20 ago 2015

Do nacionalismo ao nacional-sucursalismo

Beira com Errejón


Devemos distinguir sempre em política o modelo de estado e o modelo de sociedade. O modelo de estado tem como antítese principal nos Estados integrados por nações não reconhecidas como tales e sem estado: nacionalismo imperante - nacionalismo dominado; no caso espanhol, nacionalismo espanhol-nacionalismos periféricos. Esta foi a história do Estado espanhol, e sempre houve uma tensão entre nacionalismo espanhol e nacionalismo periférico, criando a dicotomia entre espanholismo, por uma parte, e catalanismo, galeguismo e abertzalismo, pola outra. O intelectuais orgânicos espanhóis não gostam de reconhecer-se como espanholistas e adotam subterfúgios como constitucionalismo, como se os nacionalistas das nações negadas não fossem constitucionalistas. O modelo de sociedade, tem que lidar com a antítese entre as classes sociais, normalmente entre as oligarquias e as classes média e baixa; entres os que possuem o dinheiro e os que tem meios precários. Estes dous modelos são distintos e a reforma dum não tem por que colidir com a do outro, ainda que estão inter-relacionados porque um modelo de estado pode impedir que os governantes duma comunidade adotem as medidas oportunas para efetivar  um determinado modelo de sociedade. Por exemplo, a tarifa elétrica única para toda Espanha, imposta polo Governo de Espanha, impede que Galiza tome medidas para abaratar a tarifa elétrica ás empresas que queiram estabelecer-se aqui, aproveitando assim as suas vantagens comparativas; que Galiza não poda tomar medidas para que as empresas que tenham aqui os seus centros de produção tributem na nossa comunidade, favorece a deslocalização fiscal em benefício de Madrid; a Galiza não pode tomar medidas para salvar o nosso setor leiteiro e já vemos o caso que lhe faz Espanha aos ganadeiros;  etc., etc.

Quando se constituiu a coligação eleitoral AGE, eu fiquei sumamente surpreendido de que um partido integrado em Anova, como é a Frente Popular Galega, que sempre se proclamou independentista, e que parecia o mais nacionalista de todos, o primeiro que fez foi aderir aos posicionamentos dum partido espanholista como é Esquerda Unida (IU), e declarar que, neste momento histórico ha que priorizar o modelo de sociedade sobre o modelo de estado, e deixar a questão da reivindicação de mais poder para Galiza para outro momento, porque agora o essencial é o giro á esquerda, e estabelecer um modelo de sociedade que beneficie mas as classes populares. Mas, supondo que se lograsse para o Estado espanhol um governo de esquerdas, o problema de que Galiza poda tomar medidas para favorecer a essas classes sociais fica sem resolver, pois é evidente que se nos sacam as vantagens comparativas e não podemos impulsar aqui eficazmente a criação de empresas, não podemos favorecer aos nossos trabalhadores e as nossos moços e moças. Agravaria esta alternativa o fato de que seria um governo apoiado polos próprios danificados.

Foi o primeiro passo duma subordinação total de Anova a Izquierda Unida, que seria seguida pola integração total da sua euro-parlamentária Lídia Senra no grupo de Izquierda Unida no Parlamento Europeu. A sua inclusão na candidatura de Esquerda Unida foi vendida polo líder de Anova, José Manuel Beiras Torrado, como uma oportunidade para relacionar-se com as esquerdas europeias, e pode ser que o fizessem, mas os benefícios para Galiza foram nulos. O que passou com o grupo de AGE foi surrealista, e os embrulhos entre os membros que conformavam o grupo foram constantes, terminando Anova com dous representantes dos nove que obteve AGE. Mas não parou ai a cousa senão que esses embrulhos não foram comparáveis com os que tiveram lugar em Anova, que terminou cindida pola metade e com os membros mais nacionalistas fora da organização. Mas agora, os mesmos que provocaram o divisionismo, apelando ás várias almas incompatíveis dentro da organização, não tem reparo em apresentar-se ante o eleitorado como as pessoas idôneas para impulsar «candidaturas plurais», «marés galegas», «candidaturas de unidade popular», etc. 

Apelar á candidaturas de unidade popular, onde a cidadania seja a principal impulsora do processo e os partidos, os motores auxiliares, parece-me que é uma burla e um insulto a esta mesma cidadania. Estes dias estamos presenciando uma atitude pedinchona e os abraços do Beiras com os representantes dos partidos espanholistas de esquerda para que acedam a pautar com ele uma candidatura de unidade popular, e estava sumamente preocupado porque o Pablo Iglesias lhe propunha uma saída que seria uma humilhação pública do líder de Anova ante as suas hostes reduzindo-o a sacristão do grande sacerdote madrilenho, convertido no galo do poleiro, impondo a sua marca Podemos como nome da candidatura, seguido doutra cousa, porque os galegos devemos ficar reduzidos a «outra cousa». O Beiras, insatisfeito, pugnou embravecidamente para que na candidatura figurasse «Marés-Podemos», em vez de «Podemos-Marés», permitindo que o seu grande Chefe madrilenho, dirija o processo e as políticas. Parece que se chegou a um acordo e o Errejón transigiu em que figurasse o nome da candidatura como «Marés-Podemos», e o líder galego quis celebrar este êxito abraçando a Errejón. Mas, parece que se torce a cousa e, desde Madrid, acabam de retificar essa grande concessão do lugar-tenente de Iglesias. Esteve mais de moda do que está esta Organização, mas ha certos aspetos que não deixam de ser significativos, como o fato de ter laminado o poder territorial dos seus líderes, convertidos em meros comparsas das decisões do Grande Chefe; também o fato de que parece que está disposto a ressuscitar os deputados «cuneiros», pois todos eles são elegidos polo poder central sem intervenção das estruturas territoriais. Nas listagens preparadas em Madrid, deixam livres alguns ocos e a ocupá-los é ao máximo a que podem optar as formações coligadas é a encher estes ocos que deixam livres os hierarcas madrilenhos, e, para justificar a sua rigidez nas interlocuções, pretextam que é uma decisão soberana da Assembléia Cidadã Estatal, composta por todos os inscritos em Podemos, mas estas decisões existem porque os seus dirigentes decidiram que existissem.

Por outra parte, o alcaide de Ferrol põe como condição ao BNG para integrar-se na candidatura galega de unidade popular, que deve reconduzir o soberanismo, ou seja, que deve mudar os seus postulados políticos e apresentar-se, como eles, dócil ao sistema de distribuição do poder territorial estabelecido. A razão que alega é que este debate está sobre-passado. Parece que não se dá conta do que acontece em Catalunya, na Escócia, ... Isto implica, nada menos, que um partido, para integrar-se deve renunciar a defender o direito de autodeterminação dos povos, pois a isso se reduz o soberanismo, porque é um direito «sobrepassado». A esta petição uniu-se o alcaide da Corunha para exigir-lhe ao BNG que aceite o «mínimo comum denominador», no que, evidentemente, não entraria este direito fundamental. Estes representantes políticos não se dão conta de que, além do que suceda com o BNG, estão ferindo a muitos galegos e galegas que defendem este direito para o seu país. Não deixa de ser chocante que lhe exijam ao BNG que renuncie á sua posição soberanista, quando têm no seu seio um partido independentista, pois o independentismo é mais radical que o soberanismo, e os estados independentes mantêm menos vínculos entre si que os Estados soberanos. Além disso, resulta chocante que estes dous alcaides que participaram na formação das Marés, e com as que tiveram um notável êxito polo que merecem todos os parabéns, e não foram capazes de dar-lhe uma estrutura coesionada, um mínimo comum denominador, senão que cada uma funciona dum modo autárquico e só lhe dá certa unidade os partidos que estavam detrás, fundamentalmente EU, Anova e Podemos, agora lhe exijam ao BNG que aceite esse mínimo comum denominador. Não contribui a esse mínimo comum denominador a Frente Popular Galega?   

Por conseguinte, estes dirigentes já têm decidido todo, extremo que não critico, e agora só lhe falta continuar a farsa da «unidade popular» dando-lhe a sensação á cidadania que é ela quem decide, porque a cidadania é a que sabe mentes que eles devem ser segundões no processo. Logo, se eles não são capazes de dirigir o processo,  por que não demitem? Mas se é essa senhora a que sabe todo, por que não dirige e estabelece os pactos, di que é o que ha que acordar e também nos representa? Por outra parte, é pertinente lembrar que o adail agora da unidade popular é um neo-converso pois foi um dos gracejava burlonamente contra as primárias do PSOE nos seus primeiros tempos. O que tem que haver é porosidade nas organizações políticas para dar entrada a novos aspirantes a dirigir a cousa pública, mas a cidadania o que quer principalmente é ter políticos competentes, estar bem governada, que não haja corrupção, que haja igualdade de oportunidades, ...      
 
Um princípio que devemos ter presente é que na vida ninguém dá nada por nada, senão que se dá algo a câmbio de algo. Os partidos políticos espanhóis, salvo o PP, reconhecem que o problema catalão não se vai solucionar com imprecações aos santos, incluído a Apóstolo, senão que ha que dar-lhe contrapartidas aos catalães para que aceitem um modus vivendi levadoiro dentro do Estado espanhol. Em Euskadi o problema é menos premente a esta altura, mas é provável que ressuscite em qualquer momento. Por tanto, urge proceder a uma reordenação do problema territorial do Estado, reconhecendo os direitos baseados na diferença, e deveria terminar-se duma vez a cantilena de todos iguais em direitos: os que têm língua própria com os que não a têm; os que têm problemas demográficos com os que não os tem; os que têm muitas dispersão da população com quem não a têm, que tem problemas de mobilidade com quem não os tem, ...
 
Na Galiza existe uma tendência mui majoritária a levar uma política «sensata», uma defesa «sensata»da língua, um galeguismo «cordial», «harmônico». Somos os colonizados perfeitos, pois adotamos os esquemas do dominador. A ORGA (Organização Republicana Galega Autônoma, foi criada o mês de outubro de 1929, com os objetivos de lutar pola república e a autonomia, promovida polo grupo de Cassino da Corunha no que destacava Casares Quiroga. Esta organização autonomista decide promover uma reunião clandestina em Lestrove, celebrada o 16/03/1930, á que assistem, além da ORGA, os partidos Radical, Republicano Socialista, uma delegação da FUE galega e algum integrante da CNT, na que se assinou o Pacto de Lestrove.  Era uma conjunção de forças republicanas e socialistas, e decidem criar a FRGA (Federação Republicana Galega Autônoma) que tinha como objetivos lutar pola democracia republicana na Espanha, manter a organização autônoma na Galiza independente dos partidos republicanos espanhóis  e pola autonomia da Galiza dentro do regime democrático espanhol. Este partido estava ao serviço dos interesses de Casares Quiroga e terminou fusionando-se com Ação Republicana e o Partido Radical Independente para dar origem a Izquierda Unida, que teria a Azanha como líder máximo. Como vemos, o que hoje pede tanto AGE como as Marés nem sequer ultrapassa ao estabelecido no citado Pacto. O que pretendem é cambiar o regime do 78, ou seja, a reformar a Constituição impulsando uma forma de Estado republicana, e estabelecer um regime federal na Espanha. Mas com isto do regime federal ha que ter muito cuidado, porque não existe um federalismo senão muitos federalismos, e alguma realização concreta do federalismo pode ser pior que o autonomismo. O partido mais obsessivamente espanholista na Espanha é UPyD, e não tem empacho em defender o federalismo cooperativo como solução para o problema espanhol que inclusive centralizaria as competências em educação e sanidade. Por tanto, se se trata de caminhar cara a um federalismo á suíça ou como o que propunha o Castelao, com direito ao divórcio reconhecido, sim, mas se se trata de acompanhar a UPyD ou a outros partidos espanholistas, não.

Os dias 5 e 6 de dezembro de 1931 aprova-se na Assembléia de Pontevedra, á que concorrem 32 grupos, o PG (Partido Galeguista) que define a Galiza como povo autônomo com direito de autodeterminação de Galiza dentro da forma de governo republicana, a integração em Galiza das terras colindantes de fala galega, democracia direta, referendo, galeguização do ensino, etc. Mercê ao labor incansável de Castelao e Bóveda lograram que se aprovasse em referendo popular o Estatuto de Autonomia de 1936, mas que, por obstaculização das forças espanholistas republicanas, nunca foi aprovado polas Cortes Espanholas. Se Galiza foi declarada como nacionalidade histórica na CE, isto deve-se ao labor incansável de Castelao.

Hoje Anova está recorrendo o caminho da II República mas em sentido inverso. Em vez da ORGA ao Partido Galeguista, querem desfazer o Partido Galeguista de hoje, que são os partidos nacionalistas, e que caminhemos para a ORGA, um autonomismo potável para o sistema de dominação. Em vez de lutar por que se reconheçam os direitos de Galiza como nação de seu, pretendem convertê-la numa sucursal da Espanha.