29 jul 2018

Discriminação de Carvalho Calero


                O Dia das Letras Galegas foi instituído pola Real Academia Galega com a finalidade de homenagear àquelas pessoas que destacassem pola sua criação literária em idioma galego e pola defesa do nosso idioma. Na Lei de Normalizaç4ao Lingüística de 1983 também lhe foi reconhecido à RAG o caráter de entidade normativizadora do idioma galego, e, portanto, tem a legitimidade legal de propor a normativa ortográfica que deve reger o galego. Tradicionalmente a Academia defendeu uma postura reintegracionista moderada, e, consequentemente, foi partidária da aproximação ao português, mas no ano 1982, sendo presidente Garcia Sabell, num contexto de controle da Xunta por parte dos unionistas do PP, decidiu aderir à postura isolacionista do ILGA, caraterizada pola sua aproximação ao espanhol, que era a mais aceite polos sectores mais assimilados pola língua oficial do Estado e menos proativos na normalização do galego. Isto provocou que a citada normativa fosse rejeitada polos sectores tradicionalmente reintegracionistas ao que responderam os sectores oficialistas com a sua discriminação. A partir deste momento, o sector reintegracionista tem coutado o acesso à Academia Galega como membros numerários, a ser homenageados o Dia das Letras Galegas e a receber subvenções.

                Reconhecendo a legitimidade normativizadora da Academia Galega, a questão está em se esta a legitima também para a exclusão dos desviantes. Pode-se negar o caráter de galego à língua utilizada polos reintegracionistas? Ë acaso mais galego Ronaldiño, castiñeiro, camiño, carballo, ... que Ronaldinho, castinheiro, caminho, carvalho...? Acaso grafando o som filologia deste modo ou como filosoxía passam a ser palavras duma língua distinta? Muitos pensamos que não e que a nossa língua está melhor protegida se se insere sem complexos no mundo galego-português que se se propícia o seu isolamento e a sua castelhanização. Não é igual o futuro duma língua falada por um milhão de pessoas que se a falam 300 milhões. Isto é o que pensava também Carvalho Calero e esse foi o motivo polo que liderou a alternativa reintegracionista, e é também, segundo todos os indícios, o motivo do seu ostracismo por parte da RAG, que, por sétima vez decidiu denegar-lhe a homenagem que merece por parte da Academia e da sociedade galega em geral. Segundo as minhas informações, prometeram-lhe em vida, proposta transmitida concretamente por Constantino Garcia González, uma grande homenagem se desistia do seu posicionamento, mas ele não aceitou.

                Durante a presidência de Garcia Sabell sofriam discriminação os que defendiam posições políticas mais de esquerda, mas isto corrigiu-se com Fernández Del Riego, e, a partir deste momento são os reintegracionistas os inimigo a combater. Alguns acadêmicos mais progressistas chegaram a pedir publicamente, sem o menor rubor, que a Xunta castiga-se os desviantes. Os que nos temos dedicado ao ensino, sofremos muitas críticas, discriminações, expedientes ou ameaça de expedientes, se optávamos pola alternativa mais próxima ao português. Os inspetores de ensino normalmente não se atreviam a meter-se com nós por problemas ideológicos, mas estavam muito alerta em sufocar qualquer indício de lusismo, e os pais, se não estavam conformes com a ideologia do professor ou com as qualificações, viam uma saída se podiam denunciar pola normativa utilizada.

                Os que vivemos este problema nas décadas últimas do século XX, constatamos em primeira pessoa que a norma atual foi imposta desde o poder e não houve nunca vontade nenhuma de negociação com os reintegracionistas, mas este sector está ai e não vai renunciar às suas convicções e a sua luta para que sejam assumidas as suas teses. Creio que chegou o momento de abrir um processo de negociação tendente a reconhecer como legítima também esta posição, se for preciso, em convivência com a outra, como acontece na Noruega, pois não considero que seja oportuno refundi-las fazendo uma mistura eclética de ambas, que dê como resultado um tertium quid irreconhecível. A RAG deve concentrar-se na consecução dos objetivos para os que foi fundada e desistir de qualquer discriminação a pessoas ou grupos por outros motivos. Não se pode manter por mais tempo o ostracismo para com um home tão preclaro e tão ilustre como Ricardo Carvalho Calero, uma das personalidades mais prestigiosas da Galiza da segunda metade do século XX, e de muitas valiosas personalidades que defendem a aproximação ao português. É também improcedente que estas se vejam discriminadas à hora da eleição dos membros da Academia e na recepção de subvenções dos poderes públicos. Entre todos podemos contribuir mais exitosamente à normalização do nosso idioma, que é o mais importante.

27 jul 2018

Um 25 de julho em Compostela


                Cada vinte e cinco de julho repete-se o mesmo esquema de celebração em Santiago de Compostela. Por uma parte uma celebração religiosa, de caráter muito formal, à que acodem as autoridades políticas e religiosas mais elevadas, e na que se lhe faz uma oferenda ao apóstolo na que lhe expõem os principais problemas políticos e lhe pedem que remedeie o que eles não querem ou não são capazes de corrigir e, além disso, que o faça de acordo com os critérios políticos e interesses do peticionário. Polo que eu li, o oferente não lhe pediu ao apóstolo, como é habitual nestes casos, que resolvesse os problemas do país senão que se limitou a relatá-los e expressar alguma que outra boa intenção, ou seja, uma mini-sessão do Parlamento, neste caso político-religioso, mas em aborrido. Suponho que o apóstolo não gostaria de que ponham em questão a sua grande efetividade doutras oferendas anteriores. 

Por outra parte, uma jornada laica, também política, festiva e reivindicativa dos direitos do povo galego. A denominação do dia não é uniforme. Para uns é o Dia da Galiza, para outros, o Dia Nacional da Galiza e, para os mais, o Dia da Pátria Galega. A palavra pátria deriva do termo latino pater, pai, e num princípio tinha uma função adjetiva na locução «terra patria», terra do pai. Mais tarde passou a ter uma função substantiva já simplesmente como «pátria». O The Oxford Universal Dictionary Illustrated apresenta para fatherland, terra do pai, junto a "The land of one's birth" uma segunda acepção: "The land of one's fathers; mothers country". O mother country ou, país da mãe ou mátria, como lhe chamam à pátria os cretenses, expressa o sentimento amoroso ligado á palavra pátria, por ser como a mãe de que saímos ao mundo e a encarregada de fornecer amor e proteção e, portanto, como diz o advogado, poeta e agrarista Salvador Golpe, “lembra a mãe que nos levou no seu seio, que nos manteve com o seu sangue, que nos agarimou no seu colo, que guiou os nossos primeiros passos, que temperou e modelou a nossa alma com os agarimos do seu amor, que nos abençoou com as suas olhadas e nos alentou com os beijos nos nossos esmorecimentos...; e algo isso, mistura de céu e terra, de material e imaterial, de sonhos e realidades, algo como isso é a entidade docíssima, centro e raiz de todos os afetos que guarda o coração humano”. Quando se fala de pátria como terra dos pais, já vai incluída, ainda que não explicitamente, a mãe, e como a mulher de hoje reclama, legitimamente, visibilidade, tem todo o direito a que se fale de «Dia da Mátria Galega», com o significado de Dia da Mãe Galega, enquanto que Galiza é também a terra das nossas mães, além de ser a potência germinativa e nutritiva que nos alimenta com os seus frutos. O uso de mátria não é inovador, mas o que sim é inovador é o despertar da consciência de dignidade das mulheres galegas e a sua vontade de contribuir a mudar a nossa realidade. 

Da palavra pátria deriva patriota, e quiçá devamos começar a utilizar também, como derivado de mátria, matriota, para significar aos defensores e defensoras da nossa pátria-mátria. Um defensor da pátria-matria não deve limitar-se ao âmbito dos afetos, a uma afecção pola terra natal e polos nossos antepassados, que não coincidem com os de Aznar, senão que tem que elevar-se ao nível político, assumindo que Galiza é um sujeito político de seu, é uma nação, e, como tal tem o direito de autodeterminação. Nos nossos dias, os militantes dos partidos unionistas, por citarmos um exemplo, não se podem chamar, nem eles mesmos se chamam patriotas galegos, porque têm que praticar, velis nolis, uma política sucursalista e nunca podem situar a Galiza como centro das suas preocupações políticas, senão que têm que dar prelação às políticas que determinam os seus dirigentes estatais. 

Na jornada de ontem constatou-se que as formações cindidas do BNG estão sumidas numa profunda crise. Compromisso por Galícia passa por um momento de escassa capacidade de convocatória e, consequentemente por uma etapa de irrelevância, com a única exceção e muito meritória de Rafael Cuiña, alcaide de Lalim. Esta formação teve como convidados os partidos PNB e PDeCat, partidos de centro que dirigiram e dirigem as comunidades do Pais Basco e Catalunha respetivamente. Parece que Compromisso, depois do seu périplo pola esquerda, que eu pessoalmente desaconselhara no seu momento, quer situar-se numa posição mais centrada. Contudo, o seu autodenominado galeguismo não diferencia esta formação dum PSOE, por exemplo, no modelo de Estado. Uma formação política que tem complexos de defender o direito de autodeterminação dos povos corre o risco de ser fagocitado polos partidos claramente unionistas ou claramente nacionalistas. 

Anova amostra uma clara bicefalia, pois está dirigida por uma espécie de líder carismático e espiritual, com notória prestância social e incidência eleitoral, que se situa para além do bem e do mal, José Manuel Beiras, e um líder orgânico muito ocupado em impor desde arriba a Em Maré a alternativa desenhada desde Compostela Aberta consistente em reforçar o híbrido unionismo-nacionalismo galego, que tem garantido já desde o início as desavenças e as tensões entre os participantes, além de diluir a sua mensagem patriótica para convertê-la num galeguismo light, e todo em aras duma suposta unidade popular, que tem muito pouco tanto de unidade como de popular, já que, de facto, se identifica com um conglomerado de três forças minoritárias da esquerda com frequentes tensões. Não foi capaz de mobilizar mais que um cento de pessoas, o qual indica uma míngua na convocatória considerável a respeito de anos anteriores. 

Em Maré não teve capacidade de convocatória significativa e esgota grande parte das suas forças nas lutas intestinas polo poder entre os seus dirigentes e polas diferenças nas medidas políticas a aplicar. Todo indica que se está preparando o assalto definitivo para mudar os dirigentes atuais, nomeadamente a Vilhares, um líder entusiasta e otimista, com boa preparação e grande humanidade. Esta formação tem a vantagem de presidir concelhos muito importantes da Galiza, que, de retê-los nas próximas contendas eleitorais, podem deixá-la numa boa situação de partida para o assalto à Junta da mão de Vilhares, ou de Martinho Noriega se logra desbancá-lo, que é o seu objetivo prioritário. As frequentes críticas do Beiras às formações unionistas coligadas com ele são uma clara prova de que o partido instrumental não está servindo como instrumento válido para lograr o mínimo consenso entre os diversos atores e ligar o que de por si é heterogêneo, e igual que o pinheirismo não logrou galeguizar os partidos unionistas espanhóis, tampouco o Beiras vai lograr que os seus companheiros de viagem desistam das suas dinâmicas espanholistas e apliquem medidas favoráveis aos interesses da Galiza como nação de seu com direito de autodeterminação. 

A formação que amostrou um maior entusiasmo, uma maior unidade e muito notória capacidade de convocatória foi o BNG, que parece ressurgir da etapa de marasmo em que esteve instalado a raiz das cisões de 2012 em Âmio. Muitos dos nacionalistas que em anos anteriores apoiaram a Compromisso ou Anova, agora atenderam a convocatória desta formação. A sua líder Ana Pontón suscitou o aplauso entusiasta dos que enchiam a transbordar a praza da Quintana. As suas ideias claras e precisas e a sua magnífica oratória foram decisivas para lograr empatizar com o seu auditório. Todo indica que esta formação está num momento de ressurgimento que se traduzirá muito provavelmente num incremento do apoio nas próximas citas eleitorais. Esta formaç4ao política manifesta que está disposta a converter-se na casa comum do nacionalismo e que será generosa para integrar a todos, contudo a integração não se logra com manifestações e sim com a posta em prática das medidas precisas para que todos se sintam cômodos e que vejam que podem contribuir ao projeto comum desde a sua diversidade e participar em pé de igualdade com todos e cada um dos demais sem submissões a instâncias controladoras acaçapadas.

16 jul 2018

Uma monarquia que esmorece


            Alá polo ano 1966 intentava eu convencer a um estudante basco que a instauração da monarquia era uma alternativa muito desafortunada, historicamente fracassada e que custaria muito tempo e esforços em poder derrocá-la. Ele pola sua parte intentava convencer-me que o importante era instaurar um sistema democrático e que a restauração da monarquia se podia reverter facilmente. A dia de hoje, creio que podemos afirmar dum modo talhante que temos uma sistema democrático muito desvaliado e precisamente, em grande parte, por termos restaurado uma monarquia que já historicamente tinha de sobras demonstrado o seu fracasso histórico.
            Em vários artigos anteriores tenho analisado as conceções da monarquia no transcurso do tempo. Historicamente foi ficando como um resto fóssil do passado que, nas sociedades sem lealdade monárquica, como a espanhola, se mantém em pé com respiração assistida por parte duma série de grupos de poder interessados na sua supervivência porque favorece a reprodução do seu modelo de sociedade e o seu modelo de estado. Na sociedade espanhola, estes grupos coincidem também com os partidos políticos defensores da aplicação do artigo 155 ao povo catalão, defenestrando o seu governo, por atrever-se a atender a demanda da grande maioria da sociedade catalã que quere votar pacificamente para decidir o seu futuro.
            Eu ainda que nascido numa família conservadora e monárquica, não tardei em desenganchar-me da ideologia familiar. Já aos dezoito anos considerava que uma sociedade não deve abandonar a sua governança ao azar da natureza genética de certas famílias, aliada com os avatares do meio ambiente. Considerei e considero que em qualquer sociedade os cargos devem ser ocupados por mérito e capacidade e numa sociedade democrática todos os cargos eletivos devem estar submetidos ao vereditos das urnas e não ser resultado da recombinação aleatória dos genes de certas parelhas de seres humanos benditas pola deusa fortuna.
            Defender a monarquia é optar por uma sociedade radicalmente desigualitária, porque a desigualdade está sacralizada na sua própria estrutura de poder, que estabelece diferenças na cimeira do Estado em razão de circunstâncias pessoais. Todos nos lembramos da frase do atual rei emérito quando disse cinicamente por televisão que «a justiça é igual para todos», expressão que pronunciada por ele é uma obscenidade e um atentado contra a inteligência. Um chefe de Estado blindado na sua etapa de governante pola censura que lhe servia de tapadoira dos seus casos de corrupção, da caçada de ossos e elefantes e da sua dolce vita de banquetes e sexo a prazer prevalendo-se do seu status de máximo dirigente do país polo único mérito da sua animalidade. A sua intervenção no 23 F está baixo suspeita e todo indica que foi mera propaganda que nos venderam a sua suposta oposição ao golpe de Estado do 23 F como resultado das suas firmes convicções democráticas, quando parece que foi um firme impulsor do mesmo, e do que só se dependurou no último momento. Esta radical desigualdade aflorou também no processo judicial contra os dirigentes do Instituto Nóos, com total isenção para a sua filha e penas módicas para os demais protagonistas, junto com o trato de favor na prisão para Urdangarín. É uma instituição baseada no privilégio para todo um grupo relacionado entre si por laços de sangue ou afinidade, em vez de estar baseada no mérito e capacidade dos seus integrantes. Que mérito tem para o país a princessa Leonor que já recebeu a máxima a máxima condecoração do Estado, o toisón de ouro, na idade da pré-adolescência? Como se lhe explica aos nossos rapazes e raparigas que são tratados justamente quando se lhe exige um tremendo esforço para ter um posto de trabalho enquanto que outros já cobram um soldo astronômico só por ter nascido de certos progenitores? Em vez de ser uma instituição que fomenta a igualdade, impulsa o privilégio e o favoritismo. Quando os escândalos obrigaram a abdicar a João Carlos I, os políticos do 155 aprestaram-se para dotá-lo de aforamento com o objetivo de que somente possa ser julgado polo Tribunal Supremo, um órgão judicial controlado polos políticos citados.
A nível econômico é uma instituição muito cara. Num sistema monárquico não basta com suster economicamente uma família reduzida, como é no caso dum presidente/a republicano, senão que cumpre suster a toda uma família extensa, com todos os seus pretendentes ao trono e os que abdicaram dele. Se for por integrantes familiares deveríamos ser o país melhor governado do mundo em vez de ser um país com uma corrupção galopante, favoritismo e incompetência. Além do rei e a rainha titulares, temos um rei e uma rainha eméritas e quiçá alguém me pode explicar que fizeram de positivo para o país uma vez que abdicaram do poder precisamente como fruto da sua nefasta gestão? É uma instituição protegida pola opacidade que não rende contas a ninguém de como investe o dinheiro e da que não se sabe o seu custo real para o peto dos cidadãos. Isto obedece a que a Casa Real não precisa polo miúdo em que gasta e dinheiro e a que o os gastos ficam disseminados em diversos departamentos ministeriais, patrimônio, etc. À infanta Leonor já pretendeu passar-lhe o Rei, seu pai, um soldo de cento e pico mil euros desde a pré-adolescência e sem fazer absolutamente nada.
É um instituição corrupta. Comissões ilegais, contas em paraísos fiscais, anistia fiscal, fraude fiscal, alçamento de bens,..., resultado em grande parte da falta de transparência desta instituição. Parece que ninguém sabe, ou polo menos, ninguém quer explicitar qual é o patrimônio do rei João Carlos I e como o obteve, patrimônio que a revista Forbes quantificou nuns 2.000 milhões de euros. Esta corrupção esplendeu em todo o relacionado com o Instituto Nóos, uma instituição que contava, segundo os seus protagonistas com o aval do number one de quem partiam as ordens. As comissões ilegais cobrou-as desde o momento do seu aceso ao trono e, para poder operar deste modo, seguramente teve que contar com o silêncio cúmplice dos governantes deste período pseudo-democrático, que fizeram a vista gorda de todo o que passava na instância suprema. Se não sabiam o que passava podem ser acusados de incompetentes e se o sabiam e calaram podem ser acusados de cúmplices do delito de apropriação indevida ou roubo. As declarações feitas pola sua amante Corinna zu Xayn-Wittgenstein de que foi utilizada por João Carlos, igual que o seu familiar Álvaro Orleans de Boubon, como testaferro para ocultar em paraísos fiscais o dinheiro obtido polas suas mordidas nos contratos do Estado e na compra de produtos petrolíferos, assim como o feito de que se acolheu à anistia fiscal de Montoro, são reveladoras do grau de deterioro ao que chegou a instituição monárquica.  
É uma instituição que recebe uma formação deformada da realidade, que se traduz numa atuação nada modélica por certo. A infanta Leonor teve gestos de mã educação coma sua avoa Sofia, e o Froilão tem comportamentos nada edificantes. Quiçá não se pode elevar à noção de categoria o comportamento da herdeira ao trono, porque um grão não faz um montão, mas o que sim é certo é que a convivência no seio da família é pouco edificante e nada exemplar, aspeto importante porque deve servir de espelho em que se reflitam os cidadãos.
As pessoas conhecem a realidade socioeconômica em intercâmbio social com os demais membros da sociedade, e quanto mais amplo seja este intercâmbio, mais profundo será esse conhecimento. Os membros da família real formam-se em grupos muito restringidos, em ghetos fechados e pouco diversificados, que se traduz num conhecimento deformado da realidade. O ambiente que se respira nestes grupos fechado isola da realidade em vez de favorecer uma formação integral e responsável.             
            É uma instituição profundamente unionista, que em vez de atuar como árbitro supremo nos conflitos entre partes, põe-se de parte dos que consideram que o estado é a sua parcela própria e unicamente permitem que outros usufrutuem parte dela a condição de que amostrem um comportamento dócil e subordinado. O Rei em vez de integrar a todos os que convivem no Estado espanhol, toma partido claro polos unionistas em contra duma nova e mais racional reordenação territorial do Estado. 

O respeito do estado de direito e a democracia


           Estamos acostumados a ser bombardeados a travês dos mídia com expressões tais como «o respeito do estado de direito é imprescindível para que exista democracia», «não pode haver democrqacia sem submissão às normas que uma sociedade se dá a si mesma», etc. Para ajuizar a validez destas expressões cumpre antes de nada estabelecer algumas precissões conceituais. Por estado de direito entende-se o conjunto de normas vigentes numa determinada comunidade e aceites, velis, nolis, queiras ou não, polos seus membros. Em si este conceito é muito distinto do conceito de democracia, que significa que quem se dá as normas é o «demos», o povo, e não um grupo de notáveis, um estamento como os militares ou as oligarquias, etc. Platão ditou toda uma série de leis que deviam ser cumpridas na sua cidade ideal e, portanto, delimitou já oestado de direito, o qual em si nada tinha que ver com a democracia. Em tempos de Carlos III ninguém problematizava o sistema normativo emanado dum monarca absoluto que dispunha do poder sobre vidas e fazendas e, portanto, não tinha nada de democrático, mas era um verdadeiro estado de direito.
            O estado de direito hoje vigente no Estado espanhol está imposto coativamente polos unionistas, que consideram o Estado, unitário e descentralizado, como a sua própria parcela sobre a que ordenam e mandam com poder absoluto, como se demonstrou com a imposição do artigo 155, e só permitem determinados o usufruto de certos poderes subordinados, a condição de que os inquilinos se portem corretamente e obedeçam as normas supremas emanadas do poder do Estado espanhol, único aceitável para eles. Consentem todo o mais o estabelecer certos pactos com arrendatários de certas atribuições, submetidos a uns contratos desequilibrados em favor do arrendador, que estão dispostos a anular quando lhes pareça oportuno e proceder à anulação do contrato de aluguer dum modo unilateral. Obedecendo a uma política de curtos vôos utilizam a política de submetimento dos povos periférios do Estado espanhol como instrumento para obter réditos eleitorais entre os setores unionistas, muiro majoritários no Estado.
            O problema é que esta visão depreciativa dos povos periféricos e negadora dos direitos fundamentais dos povos, como é odireito de autodeterminação e de decissão sobre o próprio autogoverno, entrou em crise com o domínio das forças «nacionalistas» nas comunidades de Catalunha e Euskadi, e o incremento do seu poder na Galiza e em Valência, dentro dum contexto de espertamento dos povos e de reivindicação de medidas democráticas de governança própria. Os Estados que aplicam medidas de participação política mais avançada, como é o caso de Suiça, Reino Unido ou Canadá, superaram as tensões disgregadoras e são sumamente estáveis, enquanto que aqueles mais autoritários e centralistas, como Turquia ou Espanha, são Estados muito mais instáveis e problemáticos.
            O Tribunal Supremo do Estado espanhol aprestou-se a qualificar a qualificar de rebeldes aos que impulsaram um referendo para decidir que pensava do seu futuro o povo catalão. Perante tão descomunal despropósito, aos unionistas não se lhe ocorre melhor solução que instar os nacionalistas a que respeitem o estado de direito, que foi imposto por eles a todos os povos do Estado espanhol, e inclusive não se arredam de substancializar a o citado estado de direito com a democracia.
            A qualidade do estado de direito vigente no povo espanhol recebeu um golpe mortal com a resolução do tribunal de Scheleswig-Holstein de denegar a extradição de Puigdemont a Espanha polos delitos de rebelião, sedição e desordens públicas e só admitir a extradição por malversação, por não aprezar que se utiliza-se a violência para conseguir o objetivo político da independência, ou seja, que o tribunal regional alemão viu o que vimos todos os demais cidadãos espanhóis: que os polícias e a guarda civil, obedecendo o lema «a por eles», malharam em velhos e velhas indefesas que iam depositar pacificamente uma papelata numa urna. Viu este Tribunal que o Tribunal Supremo espanhol montou um relato para fazer aparecer como violentos precisamente aos que sofreram a maior violência. Esta resolução do Tribunal Supremo pode entender-se muito bem se temos em conta a politização deste alto tribunal, cujos membros são elegidos polos vogais do Conselho Geral do Poder Judicial, que, à sua vez, são nomeados polos políticos unionistas na sua totalidade. Os unionistas do artigo 155 puseram o grito no céu quando se conheceu que um tribunal regional alemão bota por terra e põe em ridículo o relato do tribunal politizado espanhol que pretendeu transmitir um aviso a navegantes dando-lhe um escarmento modélico aos catalães por intentar questionar o sistema de dominação que lhes foi imposto polo decadente régime de transição de 1978.
            É uma indecência e uma obscenidade que, tendo em conta estes dados, os políticos unionistas saiam em tromba para exortar a que se cumpram as normas do estado de direito, se temos em conta que estas normas foram ditadas polos estes mesmos políticos para poder controlar o poder judicial em benefício próprio. Que diriam as demais equipas os se os árbitros de futbolo fossem elegidos polo Madrid e Barcelona e tivessem que atuar de acordo com normas redigidas por estes mesmos clubes e por acima lhe vinhessem dizendo que há que acatar as normas que eles impõem as demais?
            Estes políticos catalãos foram encausados intencionadamente por um tribunal radicado em Madrid, por uns feitos ocorridos em Catalunha e controlado polos políticos unionistas, quando deveriam, em todo caso, ser encausados polo Tribunal Superior de Justiça de Catalunha, como lhe correspondia polo lugar de radicação dos feitos, como fez a justiça alemã, que atuou com a máxima pulcritude e independência, ao tempo que a justiça espanhola atuou de acordo com os interesses dos políticos unionistas, e, portanto, na Espanha em modo algum se pode dizer que exista uma autêntica separação de poderes. É um disenho de justiça traçado polo poder político em aras do controle dos indivíduos e dos povos em vez de ser expressão da sua participação livre e democrática.