseguir também uma televisão menos manipuladora e mais veraz. É desde o governo desde o que se podem tomar medidas para solucionar as cousas, e não com organizações condenadas a contemplar o devir político e a conformar-se com a queixa constante. 


13 ene 2016

Democracia para os nossos dias (VIa)




A monarquia em Bodino e Rousseau

Historicamente, a concepção da monarquia evolucionou com o conceito de soberania, e, por tanto, temos que começar falando um pouco desta. Neste artigo imos expor o conceito de soberania e monarquia em dous autores: Bodino e Rousseau, com objeto de pôr de relevo a evolução histórica e as vantagens e/ou inconvenientes do regime monárquico. Partimos da noção de soberania como a autoridade suprema e/ou decisiva numa sociedade, cujas normas prevalecem e, dado o caso, anulam as de qualquer outra associação. Não se confunde com independência, pois esta não é mais que uma das concreções possíveis da soberania. Esta foi sucessivamente: real, por tanto, o soberano era o rei, como por exemplo na constituição de Baiona de 1808; nacional, ou seja, que a soberania residia numa entidade abstrata, nação, á margem dos diversos indivíduos, como nas constituições de 1812 e 1837; compartida entre o Rei, as cortes e o poder judicial, como na constituição de 1845 e 1876; e popular, na que o povo é o soberano, como na constituição do 31 e do 78. A monarquia pode  ser hereditária, como a grande maioria das monarquias atuais, ou eletiva, na que o monarca é elegido, quer pelo monarca anterior, quer por um corpo de eleitores restringido, como foi a norma historicamente no Sacro Império Romano Germânico, caráter eletivo que ainda  na atualidade está vigorante em Samoa, o Vaticano, Emiratos Árabes Unidos e Malásia. 

Segundo Bodino (1529-1596), “a soberania é o poder absoluto e perpétuo duma república(Seis livros sobre a república, liv. I, 8). Que um poder é absoluto significa, segundo este autor, que é incondicional, porque se estivesse submetido a cargas e condições não seria soberania, nem poder absoluto. O único que pode limitá-lo é a lei natural ou divina, por provir da majestade divina, e nunca a lei positiva, que se identifica com a vontade do soberano, e, por tanto, quem tem poder absoluto está isento da autoridade das leis humanas. “É necessário que quem são soberanos não estejam de nenhum modo submetidos ao império doutro e podam dar lei aos súbditos e anular ou emendar leis inúteis; isto não pode ser feito por quem está sujeito ás leis ou a outra pessoa”.(Ibid. I, 8). A soberania é também um poder perpétuo, quer dizer, que se estende por toda a vida do monarca que ostenta o poder, e, durante este tempo, a soberania não é limitada nem em poder, nem em  responsabilidade nem no tempo; não se concede por um tempo determinado, pois se o povo limita ao príncipe no tempo, este não seria soberano, senão quem limitou a sua soberania; o soberano não tem que dar conta á comunidade sobre a que rege senão somente a Deus; é também indivisível e incomunicável (Ibid. II, 6), e por tanto, residirá sempre num só, e não se pode dividir entre o príncipe, os senhores e o povo. A primeira e principal característica do soberano, seja do príncipe, na monarquia, dos senhores no Estado aristocrático e do povo no Estado popular, consiste em dar leis aos súbditos sem o seu consentimento; a segunda característica seria declarar a guerra ou negociar a paz, a terceira, instituir os oficiais principais, e a quarta, o direito de última instância, ou seja, de ser o órgão de apelação derradeira.  

Para Bodino, a monarquia tem alguns inconvenientes relacionados com os câmbios de monarca.  Um novo príncipe quer cambiar e remover todo para que se fale deles; a divisão dos aspirantes origina um perigo de guerra civil; se o monarca é um menino podem originar-se pugnas pelo poder entre a mai e os príncipes ou entre os diversos príncipes, mas estes perigos costumam desaparecer quando a monarquia se transmite por sucessão paterna, e, das três classes legítimas de república, a monarquia é a mais excelsa. “O principal atributo da república - o direito de soberania- só se dá e conserva na monarquia. Numa república somente um pode ser soberano; se são dous ou três, ou muitos, nenhum é soberano, já que ninguém por si só pode dar nem receber lei do seu igualIbid. VI, 4). “Não é necessário insistir muito para mostrar que a monarquia é a forma de república mais segura, se se considera que a família, que é a verdadeira imagem da república, só pode ter uma cabeça, como já mostrei. Todas as leis naturais nos conduzem á monarquia, tanto se contemplamos o microcosmos do corpo, cujos membros têm uma única cabeça, da qual depende a vontade, o movimento e as sensações, como se contemplamos o universo, submetido a um Deus soberano... Todos os povos da antigüidade não conheceram, quando eram  guiados pela luz natural, outra forma de república que a monarquia. . . Finalmente, se acudimos ás autoridades, veremos que  as personalidades mais excelsas consideraram a monarquia como a melhor forma de república: Homero, Herodoto, Platão, Aristóteles, Jenofonte, Plutarco, Filão, Apolônio, São Jerome, Cipriano, Máximo Tírio e muitos outros. . .” (Ibid. VI, 4)

A monarquia que se “transmite por direito hereditário ao varão mais próximo da linhagem paterna e sem partição, é muito mais encomiável e segura que aquelas que se transmitem por sorte, ou por eleição, ou a varão que não seja o mais próximo, ou ao mais próximo, mas de linhagem materno, ou o mais próximo da linhagem paterna, mas com obrigação de fazer partição de toda a monarquia ou parte dela entre os seus herdeiros”(Ibid, VI, 5). A monarquia deve ser atribuída exclusivamente aos varões, “já que a ginecocracia vai contra a lei natural; esta deu aos homes a força, a prudência, as armas, o mando. A lei de Deus ordena explicitamente que a mulher se submeta ao home, não só no governo dos reinos e impérios, senão também na família... Também a lei civil proíbe á mulher todos os cargos e ofícios próprios do home(Ibid. VI, 5).

Bodino parte duma noção essencialista e apriorística de soberania e, a partir dela, extrai toda uma série de conclusões mui pouco fundadas. A soberania nunca é absoluta, pois, especialmente nos nossos dias, os diversos países mantêm inumeráveis vínculos e interesses entre si, que, se são perturbados, os outros vão reagir tomando represálias contra as medidas que os podem prejudicar. Além disso,inclusive numa democracia na que o povo pudesse decidir todo sem limitações e na que não se respeitem os direitos das pessoas pode converter-se num regime totalitário. O fato de encarnar a soberania numa pessoa física, leva-o a defender que a soberania é perpétua, que se conserva durante toda a vida do monarca, posição que está ultrapassada porque, por uma parte, não tem em conta que também historicamente existiram monarquias temporais para fazer frente a algumas contingências como é a guerra, e, pela outra,  a soberania não se restringe á vida duma pessoa física, senão que se mantém mentes um povo não seja absorvido por outro. A respeito da indivisibilidade da soberania, as diversas constituições que instauraram a soberania nacional, não sempre seguiram este princípio, se bem é lógico que assim seja quando se estabelece a soberania popular. Introduz também nas suas reflexões a Deus e á lei natural, que o conduz a propor uma espécie de monarquia teocrática e contribui a mistificar todas as suas considerações teóricas. Leis divinas há tantas quantas religiões, e a lei natural é um construto ideológico do que se podem extrair as conclusões que a cada um lhe acomodem, e, desde logo, a partir dela não se podem extrair preceitos nem normas de comportamento de nenhuma classe. A natureza não serve como reguladora da conduta moral nem política, senão que toda norma é obra da vontade dos homes, respeitando naturalmente as leis naturais, como não pode ser doutra maneira, e toda moralidade é algo que o home acrescenta sobre a realidade natural, e que muitas vezes a contradiz; além de que um razoamento que inferisse o que «deve ser» do que «é», a moralidade dos fatos, incorreria na falácia naturalista, e, por tanto, seria um razoamento logicamente incorreto. As conclusões que infere sobre o domínio do home sobre a mulher são eloqüentes manifestações da perversão moral e social a que nos podem conduzir determinados conceitos da lei natural e divina. Aliás, Bodino parte duma noção de indivíduo como súbdito frente ao soberano, concebido este como uma pessoa física, frente ao cidadão como ser participativo e ativo. A descrição dos aderentes á monarquia, creio que é pouco rigorosa. Não se pode incluir a Platão e Aristóteles entre os defensores da forma de Estado monárquica.

Rousseau considera que, com o contrato social ou pacto de associação dos indivíduos entre si, se forma um corpo moral e coletivo, uma pessoa coletiva, que se denomina corpo político, formado por todas as ás pessoas individuais. Esta pessoa coletiva chama-se Estado, quando é passiva, e soberano, quando é ativa; o soberano não é uma pessoa física senão uma pessoa moral, ou seja, um povo, o qual situa a este autor como o primeiro defensor da soberania popular, hoje vigorante em todos os países que se denominam democráticos, e também como o fundamentador da democracia moderna, baseada na no protagonismo do povo, e, por conseguinte, também do nacionalismo. Segundo ele, os associados tomam o nome de Povo, e chamam-se cidadãos, enquanto participantes da autoridade soberana, e súbditos, enquanto submetidos ás leis; por tanto, o indivíduo é, por uma parte, membro do soberano frente aos particulares, e, pela outra, membro do Estado frente ao soberano. Este é sempre o que deve ser, ou seja, que a sua atuação é sempre conforme com a vontade geral, com o que deve ser, mentes que cada indivíduo concreto pode ter uma vontade e interesse particulares, distintos dos interesses comuns e,  por tanto, da vontade geral. A soberania identifica-se com a vontade geral, e, por conseguinte, é inalienável e, ao tratar-se dum ser coletivo, não pode ser representado mais que por si mesmo: “o poder pode transmitir-se mais não a vontade” (O contrato social, II, 1). É também indivisível, “pois a vontade é geral ou não o é; é a do corpo do povo ou somente a duma parte” (Ibid. II, 2). O poder soberano não pode exceder os limites dos convênios gerais, e de ai que o soberano não poda carregar a um súbdito mais que a outro. Tocante á impossibilidade da representação implica em Rousseau que a democracia somente é apropriada para os povos pequenos, que é onde os cidadãos podem atuar em pessoa. A respeito da vontade geral cumpre manifestar que em realidade não existe, o que existem são atos individuais que visam conseguir os próprios interesses privativos dentro dos limites do que cada um considera lícito moralmente, mas estas vontades individuais não coincidem as umas com as outras na representação do que «deve ser», dum determinado bem comum, e a integração de interesses contrapostos é impossível. Aliás, o bem moral não sempre está precisamente com as maiorias por mui avultadas que sejam. A altura moral que tinha Sócrates era mui superior á da maioria dos seus contemporâneos, e estabelecer um termo médio entre a dele e a dos demais cidadãos não tem sentido.

Segundo Rousseau, além de considerar o príncipe como uma pessoa moral e coletiva, unida pela força das leis e depositária no Estado do poder executivo, pode considerar-se este poder unido num home real, único, que é o que se chama monarca ou rei. Confrontando as diversas formas de Estado, defende que a monarquia é o governo com mais vigor, mas também aquele no que a vontade particular tem mais poderio e domina mais facilmente as demais. Na monarquia “é certo que todo se dirige ao mesmo fim, mas esse fim não é o da felicidade pública, e a força mesma da administração desvia-se continuamente em prejuízo do Estado” (Ibid. III, 6). É falso, por tanto, segundo o genebrino, que a monarquia procure a felicidade dos cidadãos; e tão-pouco é certo que busque o afeto popular. Nas cortes sempre se rirão da máxima de que o rei para ser absoluto deve ser amado pelos seus povos. Aproxima-se á concepção maquiavélica quando manifesta que os melhores reis devem poder ser maus se lhes praz, sem deixar de ser amos. Não é certo que “o seu interesse pessoal é que o povo seja florescente, numeroso, temível, eles sabem muito bem que isto não é verdade. O seu interesse pessoal é, em primeiro lugar, que o povo seja débil, miserável e que nunca poda opor-lhe resistência”. (Ibid. III, 6). 

Para Rousseau, a monarquia é o regime da incompetência. “Um defeito essencial e inevitável, que porá sempre o governo monárquico por debaixo do republicado, é que neste o voto público não eleva quase nunca aos primeiros postos senão a homes esclarecidos e capazes que os desempenhem com honor, enquanto que os que chegam a tais postos nas monarquia não costumam ser senão pessoas de pouco juízo, pequenos intrujões, pequenos intrigantes, a quem os pequenos talentos que fazem nas cortes chegar aos grandes postos, não servem mais que para mostrar ao público a sua inépcia” (Ibid. III, 6). Isto não é aplicável nas modernas monarquias, porque, como têm demonstrado sobradamente no decurso da história a sua incompetência, foram reduzidas a figuras decorativas, dedicadas á labores de representação, e para figurar nas revistas do coração para que alguns setores determinados da cidadania podam satisfazer a sua curiosidade frívola e podam ter como motivo de conversações os modelinhos da sua vestimenta.

Frente aos governos da aristocracia e a democracia, nos que os câmbios no poder á morte dum governante se produz dum jeito ininterrompido, na monarquia eletiva dá-se lugar á intriga e á corrupção. “O inconveniente mais sensível do governo dum só é a falta dessa sucessão contínua que forma nos outros dous uma marcha ininterrompida” (Ibid. III, 6) Este problema não se dá somente em caso de morte senão também no caso de incompetência natural ou sobrevinda.  Estes males intentaram solucioná-los fazendo as coroas hereditárias, mas assim deu-se lugar ao regime da incompetência. “Fizeram-se as coroas hereditárias em certas famílias, e estabeleceu-se uma ordem na sucessão ..., Quer dizer, que, substituindo o inconveniente das eleições pelo das regências, preferiu-se uma aparente tranqüilidade a uma administração prudente, e arriscar-se a ter por chefes a meninos, a monstros, a imbecis, antes que ter que discutir sobre a eleição de bons reis; não se teve em conta que, expondo-se assim aos riscos da alternativa, se põem quase todas as probabilidades em contraIbid III, 6). Isto significa também que nos Estados modernos nos que todo se seleciona por mérito e capacidade, na cimeira do Estado todo se decide por nascimento, sem demonstrar mérito nenhum antecedente. Além do anterior, segundo Rousseau, a educação régia corrompe ao que a recebe. “Todo concorre a privar de razão a um home educado para mandar aos demais. Fazem-se grandes esforços, segundo dizem, para ensinar aos príncipes novos a arte de reinar; não parece que esta educação lhes aproveite. Devia-se começar por ensinar-lhes a arte de obedecer” (Ibid. III, 6). Essas deficiências na educação de pessoas as mais das vezes medíocres, pretendem supri-las os políticos monárquicos com a propaganda, que “consiste não só em comparar o governo civil com o governo doméstico e ao príncipe com o pai de família, erro já refutado, senão em atribuir liberalmente a este magistrado todas as virtudes que lhe fariam falta, e em supor sempre que o príncipe é como deveria ser” (Ibid.  III, 6). Pela minha parte, precisaria que não são só os políticos monárquicos senão também os setores oligárquicos e os clericais.



5 ene 2016

Quo vadis, PSOE?




Repetimos, modificada, a pergunta que o apóstolo Pedro, quando escapava de Nero pela Via Apia, lhe fez a Jesus ao visioná-lo portando uma cruz: «Quo vadis, Domine». No caso presente, «A onde vais, PSOE?». Claro que poderia suceder que um ma-lintencionado, coma mim, se lhe ocorresse pensar que  a pergunta que haveria que fazer seria: «Vais a algures, PSOE?». Há alguns indícios que são ilustrativos duma deriva ziguezagueante desta organização, tanto no terreno ideológico como na praxe política.

É um partido que teoricamente se supõe que intenta implantar o socialismo, como os partidos denominados comunistas, mas que se diferenciaria deles por tentar fazê-lo por vias democráticas. Mas, embora se supõe que pretende caminhar cara a uma sociedade socialista, promove a preeminência da oligarquia com a reforma do artigo 135 da Constituição Espanhola, em conivência somente com o partido mais pro-oligárquico do arco político espanhol e um dos mais reacionários da Europa, como é o  PP. Declara-se democrático, e não obstante não permite que os povos votem em liberdade e, por tanto, não respeita o direito básico dos povos a decidir o seu futuro. Declara-se democrático e promove a denominada lei de Partidos, que muitos suspeitam que se utiliza como coarctada para ilegalizar formações não sempre terroristas, devido, sobre todo, a que a separação de poderes é mui imperfeita no Estado espanhol. Avaliza a sua condição democrática por ser defensor das primárias, mas os seus dirigentes são os primeiros que invalidam os seus resultados, como Pedro Sánchez em Madrid, e Besteiro em Ourense. 

Em janeiro de 2016 estão-se a sondar as possibilidades de poder constituir um novo governo como resultados das eleições do 20D. Parece razoável que cada organização política sinale, antes de pronunciar o «si quero», os condicionantes que os seus eventuais coligados devem cumprir para formalizar um matrimônio estável, eficaz e congruente com o próprio programa com o que se apresentou ás eleições, se bem tem que ser consciente de que não todo ele se poderá realizar, e que também os seus parceiros têm direitos semelhantes. Também é legítimo traçar linhas vermelhas, condições sine qua não, que poderiam obstaculizar o desposório, mas quando se faz isto creio que estas linhas vermelhas devem incumprir os com os direitos humanos, a história da formação e/ou a sua estratégia a longo termo.

Podemos estabeleceu como conditio sine qua non, como condição imprescindível, que o partido ao que apóiem deve permitir um referendo em Catalunha, e a esta proposta responde-lhe o PSOE com uma linha vermelha simétrica de que o seu associado ou sustento pontual tem que renunciar a que esse referendo se celebre. Isto é o que devemos analisar agora se é razoável ou não. Defendemos num artigo publicado faz pouco que, em vez de afirmar que a democracia é o império das maiorias com respeito das minorias “seria melhor afirmar que a democracia é o império das maiorias, respeitando os direitos humanos, tanto individuais como coletivos; tanto dos indivíduos isolados como dos povos”. Isto é muito difícil de rebater porque já é algo geralmente aceitado. Ora bem, o que observamos é que o PSOE impõe como linha vermelha o incumprimento dum direito humano básico, que é o direito dos povos a decidir, direito que está reconhecido amplamente nos documentos da ONU. Espero que ninguém me venha com a endrómina, como freqüentemente se faz nas tertúlias, de que esse direito surgira para casos de colonialismo, porque um direito humano não depende das circunstâncias em que surgiu senão das exigências morais ás que responde. Por tanto, não é ético nem democrático negar que os povos podam ser consultados e podam decidir livremente o que querem ser, sobre qual é o seu posicionamento a respeito dos demais povos. É costume inveterada no Estado espanhol diferenciar entre povos de primeira categoria, o povo espanhol, e povos de segunda categoria, os povos vasco, catalão ou galego, incluso entre aqueles aos que se lhe enche a boca de falar de igualdade para todos. O único povo ao que ninguém lhe discute o direito de autodeterminação é ao povo espanhol, mas muitos pensam que os demais devem ficar submetidos e colonizados in vitam aeternam.

Tão-pouco é legítimo apresentar-se ás eleições com um programa no que se estabelece que se oporão a que os povos sejam consultados, porque todos os direitos humanos são universais, invioláveis e irrenunciáveis. Não se podem mesquinhar, ainda que si se pode negociar a sua efetivação. Aliás, não se pode dizer que este direito colida com a história do PSOE, porque no seu programa político aprovado no mês de julho de 1918, estabeleciam que: “O Partido Socialista Obreiro Espanhol considera necessário para realizar a sua aspiração obter as seguintes medidas políticas e econômicas: Confederação republicana das nacionalidades ibéricas, reconhecidas a medida que vaiam demonstrando indubitavelmente um desenvolvimento suficiente, e sempre sobre a base de que a sua liberdade não entranhe para os seus cidadãos míngua alguma dos seus direitos individuais já estabelecidos em Espanha e de aqueles que são patrimônio de todo povo civilizado”. Alguém pode objetar que no texto aludido não figura explicitamente o reconhecimento do direito a decidir, ainda que seja difícil negar que aparece implicitamente, mas, no Congresso do PSOE celebrado o ano 1976, aprovou-se que “o Partido Socialista propugnará o exercício livre do direito de autodeterminação pola totalidade das nacionalidades e regionalidades que comporão em pé de igualdade o Estado federal que preconizamos. ... A constituição garantirá o direito de autodeterminação”. Fundamentava-o mantendo que “a análise histórica diz-nos que na atual conjuntura a luta pola libertação das nacionalidades ... não é oposta, senão complementária com o internacionalismo da classe trabalhadora”. Á vista destes antecedentes, bem se pode ver que no PSOE se produziu uma fratura ideológica democraticamente regressiva no momento da transição política, na que decidiu baixar os pantalões antes as hostes franquistas, inter-cambiando os direitos dos povos pela camaradagem borbônica. Agora pretendem fazer-nos ver que eles são bons rapazes e nada suspeitosos do horrendo crime de romper Espanha, consubstancializando interessadamente consultar com romper, ao tempo que exibem a sua maridagem com todos aqueles que a estão a romper de fato.

Na praxe política diária a impressão que deixam na cidadania é de que se trata dum partido sem rumo, um partido carcomido por divisões e conflitos internos. Susana Diaz foi determinante para que Pedro Sánchez saísse elegido Secretário Geral, mas ato seguido começou a sua campanha de derrubamento contra ele, parece que para pôr-se no seu lugar. Esta Senhora parece que se considera e é considerada por muitos como a nova Messias que, com um sopro, vai conduzir ao PSOE á maioria absoluta no Congresso dos Deputados, e eu pergunto-me quais são os fundamentos desta hiper-valoração, quais são as suas gestas até este momento. Ela foi a principal responsável de que tenham o Secretário Geral que têm, e considero que não deviam desorientar a cidadania socavando-lhe a erva debaixo dos pés os mesmos que o entronizaram, sem deixar-lhe o tempo suficiente para mostrar as suas potencialidades. O que si ficou claro é que defende a maridagem histórica com o PP e se entende a maravilhas com os partidos mais centralistas e antinacionalistas do Estado espanhol. Os barões falam de substituir a Pedro Sánchez já, e parece que em contra da mesma legalidade estatutária. Pretextam todos eles, incluída a Sra. Diaz, os maus resultados eleitorais, porque parece que entendem que após uma legislatura de Zapatero em que não deu pé com bola, e duma igualmente catastrófica de Rajoy, já, por arte de magia, abrir-se-lhe-iam as portas da Moncloa de par em par. Eu creio que, tendo em conta os antecedentes e as formações alternativas concorrentes, não foram brilhantes, mas tão-pouco péssimos. Contrariamente ao PSOE das duas primeiras décadas do século XX, que era um partido que emocionava, frente aos partidos da Restauração, e que nalgum momento chegou a seduzir incluso ao reacionário Ortega e Gasset, hoje não entusiasma, a gente não se encandeia com ele, não o vê como um partido de futuro, um partido adequado para resolver os seus problemas, além que, ao igual que o seu concorrente do bipartito, está lastrado pola corrupção. Como sócio político, tão-pouco é muito de fiar, como o demonstra o seu modus operandi durante o governo bipartito em Galiza, no que atuou como dinamiteiro desde dentro e como o principal responsável de que hoje governe ainda Feijóo.