11 feb 2021

Do nacional-catolicismo à nacional magistratura (II)

 Dado que a conivência com o poder eclesiástico e a propaganda, também nos problemas de relações intercomunitárias, não podem dar visos de legalidade e de estado de direito às suas atuações, o espanholismo recorre, como grande talismã, à justiça «amiga», uma justiça que eles mesmos elegem e que sempre sentença a favor dos que os nomeiam, e quase sempre em contra dos nacionalistas periféricos. As CCAA não tem órgãos de justiça próprios, pois os tribunais superiores de justiça de Galiza, Catalunha, etc. são em realidade tribunais superiores de Espanha na Galiza, Catalunha, etc. Trata-se duma justiça politizada em prol do espanholismo, num sistema político no que não existe divisão de poderes. Os chefes do jacobinista PSOE e do também hiper-centralista PP são quem copam a nomeação de todos os membros do poder judicial. Apesar de ser um feito patente esta politização, reconhecido polo Conselho de Europa, no informe Greco de 13/11/2019, é muito frequente ouvir os políticos espanholistas, incluso os que participam na nomeação, afirmar «não há que politizar a justiça», «em Espanha existe divisão de poderes», «a justiça em Espanha é independente», e demais lindezas com as que pretendem entreter-nos.  

A consequência disto é, em primeiro lugar, a corrupção, a todos os níveis, porque os seus implicados sempre confiam em que os políticos «amigos» os saquem de qualquer apuro com os juízes, porque eles não são mais que uma peça do sistema de corrupção. Está bem claro polas declarações que acaba de fazer Barcenas, de que vai declarar a verdade, porque prometeram-lhe libertar a sua mulher da cadeia, e não cumpriram a palavra. Também polas declarações de Cosidó, porta-voz do PP no Senado que disse: «Controlaremos desde detrás a Sala Segunda». Como não está bem visto, controlar por diante, porque há que manter a farsa da independência judicial, controlá-la-emos sem que se note, ou seja, mediante pressões, sugestões, intercâmbio de favores, etc. Em segundo lugar, a cativa democracia de que gozamos.

A instauração da política unionista leva-se a cabo, além de polas suas sentenças, polo traspasso ao poder judicial, de caráter fortemente conservador e espanholista, por algo os seus membros são filhos de quem são, da resolução dum problema político, como é o catalão, encomendando-lhe a execução das políticas de repressão antinacionalista, por ter celebrado um referendo totalmente pacífico, à vista de toda a cidadania, que se saldou com malhadas a eito pola polícia de velhinhos que iam depositar o seu voto numa urna e com umas condenas totalmente desproporcionadas, fundamentadas num relato dos feitos totalmente distorcido e por delitos inventados expressamente para condená-los dando-lhe um forte escarmento para que não ousem atentar nuca mais contra o dogma da sagrada unidade da pátria espanhola, que têm como resultado o descrédito total do régime e do próprio tribunal nos foros jurídicos e diplomáticos internacionais. Tanto os juízes alemães como os belgas não viram os delitos de sublevação e sedição que se lhes imputam, e incluso podemos dizer que não viram delito de nenhuma classe, mas não há quem livre estes políticos das severas condenas e de ser acusados de golpistas, rebeldes, sediciosos, etc., 

O TS declarou-se competente para julgá-los apesar do que dispõe o artigo 117.3 da CE, e o 70.2, do próprio Estatuto de Autonomia de Catalunha que dispõe: “Corresponde ao Tribunal Superior de Justiça de Catalunha decidir sobre a inculpação, processamento e ajuizamento do Presidentes ou Presidenta da Generalitat e dos Conselheiros. Fora do território de Catalunha a responsabilidade penal é exigível nos mesmos termos perante a Sala do Penal do Tribunal Supremo”. Como os factos aconteceram em Catalunha, correspondia-lhe julgar ao TSJC, mas pretextando que algum incidente se produziu em território espanhol, o TS declarou-se competente. Este foi o motivo polo que a justiça belga, com muito bom critério determinou que o TS não é nem pode ser o "juiz natural", o "juiz ordinário predeterminado pola lei para julgar as condutas de setembro-outubro de 2017 em Catalunha. Em consequência, o TS não é o juiz competente para solicitar a extradição de Lluís Puig. Por esta razão alguns juristas já vaticinam que todo o juízo do process vai ser declarado nulo de pleno direito.  

Do nacional-catolicismo à nacional magistratura (I)

                 A história do Estado espanhol pode e deve entender-se e descrever-se como o fruto duma colaboração estreita entre o poder econômico-político e o poder religioso e nunca como um poder político-econômico com um sector marginal que seria o religioso. O poder político e o religioso foram sempre como as duas caras duma moeda, que, por uma cara aparece como poder político e pola outra como poder ideológico-mítico-religioso. O poder político necessita sempre ser assumido pola cidadania, e uma das maneiras mais eficazes para lográ-lo é obter a benção divina da sua gestão dos assuntos públicos que os vice gerentes de Deus na terra se encarregam de fornecer. O poder religioso necessita as receitas necessárias para manter a ponto a sua imensa maquinaria ideológica, pois de responsos não se vive, que lhe procura o poder político. É totalmente falsa a imagem que alguns propalam duma divisão de competências entre dous poderes distintos: o religioso e o político. O poder político participou na definição dos principais dogmas do cristianismo, e na imposição da moral cristã, entre eles, por exemplo, o da divindade consubstancial de Jesus, carpinteiro e filho de carpinteiros, com o Deus pai, por parte do imperador Constantino, e o celibato sacerdotal com a decisiva intervenção de Justiniano no mundo antigo e de Felipe II na Idade Moderna; e o poder religioso susteve todos as políticas repressivas dos governos que contribuíssem generosamente a encher os seus cepilhos, por muito que tivessem conculcado os direitos humanos, como foi o genocídio de América e a ditadura de Franco, Pinochet,... Salvo na etapa do reino suevo sempre o poder religioso e o poder político marcharam ao uníssono.

                A contribuição da igreja católica com o levantamento militar de 1936, declarando a sublevação contra a ordem estabelecida como uma cruzada, implicou para a igreja um ingente financiamento econômico e privilégios a eito em todas as ordens, ao que correspondeu a igreja levando ao ditador baixo pálio durante toda duração do seu dilatado régime e apoiando-o incondicionalmente, salvo nos seus derradeiros anos.  Entre os privilégios figuram as facilidades dadas polo régime de Franco para inscrever bens a seu nome, atuando os próprios bispos como notários, e as enormes isenções fiscais incluídas na concordata de 1953, sacralizada pola transição política de 1978, dum modo fraudulento e de costas à cidadania, e sem que os governos do período, fossem da UCD, do PSOE ou do PP, fizessem nada para corrigir esta anomalia democrática. Em 1998, o governo de Aznar concedeu-lhe à igreja a faculdade de inscrever a seu nome templos que foram incorporados ao patrimônio nacional em 1931, e como gesto de gratidão, a igreja, perante a insatisfação dos nacionalistas periféricos pola deficiente reestruturação do Estado espanhol, a desnaturalização dos estatutos de autonomia, já de por si cativos,  a centralização de competências e a carência de instrumentos para realizar as políticas que demandam os seus cidadãos, sai à palestra em 2006 para defender a unidade de Espanha como bem moral, e contra da autodeterminação dos povos, convertendo assim a sua defesa em suspeitosa de imoralidade.

                Perante a falta de atualização da mensagem cristã fundamentada em textos arcaicos de faz quatro mil anos, com um deus cristão belicoso, zeloso, arbitrário, despótico e misógino, e uma vez que as ameaças do inferno, que dizem que é de enxofre fervendo, deixaram de surtir efeito e que já não pode recorrer ao terrorismo inquisitorial como fez a eito até 1834, a igreja está numa crise enorme e perdendo fiéis a mãos cheias, o qual implica que já não impera ideologicamente sobre a sociedade. Aliás, o incremento e disparidades das ideias que se transmitem a nível mundial e estatal faz que surjam novos campos em que cumpre atuar para procurar legitimar as próprias políticas. Surgem assim os enormes instrumentos de propaganda da própria realidade; para propalar as políticas a nível mundial, surge a Marca Espanha, mutada em 2018 em Espanha Global. Ambas entidades desapareceram com muita mais pena que glória. A nível estatal, incrementa-se a propaganda na mídia espanholista e bota-se mão da reserva dos seus corifeus, porta-vozes  doutrinários e tertulianos com a finalidade de afogar a dissidência.