2 may 2015

Os bispos pedem perdão


O 27/04/2015 recolhem os meios de comunicação a notícia de que os bispos pedem perdão por: “os momentos em que não soubemos responder com prontidão aos lamentos dos mais necessitados”.

Toda petição de perdão, se é sincera, deve cumprir umas determinadas condições, polo menos,  tão exigentes como as que o organismo afetado lhe pede aos demais. Eu, como ex-fiel cumpridor destas práticas, lembro mui bem quais eram:

1ª.- Exame de consciência
2ª.- Contrição de coração
3ª.- Propósito da emenda
4ª.- Confissão de boca
5ª.- Satisfação de obra

Quando uma pessoa ou entidade pede perdão faz um reconhecimento valente e meritório, mas quando se ve obrigada a fazê-lo mui reiteradamente por fatos passados já indica que algo mui grave tem passado na sua história. A Igreja teve que pedir perdão pola perseguição desatada contra legiões de científicos e filósofos de todas as disciplinas, polos seus escândalos de corrupção financeira, polos abusos de pederastia e pedofilia, etc., etc., e ainda lhe faltam inúmeros outros. Quando uma instituição mantém uma política discordante com a legislação civil sobre direitos humanos durante muito tempo, já se vê que algo raro está passando. Isto é o que acontece com a sua defesa da subordinação da mulher ante o home, com a sua fobia contra os homossexuais, contra as uniões de fato, relações sexuais prematrimoniais, proibição dos métodos anticonceptivos, condena do divórcio, aborto, etc., etc. Isto já nos faz ver que a Igreja leva um caminho oposto ao da maioria social, e que de manter a sociedade a defesa dos direitos humanos, se verá obrigada a pedir de novo perdão muitas vezes. Devemos sentar claro um princípio importante: «Embora ser meritório ser valente em pedir perdão, o realmente valente e desejável é não ter que pedi-lo, e por tanto, mostrar um comportamento correto em todo momento». A mim diz-me mui pouco esses atos de petição de perdão ritual e de golpes no peito que se fazem em todas as celebrações eucarísticas. Não são sinceras, não são sentidas. Este ritualismo farisaico cumpria eliminá-lo de vez, e fazer o que nos diz o evangelho: quando ores reclui-te o teu quarto e ali dirige-te a Deus.   

1ª.- Exame de consciência

O exame de consciência deve fazer-se em tempo e ser reto e não deformado, porque em caso contrário sempre cabem suspicácias de se se obra impulsado e não ex motu próprio e apenado realmente polos pecados ou crimes cometidos. A este respeito surpreende que a Igreja se dê conta do seu silêncio cúmplice e conivência com os exploradores depois de que muitos outros o tenhamos denunciado, polo que a mim respeita ante os meus alunos e alunas, desde faz décadas. Tenho dito a todo aquele que quiser ou tiver que escutar-me que a Igreja se manteve muda e surda perante o sofrimento dos mais desfavorecidos e que não tem nada que dizer-lhe aos que sofrem as injustiças dum sistema socioeconômico extrativo. Entretanto ela limitou-se a ser um lobby ou grupo de pressão nos assuntos relacionados como o sexo. A Igreja não só não denunciou estas injustiças senão que participou, a título lucrativo, no sistema extrativo imposto polas elites políticas e oligárquicas que nos governam, e que tiveram bom tino de manter as elites religiosas bem caladinhas para que lhe deixassem espoliar e inclusive enviar para o céu aos seus protagonistas. Formidável! magnífico! Isto explica que os dous partidos que permitiram o espólio do país: PP e PSOE, mantivessem os privilégios eclesiásticos. Com todo, cumpre felicitá-la porque a sua dilação no exame supõe uma avanço muito importante sobre os trezentos anos que lhe levou o exame de consciência sobre Galileu ou os cento e algo que tardou em reabilitar a Darwin.

Creio que o exame de consciência destas elites religiosas desvirtua a realidade porque não reconhece a gravidade do problema ao manifestar que não “souberam responder com prontidão aos lamentos dos mais necessitados”, quando deviam manifestar simplesmente que «não souberam respondera  aos lamentos dos mais necessitados», porque não se trata da maior ou menor prontidão senão de que não se soube responder em absoluto ao grito dos que sofrem as conseqüências duma crise que unicamente favoreceu aos que a provocaram, enquanto que o seu rol foi assistir como expectadores mudos e passivos ante o que estava a passar, e inclusive aproveitar a ocasião para imatricular milhares de imóveis que se edificaram com dinheiro dos cidadãos.

Por tanto, o exame de consciência faz-se dum modo distorcido e extemporâneo, e não dum modo íntegro, como requer o magistério eclesiástico, para os seus fieis, se bem, ha que felicitar as suas manifestações sobre um câmbio de atitude, porque como diz o adágio popular, «mais vale tarde que nunca», sempre, porém, que se reconheça a gravidade dos fatos, que neste caso é problemático que se dê. Porém é a prática a que nos fará ver se realmente se produz esse câmbio ou é uma mera pose.

2 ª.- Contrição de coração

A contrição de coração, enquanto sentimento interior, não se pode medir e somente se pode dizer aquilo do evangelho: ”polos seus frutos conhecê-los-ei” (Mt. 7, 20).

3ª.- Propósito da emenda

O propósito da emenda deve manifestar que realmente um está disposto a cambiar em todo o que se reconhece que se obrou incorretamente, e, por tanto, dificilmente se compadece com a constante reiteração da culpa e com a reiteração da petição de perdão mecanicamente. Quando uma instituição tem uma história de séculos tão manchada como o cristianismo, já pode concluir com todos os requerimentos lógicos que o seu propósito da emenda é pouco mais que uma palavra vácua.

4ª.- Confissão de boca

Que confissão de boca lhe exigimos? Quando uma pessoa quer atuar consoante aos princípios duma moral superior não deve ser guiado pola vingança, por ser uma mostra duma moralidade inferior, e por isso, não lhe exigiremos que o faça, como ela exige, dum modo auricular a uma pessoa individual porque esta confissão auricular é uma prática aberrante e inclusive diria que nem é uma exigência bíblica nem é constitucional. Desejaria provar estas duas afirmações embora tenha que investir um pouco de tempo.

a.- Não é uma exigência bíblica.

Deus é quem perdoa os pecados. Diz ele: “Era eu, eu mesmo quem tinha que limpar a tuas rebeldias por amor de mim e não recordar os teus pecados” (Is. 43,25); “Bendiz a Iavé, alma minha, não olvides os seus muitos benefícios. Ele que todas as tuas culpas perdoa, que cura todas as tuas doenças” (Sal. 103, 2-3). Claro que uma cousa é que Deus perdoe e outra mui distinta é se a intervenção do sacerdote é um requisito obrigatório para que Deus perdoe, e esta via é a que se quer transmitir aos fieis, mas tão-pouco tem apoio nenhum na Escritura.

Ha teólogos dogmáticos que citam textos do Antigo e Novo Testamento para provar a intervenção do sacerdotes. Vejamos alguns. “Se um home se deita maritalmente com uma mulher que é uma serva pertencente a outro, sem que tenha sido resgatada nem liberada, será ele castigado, mas não com a pena de morte, pois ela não era livre. Ele oferecerá um carneiro, o seu sacrifício de reparação para Iavé, á entrada da Tenda do Encontro, será um carneiro de reparação. Com o carneiro de reparação, o sacerdote fará expiação por ele ante Iavé polo pecado que cometeu, e perdoar-se-á o seu pecado” (Lev. 19, 20-22). Qualquer pessoa minimamente sensível moralmente deveria arredar-se de citar este texto porque, á parte de não demonstrar o que se pretende, desacredita totalmente a quem o faz, pois apresenta a Deus como justificador da escravidão, a desigualdade social entre os seres humanos, a diferença entre homes e mulheres e os sacrifícios cruentos de seres vivos. Além disso, também é fútil aduzi-lo porque não demonstra que se tenha confessado nada ao sacerdote, senão que se trata de alguém que foi surpreendido in fraganti e o sacerdote o que faz é oferecer um sacrifício para obter o perdão de Deus, mas sem que ele perdoe nada. Por outra parte, a partir do contido deste texto, já nos vemos obrigados a concluir que, por mais que um texto bíblico diga algo, não por isso temos que constituí-lo em norma da nossa atuação moral, que deve ser sempre os direitos humanos e não textos que respondem totalmente a sensibilidades mui distintas das nossas. No Salmo 51, 2-3, diz-se: Deus “lava-me a fundo da minha culpa, e do meu pecado purifica-me. Pois reconheço o meu delito, o meu pecado está sempre diante de mim”. A confissão faz-se ante Deus e é ele somente quem purifica. O mesmo temos que dizer doutros textos que costumam aduzir-se como: Levítico 4, 27-35, Isaías 43,25,  etc. Em Lev. 4, 27-28 diz-se que “Se um qualquer do povo da terra peca por inadvertência tendo algo proibido polos mandados de Iavé, fazendo-se assim culpável; se se lhe adverte do pecado, apresentará como oferenda polo pecado cometido uma cabra sem defeito”. Porquê não se abstêm os teólogos dogmáticos de citar textos destes? O autor deste texto está demonstrando uma moralidade de caráter infantil, própria dos povos primitivos e dos meninos nas primeiras fases do seu desenvolvimento. Uma ação cometida por inadvertência nunca pode constituir um pecado, crime ou delito de nenhuma classe porque todo pecado pressupõe consciência e vontade livre, e não basta que um desvie objetivamente da norma se não desvia subjetivamente. O destinatário destas oferendas era o deus mas, ao não achar maneira de meter-lhas a deus na boca, os seus beneficiários eram os sacerdotes, que já então, como agora, exigiam o melhor para eles. O quinto mandado da Lei de Deus reza ou rezava: «dar décimos e primícias á Igreja de Deus», ou em palavras mais vulgares: os camponeses devem dar-lhe o melhor ao sacerdote.

Na sociedade israeliana a confissão faz-se somente perante Deus e era considerado um escândalo que alguém, distinto de Deus, ousasse atribuir-se a potestade de perdoar os pecados (Mc. 2, 7). Jesus atribuiu-se este poder e por isso, entrou em conflito com a sociedade hebréia do seu tempo. Em Lc. 7, 48, quando Jesus lhe diz á Madalena que os seus pecados lhes são perdoados, não se fez preceder duma confissão prévia senão que se aludia aos comportamentos públicos que toda a gente conhecia. No mesmo evangelho de Mateo (Mt. 9, 1-5l) Jesus diz-lhe a um paralítico: os teus pecados são-te perdoados, mas tão-pouco aqui precede nenhuma confissão dos pecados, senão que Jesus lhe diz isso porque entendia, algo habitual a esta altura, que o doença é fruto do pecado, e todo aquele que sofre muito tem que ter pecado muito, e a cura implica que um fica livre de pecado. Mt. 9, 6: “Pois para que saibais que o Filho do Home tem na terra poder de perdoar os pecados -diz então ao paralítico- : «Levanta-te, toma a tua camilha e vai-te para a tua casa»»”. Além do pecado relacionado com a doença, a Bíblia fala doutra série de pecados sem concretizar e da blasfêmia (Mt. 12, 31-32), de pecados dos irmãos  (Mt. 18, 21), etc.. Todos os pecados serão perdoados, por graves que sejam, salvo o pecado contra o Espírito Santo (Mc. 3, 29). Porquê este pecado não se perdoa. Quem é esse ser denominado Espírito Santo?   Este é um tema que cumpre deixar para outro dia.

Cristo não instituiu nenhuma casta sacerdotal e nem sequer instituiu uma Igreja. O único que se pode dizer é que teve a pretensão de fazê-lo, mas em todo caso não a levou a cabo. “Ti és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. A ti dar-te-ei as chaves do Reino dos céus, e o que ates na terra será atado no céu e o que desates na terra ficará desatado nos céus” (Mt. 16, 18-19). Jesus diz, por tanto, edificarei e isto não equivale a edifiquei nem estou edificando nem que a experiência confirmasse que o fez.

Nos Evangelhos fala-se muitas vezes dos sacerdotes, mas sempre se utiliza esta palavra para designar os sacerdotes judeus, que eram os únicos reconhecidos por Jesus, que ordena aos curados que se apresentem ante ele e façam a oferenda que prescreveu Moisés. Tão-pouco se citam nos Fatos dos Apóstolos mais que sacerdotes hebreus, se bem em 19, 14 fala-se de «sacerdote judeu» e isso poderia indicar que já se começava a distingui-los doutro tipo de sacerdotes. Na Carta aos hebreus, é Jesus quem é denominado sumo sacerdote, e sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, rei de Salém e sacerdote de Deus Altíssimo, que bendisse a Abraão. 

Na I Carta de Pedro, todo cristão é considerado como sacerdote: “Mas vós sois linhagem elegida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, para anunciar os louvores de aquele que vos chamou das trevas á sua admirável luz” (I Ped. 2, 9. Cf. Apocalipse, 1, 6; 5, 10).  Por conseguinte, de acordo com isto todo batizado é sacerdote, fato que é reconhecido polos católicos e protestantes, que também ambos reconhecem que isso não exclui que haja ministros, se bem onde se distinguem ambas confissões é na maneira de conceber estes ministros. Os protestantes afirmam que o sacerdócio é uma função que pode ser desempenhada por qualquer cristão que seja elegido com esta finalidade pola comunidade; enquanto que os católicos dizem que é um sacramento, uma consagração por Deus e os sacramentos somente pode conferi-los as pessoas que tem a faculdade de conferi-los, que neste caso seriam os bispos.

Na Carta de Santiago, 5, 14, aconselha-se: “Confessai,  pois, mutuamente os vossos pecados e orai os uns polos outros, para que sejais curados. A oração fervente do justo tem muito poder”. São os próprios cristãos quem se confessam entre si mutuamente, e sem ter que fazê-lo num confessionário, e, como resultado, obtêm a cura, se bem não se concretiza se é Deus quem a concede ou os próprios cristão. É certo que no Evangelho de João se manifesta que se concede aos seus discípulos a faculdade de perdoar, que implicava a faculdade de curar as doenças, mas nada diz da exigência de acudir a um confessionário. “A quem perdoeis os pecados, ser-lhe-ão perdoados, e a quem lhos retenhais, ser-lhes-ão retidos” (Jo. 20, 21-23). Os apóstolos podiam perdoar mas também o pode fazer Deus diretamente, e os fieis não necessitavam humilhar-se para contar-lhe a um clérigo o que um não quer contar, e que, ademais, pode condicionar negativamente a atuação do sacerdote para com outras pessoas.

Por conseguinte, a confissão auricular não tem apojatura bíblica. Os protestantes não crêm na necessidade de recorrer á confissão auricular nem á absolvição por parte dum ministro ordenado para obter o perdão dos pecados, e, por tanto, excluem esse procedimento, salvo os anglicanos e luteranos que, ainda que aceitam que não é necessário, não o excluem.

Além disso, ainda que houver textos bíblicos claros que falassem e prescrevessem a confissão auricular, isso só indicaria que também nisso se equivocaram, como em enviar aos infernos aos homossexuais, defender a inferioridade da mulher, ordenar a lapidação das mulheres surpreendidas em adultério, defender a escravidão, a castração, etc., etc. Na Bíblia podem-se encontrar textos para um roto e para um descosido, e, por tanto, isso só conduz a fazer o problema insolúvel. Este tema não se soluciona com a apelação a textos bíblicos, muitos deles totalmente inservíveis para constituir a base duma argumentação racional e assumível pola sociedade de hoje, senão a partir dum ideal de humanidade e de divindade: ou seja, explicitando que ideal de home queremos e que divindade queremos, porque ambos são criaturas humanas e mui humanas. 

A partir da Igreja poder que se forjou a partir do século IV, também se foi generalizando a prática de confessar os pecados ao sacerdote. Proíbem-se a recitações públicas dos pecados e fica unicamente a confissão auricular, documentada por primeira vez claramente num documento do papa Leão I, do ano 459: “Constituo que por todos os modos se desterre também aquela iniciativa contrária á regra apostólica, e que faz pouco soube é prática ilícita de alguns. Referimo-nos á penitência que os fieis pedem, que não se recite publicamente uma listagem com o gênero de pecados de cada um, como quer que basta indicar as culpas das consciências somente aos sacerdotes por confissão secreta. Porque se bem parece plenitude laudável de fé a que, por temor de Deus, não teme a vergonha perante os homes; porém, como não todos têm pecados tales que quem pedem penitência não temam publicá-los, ha desterrar-se costume tão reprovável. Basta, com efeito, aquela confissão que se oferece primeiro a Deus e logo ao sacerdote, que é quem ora polos pecados dos penitentes. Porque se não se publica nos ouvidos do povo a consciência de quem se confessa, então si que poderão ser movidos muitos mais a penitência”.

Quais foram as razões de institucionalização desta prática? Para mim a resposta não é outra que  o controle das consciências por parte da Instituição eclesiástica. Numa época em que a gente estava atormentada polo terror de ir ao inferno, o pior que lhe podia passar a um crente era que se lhe denegasse a absolvição por parte do sacerdote. Por outra parte, isso permitia-lhe á Instituição eclesial ter uma fonte de informação mui relevante para o controle da população, para fortalecer o seu poder econômico e para a repressão dos desviantes, especialmente valiosa durante a perseguição dos cátaros e albigenses e durante a vigência da Inquisição. Segundo documentos familiares, confirmados por outros de amigos, durante os séculos XVII e XVIII, os clérigos deviam informar ao bispo onde e como os fieis fizeram testamento, todo indica que com a finalidade de pressionar sobre as consciências e de obter informação sobre os legados á Igreja.

b.- É contrária á Constituição

No artigo 16, 2 estatui-se: “Ninguém poderá ser obrigado a declarar sobre a sua ideologia, religião ou crença”. Por tanto, o que pensa cada um é sagrado e nenhum clérigo pode intrometer-se nisso, e condicionar a absolvição própria a que lhe manifeste aos sacerdotes qual é a minha interpretação dos dogmas, dos anticonceptivos, aborto, divórcio, etc..

O artigo 17, 3, reza: Uma pessoa detida “não pode ser obrigada a declarar”.. O artigo 18, 1, garante o direito á intimidade pessoal, que não se cumpre se tenho que manifestá-la ante um tribunal, como é o confessionário. O artigo 24, 2, garante o direito a não declarar contra si próprio, a não confessar-se culpável e a presunção de inocência.

Por tanto, a confissão somente se poderia justificar se temos uma lei para os cristãos e outra para as demais cidadãos. Faz dous dias, um amigo formado e inteligente, fez a observação de que se imos a um médico temos que declarar os sintomas, dando a entender que aqui deveria ser igual, porque em caso contrário não se pode curar ou perdoar, mas os dous casos não são análogos, porque: a) Um tem direito a não declarar os seus sintomas, ainda que isso lhe suponha enfrentar-se á morte, enquanto que a instituição eclesiástica impõe a obrigação de confessar, podendo recorrer a outras vias; b) Em segundo lugar, a medicina está avalizada por uns resultados contrastáveis, enquanto que a mensagem eclesial não teve um êxito semelhante, e fracassou reiteradamente quando se contrastaram os seus resultados com os da ciência; c) Os sintomas duma doença não são igual que a manifestação da própria ideologia religiosa, filosófica, etc.; d).A prática eclesial está mui pouco fundamentada, como o indica o dissentimento das confissões protestantes, e é ridículo considerar que os fieis destas vão ao inferno por não contar-lhe as aflições aos sacerdotes; e) É a Igreja quem tem que cambiar uma prática injustificável sem ter que submeter a nenhum dilema deste tipo as consciências dos crentes. Em todo caso, um ser humano livre deve ter a suficiente segurança de que nenhum Deus com sentido, qualificado de bom e sábio, o vai castigar porque uma instituição eclesial, tão desencaminhada por outra parte, o ameace com penas e tormentos eternos, só próprios de seres sádicos e tiranos. Um deus assim, simplesmente não seria deus.

Em resumo, a confissão de boca ante o sacerdócio cumpre cambiá-la em confissão de coração ante o próprio Deus.

5ª.- Satisfação de obra.

Segundo parece, a Igreja cambiou-lhe agora o nome polo de penitência, empiorando ainda as cousas. Os clérigos não têm poder de Deus nem dos seres humanos para exonerar de toda responsabilidade a criminais, assassinos, ladrões de coelho branco que exaurem e  tiranizam os povos, etc., simplesmente com o recitado de jaculatórias, por numerosas que estas sejam. Os delitos ha que limpá-los e somente se limpam com a reparação do dano causado. Por tanto, um roubo deve implicar a restituição do roubado. Este modo de proceder que confere perdões fáceis e baratos, destrói qualquer moralidade digna deste nome.

Igualmente a Igreja, se demanda perdão e em consciência está arrependida, tem que restituir os bens dos que se apropriou, entre eles as numerosas imatriculações de bens de domínio público sem dono reconhecido. Deve igualmente renunciar a cobrar dos impostos pagados por todos os cidadãos, incluídos os que são ateus ou doutras religiões, pagar impostos como todo o mundo, e considerar-se parte e não um estado dentro do estado, com privilégios a eito. 

Se procede assim, será generosamente perdoada tanto por Deus como polos cidadãos.