16 ene 2020

Humilhação da justiça espanhola!


               O Conselho Geral do Poder Judicial pediu mesura a Pablo Iglesias por ter afirmado que os tribunais europeus humilharam aos tribunais espanhóis nas sentenças relacionadas com o procés, e pedem que não sejam utilizados politicamente. Foi um acordo adoptado por unanimidade da Comissão Permanente do CGPJ, presidida por Carlos Lesmes, que foi nomeado diretor geral de Objeção de Consciência no Ministério de Justiça em maio de 1996 e posteriormente diretor geral de Relações com a Administração de Justiça em maio de 2000, nos governos de José Maria Aznar, cargo que ocupou até o ano 2005 em que passou a ser presidente da Sala do Contencioso-Administrativo da Audiência Nacional o 28/09/2005, passando diretamente de ocupar um cargo político a um cargo judicial, o qual não é óbice de que agora se escandalizem de que Delgado faça algo parecido. O currículo dos demais componentes do CGPJ daria um resultado semelhante. Que credibilidade nos merecem as declarações de quem sempre fez política, tanto fora como no desempenho do seu cargo e que precisamente pola sua afiliação política foi ascendido ao posto desde agora clama que não se politize a judicatura?

               A Comissão Permanente está formada, além do Presidente, por sete vogais elegidos anualmente polo GGPJ, e este é elegido por maioria de três quintos  das câmaras: 10 polo Congresso e 10 polo Senado, 12 entre magistrados e juízes e 8 entre juristas de reconhecido prestígio. Ou seja, que se necessitam 210 votos para eleger polas Câmaras de representação POLÍTICA, aos membros do CGPJ, e, geralmente, somente o conjunto de PP e PSOE são capazes de chegar a este cifra. Atualmente faltar-lhe-iam dous deputados. Portanto, é um órgão que depende politicamente do unionismo e no que, normalmente, os demais partidos não mete, baça, ou, a vezes, o têm feito de maneira residual, acarretando o nome dum membro. Portanto, esta Comissão Permanente quando pede que não se politize a justiça, não se deram conta que exerciam as suas funções num órgão politizado no que exercem indiretamente como a voz do seu amo. Como disse Pedro Sánchez, se é nomeado desta maneira, já se sabe quem o controla. Se, por outra parte, se deram conta de que atuavam num órgão politizado, por que aceitaram formar parte dele, ou, se já exerciam o cargo, por que não renunciaram ou polo menos protestaram?

               O CGPJ, que como vemos, é um órgão político ao serviço do unionismo, que é quem propõe os magistrados que vão formar parte das diversas salas do Tribunal Supremo, que serão nomeados polo Rei. Logo, perguntaria de novo Pedro Sánchez, de quem depende? Se olhamos a composição do Tribunal Constitucional, observamos algo parecido. Compõe-se de doze membros, elegidos polo Rei. Deles quatro a proposta do Congresso, por maioria de três quintos; quatro a proposta das Assembleias Legislativas das Comunidades Autônomas, por maioria de três quintos, dous a proposta do Governo e dous a proposta do CGPJ. Logo, de novo perguntarira Pedro Sánchez, de quem depende?

               Por conseguinte, o CGPJ ou vive numa nuvem ou estão obrigados a reconhecer que são elos duma cadeia política que condiciona o exercício do seu cargo, e somente isto explica toda uma série de sentenças emitidas a raiz da aplicação do artigo 155, que invalidam totalmente os estatutos de autonomia, subordinando, em última instância, ao unionismo qualquer poder real de decisão, podendo incluso retirar competências autonômicas. Foi também esta subordinação ao unionismo o que explica que os catalães em vez de ter um estatuto votado por eles, como é preceptivo segundo o seu Estatuto de Autonomia, estejam regidos por um estatuto de PP. Com razão dizia Cosidó que, com Marchena, controlarão a Sala Segundo do Tribunal Supremo que emitiria sentença sobre o Procés, «pola porta de atrás». Como se atrevem a falar de politização os membros da citada Comissão Permanente do CGPJ? É precisamente esta escandalosa politização nos seus níveis superiores o que explica a seleção inversa dos candidatos, que, em vez de ser os mais competentes, preparados e independentes, são os mais fieis aos políticos de turno, em resumidas contas, aos líderes dos grandes partidos unionistas. Os magistrados sabem que para medrar têm que mostrar-se comprazentes com os grandes partidos unionistas, do qual parece ser expoente claro a atuação do magistrado que inculpou a Vitória Rossell. Que diferença enorme existe entre um Martín Pallín e a grande parte dos magistrados atuais, como Llarena, Marchena,...!

               Se em vez de falar da politização, falamos da suposta humilhação, quem não adverte que a justiça atuou contra os dirigentes catalães não aplicando a lei senão constituindo-se em executores dum plano político para dar um escarmento aos independentistas e evitar que o seu exemplo proliferasse? Por que não se lhes concedeu o direito de ter um juiz predeterminado pola lei? Por que se lhes acusou de violência tumultuária, quando a única violência foi a protagonizada polos que iam com a consigna de: «a por eles»? Quem é capaz de justificar uma condena de treze anos de cárcere a um político, como Junqueras, que nunca matou uma mosca e sempre apelou às vias pacíficas? Quem não vê como estrambótico essa emissão e retirada de euro-ordens em função de poder aplicar ou não uma pena exemplar, seguindo uma clara estratégia política repressiva e atuando como braço judicial do poder político? Quem pode justificar que se formulasse uma questão prejudicial perante o TJUE e não se esperasse o seu veredito para continuar com o juízo? Pode-se explicar doutra maneira mais que por desejo de ter assegurada a condena já predeterminada de antemão?

               O tribunal de Schleswig-Holstein viu claramente que não se justificara violência de nenhuma classe e, por isso, não concedeu a extradição por rebelião, mas, como a justiça espanhola já tinha decidido o castigo vingativo, não aceitou a extradição só por malversação. Isto indica claramente que a condena já estava predeterminada. O TJUE também decidiu que Junqueras já tinha imunidade desde o 6/06/2019, e, portanto, que a sua condena não se podia efetivar sem antes ter demandado o pertinente suplicatório e esperar a resolução correspondente do Parlamento Europeu, mas como o Justiça espanhola queria proceder a factos consumados e ter assegurada a condena de todas maneiras, quebrantou o seu direito de imunidade e deixou sem efeito a resolução firme dum tribunal superior hierarquicamente. Isto indica que a condena de Junqueras foi implementada sobre uma conculcação flagrante do seus direitos, à liberdade pessoal e aos sufrágio tanto ativo como passivo, e que o seu juízo deve ser invalidado.

               Isto indica que quem foram humilhados previamente, com a conclucação dos seus direitos, foram os independentistas imputados e isto é o que não foi aceite polo TJUE e esperemos que não seja aceite tampouco polo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, mas, de momento, a justiça europeia está deixando em muito mau lugar a justiça espanhola, e está desmontando a sua trama política vingativa inaceitável numa sociedade democrática, e a farsa da apelação hispana à divisão de poderes fica mal-parada. Neste sentido, está claro que a justiça espanhola está sendo clara e merecidamente humilhada e a injustiça começa a ser reparada, mas a sociedade espanhola também fica desacreditada por ter mais bem órgãos repressores que juízes competentes e imparciais. A acusação da Comissão do Pleno do CGPJ tem também uma interpretação em clave de provocar a divisão entre os membros do governo de coligação, metendo-se com a parte que consideram mais vulnerável e proclive a ter semelhante acusação certa acolhida social favorável, mas o PSOE não tragou.

Rezemos pola Igreja


                A Conferência Episcopal Espanhola (CEE), pondo já a venda antes da ferida, manifestou em janeiro de 2020 que se abre um futuro incerto, perante o qual cumpre estar muito alerta devido à formação do Governo de Coligação PSOE-UP, e, portanto convida em geral, em consequência, parece que também se dirige a mim, a que rezemos, por Espanha. Eu tenho que agradecer-lhe este convite, que não mo esperava, se bem reconheço que me faz muita falta rezar e, ainda que o fiz intensamente durante a minha juventude, agora já o tinha um pouco arrombado. Respondo também afirmativamente à Carta Pastoral do cardeal Antônio Canhizares na que declara que “a situação urge e preme” e é uma hora crucial para Espanha. “Encontramo-nos em Espanha com uma situação crítica, de verdadeira emergência de cara ao seu futuro”. Urge que “se elevem orações por Espanha, que em todas as missas se ore por Espanha”. De aqui em adiante não digamos que não estávamos avisados da catástrofe apocalíptica que se nos avezinha, muito pior que a do câmbio climático.

                Ora bem, quais são os temas que mais lhe preocupam à Conferência Episcopal? Pois o motivo de tanto desassossego não é o abandono a eito das práticas religiosas, nem a situação de bancarrota ética e ideológica em geral do cristianismo, nem a falta de candidatos ao sacerdócio que estejam dispostos a sacrificar um direito fundamental como é o de formar uma família, senão que são obrigados a exercer como eunucos espirituais num clima hostil cara a mensagem eclesial, necessitada duma profunda renovação, que a instituição eclesial é incapaz de realizar. Nada disto lhe preocupa à Igreja espanhola ou, em todo caso, são preocupações intranscendentes. O que em realidade é primordial tampouco é um facto real, senão o temor às decisões que tome o Governo sobre a educação concertada e a classe de religião. Portanto, cumpre rezar polos temores dos bispos, a que lhe saquem os privilégios que se lhe outorgaram fraudulentamente na Concordata com a Santa Sé, e na CE sobre a educação concertada. O problema com a religião é que o novo Governo pretende que seja voluntária, sem alternativa e a nota não computável a efeitos acadêmicos.

                O dinheiro para pagar todo isto e também o da alínea 07 da Declaração do IRPF de onde se saca? Pois, por muito surpreendente que lhe possa parecer a algum leitor, esta quantidade têm que pagá-la todos e cada um dos cidadãos, e isto implica que um ateu, um muçulmano, um judeu, etc. também é obrigados a pagar do seu peto os meios confessionais católicos polos que se doutrina às pessoas para que combatam a ideologia dos demais grupos sociais, e, em consequência, também os ateus, protestantes, judeus, muçulmanos, etc. estão obrigados, quer queiram que não, a pagar todos estes gastos, e, por muito surpreendente que pareça, os únicos que não estão obrigados a cotizar para isto é a instituição eclesiástica católica. É lógico isto? É lógico que numa cidade onde os centros públicos estão meio cheios, haja que pagar a maiores os centros concertados? É lógico que se obrigue a pagar um ensino que vai contra os valores constitucionais segregando os alunos por sexos?

                Ora bem, como me pedem que reze por Espanha, eu estou disposto, como Canhizares, a pôr-me de joelhos e fazê-lo, e somente reclamo que antes se me aclare porque Espanha querem que reze. Pola de Vox, que também nos enchem a cabeça com slogans nos que aparece constantemente Espanha, mas também sem contido nenhum? É a Espanha unitária, de soberania única e centralista, que afoga a nossa língua, cultura, e espolia os nossos recursos ou a Espanha plurinacional, plurilingüística e pluricultural na que se reconheça a todos os povos que convivem no Estado espanhol? É uma Espanha onde alguns não pagam impostos, como a Igreja católica, ou pagam menos do que lhe corresponde, como as grandes empresas do IBEX ou uma Espanha na que a contribuição às arcas públicas vem determinado polos ingressos de cada um? É a Espanha da globalização que afoga aos nossos sectores produtivos ou uma Espanha aberta ao mundo, mas competindo em igualdade de condições com os demais? A Conferência Episcopal e muitos dos seus membros repetiram reiteradamente que a unidade de Espanha é um bem moral superior a proteger, mas isto significa que os direitos dos povos a decidir livremente o seu futuro, não é um bem moral ou é um bem moral inferior?

                Eu penso que tal como está hoje a Igreja, o problema principal tem-no nela mesma, e, em consequência, por quem cumpriria rezar prioritariamente é por ela, que passa por um mau momento, e não me refiro aos casos de condutas pessoais disruptivas por parte de membros da clerezia, que se dão em praticamente todas as organizações e nas pessoas individuais, mas refiro-me a um problema de inadaptação à sociedade na que lhe toca atuar e dirigir. Essa reforma profunda da Igreja, sempre demandada e nunca executada, somente se pode levar a cabo desde dentro, mas se coalha essa iniciativa no seu seio, creio que os demais devemos colaborar para que seja sempre uma organização útil para o mundo que nos toca viver. Quando as pessoas não se decidem a atuar por elas mesmas para cambiar as cousas para melhor, de pouco valem as jaculatórias aos santos, como no-lo demonstram as petições vazias que se fazem perante o apóstolo Santiago.