Os que no decurso da história ostentaram o mando
econômico e político sobre a população sempre utilizaram o medo como
instrumento para adquirir e/ou consolidar o seu sistema de dominação. Este
sistema estendia-se a todas as esferas da existência humana, incluída a
religiosa. A religião e os deuses são criaturas humanas que sempre estiveram
subordinadas ao poder econômico-político, e, por isso, não é surpreendente que
copiassem também os seus métodos para impor-se sobre a cidadania, e, por tanto,
o medo como instrumento de aquisição e/ou consolidação do seu sistema de
dominação sobre os fieis, que é a única maneira de ser úteis para contribuir
com o mando político no mantimento da ordem socioeconômica e política.
Diz a
Bíblia, “temei ao Senhor, e servi-o com
sinceridade e com verdade; deitai fora os deuses a que serviram vossos pais de
além do Rio, e no Egito, e servi ao Senhor” (Josué 24, 14). Em
contrapartida, Javé cumprirá com os que lhe temem, porque é um Deus terrível
que gosta da reverência e da submissão das suas criaturas ás que considera como
as suas escravas. Javé que era o deus tribal de Jerusalém, onde recebia culto, chegou,
com esse ou outro nome, a impor-se praticamente em grande parte do mundo e com
ele a atitude de temor e submissão. Os que cumpram os seus
mandados têm a proteção de Deus e não devem atemorizar-se. O Senhor disse-lhe a
Josué: “Não to mandei eu? Esforça-te, e
tem bom ânimo; não te atemorizes, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus
está contigo, por onde quer que andares” (Josué, 1, 9). Os Provérbios dizem que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (9,10), e, portanto,
o pilar básico para o conhecimento da realidade. Nestes textos, como podemos
observar, Deus é concebido como pirômano e bombeiro ao mesmo tempo. Algo
semelhante se pode dizer no caso do Islame. O Alcorão ordena: "Ó fiéis, temei a Deus! E que cada alma considere o que tiver oferecido,
para o dia de amanhã; temei, pois, a Deus, porque Deus está bem inteirado de
tudo quanto fazeis" (surata Al Haxr 59:19). Os seus aderentes são os
únicos que poderão vencer o medo. “Quando vos chegar de Mim a orientação, aqueles que seguirem
a Minha orientação não serão presos do temor, nem se atribularão”. Surata Al Bacara, 2, 38). Um dos principais deveres dos
fieis é a fidelidade estrita á crença independentemente de como se adquiriu e
das vicissitudes pessoais. Isto explica que um dos pecados mais graves nestas
religiões é a apostasia, ou seja, o abandono da militância na organização. Estas
ordens e/ou recomendações das três grandes religiões monoteístas apelam a uma
pulsão humana universal que é o medo ao incerto, medo á morte, medo á sorte de
cada um após o falecimento e como mecanismo de coesão ideológica e de
eliminação do dissentimento.
Platão
intentou aproveitar a pulsão humana do medo, neste caso ao que passará após a
morte, para fazer aceitar a doutrina da imortalidade da alma que deveria servir
como um instrumento político para que os indivíduos reprimissem as condutas disruptivas
sem ter necessidade de ser constantemente vigiados polos forças policiais. Os
indivíduos que cumpram as normas cívicas e morais seriam premiados com uma vida
de felicidade, enquanto que os demais seriam sepultados no Tártaros fervente,
de onde não saem jamais.
Houve
algumas filosofias, como a epicureia e a estóica que pretendiam, polo
contrário, libertar o home do temor á morte, do temor aos deuses, á doença, ao
sofrimento, etc. Dizia Epicuro que a morte, o mais terrível dos males, em nada
nos afeta, porque quando nós vivemos, ela não está e uma vez mortos, nós já não
estamos. Do que se trata, neste caso, é de forjar quimeras com as que um chegue
a auto-sugestionar-se. Tampouco há que temer os deuses porque, ainda que
existem e vivem felizes num mundo superior, não se preocupam de nós. Trata-se
duma libertação ilusória que consiste em negar a pretendida origem dos males
que podem afetar o ser humano. Os estóicos adotaram outra via, que consistia em
fortalecer o ânimo para enfrentar-se ao destino, que é inevitável. O que sucede
provém da Razão Universal que atua inexoravelmente e sempre faz o melhor. Por
tanto, o ser humano deve suportar com ânimo sereno as maiores desgraças, porque
são inelidíveis e ao indivíduo sempre lhe acontece o melhor.
O
poder político utiliza as medidas coercitivas e as penas legais para impor o
seu sistema de dominação, que pretenderá fazer passar como obrigatórias em
consciência para que a cidadania chegue a adotar as condutas que se esperam dela
por iniciativa própria, que sempre é um mecanismo muito mais efetivo e barato que
a vigilância policial e/ou a coerção por meio de multas e penas. A religião vai
prestar-lhe um serviço defendendo a obrigatoriedade das leis em consciência, a
legitimação da autoridade política, a ciência divina de todo o que acontece, o
temor ás penas de ultra-tomba e os prêmios que lhe esperam aos cumpridores.
Muitas vezes ambos atuam de cônsono enquanto que o Estado vai dotá-la da sua
proteção, convertê-la em parte do sector extrativo e dotá-la dum braço
executório das penas que imponha a autoridade eclesial. Durante o período
inquisitorial, os relaxados eram entregados aos tribunais reais para ente lhe
impusesse a pena capital, porque os inquisidores não podiam fazê-lo. Estes
tribunais, contudo, limitavam-se a validar as condenas que o tribunal
inquisitorial fixara. Isto explica o habitual maridagem entre os poderes
estatais e religiosos de turno, que no cristianismo derivou no tandem da espada
e da cruz.
Além
de instrumento de consolidação do poder político, o Estado ou os partidos
políticos governantes também utilizaram
o medo como instrumento de anulação da pluralidade cultural, lingüística,
nacional, processo muito premente e exitoso na França e muito premente, mas
menos exitoso na Espanha. O modus operandi é universal. O primeiro que faz a
facção ou partido dominante é estabelecer um alvo desprezado socialmente,
coincidente com algo indesejável, e que produz aversão ou medo na cidadania,
que pode ser o comunismo, anarquismo, fascismo, separatismo, populismo, etc. e
a seguir, associar o contendor com esse alvo para desprestigiá-lo socialmente e
evitar que possa converter-se em alternativa real de poder e conseguir os seus
objetivos.
Seguramente que se se lhe pergunta a qualquer
dirigente político qual é a relação que estabelece entre ética e política
manifestará que lhe dá a prioridade á primeira sobre a segunda. Mas isso não deixa
de ser uma falsidade mais exigida polo seu rol. Em realidade, eu não conheço nenhum
político que não seja maquiavélico na sua atuação, entendendo por tal a pessoa
que afirma que o fim justifica os meios. Isto, evidentemente, admite graus e um
pode resistir-se a utilizar alguns meios que outro utiliza sem reparo, como a
assassinato, mas se nos referimos á mentira, creio que está amplamente aceitada
por todos. Em nível do Estado espanhol, um tem a impressão que a mentira se
converteu em marca indelével da marca Espanha, mas nisto parece que não somos a
exceção.
Na França, os partidos conservadores avivam o medo dos
seus concidadãos ante uma eventual vitória do candidato da esquerda radical
Mélenchon, associando-o com o regime de Maduro em Venezuela. Na Espanha, fazem
igual com Podemos com objeto de que não logre consolidar-se e converter-se em
alternativa de governo no país com objeto de continuar mantendo o poder
político ininterruptamente nas suas mãos.
Nos
EEUU de América, o candidato e depois presidente Trump não se recata de mentir
a eito, sem nada que possa constrangê-lo, e já se levam feitos listagens com as
suas mentiras e tergiversações. Como inimigo exterior número um foram escolhidos
os islamistas, e, seguramente nisto coincidiriam com ele muitos cidadãos do
mundo, que olham espantados os atentados indiscriminados contra os ocidentais e
também contra os seus próprios concidadãos. Porém, não a modo de justificação
para o que não tem justificação, mas sim de explicação, cumpre dizer que o
enquistamento crônico do problema palestino, agravado com uma população
submetida à ocupação militar e a um bloqueio que implica enormes restrições de
movimento na entrada e saída de bens e pessoas desde o ano 2007, e, de vez em
quando as hiper-vinganças por parte de Israel, com a cumplicidade dos EEUU, contra
a população palestina não ajuda nada na busca duma solução definitiva do
problema. A desgraçada guerra do Iraque de 2003, organizada polos EEUU com
objeto de controlar o subministro barato de petróleo e justificada com o
pretexto mendaz de que Saddam Hussein dispunha de armas de destruição massiva,
supôs uma tremenda deterioração das relações entre os islamistas e o Ocidente. Filho deste aventureirismo
militar foi o nascimento do Estado Islâmico.
EEUU foi um país que esteve
tradicionalmente implicado em guerras. Há mui poucos presidentes que não
fizeram aventuras militares, mas parece que Donald Trump quer superá-los a
todos. De momento, quando ainda não leva três meses na Casa Branca, já desencadeou
o ataque contra Síria e o lançamento da super-bomba não-nuclear de dez
toneladas de peso sobre Afeganistão. Quando o mundo necessita dotar-se duma
nova ordem econômica e dumas relações sócio-políticas pacíficas e mais
construtivas entre os povos, a via que elege este mandatário é a de assustar
com uma demonstração de poder e uma escalada militar que vai deteriorar as
condições de vida da cidadania, ainda que não a vida do conglomerado
oligárquico-político imperante, que é o beneficiado por estas novas aventuras.
Parece que o que se pretende é antepor os interesses egoístas dos habitualmente
beneficiados polo sistema aos da cidadania. O desalentador é a resposta da
cidadania americana ante esta bravata de Trump, que lhe fez incrementar a
popularidade em dez pontos. Está muito bem que se queira que o próprio país
mande e ocupe o primeiro posto, mas os demais países também legitimamente vão
ter as mesmas aspirações, e com bombas e bravatas não se resolve nada.
Trump também fez de ferrabrás com
México, país ao que se pretendeu atemorizar ameaçando-o com obrigar-lhe a
pagar, direta ou indiretamente, um muro que em nada os beneficia, numa atitude
de desprezo absoluto aos seus cidadãos. Intentou também desequilibrar o projeto
europeu por motivos econômicos quiçá com a finalidade de eliminar a competência
comercial principalmente da Alemanha, e pretende que os demais acatem as suas
consignas de incrementar os gastos militares até o 2 por cento do PIB. O
resultado seria um mundo com muitas mais armas e muito mais medo, e, ao mesmo
tempo, com menos ajudas para os que têm menos, porque a sorte dos excluídos do
sistema não parece preocupar-lhe o mais mínimo.