27 nov 2016

Lembranças de Fidel



Grande parte da obra de Fidel desenvolveu-se a partir da juventude da nossa geração, e, por tanto, do nosso despertar ás inquietações sócio-econômicas e políticas e, por conseguinte, o seus sonhos influíram nos nossos e a ninguém nos deixaram indiferentes.
            Pessoalmente, Fidel é um home mui inteligente, com umas capacidades dialéticas fora do comum,  dum carisma extraordinário, trabalhador infatigável e totalmente entregado ao projeto que concebeu para o seu povo. Politicamente, estava identificado com a causa dos marginados e excluídos socialmente. A sua obra esteve condicionada pela política imperialista dos EEUU que não estavam dispostos a que coalhasse um projeto político autônomo que delatasse o caráter extrativo e imperialista do seu próprio. Não sabemos qual seria o porvir da revolução castrista noutras circunstâncias distintas, mas o que si sabemos é que o sistema implantado por Fidel lhe permitiu manter a soberania nacional de Cuba frente ás tendências assimilacionistas dos EEUU de América.
            Cuba passou a depender dos EEUU a partir da guerra destes contra Espanha em 1998, e com o general Batista, um político corrupto e impopular em Cuba, a ilha converteu-se na paraíso de recreio e prazer dos estadunidenses. A situação econômica caraterizava-se pelo caráter latifundiário da propriedade da terra e pela enorme injustiça e desigualdade social. Em julho de 1953, o advogado Fidel Castro, liderando um grupo de moços revolucionários, integrado por 135 combatentes, assalta o quartel militar Moncada, com o objetivo de conquistar a independência total para Cuba, que se saldou em fracasso, o seu encarceramento  e uma forte repressão do general Batista, mas que, ao mesmo tempo, lhe permitiu a Fidel adquirir notória popularidade e simpatia entre a população. Como esta situação política era insustentável, os EEUU colaboraram com Fidel quando este começou a guerrilha contra o governo na Serra Mestre, com a finalidade de controlar o processo e aproveitar-se do seu apoio a uns guerrilheiros nos que quiçá nunca acreditaram demasiado. Com todo, Fidel sempre teve presente que se queria manter a independência do movimento, não podia entregar-se nas mãos nem dos EEUU nem dos oligarcas locais. Em janeiro de 1959 entra vitorioso na Habana, após ter desarmado ao poderoso exército cubano do general Batista, a essa altura mui desmoralizado, sendo nomeado primeiro ministro em fevereiro desse mesmo ano.
            A reforma agrária, que prejudicou os interesses dos latifundiários estadunidenses, provocou o embargo econômico, por parte da administração de Eisenhower, quiçá o mais criminal da história, contra a Ilha com o objetivo de estrangular a economia cubana, reverter as expropriações das suas terras e evitar que a revolução cubana se expandisse por Latino-América, toda ela imersa numa situação de desigualdade social e de injustiça na distribuição da propriedade das terras. Esta política de fustigação contra Cuba continuou até os nossos dias apesar da oposição da grande maioria dos países e das resoluções aprovadas pela ONU. O embargo econômico seria complementado com toda uma série de medidas de propaganda contra-revolucionária, apoios dos grupos contrários ao regime castrista, sabotagem das instalações civis e econômicas, espionagem massivo, queimas de plantações de açúcar, assassinato dos seus principais líderes, com especial focagem sobre o próprio Fidel, ataques pirata, violações do seus espaço aéreo e marítimo por aviões e barcos de guerra norte-americanos, etc. Já faz anos que a CIA tem reconhecido que intentado acabar com a vida de Fidel mais de trezentas vezes, cifra que nos nossos dias já passa de 600 segundo a administração cubana. Além do embargo e demais medida citadas, os EEUU tentaram a ação armada direta contra Cuba pela administração Kennedy, que se concretizou na invasão da Baia de Cochinos no ano 1961 por parte de dissidentes cubanos treinados pela CIA, que foi derrotada rapidamente pelo exército de Cuba.
            Ante a política de fustigação, Fidel estabelece fortes laços de amizade e colaboração com a URSS, que não fazem cessar a pressão estadunidense no seu empenho de derrocar o regime cubano. Perante o fracasso da invasão de Baia de Cochinos, os EEUU projetam invadir diretamente a Ilha pelo exército estadunidense, e, para contra-arrestar estas medidas, o líder soviético Nikita S. Khrushchev propõe-lhe a Cuba instalar mísseis balísticos dissuasórios no seu território, dando lugar á crise ou guerra dos mísseis em outubro de 1962, por considerar os EEUU que representavam um perigo para o seu território, que se solucionou o 28/10/1962 com a renúncia dos EEUU a invadir Cuba e retirar os mísseis de Túrquia, e o desmantelamento dos mísseis de Cuba por parte dos soviéticos.
            Este e não outro foi o contexto no que teve que operar o regime de Fidel, é neste contexto no que cumpre situar as suas políticas. Seguramente todos gostaríamos que em Cuba se respeitassem as liberdades políticas, de pensamento e expressão, ao tempo que corrigissem as enormes desigualdades sociais existentes, mas estas liberdades tampouco são a panacéia, porque além destas liberdades individuais, entendidas como direitos formais, cumpre avançar nos direitos reais, como o direito ao trabalho terminando com um nível de paro escandaloso; direito a uma remuneração suficiente para levar uma vida digna; direito a uma jornada de trabalho que permita conciliar a vida laboral e familiar; direito a formar uma família e construir um projeto vital; direito á sanidade evitando listas de espera intermináveis que o negam; direito a uma vivenda digna para todas as pessoas; direito a uma educação pública e independente e laica, terminando com concertos injustificados a centros privados; direito a uma justiça independente e não controlada pelo poder executivo, como passa em Espanha e em Estados Unidos;... Que direitos formais de expressão e pensamento pode ter aquele que não tem para comer? Não sabemos que faria Fidel noutras circunstâncias, mas é difícil pensar que os EEUU não aproveitassem qualquer resquício que essas liberdades lhe pudessem oferecer para lograr o seu objetivo de derruba do regime cubano. Creio que a nível econômico deveria respeitar muito mais a iniciativa privada, porque uma economia dirigida por burocratas de qualquer partido não funciona, ao igual que tampouco funciona uma economia dirigidas por oligarcas, como o estamos comprovando nos chamados países capitalistas. Porém, considero que conseguiu êxitos importantes a nível social, especialmente em sanidade e educação, que são um modelo a imitar tanto em Latino-América como no mesmo EEUU.
            Na luta contra a desigualdade também pode servir de referência para muitos países, em especial para os capitalistas, incluídos os EEUU, que resolvem todos os problemas afundindo na miséria os trabalhadores e as classes médias. Em todo caso, estes países não servem de referência para o futuro das nossas moças e moços, que se vêem impossibilitados para construir um futuro digno deste nome. Mas, sobre todo, considero que Cuba pode servir de exemplo na luta pela soberania nacional e pela soberania econômica mediante o controle dos recursos próprios e das forças econômicas do mercado pelo Estado, que é um requisito imprescindível para que exista democracia. Seguindo a inspiração no modelo castrista, vários países latino-americanos estão comprometidos com uma luta estimulante contra as desigualdades sociais, ao tempo que medram exponencialmente as desigualdades do sistema burguês capitalista. Alguém pode pensar que é melhor para a humanidade um governo de Trump que um de Fidel?
            A atuação de Espanha com o regime de Fidel e inclusive com Latino-América foi mui míope. A nível diplomático, lembramo-nos do despropósito do Rei de Espanha, João Carlo, quando lhe comina a Hugo Chaves: Por que não te calas?, mas ainda mais improcedente foi a atuação do embaixador na Habana, José Maria de Lojendio, quando se apresentou nos estudos de televisão da Habana para tirar-lhe das barbas a Fidel pelas acusações que este vertia contra Espanha. Com todo, o regime franquista teve um comportamento mui digno com o regime cubano negando-se a atuar de comparsa da política traçada em Washington, que contrasta com a política de servilismo com a administração estadunidense do seu herdeiro, o Sr. Aznar e do governo de Rajoy, que prejudicarão gravemente os interesses espanhóis na ilha se Trump mantém a política de apertura de Obama. Essa política hostil também se está a despregar com Venezuela, e, em menor medida, com Equador e Bolívia. As cimeiras ibero-americanas estão mortas, e parece que a ninguém lhe interessam. Eis o panorama!

14 nov 2016

A vitória de Trump



            Fazendo honor ao seu nome, Trump = baça e triunfo, Trump triunfou contra todo prognóstico nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, sem que isto implique que triunfaram os Estados Unidos. Intentarei no presente artigo oferecer a minha interpretação pessoal desta vitória.
            Este triunfo cumpre enquadrá-lo na imensa maré de indignação que ecoa como resultado do processo de globalização ideado pelas elites oligárquicas e executado pelos seus gerentes que são os sistemas políticos decisivos na escala internacional e os seus obedientes satélites, muitos deles sumidos em oceanos de corrupção, de apropriação dos bens públicos em benefício pessoal, e numa conivência escandalosa com os poderes econômicos, do que é um exemplo bem eloqüente o que está passando na Espanha de hoje. Esta conivência entre política e oligarquia econômica deteriorou até limites incríveis o sistema democrático, que defini algumas vezes como sistema oligárquico com eleições, muitas vezes fraudulentas e financiadas ilegalmente. O eco da indignação popular materializou-se no berro «Não nos representam», e que agora no caso de Trump se concreta em «Não é o meu presidente».
            A democracia dos Estados Unidos é de mui baixa qualidade, devido, especialmente ás seguintes razões: a) O seu sistema eleitoral é um sistema majoritário, no qual quem vence num Estado leva todos os votos eleitorais desse Estado, e isto provoca, como neste caso, que o perdedor em votos pode ser o ganhador das eleições. É um sistema, por tanto, que desincentiva a pluralidade de oferta, a pluralidade de opções partidárias, porque unicamente têm opções reais de obter representação os dous partidos majoritários, e setores de amplas capas da população não estão representadas politicamente. b) Incluso dentro destas duas opções majoritárias, é muito restrita a possibilidade de que poda candidatar-se alguma pessoa do comum, e somente os que dispõem de grande quantidade de recursos pessoais podem, na prática, apresentar-se e sair elegidos. Existe, pois uma crivação econômica no direito de ser elegido. c) Na nomeação do candidato funciona legalmente a conivência oligarquico-política porque se permitem as doações privadas para as campanhas e quem paga faz-lo com a esperança de ser recompensado pelo seu esforço crematístico, obedecendo ao princípio «quem paga, manda». d) Inexistência duma autêntica divisão de poderes, que, como disse Montesquieu, é condição imprescindível para que exista um regime democrático. Estes dias declarou Trump que ia encarcerar ou expulsar os imigrantes delinqüentes, arrogando-se também a capacidade de julgar as infrações das leis. A reação ante esta situação foi a inibição política, que já vem sendo habitual nos Estados Unidos, e que, neste caso, se concretizou numa participação do 47,5 por cento de voto. Ante esta habitual inibição de grande parte da população, as elites oligárquico–políticas não se deram por inteirados e mantiveram imutado um sistema que incentiva a abstenção porque lhes favorecia. 
            Além da crise política, os EEUU provocaram e exportaram a todo o mundo uma crise financeira que teve como expoente mais significativo a caída de Lehman Brothers, que provocou uma massiva injeção de dinheiro dos cidadãos para salvar as elites incompetentes e irresponsáveis. Esta crise financeira complementou-se com uma crise imobiliária, provocada pelo tandem da oligarquia financeira e uma elite econômica corrupta e irresponsável, que se traduziu em perdas de vivenda para uma quantidade ingente da população, obrigada a contribuir com a alíquota parte do seu esforço fiscal no resgate aos bancos, e, finalmente com uma crise econômica, que se intentou solucionar em muitos países, entre eles Espanha, com uma drenagem massiva de recursos públicos em favor das elites oligárquicas, e com generosos benefícios fiscais, concretizados em baixada de impostos, engenharia fiscal e facilidades para proteger-se dos vaivens da fortuna com as facilidades impositivas em paraísos fiscais. Todo este sistema apropriador dos recursos públicos obrigou ás classes médias a realizar um esforço fiscal suplementar para manter o estado do bem-estar, e teve como corolário uma enorme desigualdade social, favorável ás elites que provocaram o colapso.
            A globalização traduziu-se na deslocalização de empresas em busca de salários mais baixos, empregos menos protegidos e condições fiscais mais favoráveis, que se traduziu, no país de origem no cerramento de empresas e/ou salários mais baixos e mais precários e na perda de direitos laborais como o de negociação coletiva, incremento da jornada laboral, etc.. Esta insegurança laboral teve como efeito a insegurança pessoal e o conseqüente descrédito dos que a causaram, ou seja, do sistema político-oligárquico, que se amostrou incompetente para solucionar o problema. A reação imediata foi um voto de castigo contra os que provocaram esta situação, como já sucedeu noutros muitos países. Uma reação deste tipo foi a que castigou ao PSOE no nosso país, deixando-o num estado agônico.
            Ante esta situação de crise permanente, que causou na cidadania estadunidense uma sensação de desassossego, esta responde com o único que tem ás suas mãos, que é o castigo dos causantes invisíveis deste enorme despropósito, que dalgum modo se concretiza no établissement, que não é outra cousa que a mencionada conivência das elites oligárquicas dirigentes e dos, formalmente, chamados representantes políticos dos cidadãos, que, ademais, se auto-retribuem generosamente a expensas dos recursos que deveriam proteger. Porém, esta reação indignada não garante que o procedimento ao que acode seja o exitoso para aplacar um grito desesperado perante situações pessoais dramáticas, quiçá acolhendo-se ao lema “de afogados ao rio”. Todo parece indicar que a opção dos estadunidenses não só não vai solucionar a sua situação senão que se pode converter numa nova frustração, para a que dificilmente se lhe achará o remédio apropriado. Pode passar-lhe aos habitantes deste país o que já lhe passou aos gregos, que buscando um futuro melhor com a Syriza de Tsipras, agora parece que não têm futuro algum, e que o único que conseguiram com a sua proposta foi converter-se num instrumento dócil em mãos dos oligarcas representados pela troika, porque o Sr. Alexis Tsipras carecia dum autêntico plano alternativo ás políticas de austeridade para conduzir o país ao êxito.
            Donald Trump é um político que carece do carisma de Tsipras, mas isto seria secundário se defender umas políticas que saquem o país da crise e ofereçam soluções aos retos com que se enfrentam tanto os seus concidadãos como a humanidade. É um presidente eleto que, pessoalmente, suscita mui poucas simpatias e si uma enorme rejeição entre grandes capas da população, e precisamente as mais sensíveis, formadas e comprometidas socialmente. A nível moral, suscita muitos interrogantes pelo seu racismo cara os negros e os hispanos; pela sua xenofobia cara os muçulmanos; pela sua misoginia que recorre a técnicas amatórias insolentemente embaucadoras e que não duvida em considerar a mulher como puro objeto sexual; pelo seu escasso respeito por outros povos, como o mexicano, que denotam um insuficiente talante democrático; pela implicação em quantiosos casos judiciais, etc. Todo isto indica que não é uma pessoa que suscite nenhum entusiasmo e si que levante enormes dúvidas sobre a sua conduta futura.
            Políticamente, parece que anda dando tombos e semeando a incerteza entre os restantes dirigentes políticos mundiais que estão expetantes por saber por onde quer tirar. Esta incerteza vai danar grandemente as economias, entre elas as de EEUU, e já estão mui preocupados em Silicon Valley. É mui eloqüente que o Tio Sam pretenda cancelar os tratados comerciais internacionais subscritos pelo seu país quando foram precisamente os seus setores oligárquicos quem as bendisseram e as mais favorecidas por eles, ainda que não a cidadania. É difícil entender que um representante notório da oligarquia como é Trump, vaia em contra dos setores oligárquicos mais importantes do seu país. Por nós seria bem recebido que teimasse nesta via, mas é dfícil que lhe deixem.
            Promete também subir os aranzéis aos produtos importados de China e sem dúvida também doutros países, mas o problema é que os demais não vão ficar de braços cruzados em espera de dar-lhe baças políticas ao dirigente americano, e já ameaçaram com tomar represálias com o Iphone e outros produtos importados de EEUU. A promessa de construir um muro de separação com México e que este o pague, utilizando a este efeito a chantagem e a apropriação das remessas de imigrantes mexicanos em EEUU, é indicativo do caráter imperialista deste dirigente político, que se situa alem de qualquer regulação ou acordo entre as partes, pois no seu talante pessoal todo ressoa a imposição de acordo ao seu bel-prazer. A regulação internacional fica para ele subordinada á sua vontade e ao seu ego super-inflado. Isto onde melhor se traduz é na sua promessa de invalidar o acordo de Paris sobre câmbio climático anulando a contribuição econômica assumida pelo seu país para assim fazê-lo inviável. O presidente Obama pediu perdão pelo dano causado por EEUU no incremento da temperatura da terra, mas agora o seu sucessor não só não assume culpa alguma senão que quer que os outros países financiem o dano causado por EEUU. Isto é o que se chama a Lei do embudo. As suas pretensões infundadas são um claro desafio ao princípio ético da solidariedade entre gerações para poder transmitir aos nossos filhos um mundo minimamente habitável. E pensar que nas mãos deste home está o gatilho que pode desencadear o grande apocalipse!