29 feb 2016

Demanda contra Rita Maestre



O grande poeta Curros Enríquez teve também que comparecer a juízo por ter escrito a sua poesia de protesta social frente á injustiça Mirando ao chão, na que, entre outras cousas, Deus dizia “-Que leis, nem que raios! (Deus disse entre dentes). Se valem três pitos, que o demo me leve”, mas foi absolto porque singelamente era um desatino a perseguição desatada contra ele por pessoas que não querem entender as figuras retóricas da criação literária. O caso de Rita Maestre é outro exemplo de judiciarização de temas que nunca deveriam seguir esta via. A demanda contra ela, presuntivamente por ter cometido atos de profanação em ofensa dos sentimentos religiosos, é sintomático do estado de decadência e perversão moral e jurídica a que chegou a sociedade espanhola sob a égide da classe oligárquica dominante com a comparsa do monolitismo ideológico imposto pela Igreja católica. É difícil entender como se chegou a esta perversão ou inversão dos valores morais e dos códigos jurídicos que os consagram, deixando-os de patas para o ar, castigando com penas abusivas a quem comete atos nímios ou insignificantes, ao tempo que os grande delitos contra os interesses coletivos ficam impunes ou são indultados os seus autores.

Foi demandada pela via penal pelo partido ultra-direitista herdeiro de Força Nova, AES, (Alternativa Espanhola _ A Alternativa Social Cristã), que se declara defensor da vida, valores humanos e unidade de Espanha; é de tendência ultra-conservador, católico, neo-franquista, centralista, democrata cristã, euro céptico e ultra-nacionalista espanhol; e pelo Centro Jurídico Tomás Moro, de orientação conservadora cristã, com sé nos EEUU, que pretende defender a liberdade religiosa dos cristãos e restaurar os valores humanos de todos os tempos e proteger a santidade da vida humana, que costuma fazer interpondo demandas a eito contra os médicos que pratiquem abortos. Tem como lema «A espada e o Escudo para as Pessoas de Fé», o qual já nos remete á tradicional conivência do trono e o altar da história espanhola. Acusam-na de infringir o estabelecido no artigo 524 ou, alternativamente, o 525 do Código Penal, que se insere no cap. IV, Sec. 2ª: que se intitula “Dos delitos contra a liberdade de consciência, os sentimentos religiosos e o respeito aos defuntos”.

 O artigo 524 estatui: “Quem num lugar destinado ao culto ou em cerimônias religiosas executar atos de profanação em ofensa dos sentimentos religiosos legalmente tutelados será castigado com a pena de prisão de seis meses a um ano ou multa de 12 a 24 meses”. O artigo 525 estabelece: “1. Incorrerão na pena de multa de oito a doze meses os que, para ofender os sentimentos dos membros duma confissão religiosa, façam publicamente, de palavra, por escrito ou mediante qualquer tipo de documento, escárnio dos seus dogmas, crenças, ritos e cerimônias, ou vexem, também publicamente, a quem os professam ou praticam. 2. Nas mesmas penas incorrerão quem façam publicamente escárnio, de palavra ou por escrito, de quem não professam religião ou crença alguma”. Na redação do Código de 1983, já em plena democracia não figurava o apartado 2, e, por tanto em realidade não tratava para nada da liberdade de consciência em geral senão somente da proteção das crenças religiosas, que é outro cantar. Tão-pouco protegia em geral os sentimentos religiosos, nem muito menos os sentimentos humanos, senão somente os sentimentos religiosos das confissões reconhecidas, nisto em concordância com o atual. Parece que os não praticantes das religiões não reconhecidas e os ateus não tinham sentimentos que proteger, e, por tanto que se podem calcar impunemente. Os ateus que em Europa já são um trinta por cento e com tendência crescente, os defensores das religiões naturalistas, também em ascenso e outros grupos como os mações, não tinham nenhum direito á proteção dos seus sentimentos. Na redação atual eu intuo os efeitos da pressão dos terroristas do Estado Islâmico, e creio que é uma normativa que pode prestar-se para os maiores abusos..

Os factos, segundo o fiscal, são que a acusada, junto com outras mulheres se despiu o dorso, ou seja, que amostrou o busto e pôs as tetas ao descoberto, em presença do sacerdote e vários estudantes que se encontravam rezando, ao tempo que proferiram algumas frases: "Imos queimar a Conferência Episcopal", "O papa não nos deixa comer-nos as ameixas", "Menos rosários e mais bolas chinas", "Contra o Vaticano poder clitoriano", "Ardereis como no 36" e "Sacai os vossos rosários dos nossos ovários". A acusada nega que disser em nenhum momento "Ardereis como no 36". Em primeiro lugar, deveríamos ter uma definição operativa do que é profanar, porque em caso contrário as sentenças vão depender do critério subjetivo do julgador, e não a temos. Um dicionário Larousse francês de 1954 define-a como “tratar com desprezo as cousas santas, empregá-las num uso profano”. Parece evidente que mostrar o busto despido não significa tratar com desprezo o santo, e não é nenhum delito nem falta, e, por tanto, não pode, de por si, constituir uma profanação dum lugar sagrado, e se não é uma profanação não pode ser uma profanação em ofensa dos sentimentos religiosos. Se fosse uma profanação entrar despido numa Igreja, haveria que pedir-lhe contas a Deus por ter criado aos seres humanos despidos e com os órgãos sexuais ao descoberto, e, por tanto, a situação normal do home querida por Deus seria andar despido. Em realidade, a vestidura é algo que, entre os animais, somente os seres humanos se dotaram dela, porque nascem mais desprotegidos pela natureza contra o frio que os demais animais, mas é algo cultural, e ainda há sociedades no dia de hoje, que vivem total ou quase totalmente despidas, cada vez menos porque o sector têxtil quere vesti-los a toda custa e quanto mais melhor. Andar despido é algo que pode atentar contra o pudor nas nossas sociedades, e muitos sentimo-nos incômodos nestas situações, especialmente eu que sempre fui mui pudibundo, mas não é algo imoral em si. É uma regra de trato social vestir como acontece em cada situação, que devemos respeitar habitualmente, mas isto não implica que devamos considerá-lo como algo sagrado obrar assim ou imoral o seu incumprimento. Os seres humanos destes povos primitivos não poderiam entrar numa Igreja? Alguém se atreve a dizer que ofenderiam a Deus? Em que consistiria a ofensa contra Deus se entram numa igreja como Deus os traiu ao mundo? Não se pode combater o intrusismo religioso nos espaços laicos quando deveria estar instaurado desde faz já muito tempo? Os que pedem algo legítimo, como que se respeite o seu direito a viver num estado a-confessional, não tem legitimidade para fazê-lo? Entrar na Igreja vestido como um o faz habitualmente não pode ser indecente, e somente pelo puritanismo paulino se pode explicar essa obsessão porque as mulheres se cubram, em sinal de respeito e submissão ao seu marido. Todos fomos testemunhas de como entravam as nossas mais ou avós nas igrejas e o hábito que utilizavam para banhar-se, mui parecido ao que hoje fazem as muçulmanas, e que nos nossos dias ninguém aprovaria. Todo isto é fruto da religião misosexual judeu-cristã que considera o sexo como algo pecaminoso e toda relação sexual que não tenda á procriação como algo moralmente desordenada. Agostinho de Hipona inventou o pecado original e defendeu algo tão insensato como afirmar que as relações sexuais, no que tem de libidinosas, são fruto do citado pecado. 

Alguns dizem que no caso de Maestre há uma colisão entre a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, mas isto é totalmente incorreto, porque ninguém lhes negou aos católicos praticar o legítimo exercício do seu culto e religião senão que somente se protestou pela facto de que querem ocupar espaços públicos que não lhe correspondem. A liberdade religiosa não implica que um poda realizar as práticas de culto e oração em qualquer lugar, senão que têm direito a professam a religião dentro dos limites fixados pela lei. O que se observa é uma dicotomia entre o que estabelece a CE sobre a liberdade de expressão e o que estabelecem os artigos 524 e 525 citados, que a limitam. Disto pode concluir-se que a liberdade de expressão deve sempre prevalecer, naturalmente se é pacífica e a finalidade é lícita, o qual implica que o Código Penal pode ser inconstitucional, e isso é o que eu opino. A CE, com mui bom critério, não fala para nada dos sentimentos, nem muito menos dos sentimentos religiosos, e se entramos por esta via estamos perdidos. Quem mede os sentimentos? Tão pouco se pode dizer que o ato se fizer para ofender a ninguém senão que se fez para reclamar um direito legítimo que é a separação do âmbito religioso e o âmbito civil, por parte de pessoas que se sentem molestas porque não se cumpra a lei e se termine duma vez com o nacional catolicismo. A religião tem que circunscrever-se ao âmbito do privado e voluntário e não impor-se de facto socialmente. Ainda que fossem verdade as frases pronunciadas, somente se pode dizer que constituem o sintoma dum descontento com a política da Igreja sobre a sexualidade, que se quer impor a todos os demais coativamente.  Aliás, todo o mundo sabe que as proclamas num contexto duma manifestação de protesta não há que tomá-las num sentido literal, senão que se fala numa linguagem hiperbólica. Se se tomassem na sua literalidade todo o que se diz nas manifestações, haveria que meter no cárcere á metade dos espanhóis, pois todos proferem habitualmente frases semelhantes nestas protestas, e quase nunca desencadeiam ações de violência.

Os demandantes são grupos radicais, extremistas, que querem manter uns valores pré-constitucionais e alheios ao sentir da grande maioria da população. Foram desautorizados mesmo pelo arcebispo de Madrid, Carlos Osoro que disse que "a vezes, a uma idade determinada, todos fazemos cousas que depois descobrimos que não deveram fazer-se assim ou que deveríamos respeitar outras cousas". Evidentemente, é uma posição mais aberta que a dos denunciantes, mas cumpre perguntar se não pode fazer nada para que estes grupos ultra não proliferem no seio da Igreja. Aliás, eu considero que o arcebispo não tem nada que perdoar ou desculpar, porque isso implicaria reconhecer que há uma culpa ou pecado prévio, e isso, segundo o meu critério, não é certo. De todo este assunto, a mim pessoalmente o que mais me molestou foi ver a uma moça nervosa e medrosa de ser condenada por um tribunal ante o qual nunca deveria ter comparecido. 

Respeito temos que praticá-lo com todos e em todo momento, mas, tocante á crítica e á profanação dos sentimentos religiosos, não vale que a Igreja intente converter-se num gueto protegido frente á primeira, e com poder omnímodo para criticar a todos os demais, e, por outra parte, em mestre de respeito para com a segunda. Quiçá deviam praticar um pouco a memória histórica e compreenderiam que as suas petições a este respeito não estão justificadas. Só por citar alguns textos, podemos constatar que o fundador do cristianismo, Jesus de Nazaré, e João o Batista, não aforraram desqualificações arreio, a respeito das quais se pode dissentir da sua respeitabilidade, contra as elites religiosas judias, como quando o segundo, “Vendo vir muitos fariseus e saduceus ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira iminente?”. E Jesus proclamava: “Porque eu digo-vos que se a vossa justiça não é maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus”. “¡Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que purificais por fora a copa e o prato, mentes por dentro estão cheios de rapina e intemperança! Fariseu cego, purifica primeiro por dentro a copa, para que também por fora fique pura”. “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que fechais aos homes o Reino dos Céus! Vós certamente não entrais; e aos que estão entrando não lhes deixais entrar. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que recorreis mar e terra para fazer um prosélito, e, quando chega a sê-lo, fazei-lo filho de condenação o dobre que vós! Ai de vós, guias cegos, que dizeis: «Se um jura pelo Santuário isso não é nada; mas se jura pelo ouro do Santuário, fica obrigado”» Insensatos e cegos! Que é mais importante, o ouro ou o Santuário que faz sagrado o ouro?”. Isto vai ou não contra os sentimentos de confissões legalmente tuteladas?

A partir do Edito de Tessalonica, do ano 380, que declarou como religião oficial a facção cristã que se impôs em Niceia, vai desencadear-se a maior repressão dos dissidentes, incluídos outras facções cristãs, e a maior profanação em ofensa contra os sentimentos religiosos que recordam os séculos. Não só se perseguia aos maniqueus e pagãos e se destruíam os seus templos senão que eram todos eles, junto com os irmãos cristãos doutras tendências, excluídos de qualquer âmbito da conivência humana. Numa dessas perseguições, incitada pelo patriarca de Alexandria, Cirilo, perderia a vida a reputada filósofa e astrônoma Hipátia. Como exemplo, imos citar somente um texto que resume as penalidades a que eram submetidos pelos chamados católicos, dos que os atuais hierarcas são herdeiros diretos, os que dissentiam do dogma oficial no Império Romano. O 24/02/484 o rei vândalo Humerico, de tendência ariana,  publica um edito no que censura os bispos ortodoxos, ou seja, os católicos,  reunidos no concílio de Cartago, porque nem no primeiro nem no segundo dia de reunião provaram o homoousion, ou seja, a consubstancialidade do Filho e do Padre ou noutras palavras que Jesus é filho de Deus com a mesma natureza que o Padre, desde as Sagradas Escrituras ainda que foram intimados a fazê-lo, senão que, pelo contrário, ocasionaram uma revolta e um tumulto entre a população. Em conseqüência ordenou que as suas igrejas permanecessem cerradas até que viessem e tomassem parte na discussão. E, em represália com o comportamento da Igreja romana e dos imperadores, decidiu aplicar no seu reino africano contra os católicos as mesmas medidas que o imperador romano, em conivência com a Igreja, aplicavam nos territórios que controlavam: “Além disso, as leis que os imperadores romanos, desencaminhados pelos bispos, promulgaram contra os heréticos, seriam dirigidas agora contra os defensores do homoousion. Assim, foi-lhes proibido ter reuniões onde quer que fosse; não teriam nenhuma igreja em nenhuma cidade ou vila; não tomarão parte em nenhum batizo, ordenação, ou cousa semelhante; e no caso de que continuem na sua perversidade, serão castigados com o exílio. Aliás, as leis dos imperadores romanos contra os laicos heréticos estarão em vigor, e serão privados do direito a vender, testar, e suceder em legados, heranças, depósitos, etc.; os que ocupem dignidades e ofícios serão despojados deles, e serão declarados infames. Todos os livros nos que defendem os seus erros (a doutrina nicena) serão queimados. Porém, qualquer que desista do seu erro antes do primeiro de junho, será livre de todos os castigos. Finalmente, todas as igrejas, junto com as propriedades eclesiais, em todo o reino, serão transferidas ao verdadeiro (proprietário) isto é, os bispos e sacerdotes arianos. Além disso, o rei Humerico buscou os bispos católicos presentes em Cartago nos seus alojamentos, privou-nos das suas propriedades, os seus criados, e cavalos, e expulsou-nos da cidade. Quem quer os recebesse ser-lhe-ia queimada a sua casa. Mais tarde foram todos excomungados; a maioria sendo enviados a diferentes partes de África, onde teriam que viver como a gente do lugar sem nenhuma função espiritual, enquanto que quarenta e seis foram enviados á ilha de Córsega, onde tinham que cortar mata para as ovelhas reais”. (HEFELE, CHARLES JOSEPH, A Hstory Of The Councils Of The Church, liv.12, sec. 214). Podemos também perguntar-nos se as cruzadas, inquisição ou extermínio dos índios americanos vai ou não contra o sentimento religioso. Vocês que pensam?




26 feb 2016

Pacto PSOE-C’s: «nascetur ridiculus mus»

«Montes parturient, nascetur ridiculus mus», os montes parirão, nascerá um rato ridículo. Numa fábula de Esopo relata-se que os montes dão sinais terríveis e estar de parto, que infundem tremor a quem os escutam. Porém, após estes sinais terríficos, dão a luz um rato irrisório, absurdo. Esta fábula vem mui a propósito a respeito do pacto subscrito entre o PSOE, partido que se diz de esquerda, e Ciudadanos, partido que oculta a sua inclinação sobre o modelo de sociedade, mas que, pelo seus programa, podemos dizer que é de direita dura, e, com respeito ao modelo de estado, é de ultra-direita. Todo o que soe a direitos dos povos é anatematizado com a máxima contundência por esta formação, em vez de legitimação a sua organização em base ao seu reconhecimento, e não ancorar-se na Espanha unitária e uniforme que impôs a monarquia borbônica e consagrou o regime franquista. Claro que o que para um é um parto falhido para o outro pode ser um grande bom tacho, e isto é o que pode passar no caso que nos ocupa.

É difícil de entender que um partido político que sumiu este país na quebra, juntamente com o PP, ofereça como via de saída á situação atual a representação duma farsa bufa, que tem como convidados aos sofridos contribuintes, desprezando as pautas racionais e os resultados eleitorais. Faz já algum tempo que lhe venho comentando aos meus conhecidos que o PSOE não estava interessado em nenhum pacto com Podemos, senão que as suas pretensões eram intentar ocupar o centro com a finalidade de isolar a este partido, qualificando-o de extrema esquerda, de intentar romper Espanha, dos «consabidos» nexos com Venezuela e Irão, imitando o que pregoam alguns bufões tertulianos, e de que a formação morada declarara querer substituir o PSOE, como se todo partidos não pretendessem legitimamente dominar e vencer aos demais. Baseava os meus agoiros em que, desde o primeiro momento, lhe deram uma grande predileção a C’s: como favorecê-lo na sua representação na mesa do Congresso, as freqüentes reuniões de Pedro Sánchez com Rivera, ao tempo que se negava a reunir-se com Iglesias, atuar em comandita com C’s para negar-lhe o grupo parlamentar ás confluências, e o dar-lhe uma lambada a Podemos colocando-o no galinheiro do Congresso. A alguém com o que se quer trabalhar, pensava e penso, não se lhe faz estas afrontas. 

Via-lhe, com todo, uma remota possibilidade a um pacto de esquerdas porque o PSOE podia jogar ao despiste e considerava que uma coligação com C’s era impossível que saísse porque os números não dão, e supunha que ninguém dos que foram postergados ia ser tão ingênuo que quiser fazer presidente a Pedro Sánchez altruistamente simplesmente por ficar prendados da sua figura. Supunha e suponho que todos os demais partidos que estavam á sua esquerda não estaria dispostos a imolar-se na altar do PSOE, para fazer presidente do governo ao fenômeno Pedro Sánchez, que faz méritos para dar-lhe a razão á monja Luzia Caram quando disse: “Parece-me que Pedro Sánchez tem mais talante que talento. Sinto-o pelos amigos do PSOE. Necessitamos gente comprometida mais que fachada”. O caso é que a este ínclito candidato, que foi humilhado e atado em curto pelos seus, numa clara mostra de desconfiança para a sua pessoa e valia, não se lhe ocorre nada melhor que esquecer todas as suas promessas de campanha eleitoral e as críticas aos partidos da direita, e aceitar quase todas as propostas de C’s, que podem perfeitamente ser subscritas pelo PP, com Rajoy ou outro de candidato, para estabelecer de facto, a grande coligação, que proscreveu na campanha. Parece que os políticos espanhóis andam á competência para ver quem faz mais méritos para desacreditar a política ante a cidadania, farta de ver como se incumprem todas e cada uma das promessas sem que passe absolutamente nada, porque parece que está é a Meca dos fala-baratos, da mentira pública e da falta de seriedade e rigor.

O PP agora tem que decidir-se se governa pelo seu vigário no Parlamento, o duo ibexiano PSOE-C’s que sempre poderia justificá-lo, com declarações grandiloqüentes, como a sua anteposição por acima de todo dos interesses de Espanha, vendendo como um serviço á pátria o que é serviço ao patrimônio, ou se decide botar abaixo esta coligação, ferido o seu amor próprio pelo facto de não poder governar em pessoa, apesar de ser o partido mais votado. Considero que todo dependerá de como veja o panorama que se abre ante ele. Apresentam-lhe também em bandeja outra alternativa, que é, uma vez fracassado o primeiro ato da farsa, oferecer-se como os salvadores da situação apresentando como programa de governo o mesmo pacto subscrito agora por PSOE-C’s, e que deixaria ao PSOE com nenhuma desculpa convincente para não apoiá-lo. Certo que nesse pacto se indica que vão desaparecer as deputações, mas isto não deve ser nenhum obstáculo, desde o momento que os mesmos barões do PSOE discrepam disto e que Rivera está desejoso por fazer frutificar a grande coligação. A sua alternativa do dirigente da formação laranja sempre será ganhadora, porque já se tem consagrado ante a cidadania como dialogante e fiável para os seus patrocinadores, que são os grandes empresários; a do PSOE sempre será perdedora, porque o seu descrédito ante a cidadania vai-o colocar numa situação limite; e o PP também, dum modo ou outro, por si ou vicariamente, vai conseguir os seus objetivos. A única que pode parar este dislate do PSOE é a militância votando não a este pacto. 

Uma vez estabelecida a grande coligação de direitas, com o PSOE de comparsa, o que cumpriria seria justificá-la mediante a mentira e a manipulação da informação, dirigindo todos os dardos contra Podemos para culpabiliza-lo de que a a alternativa de esquerdas não prosperasse, por acima de cornudo apaleado, prevalendo-se do escandaloso controle público dos meios de comunicação para manipular e intoxicar a cidadania. O mestre de cerimônias e promotor de toda esta confusão é Felipe González e o seu ex-vice-presidente Alfonso Guerra, e tem como mosqueteira á presidenta andaluza Susana Díaz.  

Se fracassar a campanha manipuladora, o PSOE em geral e o próprio Pedro Sánchez em particular, creio que não têm o futuro mui doado, porque esta política de incumprimento das promessas de campanha eleitoral chove muito sobre molhado e a cidadania poderia optar simplesmente por dar-lhe as costas a tanto engano e falsidade, para terminar favorecendo aos de sempre e aos que esperam para aproveitar-se das portas giratórias em benefício pessoal e do seu amo.

21 feb 2016

Declarações do rei emérito João Carlos I





João Carlos é o primeiro rei de Espanha emérito, e suponho que seria elegido por analogia com os catedráticos eméritos, se bem existe uma diferença clara entre ambos casos, pois um professor emérito cobra uns 700 euros aproximadamente ao mês, além da pensão, mentes que ele cobra 187.356 euros, e, á parte, o sofrido cidadão tem que suportar os gastos que origina as suas viagens e a sua proteção pessoal para assistir a presenciar carreiras de carros, vacações ininterruptas em hotéis de luxo, ... Que se saiba não desenvolve nenhuma atividade produtiva para o país, pois não se pode considerar tal a assistência a tomada de possessão de governantes, onde há maneira de substituí-lo sem quebranto nenhum para o país. Um professor emérito costuma ter uma atividade na Universidade, e muitas vezes dá aulas gratuitas de cursos de doutoramento, e não lhe supõe outro gasto ao contribuinte.

A monarquia é uma instituição baseada na desigualdade, no privilégio, ocultação e mentira. A CE de 1978 estabelece que Espanha se constitui num Estado social e democrático de direito, que propugna como valores superiores, entre outros, a igualdade. (Art. 1.1), e que os poderes públicos promoverão as condições para que a liberdade e a igualdade sejam reais e efetivas (Art. 1.2), e que todos os espanhóis somos iguais ante a lei, sem que poda dar-se nenhuma discriminação por razão de nascimento, sexo, idade, religião,  (Art. 14), salvo na cimeira do Estado, na que uns já nascem para ser reis ou rainhas, com preferência dos varões frente ás mulheres. No artigo 23 afirma-se que todos têm direito a aceder em condições de igualdade ás funções e cargos públicos que sinalem as leis, salvo na cimeira do Estado onde alguns acedem por nascimento. Por tanto, esta igualdade não se aplica á Monarquia. Que espanhol pode aspirar não só a continuar cobrando o que percebia na sua vida laboral? A primeira constatação é que há pessoas que são iguais ante a lei e pessoas que são desiguais e estão por acima da lei. Se falarmos da justiça, podemos dizer algo parecido. É igual para todos, salvo para o tropel de aforados, entre os quais está o rei João Carlos após a abdicação, e não digamos já o próprio rei que é inviolável e não está sujeito a responsabilidade. Isto explica que o rei João Carlos não pudesse, pelo menos entretanto era rei, ser submetido a juízo, não só para que os seus filhos vejam reconhecida a sua paternidade, senão inclusive se comete uma assassinato.

O ex-rei João Carlos I fez umas declarações á Televisão francesa nas que, entre outras cousas, manifestou: “A infância de Felipe foi diferente á minha. Ele estava no seu país, num sítio seguro. Eu estava com eles. Com Felipe dialogamos muito. Ele tem uma carreira e eu não". É evidente que sempre há diferenças entre pessoas, e principalmente se pertencem a gerações distintas, mas creio que não se pode fazer consistir essa diferença em que Filipe estava num sítio seguro e ele não. Ao tratar-se duma frase isolada, não se podem saber quem são esses “eles”, mas, seja quem for, nem no exílio nem já na Espanha, se pode dizer que não estivesse seguro. Tanto um como o outro levaram uma vida de intocáveis e de superprotegidos social e politicamente, e uma prova disto é que quando o rei aos dezoito anos matou ao seu irmão Afonso, quatro anos mais novo que ele, nem sequer foi investigado como sucedeu essa morte, e o regime ditatorial espanhol atribui-a a um acidente fortuito com a finalidade de tapar o assunto. Porém, não falta “quem pensa que de não ter morto, Afonso teria sido o elegido por Dom João para suceder-lhe, pela mesma razão que Franco pusera os seus olhos em «Juanito» ao considerá-lo mais manejável, justo na linha do que necessitava para dar continuidade ao Regime sob a direção dos seus seguidores” (SVERLO, PATRICIA, Un rey golpe a golpe, p. 60). Afonso era o inteligente e o favorito do seu pai, enquanto que o rebatizado por Franco como João Carlos era um menino difícil, sempre condenado a estudar a dobre jornada para seguir o ritmo que lhe correspondia á sua idade. Confirma isto também o que declarou a respeito do sua formação no colégio das Jarilhas, a 18 quilômetros de Madrid: “Foi uma escola que criaram somente para mim. Só acudia eu e outros poucos meninos mais”. Franco ordenou que o acompanhassem na residência nesta escola oito alunos extraídos de entre os membros da nobreza e da oligarquia. Que espanhol pode eleger não só colégio senão também os companheiros de estudos e muito menos de elite? Outra diferença, diz, é que Filipe tinha carreira e ele não, mas isto somente pode dever-se á sua falta de competência e/ou motivação e nunca á carência de meios para alcançar os mais altos grãos no estudo. Os membros da realeza são pessoas que se criam numa borbulha á margem das preocupações, problemas e necessidades da gente do comum, e volvem-se totalmente incapazes de compreender a realidade na que vivem, e estes são os que têm que reinar sobre os demais, o qual provoca que somente mediante a mentira e o engano se podam manter no seu posto.   

Aclara João Carlos I que não era fácil persuadir a Franco das vantagens da democracia. Quiçá não necessitava fazer esta aclaração a respeito de quem foi um dos ditadores mais tirânicos que existiram no século XX. Não é fácil tão-pouco acreditar em que João Carlos, que teve um tal mentor, seja o indicado para este cometido. Um home que amostrou afeto e admiração pelo ditador e que prestou lealdade aos princípios do movimento nacional. A sua submissão aparece na sua referência a um quadro que tem no seu despacho: “Este quadro estava no Palácio Real e foi Franco quem me disse que devia tê-lo no meu despacho. Desde então aqui está”, ou seja, que a única justificação desta atuação é que lho disse o ditador. Tão-pouco surpreende a afirmação de que "Franco tinha muitos seguidores e não foi fácil convencê-los das vantagens da democracia”, o qual é totalmente correto, nem chegaram nunca a convencer-se, mas a pressões e o isolamento internacional faziam inviável a continuidade do regime. Também acredito totalmente no que diz a seguir: “O dia antes de morrer, Franco colheu-me a mão e disse-me que devia manter a unidade de Espanha, e isso fiz á minha maneira”.

Isto explica as pressões exercidas pela Chefia do Estado e por setores militares sobre os constituintes a respeito do que se estabelece no artigo 2: “A Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da Nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e garante o direito á autonomia das nacionalidades e regiões e a solidariedade entre todas elas”. O relatório inicial dizia: “A Constituição fundamenta-se na unidade de Espanha e a solidariedade entre os seus povos e reconhece o direito á autonomia das nacionalidades e regiões que a integram”. As diferenças são notórias. Desaparece o termo povos, que somente fica no Preâmbulo e no artigo 46, sempre em relação com direitos humanos, tradições, línguas e instituições, sem que isto na prática chegasse nem sequer a cumprir-se, ficando reduzido a música celestial. Aliás, o referido aos direitos humanos dos povos, tanto sociais como econômicos e políticos, foram sistematicamente negados pelo regime monárquico. Acentua-se que existe uma única nação espanhola, que monopoliza todos os direitos políticos, e converte-se em sacrossanta a sua unidade e indivisibilidade. Isto seria complementado com a missão que se lhe encomenda ás forças armadas no artigo 8: garantir “a soberania e independência de Espanha, defender a sua integridade territorial e o ordenamento constitucional”. Esta redação vai fazer inviáveis as aspirações dos diversos povos que integram o Estado espanhol a ver reconhecidos os seus direitos a estabelecer um novo marco de convivência política entre eles, e principalmente a que o Estado de soberania única e uninacional, se converta num estado de soberania compartida, plurinacional, plurilingüístico e pluricultural.

A monarquia é uma instituição sem legitimidade de origem, pois nunca os espanhóis tiveram a possibilidade de decidir se querem uma monarquia, e, em caso afirmativo, de que classe, ou uma república; é uma instituição arcaica, que não rendeu contas em que gasta o dinheiro dos contribuintes, ou, como na atualidade, faz só um remedo de contas, que se reduz a três fólios, frente aos 136 da monarquia britânica. O seu orçamento real é ignorado, fracasso que há que atribuir á deficiente normativa que a regula. É vergonhoso que vivamos num Estado onde os cidadãos não podem saber o que lhe custa uma instituição como a coroa, mas ainda o é muito mais que os próprios políticos nem sequer o saibam, ou, pelo menos, nunca respondem quando se lhe pergunta a este respeito. Sabemos que agora se lhe assignam á Casa Real nos PGE uns 7,86 milhões de euros, mas isto é uma mínima parte de todo o que custa a monarquia, porque os gastos reais estão dispersos por vários ministérios, e ninguém quer inteirar-se do que passa. O custo real da monarquia eleva-se a uma cifra entre oitenta e cem milhões de euros. Ë uma instituição que sai enormemente cara. A propósito da sua célebre caçada em Botsuana, o povo inteirou-se de que também pagara e pagava a construção da mansão e manutenção das queridas reais, com cargo ao Patrimônio Nacional. Sabemos também que o rei cobra na atualidade uns 234 mil euros, Letizia perto de 129 mil; e a ex-rainha Sofia uns 105 mil euros. Esta política, deliberadamente obscurantista, foi a que propiciou que tenhamos a monarquia mais corrupta de toda Europa, que amassou uma quantiosa fortuna, produzindo-lhe um grave dano a esta instituição, e sobre todo ao país.  

É uma monarquia protegida pela censura e/ou autocensura tanto dos meios como das organizações políticas sempre servis com a instituição. Criaram dela uma imagem falseada, uma imagem duma família ideal, exemplar, unida e referente para todos os espanhóis, uma imagem pré-fabricada que os factos vieram desmentir. Para saber do que passava na monarquia espanhola, havia que instruir-se nos meios forâneos, que eram os únicos que nos informavam sobre as infidelidades na família real, do seu trem de vida, dos seus enormes dispêndios, a sua fortuna, etc., sem que o que se denominavam representantes do povo espanhol fizesse nada a este respeito, porque consideravam que era mais produtivo manter o povo na ignorância porque assim sempre é mais dócil e mais proclive ao aplauso fácil dos membros duma instituição que se apresentava como modélica, política que incrementou a popularidade do rei emérito a percentagens dum 90 por cento. Havia que criar a imagem dum rei campichano, popular, singelo, humilde e próximo ao povo. Declarava faz uns anos o ex-presidente Zapatero que “A monarquia convém-nos como país. A democracia do 78 só se entende com monarquia”, e isto diz-se pretendendo arrogar-se a representação dum país ao que não se lhe consulta, e sem justificação de nenhuma classe, como uma espécie de inspiração divina que lhe permite adivinhar que regime é o melhor.   

Além da falta de legitimidade de origem, a monarquia atual perdeu, pelos comportamentos indicados, a legitimidade de exercício. Como vai ter credibilidade ante a população aquele que caça elefantes ao tempo que presida associação ecológica World Wildlife Fund for Nature (WWF)/Adena que tem como objetivo proteger a biodiversidade? Quê crédito merece aquele que caça ursos borrachos e amassa fortuna a conta de comissões de contratos que incrementam o prezo final para o contribuinte? Como diz Gregório Morán: “O seu com a corrupção foi um descaro, Os barcos... Todo, todo João Carlos foi, sem nenhuma dúvida, o maior comissionista que houve neste país. Onde cheirava dinheiro, ali estava. Uma obsessão que vinha de Fernando VII, pura tradição borbônica. O graciosos é que o justificavam dizendo que João Carlos tivera muitas dificuldades econômicas de moço. Isso é uma mentira! Os Borbões não tiveram dificuldades econômicas nunca”. A vergonha ainda é melhor se temos em conta que a monarquia é uma instituição que deve basear-se na exemplaridade, e não pode depois pregar moralina para consumo de incautos.

14 feb 2016

Globalização econômico-lingüística


A globalização é uma filha direta do liberalismo, que acede ao poder político com a Revolução Francesa ao impor-se sobre a nobreza latifundiária. O liberalismo foi desde as suas origens um sistema com vocação supranacional, como o demonstra o caso das multinacionais, do capital internacional, etc., e o home liberal considera-se um home do mundo, um cosmopolita. Essa vocação internacional baseia-se na divisão internacional do trabalho e na conseqüente interdependência entre os diversos países, e realiza-se pela concorrência pacífica entre todos os estados, por considerar que as situações conflituosas deterioram o normal desenvolvimento da atividade econômica. Carlos Marx considerava que a Revolução Francesa era o paradigma de sociedade na que o modo de produção capitalista gera um regime político ao serviço da burguesia, regime que deveria ser superado e substituído por um regime político ao serviço dos trabalhadores. Frente ao universalismo do capital, ele pregoou um universalismo ou internacionalismo proletário. No fundo era um jacobinista, se bem criticava o jacobinismo porque intentaram instaurar a república democrática numa sociedade desigualitária própria do regime burguês.

Outra das características do liberalismo é a igualdade de direitos, entendida como uma igualdade formal, igualdade ante a lei, que se acompanha duma desigualdade real dos indivíduos e dos povos. É um sistema que, de por si, fomenta uma competitividade feroz e desapiedada entre empresas e indivíduos, na qual os mais aptos na luta pela subsistência preservam-se e os demais são eliminados. Mas, na prática, ao utilizar o poder político em benefício próprio, dotou-se de mecanismos que temperam essa competência mediante a criação de oligopólios e acordos secretos entre empresas para repartir-se o mercado mantendo preços mutuamente beneficiosos. Caracteriza-se também pelo individualismo, por considerar o indivíduo isolado como a célula básica da sociedade, considerada como um conjunto de indivíduos, criando uma sociedade de átomos isolados, necessitados de defesa e proteção dos seus direitos ante o poder. Isto explica que seja a esta altura quando surgem as primeiras declarações de direitos humanos: a Declaração de Independência do 4/07/1776, das 13 colônias dos EEUU, e a Declaração dos Direitos do Home e do Cidadão da Revolução Francesa do 27/08/1789. 

Os acontecimentos posteriores terminaram consolidando o regime burguês capitalista, que se rege pela ideologia liberal, especialmente quando a URSS colapsou e terminou reconhecendo o seu fracasso no ano 1989. A partir deste momento, o único regime vigorante é o liberalismo puro e duro, e sem que se intuam de momento alternativas viáveis de substituição, pelo menos no curto prazo. O regime capitalista rege-se pela dinâmica da acumulação de capital, á margem de qualquer outra consideração. O que determina o êxito ou fracasso é o benefício produzido pelo investimento de capital e a exploração da força de trabalho, matérias primas, ...
     
A globalização, nos nossos dias, é um processo, principalmente econômico, impulsado pelas oligarquias transnacionais, que criaram um marco de livre circulação dos capitais e um mercado global que veio substituir o mercado mais restrito do estado nacional, e que pretende a uniformização de culturas, línguas, legislações, costumes, tradições, etc. Como digna filha do neoliberalismo ressurgente da década dos noventa do século XX, principalmente da mão de Reagan e Margaret Thatcher, pretende criar um «homo universalis», um «homo cosmopolita», sem pátria, sem costumes próprios, sem tradições, sem raízes, sem residência local estável e com uma disposição total de serviço total ao «deus-capital», convertido no verdadeiro feitiço ao que cumpre render culto e veneração. Dizia um dos dirigentes de  Coca Cola que há que fomentar o aluguer para que os obreiros tenham uma mobilidade total ao serviço da empresa. Nos últimos tempos esteve promovendo-se uma campanha nos meios de comunicação em contra da propriedade da vivenda, e, para convencer-nos do que consideram uma anomalia, acodem, como sempre, á comparação com outros países europeus, nos que o regime de propriedade está menos estendido, e assim poder concluir que cumpre corrigir esta disparidade. A simbologia que rege é a seguinte. europeu _ avançado _ regime de aluguer frente a espanhol _ mais atrasado _ regime de propriedade.

As oligarquias lograram pôr todos os recursos, tanto crematísticos como humanos, ao seu dispor. Hoje, a única educação que se impôs é a educação que interessa á empresa, e que se justifica por um objetivo mui louvável como é que a gente poda ocupar um emprego. Não é uma educação ao serviço do home integral, senão do homo «oeconomicus», único que tem autêntico valor; pois já a sociedade tem assumido que o demais não existe e que é unicamente um canto celestial. Os recursos econômicos, sob a forma de subvenções, perdão de dívidas, anistias fiscais, isenções fiscais, são também apropriados pelos oligarcas capitalistas. O discurso oficial justifica-o em que isso beneficia a todos porque criam postos de trabalho, mas o único que observa a cidadania é que a política e os recursos ecnômicos não se dedicam á criação de emprego e ao mesmo tempo que se produz um grande incremento das desigualdades como efeito da concentração da riqueza cada passo em menos mãos.

A globalização é um processo totalmente antidemocrático que chegou a ter um poder tal que é capaz de cambiar qualquer governo ou legislação que coarte os seus interesses crematísticos. Como exemplo, poderia servir o que passou em Madrid com o intento finalmente falido de Sheldon Adelson consistente em promover a construção em Madrid duma sucursal Las Vegas Sands Corporation, dito graficamente, de estabelecer o maior bordel europeu que viesse redimir os madrilenhos dos seu atraso e miséria e oferecer uma saída ás pulsões sexuais dos machos europeus, e especialmente dos ibéricos. Para efetivar este objetivo, o magnata estadunidense pedia um câmbio na legislação sobre o tabaco, porque parece que nesse ambiente não contamina, mas também uma «flexibilização» das relações laborais, eufemismo para indicar um recorte de direitos laborais, que também é lógico por estarmos num Estado que superprotege os seus cidadãos. A Esperanza Aguirre e Ignácio González imploravam aos deuses que se cambiasse a citada legislação para poder assim entrar na órbita do progresso. Quiçá a lei de reforma laboral do PP pretendesse responder em grande parte a esse objetivo ‹patriótico›, não seja que surjam novas oportunidades de negócio tão interessantes e estejamos desprotegidos. Os novos tratados internacionais, TTIP, TISA,... que nos querem vender dum modo ultra-secreto para apresentar uma situação de fatos consumados, são uma volta mais de rosca mais no des-empoderamento dos direitos laborais e de empoderamento das oligarquias, que com os seus gabinetes de estudo investem o tempo traçando e planificando as políticas que podem beneficiá-los, e que intentam impor, entre outros mecanismos, por meio das portas giratórias e a utilização dos meios de comunicação de massas. Supõem todos eles um vaziado do poder de decisão da democracia, do poder do «demos», do povo, o qual não deixa de ser um grande benefício para ele porque assim pode falar de temas mais transcendentes, como poderia ser o sexo dos anjos.

Esta política produziu um incremento das desigualdades nunca antes visto, que, junto com o controle sobre os mecanismos do Estado e dos meios de comunicação em benefício próprio inviabiliza qualquer classe de democracia real e somente permite um sucedâneo de democracia que é um remedo da real, ao tempo que atua como um narcótico para acalmar as protestas cidadãs, porque os cidadãos teoricamente votam livremente, embora seja mediante meios manipulados em benefício do poder e campanhas eleitorais em grande parte tele-dirigidas e pagadas com dinheiro negro da corrupção. Dizia Jeremy Bentham que a cumpre implantar uma democracia na que, além da votação secreta, se reja pelo princípio: «um home, um voto», mas isto é inviabilizado pelas desigualdades reais. A democracia reduziu-se a um regime oligárquico com votações, que lhes permite apropriar-se dos benefícios do sistema político imperante com o aplauso de benção da própria cidadania. A razão está em que cada oligarca não tem um voto senão milhares de votos.      

A livre circulação do capital viu-se auxiliada, além de pelas leis, pelos meios digitais, que facilitam que seja muito mais doado situar o dinheiro, fruto da exploração, o roubo e a extorsão, em paraísos fiscais, detraindo-os da economia produtiva e da criação de emprego, que deveria ser o seu objetivo. Facilitam também a engenharia fiscal, que impede que os governos disponham de recursos suficientes para pagar os serviços públicos, sobrecarregando em conseqüência a pressão fiscal sobre os habituais «paganos».

Uma das vítimas da globalização do cosmopolitismo liberal e do seu anseio de incrementar os seus benefícios crematísticos a curto prazo é a própria língua, e o executor desse crime de lesa cultura, por utilizar uma expressão de Castelao, ou seja, da política linguicida, fora,  nos casos galego, valenciano e maiorquino, o próprio governo que por lei deveria defendê-la. O Presidente Feijóo abriu o fogo, seguindo as políticas desenhadas pelo fundação FAES, associação de ultra-direita pagada com fundos públicos, que semeia a intolerância e a animadversão entre comunidades e entre os utentes das línguas respetivas, utilizando a este efeito pseudo-ideologias elaboradas por intelectuais orgânicos, preferentemente pertencentes á própria comunidade afetada, que se aprestam a servir ao poder; são pseudo-intelectuais que não superam o estádio de consideração da língua galega como um dialeto, e sentenciam que “a política de ‘normalização’ é a última das extravagâncias que atravessa a história de Espanha”. Os seus posicionamentos não se compadecem com os direitos que os organismos e tratados internacionais determinam para os utentes das línguas, mas que si tem um caldo de cultivo precioso na ignorância de determinados setores da população, ignorantes da história e valor que representa cada uma das línguas, e prejuizados desde os setores dominantes. 

No seu ataque contra a língua utilizaram-se as táticas usuais na política manipuladora, associando a hostilidade contra a língua própria de Galiza com símbolos valorados socialmente, como a liberdade individual e a democracia, negando-se a reconhecer que a prática lingüística é um direito coletivo. São os pais individualmente os que devem optar pela língua que querem utilizar e são os pais os que devem votar para decidir a percentagem de galego a utilizar nas aulas. Esta política hostil incrementou os prejuízos a respeito da própria língua na cidadania e produziu-lhe um dano enorme a nível comunitário. 

Outra simbologia que se utiliza para prejuizar o uso da íngua própria é a associação do espanhol com o êxito e o progresso e a do galego com o fracasso e o passado. Em vez de reconhecer o grande mérito das classes populares na transmissão da língua ás novas gerações, apresentam o idioma como menos útil, precisamente por ser falado por elas. Quando começava a docência nas aulas, a essa altura como PNN, tocou-me um Instituto no que o Diretor me dizia: “Varelinha, ti que és um home sensato, como falas o galego? eu ainda tenho familiares que utilizam o arado romano”. Há que ver que tenros se põem para intentar convencer a um professor novel! O Governo galego, com objeto de diminuir as horas de transmissão das matérias de ensino na nossa língua, utilizou o recurso de associar essa perda com um incremento do inglês, apresentado como a língua de futuro, e a que nos permitirá sair da nossa situação de atraso e ignorância.

Esta política hostil para com o língua galega por parte do seu governo, foi desqualificada pelo Conselho de Europa, que ditaminou que o decreto de plurilingüísmo da Junta “está claramente em contradição “com os compromissos adquiridos pelas autoridades espanholas na Carta Européia das Línguas Regionais e Minoritárias, ao tempo que recomenda que se promova o uso do galego “num nível apropriado” no ensino, e alerta do deficiente uso em Sanidade, Justiça e Administração Geral. Ou seja, que o Governo galego que assumiu o compromisso de elevar o galego até convertê-lo no idioma predominante, e que teoricamente deveria dar preferência ao nosso idioma, por mera questão de orgulho e dignidade, não só não o faz, senão que nem sequer cumpre a legislação que o Estado espanhol prometeu observar. Estes são os políticos que consubstancializam a democracia com a obediência á lei, quando lhes interessa, naturalmente. Esta é a política do galeguismo integrador, bilingüismo cordial e demais qualificativos distorcedores do sentido da realidade sócio-política e cultural.  


4 feb 2016

Retrospetiva e prospetiva sobre a política nacionalista galega



Quero antes de nada sublinhar a importância da crítica, e também  da autocrítica, para a melhora das organizações e da sociedade em geral, o qual não deve restar apego para seguir defendendo aquelas que mais se acomodam ao que consideramos mais idôneo de cara a um futuro melhor. Se a monarquia, a igreja, o exército, não gozassem duma espécie de proteção especial frente á crítica, não estariam na situação atual. Mas toda crítica tem como requisito imprescindível que seja construtiva, e, para ser construtiva tem que ser uma crítica veraz. Não digo uma crítica objetiva, porque a objetividade não existe, dado que toda opinião parte de sujeitos situados, quer dizer, de sujeitos com as suas fobias e filias, com os seus interesses e preocupações, com os seus pre-conceitos e vivências prévias. Do que se trata é de que evitemos a manipulação, o falseamento dos dados, a ocultação da verdade,... Com todo, a crítica construtiva deve ser distinguida da crítica estéril e da crítica irrelevante, que muitas vezes afoga principalmente as organizações de esquerda. Eu procurarei manter-me sempre dentro desta tônica, e espero que assim se tome.

Quando um bota a vista atrás do acontecido e conseguido e sobre a situação atual da política nacionalista, o panorama não deixa de ser desolador. Após trinta e pico de anos estamos no dia de hoje numa das piores situações do nacionalismo galego, e quase igual que ao princípio. É evidente que isto teve umas causas, que foram as decisões erradas tomadas por pessoas, muitas vezes acaçapadas dentro das organizações, praticamente todas vivas, que parece que esta história de fracasso não vai com elas e que nem sequer têm o pudor de botar-se a um lado, para que sejam novos protagonistas os que dirijam o processo político. Ao revés, são as que se apresentam como as mais capacitadas para endireitar o rumo duma nave que eles fizeram soçobrar. Passemos revista ás principais organizações nacionalistas.

O BNG (Bloque Nacionalista Galego), criado em 1982, não  tem uma estrutura baseada na historia do nacionalismo galego, senão que foi importada do País Vasco, em concreto foi uma mimese de Henri Batasuna, criada em 1978 e constituída, ao igual que o BNG, por uma série de partidos políticos que se integraram no seu seio, que deixou de existir formalmente no 2001 após ter padecido diversas excisões, também igual que o BNG, dos seus partidos integrantes. O nome de Bloque, como se fez constar em diversas ocasiões, não é propriamente galego, senão que foi copiado do espanhol, num momento em que o conhecimento lingüístico era mais bem escasso,  que favorece o «castrapo» na nossa língua, afastando-o do seu tronco natural, mas que agora parece que para alguns representa um grande tesouro e, por isso, de caráter inamovível. 

O seu ascenso social, até situar-se como segunda força servindo-se do carisma e projeção mediática de Beiras, obedecia, em grande parte, a uma necessidade social e produziu-se num momento em que sintonizava com a cidadania e era visto como um instrumento útil e de futuro, inclusive por parte de muitos que não eram nacionalistas. Os avatares posteriores são bem conhecidos: recrudescem as tensões internas, incrementa-se o anseio de controle, e os que tinham a autêntica chave do poder pretendem solucioná-las pela via da cirurgia, que teve o seu ponto álgido a assembléia de Âmio de 2012. A partir deste momento, a decadência acentuou-se dum jeito progressivo e parece que imparável. 

Uma organização com diversos partidos políticos estruturados no seu seio, tende a ser ineficiente, pesada, cara, conflituosa e, quando convivem com militantes independentes, desigualitária. É ineficiente porque grande parte da energia investe-se em suster vivo e dar-lhe protagonismo ao partido originário; é pesada porque os partidos costumam tomar posições antes que se pronuncie a organização resultante o qual atrasa o processo de decisões; é cara, porque duplica-se o gasto em dinheiro, sedes, viagens,  ...; é conflituosa porque tende a desatar a luta pelo poder entre os diversos partidos; é final mente é desigualitária porque os partidos tendem a colocar os seus nos postos representativos marginando mui especialmente os independentes. Quiçá os membros afiliados aos diversos partidos que convivem no BNG nunca excedessem de dous mil dum total duns oito mil, ou seja, um vinte cinco por cento, mas os postos de saída para as eleições estiveram quase sempre copados pelos membros dos partidos integrantes da organização. Que alguém me corrija se me equivoco. Se consultarmos, por outra parte, o que sucedeu com organizações semelhantes, todas terminaram como o rosário da aurora. Herribatasuna consumiu-se numa luta na que, ao final, unicamente ficou um partido no seu seio. Izquieda Unida dessangra-se também entre uma luta dos seus diversos partidos integrantes, muitos dos quais foram abandonando a organização: Partido Humanista, Federação Progressista, Partido Comunista dos Povos de Espanha, Partido Carlista, e também pela a indisciplina e falta de coesão entre as diversas federações. Nos nossos dias também experimenta um devalo mui importante que intenta corrigi-lo acovilhando-se num partido que a ressuscite deste processo de deriva. CiU (Convergência i Unió) teve um êxito eleitoral mui importante que lhe permitiu governar muito tempo em Catalunya, mas bastou o debate sobre a independência para que se desfizesse.

No BNG alguns pretendem solucionar o seu problema de deriva, recluíndo-se no seu caparação e esperar, assim protegido por melhores tempos por considerar que a razão está da sua parte, e que o povo volverá, mas para que volva cumpre nunca perder de vista que não se trata de forjar o povo do Bloco, senão o Bloco do povo, pois somente isto é o que permitira compaginar nacionalismo e democracia e recuperar a sintonia perdida. Alguém pretende justificar esse autismo em base a que a Galiza tem necessidade de organizações próprias com os pés na terra, com o qual concordo plenamente, ainda que quiçá não com as conseqüências que se querem extrair disso. Considero também claro que o nacionalismo tem que seguir existindo para pular pelo reconhecimento dos nossos direitos nacionais, para conseguir o objetivo de viver numa nação que decide livremente o seu futuro e é respeitada pelos demais; e uma vez conseguido isto,  para manter viva a chama da nacionalidade, frente ao exterior. Mas creio que é difícil suster que o mantimento dum projeto é independente dos resultados eleitorais, porque isto implicaria que a organização, suceda o que suceda, sempre tem razão, e, por tanto, a botar-lhe a culpa totalmente a fatores alheios á própria atuação política.  Aliás, ter partidos próprios com pés na terra não deve excluir a confluência com pontual com formações que favoreçam a nossa estratégia. Defender o direito a decidir e a soberania do próprio país é básico, mas não basta com ter alguns objetivos estratégicos fulcrais dificilmente rejeitáveis, senão que cumpre também pôr em prática as medidas organizativas e políticas oportunas e eleger as pessoas idôneas para poder efetivá-los.

O problema não está nos objetivos que se perseguem, senão em que o nacionalismo galego perdeu a sintonia com a sociedade, em especial com os moços e os setores adultos mais inquietos. Foram as contínuas tensões internas produzidas numa organização que, por uma parte,  pretendia integrar amplos setores da sociedade, e, pela outra, manter o seu monolitismo ideológico e um férreo controle e animadversão com os dissidentes internos. Não se pode manter a coesão interna pretendendo que todos bailem ao som dum partido marxista leninista refém dos dogmas do centralismo democrático e do partido como vanguarda revolucionária que conhece o devir histórico. Este centralismo democrático significa que as decisões se tomam pelas elites por maioria de votos e após são enviadas ás células e a toda a organização para que as referendem. Por tanto, a militância tem um rol de ratificação das medidas tomadas por umas elites do partido, e que quem controla estas elites, controla também a toda a organização. Isto explica a queixa de muitos do BNG de que estão cansados de perder, porque o partido dominante sempre impõe as suas decisões, apesar de ser mui minoritário no seio da organização (uns 1.200 sobre 7.000). A concepção do partido vanguarda é totalmente inviável nas nossas sociedades, muito mais esclarecidas que quando Lenine propôs esta alternativa, e especialmente nas sociedades de democracia liberal, como é a vigorante em Ocidente; hoje é o momento do protagonismo da cidadania, sem que isto implique a desaparição das elites, mas estas não são tais se não são capazes de interpretar e assumir os anseios da cidadania. No BNG, o liderado dum partido leninista conduziu a uma bicefália na que o partido impõe as decisões e os representantes orgânicos oficiais assumem a responsabilidade dos resultados.

Também se curto-circuitou a sintonia da sociedade por uma gestão por vezes ineficiente e muitos casos justiceira, que não sempre tinha presentes os interesses e aspirações cidadãos. Não vale apresentar-se como os puros ante o cidadão em vez de pôr-se ao ser serviço. A política praticada pelos diversos partidos no Estado espanhol foi a do poder, em vez da de serviço. Uma vez têm-me dito num concelho textualmente: «nós não estamos aqui para resolver problemas dos vizinhos». O primeiro que me veio á mente foi: e logo para que estais e para que vos pagamos? De quem resolvem os problemas? Parecia-me duro perguntar-lho e calei. Esta política-poder deve ser substituída pela política-serviço, e isto não tem nada que ver com incumprir a legislação, senão de favorecer aos vizinhos sempre que não se colida com a lei.

Anova foi a excisão mais exitosa das que saíram do BNG, e teve um sucesso muito importante apesar da sua escassa militância e deficiente implantação no país, e sem dúvida favorecido pelo carisma e popularidade de Beiras e pelo rol relevante que jogam, nos nossos dias, os meios de comunicação de massas na conformação da opinião pública. O ex-portavoz da formação nacionalista bendisse todas as práticas da UPG mentes ele se viu favorecido, mas quando lhe cercearam o seu poder começou um crítica implacável contra o BNG, aquele germe de Estado, que produziu um efeito devastador sobre esta organização, que se traduziu num transvase de votos mui importante ao seu favor. Isto indica que na sua deriva e na criação de Anova há muito de enfrentamento pessoal com a cúspide da UPG, que repercutiu negativamente em todo o nacionalismo galego.

Eu propor-lhe-ia duas críticas a este partido. A primeira é a escassa capacidade de integração de Anova que teve como resultado a importante excisão do setor nacionalista que convivia no seu seio. Antes de produzir-se, dizia-me alguém notório na cidade de Santiago, simpatizante e não sei se militante desta organização: «há que botar a essa borralha fora»; ao qual lhe respondi: normalmente os partidos de esquerda e nacionalistas não são capazes de dirimir as suas discrepâncias mais que com purgas, enquanto que a direita mantém-se mui mais unida e ai parece que cabem todos. O motivo alegado é que se tratava de almas distintas, mas o curioso é que se converteu num foco de confluência doutras almas dispares, e que ainda agora quer ampliar o seu rol atrativo. Esta excisão e a falta de disciplina interna saldaram-se com a perda de nada menos que três parlamentares por parte de AGE e um notório desgaste social.

A segunda crítica tem que ver com a sua maridagem com o espanholismo, rejeitando outras noivas nacionalistas, como podia ser Compromisso por Galiza, que estava desejando que a levassem ao altar. Isto foi produto duma súbita iluminação do Beiras, que se deu conta de que os galegos somos impotentes para liderar o nosso futuro, e, por isso decidiu encomendar-se primeiro a IU, rejeitando a Podemos para as européias por carecer de fiabilidade, e, uma vez deteriorado o noivado com IU e ser esta organização superada por Podemos, reconhecer os grandes valores da noiva antes despeitada. Com esta medida, Anova rompeu uma constante histórica no nacionalismo galego, porque a coligação do Partido Galeguista com o Frente Popular não era equiparável, pois neste Frente estavam desde partidos de centro esquerda como Izquierda Republicana de Azanha ou mesmo a ORGA, até os socialistas e comunistas, e tinha um objetivo claro, que era conseguir que o Governo lhe desse o visto bom ao referendo do Estatuto galego, que fora congelado pelas direitas da CEDA. Desta vez si que conseguiram grupo próprio no Congresso e mantiveram toda a sua independência funcional, além de lograr que em pouco mais de três meses estivesse plebiscitado o Estatuto de Autonomia de Galiza de 1936. O Frente Popular não criou grupo próprio no Congresso e, por tanto, respeitou a autonomia de todas as minorias integradas na coligação, numa situação que não é comparável com a atual, na que unicamente Podemos tem grupo próprio ao tempo que Em Maré teve-se que conformar com a promessa, sem que ninguém fosse capaz de justificar este fiasco, apesar de ter sido advertidos reiteradamente de que isto não era fatível. Ademais, o que nunca fez, nem seria compreensível que fizera nunca Castelao, foi decantar-se pelo nacionalismo espanhol em contra do galego. Uma vez unificado o nacionalismo galego, si que seria assumível, em determinadas circunstâncias e para objetivos concretos, decantar-se por uma coligação temporal com outras estruturas alheias ao país, sempre mantendo a própria idiosincrassia e os seus objetivos estratégicos. 

Compromisso por Galicia optou pela via de descafeinar o seu nacionalismo, começando mesmo pela denominação, denominando-se galeguismo e por Galícia em vez de por Galiza, para não assustar o «etablissement», e optou por uma política de esquerdas, dentro da socialdemocracia. Na sua fase de incubação prometera ocupar um amplo espaço político, que foi designado pelos seus militantes depreçativamente como atrapa-o todo, mas, como resultado das críticas internas, decidiu ficar em atrapa-o nada, fracassando no seu intento de competir no campo do BNG ou Anova com uma estrutura muito mais consolidada..

Entretanto, observamos que o campo do centro-direita e centro ficar ermo para o nacionalismo galego, porque se expandiu a convicção de que a Galiza é um lugar singular no mundo e que aqui seria inviável um nacionalismo de direitas, apesar do contra-exemplo que nos ofereceu a Coligação Galega de Eulógio Gómez Franqueira, que da noite para a manhã conseguiu nada menos que 11 parlamentares, mais, por tanto que o que hoje têm AGE ou o BNG. As divergências no seu seio, uma vez que o fundador de COREN se afastou da direção, deram ao traste com esta experiência sumamente prometedora. É difícil que um partido tão corrupto como o PP, favorecedor de dar contratos e empresas forâneas e desinteressado pelo futuro dos setores produtivos galegos, como se demonstrou no caso dos camponeses e marinheiros, represente o futuro do empresariado autóctone, e entretanto não exista uma formação própria que ocupe este espaço, Galiza dificilmente vai ter futuro.