24 sept 2020

Outro esperpento na justiça

 

                Alguns titulares dos jornais da cova mediática madrilenha põem o grito no céu polas declarações do tenente fiscal do Tribunal Supremo Luis Navajas nas que critica a alguns dos seus companheiros trás assinar o informe no que se exclui de toda responsabilidade ao governo de Pedro Sánchez pola gestão da pandemia. Alguns viram com maus olhos que este fiscal não se atrevesse a defender o início dum procedimento judicial contra o governo do PSOE-IP, e chegaram a qualificá-lo como um fiscal do governo. Isto irritou grandemente o fiscal Navajas, porque já lhe tinha prestado grandes favores ao PP, como opor-se a que o Supremo investigasse ou abrisse causa contra o líder do PP, Pablo Casado, polo seu máster na Universidade João Carlos I, e negar-se a investigar a compra de três parcelas do estado polo juiz-senador do PP, Manuel Altava, por um preço irrisório, que supuseram para um notório incremento patrimonial.

                 Do que se trata é de que um fiscal elevado ao posto de tenente fiscal do Supremo polo PP, o segundo posto mais importante da carreira fiscal, se rebota porque depois de ter-lhe feito favores muito notórios ao PP, resulta que é vilipendiado polos seus companheiros deste partido, entre eles, Consuelo Madrigal e Fidel Cadena, por não dar-lhe «canha» ao governo bolivariano, social-comunista e pro etarra do PSOE-IU. Consideraram esta atitude como uma espécie de traição dum dos seus que até o momento presente fora um bom chico, mas este, perante a avalancha de críticas e tendo em conta o pouco que tem que perder na sua carreira, por estar a piques de jubilar-se, decide denunciar as pressões a que se vê submetido, e que corrobora que este é o modo normal de proceder dentro do âmbito judicial para que os seus membros se conformem com o que o poder político espera deles.

 

            Isto é uma evidência, e põe de manifesto a enorme politização da justiça na Espanha, que só pode surpreender a quem vive afastado da realidade quotidiana. O Reino de Espanha incumpre as recomendações de vários organismo internacionais relativa à separação de poderes. O Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho de Europa (GRECO), organismo dependente do Conselho de Europa advertiu a Espanha que segue sem solucionar-se o seu problema cardinal, que é a politização da justiça. Já faz uns anos, GRECO recomendara-lhe a Espanha que cambiasse o sistema de eleição do Conselho Geral do Poder Judicial pola sua politização, mas esta fez ouvidos surdos. Por outra parte, o grupo de Trabalho da ONU sobre detenção arbitrária considera que o encarceramento de Junqueras, Sánchez e Cruixart foi arbitrário e contrário à Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, e é difícil pensar que isto não teve nada que ver com a situação política de Catalunha, que se pretendeu solucionar a golpe de sentenças exemplares duns juízes dóceis aos políticos do 155. O procedimento utilizado no juízo contra os líderes independentista foi emendado já várias vezes pola justiça europeia, o que demonstra claramente que a justiça espanhola não está ao nível idôneo e também que a legislação não está atualizada.

                 Tendo em conta o anterior, e o que a cidadania constata a diário, é difícil não considerar como esperpênticas e alheias à realidade as declarações do ministro de justiça, João Carlos Campo, que declarou que  em Espanha “A justiça não está politizada no mais mínimo”. Mas, se a justiça não está politizada, como se explica que o PP impossibilite a renovação dos membros do CGPJ? Como cumpre entender que todos os mídia informaram de que os líderes do PP e do PSOE chegassem a um acordo eles sós para renovar o CGPJ, que depois o PP não cumpriu? Se atuam como chefes de associações assépticas politicamente, altruístas ou humanitárias, porque não permitem que outros políticos os substituam neste trabalho? Por que não acedem a que a sua nomeação se faça por sorteio? Quem tem razão não é o ministro senão Pedro Sánchez que quando lhe perguntou a um entrevistador de quem depende a nomeação do fiscal geral do Estado, este contestou que do governo, ao que Pedro Sánchez retrucou: “pois então já está”. Todo o demais é propaganda e mistificação.

1 sept 2020

Apoio ao emérito

 

            O 18/08/2020 mais de 70 ex-ministros e altos cargos do PP, PSOE e UCD, assinaram um manifesto de apoio ao rei emérito, defendendo a sua presunção de inocência e lembrando o seu legado nestes quarenta anos de democracia, a “etapa mais frutífera que conheceu Espanha na época contemporânea”, como se o progresso dum país dependesse duma pessoa, e, sobre todo, duma pessoa que não governa.

            Não cabe a menor dúvida de que se trata de mui altos cargos que jogaram um rol muito importante no devir político de Espanha, e muitos deles participaram nas três grandes eivas que tem a legalidade vigorante e a sociedade espanhola em geral, que são a recentralização do poder para deixar as autonomias sem capacidade real decisória sobre os temas mais relevantes, processo que se iniciou com a LOAPA, e, dado que foi declarada em grande parte inconstitucional, continuou com a politização da justiça e a míngua da divisão de poderes, do qual foi um elo importante a reforma do Poder Judicial em 1985, que fez exclamar a Alfonso Guerra: “Hoje carregamo-nos a Montesquieu”, e do que é expoente o controle da justiça por algum dos assinantes do manifesto, e o terceiro e, em grande parte, consequência dos anteriores, a corrupção a todos os níveis, iniciada na época de Felipe Gonzalez.   

            Apesar de que o rei foi declarado inviolável na CE, polo qual não pode ser submetido a juízo, polo menos no exercício do seu cargo de Chefe do Estado, que se vem estendendo também aos seus atos privados, e também que dispõe livremente do seu orçamento sem render contas ao soberano, que teoricamente é o povo espanhol, parece que isto não é suficiente garantia para os abaixo assinantes e reclamam que se respeite a presunção de inocência, como se tivesse sido conculcada. A presunção de inocência é o direito do réu a ser considerado inocente, enquanto não se demonstre o contrário. De momento, nenhum tribunal o julgou  e incluso é duvidoso que o possa julgar algum dia, devido aos escolhos que teria que superar, e, portanto, o emérito tem este direito, e incluso muito melhor garantido que qualquer outro membro do soberano. Mas, sobretudo nos países em que a justiça está politizada, sem divisão de poderes real e efetiva, e tem pouca credibilidade social, como é o caso no Estado espanhol, a gente também acode à culpabilidade que podemos chamar histórica, ou seja, a que é produto das investigações de pessoas independentes e dotadas de credibilidade social.

            Aliás, se o problema é a presunção de inocência, quiçá tivessem que repreender ao rei Filipe, que com a sua renúncia, nula de pleno direito, à herança, veu reconhecer que a ação do emérito que a provocou era fidedigna, e ele conhecia muito bem o percal, pois, seria um absurdo que pretendesse realizar esse gesto de cara à galeria se tivesse dúvida de que a apropriação indevida que se investiga desde Suíça não era real e efetiva. Por outra parte, creio que vários dos assinantes deveriam saber o que passava com o rei emérito praticamente desde o princípio do seu reinado e em vez de denunciá-lo para pôr-lhe couto, fizeram a vista gorda e olharam para outro lado, fazendo-lhe um fraco favor à mesma instituição. Como pretendem agora que os creiamos tanto a eles como ao seu protegido? Em realidade, esta iniciativa parece ter como objetivo proteger o monarca atual, porque eles sabem que a hipotética caída do rei emérito deveria, numa instituição hereditária, arrastrar logicamente a do seu filho. Vão ter muito trabalho para lográ-lo porque a falta de freios e de controle pessoal afeta a todos os seus atos, nada exemplares, por certo.