18 abr 2017

O medo como instrumento do poder



            Os que no decurso da história ostentaram o mando econômico e político sobre a população sempre utilizaram o medo como instrumento para adquirir e/ou consolidar o seu sistema de dominação. Este sistema estendia-se a todas as esferas da existência humana, incluída a religiosa. A religião e os deuses são criaturas humanas que sempre estiveram subordinadas ao poder econômico-político, e, por isso, não é surpreendente que copiassem também os seus métodos para impor-se sobre a cidadania, e, por tanto, o medo como instrumento de aquisição e/ou consolidação do seu sistema de dominação sobre os fieis, que é a única maneira de ser úteis para contribuir com o mando político no mantimento da ordem socioeconômica e política.

            Diz a Bíblia, “temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; deitai fora os deuses a que serviram vossos pais de além do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor” (Josué 24, 14). Em contrapartida, Javé cumprirá com os que lhe temem, porque é um Deus terrível que gosta da reverência e da submissão das suas criaturas ás que considera como as suas escravas. Javé que era o deus tribal de Jerusalém, onde recebia culto, chegou, com esse ou outro nome, a impor-se praticamente em grande parte do mundo e com ele a atitude de temor e submissão. Os que cumpram os seus mandados têm a proteção de Deus e não devem atemorizar-se. O Senhor disse-lhe a Josué: “Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não te atemorizes, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus está contigo, por onde quer que andares” (Josué, 1, 9). Os Provérbios dizem que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (9,10), e, portanto, o pilar básico para o conhecimento da realidade. Nestes textos, como podemos observar, Deus é concebido como pirômano e bombeiro ao mesmo tempo. Algo semelhante se pode dizer no caso do Islame. O Alcorão ordena: "Ó fiéis, temei a Deus! E que cada alma considere o que tiver oferecido, para o dia de amanhã; temei, pois, a Deus, porque Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis" (surata Al Haxr 59:19). Os seus aderentes são os únicos que poderão vencer o medo. “Quando vos chegar de Mim a orientação, aqueles que seguirem a Minha orientação não serão presos do temor, nem se atribularão”. Surata Al Bacara, 2, 38). Um dos principais deveres dos fieis é a fidelidade estrita á crença independentemente de como se adquiriu e das vicissitudes pessoais. Isto explica que um dos pecados mais graves nestas religiões é a apostasia, ou seja, o abandono da militância na organização. Estas ordens e/ou recomendações das três grandes religiões monoteístas apelam a uma pulsão humana universal que é o medo ao incerto, medo á morte, medo á sorte de cada um após o falecimento e como mecanismo de coesão ideológica e de eliminação do dissentimento.

            Platão intentou aproveitar a pulsão humana do medo, neste caso ao que passará após a morte, para fazer aceitar a doutrina da imortalidade da alma que deveria servir como um instrumento político para que os indivíduos reprimissem as condutas disruptivas sem ter necessidade de ser constantemente vigiados polos forças policiais. Os indivíduos que cumpram as normas cívicas e morais seriam premiados com uma vida de felicidade, enquanto que os demais seriam sepultados no Tártaros fervente, de onde não saem jamais.

            Houve algumas filosofias, como a epicureia e a estóica que pretendiam, polo contrário, libertar o home do temor á morte, do temor aos deuses, á doença, ao sofrimento, etc. Dizia Epicuro que a morte, o mais terrível dos males, em nada nos afeta, porque quando nós vivemos, ela não está e uma vez mortos, nós já não estamos. Do que se trata, neste caso, é de forjar quimeras com as que um chegue a auto-sugestionar-se. Tampouco há que temer os deuses porque, ainda que existem e vivem felizes num mundo superior, não se preocupam de nós. Trata-se duma libertação ilusória que consiste em negar a pretendida origem dos males que podem afetar o ser humano. Os estóicos adotaram outra via, que consistia em fortalecer o ânimo para enfrentar-se ao destino, que é inevitável. O que sucede provém da Razão Universal que atua inexoravelmente e sempre faz o melhor. Por tanto, o ser humano deve suportar com ânimo sereno as maiores desgraças, porque são inelidíveis e ao indivíduo sempre lhe acontece o melhor.

            O poder político utiliza as medidas coercitivas e as penas legais para impor o seu sistema de dominação, que pretenderá fazer passar como obrigatórias em consciência para que a cidadania chegue a adotar as condutas que se esperam dela por iniciativa própria, que sempre é um mecanismo muito mais efetivo e barato que a vigilância policial e/ou a coerção por meio de multas e penas. A religião vai prestar-lhe um serviço defendendo a obrigatoriedade das leis em consciência, a legitimação da autoridade política, a ciência divina de todo o que acontece, o temor ás penas de ultra-tomba e os prêmios que lhe esperam aos cumpridores. Muitas vezes ambos atuam de cônsono enquanto que o Estado vai dotá-la da sua proteção, convertê-la em parte do sector extrativo e dotá-la dum braço executório das penas que imponha a autoridade eclesial. Durante o período inquisitorial, os relaxados eram entregados aos tribunais reais para ente lhe impusesse a pena capital, porque os inquisidores não podiam fazê-lo. Estes tribunais, contudo, limitavam-se a validar as condenas que o tribunal inquisitorial fixara. Isto explica o habitual maridagem entre os poderes estatais e religiosos de turno, que no cristianismo derivou no tandem da espada e da cruz.

            Além de instrumento de consolidação do poder político, o Estado ou os partidos políticos governantes também utilizaram o medo como instrumento de anulação da pluralidade cultural, lingüística, nacional, processo muito premente e exitoso na França e muito premente, mas menos exitoso na Espanha. O modus operandi é universal. O primeiro que faz a facção ou partido dominante é estabelecer um alvo desprezado socialmente, coincidente com algo indesejável, e que produz aversão ou medo na cidadania, que pode ser o comunismo, anarquismo, fascismo, separatismo, populismo, etc. e a seguir, associar o contendor com esse alvo para desprestigiá-lo socialmente e evitar que possa converter-se em alternativa real de poder e conseguir os seus objetivos.

Seguramente que se se lhe pergunta a qualquer dirigente político qual é a relação que estabelece entre ética e política manifestará que lhe dá a prioridade á primeira sobre a segunda. Mas isso não deixa de ser uma falsidade mais exigida polo seu rol. Em realidade, eu não conheço nenhum político que não seja maquiavélico na sua atuação, entendendo por tal a pessoa que afirma que o fim justifica os meios. Isto, evidentemente, admite graus e um pode resistir-se a utilizar alguns meios que outro utiliza sem reparo, como a assassinato, mas se nos referimos á mentira, creio que está amplamente aceitada por todos. Em nível do Estado espanhol, um tem a impressão que a mentira se converteu em marca indelével da marca Espanha, mas nisto parece que não somos a exceção.

Na França, os partidos conservadores avivam o medo dos seus concidadãos ante uma eventual vitória do candidato da esquerda radical Mélenchon, associando-o com o regime de Maduro em Venezuela. Na Espanha, fazem igual com Podemos com objeto de que não logre consolidar-se e converter-se em alternativa de governo no país com objeto de continuar mantendo o poder político ininterruptamente nas suas mãos.

Nos EEUU de América, o candidato e depois presidente Trump não se recata de mentir a eito, sem nada que possa constrangê-lo, e já se levam feitos listagens com as suas mentiras e tergiversações. Como inimigo exterior número um foram escolhidos os islamistas, e, seguramente nisto coincidiriam com ele muitos cidadãos do mundo, que olham espantados os atentados indiscriminados contra os ocidentais e também contra os seus próprios concidadãos. Porém, não a modo de justificação para o que não tem justificação, mas sim de explicação, cumpre dizer que o enquistamento crônico do problema palestino, agravado com uma população submetida à ocupação militar e a um bloqueio que implica enormes restrições de movimento na entrada e saída de bens e pessoas desde o ano 2007, e, de vez em quando as hiper-vinganças por parte de Israel, com a cumplicidade dos EEUU, contra a população palestina não ajuda nada na busca duma solução definitiva do problema. A desgraçada guerra do Iraque de 2003, organizada polos EEUU com objeto de controlar o subministro barato de petróleo e justificada com o pretexto mendaz de que Saddam Hussein dispunha de armas de destruição massiva, supôs uma tremenda deterioração das relações entre os islamistas e o Ocidente. Filho deste aventureirismo militar foi o nascimento do Estado Islâmico.

EEUU foi um país que esteve tradicionalmente implicado em guerras. Há mui poucos presidentes que não fizeram aventuras militares, mas parece que Donald Trump quer superá-los a todos. De momento, quando ainda não leva três meses na Casa Branca, já desencadeou o ataque contra Síria e o lançamento da super-bomba não-nuclear de dez toneladas de peso sobre Afeganistão. Quando o mundo necessita dotar-se duma nova ordem econômica e dumas relações sócio-políticas pacíficas e mais construtivas entre os povos, a via que elege este mandatário é a de assustar com uma demonstração de poder e uma escalada militar que vai deteriorar as condições de vida da cidadania, ainda que não a vida do conglomerado oligárquico-político imperante, que é o beneficiado por estas novas aventuras. Parece que o que se pretende é antepor os interesses egoístas dos habitualmente beneficiados polo sistema aos da cidadania. O desalentador é a resposta da cidadania americana ante esta bravata de Trump, que lhe fez incrementar a popularidade em dez pontos. Está muito bem que se queira que o próprio país mande e ocupe o primeiro posto, mas os demais países também legitimamente vão ter as mesmas aspirações, e com bombas e bravatas não se resolve nada.

Trump também fez de ferrabrás com México, país ao que se pretendeu atemorizar ameaçando-o com obrigar-lhe a pagar, direta ou indiretamente, um muro que em nada os beneficia, numa atitude de desprezo absoluto aos seus cidadãos. Intentou também desequilibrar o projeto europeu por motivos econômicos quiçá com a finalidade de eliminar a competência comercial principalmente da Alemanha, e pretende que os demais acatem as suas consignas de incrementar os gastos militares até o 2 por cento do PIB. O resultado seria um mundo com muitas mais armas e muito mais medo, e, ao mesmo tempo, com menos ajudas para os que têm menos, porque a sorte dos excluídos do sistema não parece preocupar-lhe o mais mínimo.

9 abr 2017

Uma democracia com sotana e bastão



            Observamos que nos nossos dias estão proliferando as denúncias contra os que caricaturam humoristicamente as práticas religiosas católicas, incluso em tempos de subversão efêmera da ordem social e principalmente de crítica dos privilegiados da sociedade. A caça começou com Guilherme Zapata, concelheiro de cultura do concelho de Madrid com Carmena, denunciado em junho de 2015 pola associação Dignidade e Justiça por uns tuítes de humor negro sobre Irene Vilha e as raparigas de Alcásser, e foi ampliada a Pablo Soto por um chiste sobre Ruiz Galhardão. Rita Mestre foi imputada, também em junho de 2015, por um delito de ofensa aos sentimentos religiosos, por entrar em top less na igreja da Universidade de Madrid em protesta pola presença duma capela confessional num centro público estatal. Em abril de 2016 foi imputado, agora chama-se investigado, o diretor de La Tuerka, Facu Diaz por um possível delito de ódio por um tuíte humorístico publicado em 2013 no que afirmava que “Queimar igrejas parece-me uma barbaridade se não há ninguém dentro”. Foi também imputado o edil de EUiA de Palafolls, João Andrés Ossório, por retuitá-lo. Em março iniciou-se expediente de investigação, a raiz da apresentação duma denuncia da Associação de Advogados Cristãos contra Borja Casillas, conhecido como «Drag Sethlas», por uma representação no que se caracterizava a Virgem Maria e a Cristo crucificado e se acompanhava com canções e frases como: “queres o meu perdão? Agacha te e desfruta. Sente-o na tua boca», ajoelha te”. Também em março de 2017 foi imputado o concelheiro de cultura da Corunha José Manuel Sande, por um delito contra os sentimentos religiosos um cartel do carnaval obra de Alberto Guitião, no que se representa um papa, a raiz duma denúncia da Associação de Viúvas de Lugo, que entendem que a caricatura é do papa Francisco. Em março de 2017 também se deu a conhecer o falho da sentença contra a transexual Cassandra Vera, julgada de acordo com o artigo 578 do Código Penal e condena condenada a um ano de cárcere e sete de inabilitação por ter sido declarada culpável dum delito de humilhação ás vítimas do terrorismo por 13 tuítes publicados entre novembro de 2013 e janeiro de 2016 com chistes sobre o delfim do ditador Francisco Franco, que durante 40 anos reprimiu violentamente a todos os que dissentiam do discurso único. A neta de Carrero Blanco, num gesto que a honra, enviou uma carta a El País na que manifesta que lhe parece um «disparate» pedir cárcere a uma pessoa por uns tuítes. Finalmente, em abril de 2017 foi denunciado Wyoming-Dani Mateus, por um chiste em El intermédio no que dizia que a Cruz do Vale dos Caídos era uma m...
Creio que alguns dos tuítes não causam precisamente graça alguma, mas o problema não é esse senão se uma pessoa que faz um chiste desagradável ou não, uma representação lúdica impactante ou não, ou uma protesta pacífica e legítima num centro religioso, pode ser considerado um delinquente, independentemente ou não do que diga uma legislação interessada em qualificar certos atos como ofensa aos sentimentos religiosos ou como atos de terrorismo. Estas denúncias e condenas produzem-se num contexto caracterizado por: a) Uma forte repressão das protestas cidadãs ao amparo da Lei Mordaça e da reforma regressiva do Código Penal, que se promulgaram precisamente por um governo interessado em silenciar a crítica cidadã e polo câmbio da normativa da CRTVE para manipular e tergiversar as informações á cidadania e emudecer o eco social das queixas dos desconformes com a solução que se lhe deu á crise. b) Uma isenção da Igreja católica de qualquer contributo para solucionar a crise econômica, que se incrementa á isenção de impostos que vão cair sobre o lombo dos demais cidadãos. c) Uma legislação educativa feita a medida do poder clerical para incrementar a presença da religião confessional nas aulas, que se traduz também num incremento dos ingressos econômicos para a Instituição eclesial. d) Uma grande disparidade de opiniões entre a Igreja e os setores majoritários da população sobre os temas referidos á moral sexual. e) Uma animosidade visceral do sistema de poder vigorante desde a transição e da mesma Igreja contra o partido político Podemos, por considerar que atenta contra a perpetuação desse poder. Isto explica que as denúncias fossem tramitadas por setores conservadores e aderentes dóceis ás diretrizes da hierarquia católica, ambos os dous com interesses muito coincidentes, pois por algo Deus sempre foi conservador. Na relação anterior, que não pretende ser exaustiva, aparecem alguns delitos que se repetem com mais insistência, que são os referidos á ofensa aos sentimentos religiosos das pessoas.
             Os sentimentos religiosos são mui respeitáveis, mas não só os dos católicos senão também os de praticantes doutras religiões e os dos ateus, patriotas, cosmopolitas, espanholistas, nacionalistas periféricos, homossexuais, transexuais, etc. Porém, qualquer observador imparcial pode comprovar que no Estado espanhol há membros dalguns grupos que estão efetivamente protegidos pola legislação, enquanto que outros estão desprotegidos. Nenhum homossexual teria êxito apresentando uma denuncia por ofensa aos seus sentimentos polos impropérios lançados impunemente polos bispos e sacerdotes contra ele desde os púlpitos e meios de comunicação contra a sua identidade sexual. O artigo 34 da CE afirma claramente que ninguém pode ser discriminado por razão de nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social. Isto na prática não se cumpre porque os membros de qualquer confissão religiosa estão mais protegidos que os membros doutros grupos. Um religioso pode mandar para o inferno publicamente e condenar em qualquer tribuna a homossexualidade e aos membros do orgulho gay, mas não ao revés. O Código Penal de 2016, no apartado consagrado aos delitos contra a liberdade de consciência e os sentimentos religiosos, estabelece no artigo 525 que serão penalizados com multa “os que, para ofender os sentimentos religiosos dos membros duma confissão religiosa, façam publicamente, escárnio dos seus dogmas, crenças, ritos ou cerimônias ou vexem publicamente a quem os professam ou praticam. Igualmente “nas mesmas penas incorrerão os que façam publicamente escárnio, de palavra ou por escrito, de quem não professam religião ou crença alguma”. Esta redação representa uma melhora a respeito da anterior, na qual nada se dizia a respeito da proteção dos que não professam nenhuma religião, mas é ainda insuficiente, porque não impede que se poda fazer escárnio das pessoas e grupos que praticam ou defendem a homossexualidade, sempre que não se faça por não praticar qualquer religião.
            O delito contra os sentimentos religiosos não deixa de ser surpreendente porque os delitos de sentimentos não se podem medir nem comprovar, e todo delito deveria ter uma definição operacional para saber quando realmente se produz a sua transgressão. No caso do roubo está claro que se transgride quando se  demonstra que um se apropria de algo que não lhe pertence e temos provas disso. Mas a respeito dos sentimentos religiosos temos que fiar-nos de alguém que diz que está ofendido e sem prova nenhuma. Isto explica que os interessados em criar problemas a certas pessoas ou grupos acudam a este gênero de denúncias, que o legislador consente e promove por ativa ou por passiva. Por esta razão, considero que este delito devia ser eliminado do Código Penal e qualquer manifestação lúdica e/ou irreverente deve merecer unicamente uma sanção quando colide com outros direitos humanos, como pode ser o honor, a intimidade, a boa imagem, integridade das pessoas, etc., mas nunca deve servir de pretexto para limitar a liberdade de pensamento e expressão. É um resto dum passado em que a religião era a coluna vertebral do sistema político, mas deixa de ter sentido quando a religião se converte num assunto de consciência individual.
Por outra parte, uma instituição está legitimada para pedir respeito aos seus sentimentos se respeitou historicamente e respeita os sentimentos dos demais, incluídas as demais confissões religiosas. Vou citar alguns exemplos da prática católica. O papa Gregório XVI condenou “o indiferentismo, quer dizer, aquela perversa opinião que, por engano de homes malvados, se propagou por todas as partes, de que a eterna salvação da alma pode conseguir-se com qualquer profissão de fé,... E desta de todo ponto pestífera fonte do indiferentismo, mana aquela sentença absurda e errônea, ou mais bem aquele delírio de que a liberdade de consciência há ser afirmada e reivindicada para cada um (D 1613). Duma tacada o papa carrega-se a liberdade de cultos e de consciência, numa linguagem sumamente afetuosa.
Pio XI qualificou de peste o laicismo na Encíclica Quas Primas, de dezembro de 1925. “Peste da nossa idade dizemos ser o que chamam laicismo com os seus erros e criminais intentos... Logo, pouco a pouco, foi igualada a religião de Cristo com as falsas religiões e posta com absoluto indecoro no seu mesmo gênero; foi submetida depois ao poder civil e deixada quase ao arbítrio dos governantes e magistrados.... E não faltaram Estados que creram que podiam passar sem Deus, e que a sua religião consistia na impiedade e no abandono de Deus” (D2197).  Como podemos comprovar, este texto rejeita a aconfessionalidade do Estado e o ateísmo com os grossos qualificativos de peste criminais. Na Encíclica Divini Illius Magistri de 1929 condenou o ensino laico porque “as escolas laicas socavam e transtornam todo fundamento de educação cristã” (D 2219), e proibiu que os cristãos frequentem as citadas escolas por nenhum motivo.
O mesmo papa condenou na Encíclica Casti Mirari,de dezembro de 1930, a emancipação da mulher da sua submissão ao marido, considerando que empanam “o brilho da fidelidade e da castidade nupcial, eles mesmos, como mestres do erro, facilmente botam por terra a confiada e honesta obediência da mulher ao marido. E mais audazmente alguns deles charlataneiam que tal obediência é uma indigna escravidão dum conjugue a respeito do outro; que todos os direitos são iguais entre os dous” (D. 2247). Este pronunciamento impede qualquer emancipação real da mulher a respeito do varão e a igualdade de direitos entre todos os seres humanos. O matrimônio cristão reduz-se a uma união mística que pretende encobrir a desigualdade real das pessoas concretas. Nos séculos IV e V foram perseguidos com sanha os maniqueus, «pérfidos» judeus, arianos, macedoninanos,...
O catolicismo forçou a milhões de pessoas a converter-se em aderentes das suas crenças e condenou a ser queimados vivos a todos aqueles que não aderissem á fé católica ou que não demonstrassem que a sua conversão era real e efetiva, e isso ainda que não compreendessem as crenças que eram forçados a abraçar. Exemplos eloquentes disto são os judeus conversos ou marranos, os muçulmanos ou mouriscos, os protestantes, os índios americanos, e tantos e tantos hereges, etc. Acaso lhe preocuparam alguma vez os sentimentos destes milhões de pessoas a se ver violentamente forçados a aderir a um credo que era totalmente alheio a sua cultura e as suas crenças e tradições? Que credibilidade merece agora quando se sente ofendida nos seus sentimentos por uma representação teatral que por si se produz num contexto irreverente contra aqueles que ostentam o poder real na comunidade ou que propalam uma ideologia como a de gênero que dissente da sensibilidade moral do grupo? Creio que o humor, incluso referido a si mesmo, pode ser libertador de tensões, especialmente para aqueles que não lhes queda nenhum outro meio de libertação mais que a mental. Quero manifestar a minha solidariedade com todos os que possam ver-se afetados por condenas de cárcere, inabilitação ou multas por ter publicado chistes mais ou menos acertados ou realizado atos que sejam punidos em base a supostas ofensas de sentimentos.