30 sept 2019

Custódia compartida


                A legislação sobre a custódia dos meninos em caso de separação dos pais é um tema candente que ainda não está resolvido satisfatoriamente no Estado espanhol e só se poderá legislar mais atinadamente sempre que não se parta de prejuízos a priorí e se reconheça a realidade dos factos. Simplificando, pode-se dizer que a custódia pode ser a médias ou custódia compartida ou que convivam mais tempo com um dos progenitores, que chamaremos custódia preferente. A questão que surge é qual é a melhor alternativa?

                Pode que os pais se ponham de acordo entre eles e esta seria a solução preferível, porque, em princípio, será também a solução que mais lhe convenha aos filhos que são a parte mais vulnerável e, portanto, à que cumpre atender prioritariamente. O problema também é fácil de resolver quando um dos progenitores tem a sua residência fora do lugar da vivenda habitual da parelha, ou em caso de doença ou carência de vivenda dum dos progenitores, ou se algum dos filhos tem problemas que pode solucionar melhor um dos membros da parelha. O problema surge quando as diferenças não estão claras, polo menos a olhos das equipas técnicos jurídicos que devem analisar esta questão, pois, neste caso sim que se podem cometer e se cometem decisões em grande parte arbitrárias.  

                Faz uns anos parecia que a gente se decantava por novidade pola custódia compartida como opção preferente e incluso se realizaram várias manifestações varonis com esta finalidade; era uma alternativa que era impulsada polos partidos da direita principalmente, ao tempo que algum partido de esquerdas mostrava a sua desconformidade; neste momento, a questão fica num estado amortecido a nível social.

                A solução que proponhamos a este problema está relacionada com a conceção que tenhamos do rol do homem e da mulher no processo de gestação e a situação de cada sexo no sistema socioeconômico imperante. Na sociedade greco-romana mantinham as duas teses seguintes: a) O homem é quem acarreta a semente da geração e a mulher é quem nutre essa semente; por exemplo, os estoicos consideravam que o feto é alimentado pola natureza no seio da mãe, como uma planta na terra. Como quem acarreta a semente é o pai, o filho é do pai, por ser este quem contribui, dum jeito necessário e suficiente, à fecundação do nascituro, ainda que precisa da mãe para a sua nutrição. b) Os fetos consideram-se parte da matriz da mãe e não seres independentes ou autônomos. De acordo com esta visão da realidade o menino é da mulher enquanto está no útero materno, e do pai uma vez que nasce. O rol da mãe no processo de gestação fica totalmente desvalorizado e não tem direito a nenhuma compensação econômica ou de outra índole por parir e gerir o filho. A mulher nesta sociedade esteve sempre dominada, ao princípio polo pai e mais tarde polo marido.

            Hoje esta conceção é totalmente inaceitável por dous motivos. O primeiro é o progresso das ciências biológicas que nos ensinam que a mulher acarreta no processo de fecundação o óvulo, que representa o cinquenta por cento da herança genética do concebido, que se complementa com o contributo do homem, que acarreta o espermatozóide, que representa o outro cinquenta por cento da citada herança genética. Portanto, a mulher é tão valiosa como o homem no processo da fecundação, mas, a maiores, a mulher é quem nutre o menino a partir da sua própria alimentação, quem deforma o seu corpo, quem sofre as dores de parto, quem sente o menino palpitar no seu ventre, quem experimenta alterações psicofisiológicas muito importantes tanto no processo de gestação como no pós-parto. E todo isto que realiza a maiores não tem o seu reconhecimento social nem legal. Por conseguinte, a mulher sofre um processo de exploração no seu rol reprodutor, que é essencial em qualquer sociedade.

            O segundo é a tomada de consciência por parte da mulher das suas possibilidades e capacidades, e, consequentemente, do seu protagonismo histórico em igualdade real de condições com o varão, rompendo as ligações das religiões e dos governos dominados por uma ideologia de gênero machista e exploradora da mulher. O sistema educativo véu demonstrar fielmente que a mulher tem as mesmas capacidades intelectuais que o homem, e a capacidade intelectual, junto com a linguagem articulada, é quem distingue o ser humano dos demais animais, e não a força física. Hoje a mulher grita alto e forte: «nós parimos, nós decidimos», e este grito deve incluir também a exigência de que se lhe reconheça e valore o seu rol nutriz, os seus sacrifícios e a deformação do seu corpo.

            Filósofos e psicólogos reconhecem também que as capacidades da mulher e do homem são distintas em ambos os sexos, e assim como o homem é superior à mulher em várias facetas, no que atinge à atenção e cuidados aos demais, a mulher supera os homem, e eu não tenho nenhum reparo em reconhecê-lo. Creio que não procede fazer tabula rasa destas diferenças entre os sexos, fundadas na própria natureza genética humana, ainda que nunca devem utilizar-se para estabelecer diferenças desigualitárias ante a lei. Se examinamos como resolvem este problema as demais espécies de animais podemos comprovar que o cuidado das crias recai nas fêmeas, quer em exclusiva ou ajudada, em certas espécies, polo macho. Nalguma espécie, como na dos leões, o macho pode chegar a matar as crias para poder gozar de novo dos favores sexuais da fêmea e não contribui para nada à sua criança e manutenção. Nos antropomorfos, orangotangos, bonobos, gorilas e chimpanzés, o cuidado das crias recai na fêmea, não desempenhando o macho nenhum rol relevante. Na espécie humana, a fêmea também assumiu historicamente o rol da nutrição e criança da prole, limitando-se o pai a desempenhar um rol de caráter disciplinar, e de tomada, na maioria dos casos, das decisões mais importantes, para o que o facultava a legislação imperante.

            Outro argumento de peso à hora de tomar uma decisão sobre o melhor modalidade de custódia é o econômico. Historicamente a mulher sofreu uma grande discriminação econômica. Tanto em Israel como na sociedade greco-romana e na islamista a mulher somente podia receber herança se não tinha irmãos varões, e todos nos lembramos como as nossas mães não podiam dispor dos bens herdados dos seus progenitores sem o consentimento do esposo, e, por conseguinte, a riqueza canalizava-se a través da via do gênero masculino. Nos nossos dias, a mulher continua sofrendo uma notória discriminação no salário e na riqueza: menores salários, menores pensões, menos capacidade econômica. Se estabelecemos um sistema de custódia compartida no que se obrigue a ambas as partes a fazer o mesmo esforço econômico para criar e educar os filhos, como pedem publicamente muitos homens que reclamam o regime de custódia «no que não há que pagar», o que estamos a fazer é perpetuar essa discriminação econômica histórica por razão de sexo.

            A casuística das rupturas é muito considerável e de ai que cumpre que se tenham presente essas peculiaridades à hora de decidir, mas, em geral, tendo em conta todo o anterior, considero que não seria injusto senão muito mais aceitável estabelecer uma diferença de sexo à hora de fixar o tipo de custódia que se outorga. Creio que seria mais atinado dar-lhe uma certa preferência à mulher à hora da custódia dos filhos em situações normais, com uma repartição equitativa das cargas familiares, ainda que com um regime amplo de visitas por parte do outro progenitor. Deste modo, ressarcir-se-ia a discriminação negativa que sofreu a mulher historicamente e se perpetua nos nossos dias, solução fundamentada não em conceções arcaicas e falsas da realidade, senão nos factos da ciência atual.

18 sept 2019

Da autodeterminação à determinação


                O reconhecimento dos direitos humanos é o que distingue aos povos mais civilizados e de maior elevação moral, que é um conceito muito distinto do estado de direito. Quando não se cumprem os direitos dos indivíduos ou dos povos, surge a repressão, e então acode-se como um talismã, à insistência no estado de direito. Evidentemente que temos que cumprir as leis, mas os poderes públicos têm que cumprir e fazer cumprir os direitos humanos, que constituem a quinta essência de qualquer ética que se preze e, portanto, duma convivência civilizada.

                O desenvolvimento dos direitos humanos produziu-se por etapas ou por gerações. Com a Revolução Francesa surgem os direitos a primeira geração, que são os direitos pessoais individuais e cívico políticos, que pretender proteger o indivíduo frente ao estado: direito à vida, direito de reunião, manifestação, iniciativa privada, etc. As formações de caráter liberal, que são, principalmente, os partidos da direita, tomam estes direitos como a sua bandeira e silenciam ou restringem o cumprimento dos demais. A segunda geração de direitos humanos surge depois da primeira guerra mundial com o objetivo de fazer efetivos os direitos da primeira geração e justificam a intervenção do Estado na economia para promover a igualdade real e umas condições socioeconômicas e políticas dignas. Se uma pessoa não tem uns mínimos recursos econômicos tampouco pode ser livre nem participar em igualdade com os demais na vida pública. Nos anos setenta do século XX surgem os direitos da terceira geração, ou da solidariedade, que protegem à coletividade frente aos indivíduos e ao estado. Compreende o direito ao meio ambiente e à saúde, à paz, a viver num ambiente livre de guerras, etc.

                Â parte dos citados direitos, que são direitos das pessoas individuais existem os direitos dos povos, como o direito de autodeterminação, direito a preservar a língua do povo, direito a autogovernar-se, dispor dos próprios recursos, etc. Alguns destes direitos foram consagrados no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos da ONU do ano 1966. No seu artigo 1 ambos consagram o direito de autodeterminação dos povos. O cumprimento destes direitos tem uma grande resistência por parte da maioria dos estados, que os subordinam à  preservação da sua unidade, convertida por eles num a priori absoluto e intangível em aras do qual mantêm atenazados os povos que convivem nos seus limites territoriais.

                A questão dos direitos humanos pode focar-se desde um ponto de vista ético ou jurídico. Na ética parte-se das aspirações e necessidades, neste caso, coletivas, e no segundo considera-se o estado da legislação vigente, ou seja, o reconhecimento jurídico desse direito. Desde o ponto de vista ética não cabe a menor dúvida de que os povos têm direito de autodeterminação, igual que as pessoas individuais têm direito à liberdade e, portanto, não podem ser submetidas à escravidão. Esta aspiração dos povos é recolhida do seguinte jeito na Resolução da Assembleia Geral da ONU 1514, de 1960: “Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações pacificas e amistosas baseadas no respeito dos princípios da igualdade de direitos e da livre determinação de todos os povos, e de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção por motivos de raça, sexo, idioma o religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades,
            Reconhecendo o apaixonado desejo de liberdade que abrigam todos os povos dependentes e o papel decisivo dos citados povos no logro da sua independência”. A legislação espanhola, neste caso a CE, está baseada na desigualdade entre os povos. O povo espanhol, muito majoritário sobre os demais, é o depositário único da soberania, enquanto que o povo galego, basco e catalão só podem participar na alíquota parte dessa soberania se se negam a si mesmos como tais povos e se integram no povo espanhol. Estes povos têm aspirações de poder decidir o seu futuro e de autogovernar-se, mas esta aspiração é reprimida uma e outra vez pola maioria dos representantes da soberania espanhola. O colmo desta repressão vem representada pola proposta de C’s de aplicar o 155 se os independentistas não acatam uma sentença que se presume que vai ser injusta, porque todos vimos que em Catalunha não se produziu nenhuma sedição nem rebelião.

            Desde o ponto e vista jurídico, tendo em conta que esta legislação é produto dos estados membros da ONU e não dos povos ou nações, a questão não está tão clara. A resolução da ONU citada reconhece claramente o direito de autodeterminação com as seguintes palavras: “Todos os povos têm o direito de livre determinação, em virtude deste direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente o seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. Vemos que se refere a todos os povos sem exceção e não só aos coloniais, ainda que a resolução se dirige fundamentalmente aos países e povos coloniais. Mas no apartado 6 introduz a noção de unidade nacional que se presta a que muitos lhe neguem aos países dependentes o direito de autodeterminação: “Todo intento encaminhado a quebrantar total ou parcialmente a integridade territorial dum país é incompatível com os propósitos e princípios da Carta da Nações Unidas”. Esta unidade territorial, refere-se à unidade dos países que aspiram a independer-se ou também aos estados consolidados? Se se refere a estes últimos, então, a independência dos países coloniais seria totalmente inviável. Nos Pactos da ONU de 1966, já citados, fala do direito de autodeterminação de todos os povos sem exceção, e estes Pactos têm um caráter universal e não se emitiram para contextos coloniais. Consoante com isto, vários países recolhem o direito de autodeterminação na sua constituição ou restante legislação.

                O Estado espanhol não é capaz de solucionar o problema nacional, como muitos mais e as justificações são do mais peregrinas. Faz uns dias o ex-presidente Zapatero afirmava que a independência se pode defender a nível do pensamento, mas não efetivá-la na prática. Saída genial como vemos, pois o ex-presidente está disposto a não impedir-nos pensar livremente, sempre que isso não colida com a o dogma da «unidade nacional» em aras do qual todos devemos sacrificar as nossas aspirações. São ocorrências próprias dos membros dum partido que se confessa republicano, mas que apóia sem fissura a monarquia; dum partido que se declara de esquerdas e se apresenta como tal às eleições, mas depois somente está disposto a coligar-se com a direita e a aplicar políticas liberais. Mas, até o momento o cúlmen das ocorrências está protagonizado pola deputada socialista Eva Granados que manifestou o 11/09/2019 que "não tem que ser a cidadania quem dirima uma questão tão importante como a auto-determinação”. Então, as questões importantes numa democracia quem as tem que resolver? Uma resposta seria que ninguém, e que bastará fazer como Pedro Sánchez no referente à formação de governo, não fazer nada e esperar a que outros resolvam as questões. Parece, contudo, que não é isto o que a deputada socialista pretendia dizer, senão que as questões mais importantes as decidem as elites dos partidos, que é muito parecido ao que dizia Hitler. Portanto, o demos, o povo, não é quem decide, senão que quem decide são as minorias seletas, e, mais em concreto as oligarquias, que foram quem impuseram um monarca que ninguém pudo votar e quem alentaram a Pedro Sánchez a que fosse de novo a eleições. Neste caso, não se trata de acomodar-se ao que diz a gente, senão de modelar a decisão popular para que apóie o que decidem as elites, que são os principais protagonistas do devir histórico. Os povos não têm direito de auto-determinação, senão que são as elites as que tem o poder de determinar o que deve determinar o povo. Em vez de reconhecimento da autodeterminação temos reconhecimento da determinação. Em realidade, assim é como vem operando este país desde a «exemplar» transição e a isto chamam-lhe democracia avançada. Por que não dão uma volta por Suiça?

8 sept 2019

Por que Pedro Sánchez nos embarca em novas eleições?


                Vivemos numa sociedade na que os políticos atuam cada vez mais dum jeito maquiavélico, subordinando os princípios éticos aos interesses políticos, utilizando a mentira, a distorção dos factos, a censura encoberta, a fabricação de relatos e a repressão como armas políticas, e a ética como um mero instrumento mais dessa falsificação da realidade. Se um fia do que dizem os políticos não será capaz de formar-se uma ideia clara do que acontece num país.

                Outro traço da sociedade atual é a consolidação do ascenso do capital ao governo, de modo que este se converte cada vez mais num representante da oligarquia que já não se preocupa de controlar o governo por meio dos seus acólitos, dos subornos, movimentos estratégico do capital,... senão que passa a ocupá-lo diretamente sem o menor complexo. A propaganda bastará para convencer a cidadania de que estão a trabalhar no seu interesse. Isto não é difícil porque o poder mediático está também nas suas mãos, que lhe permite lavar-lhe a mente à gente para que adira à “verdade”, e destruir aos que pretendem impor outra “verdade”. O caso mais evidente nos nossos dias é o de Trump.

                Quando se trata de polaridade entre dous atores muitos costumam adotar uma posição eqüidistantes, em base ao princípio “in médio virtus”, “in medio veritas”, (“a virtude está no meio”, “a verdade está no meio”), mas eu não creio neste termo médio nem como indicativo da virtude, nem da verdade. Quem rouba cem euros, não ressarce a sua dívida devolvendo cinquenta, senão que tem que devolver a quantidade total de cem; igualmente, a verdade obtém-se pola fidelidade total da descrição dos feitos com o que realmente acontece ou passou e não por posicionar-se em nenhum termo meio. Quero deixar claro que não são votante nem do PSOE nem de UP.

                Vem esta breve introdução a propósito do que está a passar com a formação de governo por parte de Pedro Sánchez. Todo o mundo pudo ouvir como o Círculo de Empresários se manifestou publicamente sem o menor recato em prol da repetição eleitoral com a finalidade, naturalmente, de procurar um governo mais proclive aos seus interesses, nos que estão em jogo milhões de euros, por considerar que Podemos seria menos dúctil e menos maleável por pretender legislar em prol da maioria social por ter mais independência e não depender o seu financiamento das campanhas eleitorais dos favores do capital financeiro, enquanto que o PSOE, com umas dívidas financeiras importantes e dependendo, portanto, dos bancos, é mais sensível às demandas dos empresários e também muito mais proclives a ocupar cargos nas empresas uma vez que deixam a atividade de governo. A primeira consequência clara de todo isto é que não mandam os que parece que mandam, senão que quem tem o poder real são os que têm o poder econômico, e o poder político é um delegado seu, mas estão disposto a ser muito benévolos com os que se portam bem e não põem a “economia” em perigo, ofertando-lhe postos de trabalho muito bem retribuídos por fazer de lobbies “conseguidores” de contratos e favorecer que os poderes políticos legislem “sensatamente”.

                O PSOE tinha a rota trilhada para formar um governo que pusesse em pratica as políticas que figuram no seu programa, mas está claro que esse programa não se quer cumprir, senão que se utiliza só como reclamo para conseguir votos que depois se põem ao serviço do que mais convenha, não aos seus votantes, senão a outros que são os que realmente mandam. Quando Pedro Sánchez negociou um governo com C’s chegou a um acordo com Rivera em tempo recorde e sem semelhantes subterfúgios como os de agora, e reservou-lhe a Pablo Iglesias o rol de bem-dizer a união entre os dous, para aplicar políticas da direita, que Rivera quantificou que recolhiam um oitenta por cento do seu programa, mesquinho para a cidadania e hostil às aspirações dos partidos independentistas. Naturalmente, UP não picou. Depois das eleições do 28ª, ao negar-se Rivera a uma nova maridagem, que lhe daria a Sánchez a maioria absoluta, a única alternativa era um pacto com Podemos, mas, como não quer desairar ao poder econômico nem assumir as críticas do unionismo mais fechado por governar com os independentistas,contra os que previamente lançaram uma campanha de propaganda, injúrias e insultos desapiedada e implacável de desprestígio para demonizá-los perante a opinião pública, e, perante a possibilidade de aproveitar em próximas contendas eleitorais os reditos obtidos do apoio sem contrapartidas de Iglesias, dedicou-se a buscar pretextos para evitar formar governo atrasando qualquer negociação até os últimos segundos e evitando dar-lhe a UP o poder e a representação no governo que em justiça lhe corresponde segundo os resultados eleitorais, e impondo um veto incompreensível e antidemocrático a Pablo Iglesias, porque não é uma pessoas que esteja implicado em nenhum ilícito moral, e, portanto é um veto totalmente arbitrário que implica vetar ao próprio partido de UP. A renúncia de Pablo Iglesias a ocupar ministérios colhe-o por supressa por ser uma decisão que não esperava e só posta com a finalidade de abortar a formação de governo.

                A investidura fracassou em julho, como era lógico nestas circunstâncias e com a finalidade de inviabilizar um acordo de cara à eventual formação de governo, agora dedicou-se a desdizer-se do que lhe concedera em julho a UP, reclama a monopolização total de todo o poder por parte do PSOE, apesar de não ter para isto nenhum aval da cidadania, e reserva-lhe aos de Unidas Podemos o rol de sacristães duma cerimônia que oficia o PSOE, com Pedro Sánchez de Sumo Sacerdote. Ao mesmo tempo, já leva tempo preparando um relato inventado que justifique a sua atuação de cara a novas eleições para que não seja óbice a incrementar a sua cesta de votos e, de passo, reforçar o bipartidismo e a monarquia parlamentar, por parte dos que se chamam republicanos, objetivos que também compartem com os poderes econômicos. É totalmente improcedente esta manobra por parte do PSOE porque a cidadania já votou e era factível conformar um governo e só se pretende favorecer os seus resultados eleitorais e dotar-se de sócios menos “problemáticos”, sem preocupar-lhe em absoluto o custo que isso representa para as arcas públicas, ou seja, para o dinheiro de todos os contribuintes.

                No caminho fica a perda duma grande dose de ilusão da cidadania por observar que as esquerdas não são quem de pôr-se de acordo; a perda dum tempo magnífico para começar a resolver os problemas do país, do que se conclui que os políticos estão empenhados em demonstrar que eles não servem para nada e que perder um ano entre pitos e flautas sem fazer nada não se nota num país; um monto importante de dinheiro perdido inutilmente em gastos eleitorais prescindíveis; o problema que representa para qualquer votante de esquerdas pensar que os partidos aos que poderia votar quiçá não sejam capazes de pactuar tampouco no futuro; a dificuldade de apresentar aos seus votantes um relato coerente e crível sobre o que se pensa fazer no futuro e um problema de distribuição do poder territorial no estado espanhol ao que não são capazes de dar solução e só se oferece como alternativa a pura repressão. E depois queixam-se do desapego e desafeição dos nacionalistas periféricos cara a essa Espanha que proclamam única e indivisível.

A eutanásia


A palavra eutanásia deriva de dous termos gregos: eu, que significa bem, bom, boa, e thanatos, que significa morte. Portanto, a expressão completa significa boa morte, que nos nossos dias se chama morte digna. Em realidade não se refere ao ato psicofisiológico mesmo de morrer, senão ao tempo de vida que precede a morte, quando esta se considera já inevitável e de curta duração, acompanhada de fortes dores, quando se trata duma vida desvalorizada, como no caso de Ramón Sampedro, ou duma existência inconsciente, como a duma pessoa em estado de coma de coma irreversível que pode que não sofra, mas que é obrigado mantê-la com vida artificialmente apesar da sua insensibilidade, dos sacrifícios dos seus achegados e das fortes despensas que isso implica para a coletividade e que repercute num pior serviço para os demais doentes.

            Igual que os outros temas morais, o da eutanásia refere-se aos valores e, portanto, a um mundo muito distinto do mundo dos factos, do que existe, e referente a eles sempre cabe a disparidade de opiniões, porque as proposições relativas aos valores não se podem submeter a contrastação científica. Dizer isto não significa que dependem do arbítrio puramente subjetivo das pessoas, algo parecido ao que passa nos gostos, a respeito dos quais se diz que não há nada escrito. Se uma pessoa manifesta que ela gosta da cor vermelha, carece de sentido que alguém trate de convencê-la de que lhe deve gostar a amarela. Nos valores morais não acontece isto, senão que se uma pessoa manifesta que prefere um mundo no que os brancos têm mais direitos que os negros, sempre podemos intentar convencê-lo de que a sua opinião não é a correta, e portanto, aceitável, recorrendo a uma série de argumentos tirados da etnologia, psicologia, sociologia, lógica ou a ética. Isto não significa, por outra parte, que as proposições relativas aos valores sejam universais, de caráter absoluto e válidas para todo tempo e lugar, pois variam em função das condições socioeconômicas, políticas, e culturais da comunidade que lhes deu a vida. O quarto mandamento da Lei de Deus manda honrar aos pais, mas o conceito de pai não é agora essa autoridade veneranda de que fala a Bíblia, senão que um pai é um ator que interatua num plano horizontal muito mais igualitário com os seus filhos.

            Nos nossos dias a eutanásia costuma estar proibida em praticamente todas as legislações, proibição que foi imposta num tempo de forte influência das religiões na vida pública. Estas costumam suster que a vida é sagrada enquanto proveniente de Deus, e, portanto, o homem não pode fazer outra cousa que respeitar a proibição divina. Hoje a tese científica mais aceite em biologia afirma que a vida surgiu dum jeito espontâneo e azaroso na terra sem necessidade de nenhuma intervenção divina, e, por conseguinte, existe uma mentalidade mais receptiva a introduzir pequenos câmbios legislativos num tema sempre difícil e propenso ao abuso, se não se precisam muito claramente as circunstâncias em que pode levar-se a cabo, pois não se pode abrir a porta ao assassinato bem-dito pola lei.

            Quando se abre a porta à legalização da eutanásia levanta-se a questão de quem deve decidir sobre a sua legalização e se nesta decisão a pessoa tem algo que dizer ou se mantém a via impositiva atual na que a decisão individual não conta para nada. Deve ser a coletividade social por meio dos seus representantes, em base a «um homem, um voto», ou a coletividade social na que certos atores, individuais ou grupais, tem um voto qualificado? As religiões são organizações totalitárias, dito seja, sem ânimo desprezativo, ou seja, são instituições que pretendem abarcar todos os aspectos da vida do indivíduo, e, como seria de esperar não podiam deixar os últimos momentos em mãos da pessoa individual. Desde a Reforma protestante, o indivíduo constituiu-se em eixo da vida pública em detrimento da coletividade, e seria de esperar que os partidos políticos mais defensores do rol do indivíduo na vida pública, que são os partidos liberais, defendessem o direito do indivíduo a decidir sobre como deve ser a sua morte se se dão certas condições, mas os partidos políticos não se movem sempre pola coerência senão também polo interesse da sua massa de votantes, neste caso de tendência conservadora e mais receptivos à ideologia religiosa imperante. Isto leva a que direitos de caráter individual como o do aborto e da eutanásia sejam defendidos por partidos coletivistas, como são PSOE e UP,e não por partidos liberais como Vox, PP, C’s.

            A igreja católica, como tal, posicionou-se sobre a eutanásia por primeira vez no Concílio Vaticano II, na constituição Gaudium et Spes de 1965, na que considera que a eutanásia, igual que o homicídio, genocídio, aborto e suicídio deliberado, é moralmente inaceitável enquanto que é contrária à vida mesma. A este respeito cumpre dizer que é indicativo duma grande insensibilidade moral meter no mesmo saco infrações tão dispares como a do aborto e a do genocídio ou dum assassinato, igual que não se pode meter no mesmo saco a consideração moral da ação dum rouba galinhas que a duma pessoa que viola e mata uma mulher. Ambas são moralmente inaceitáveis, mas metê-las no mesmo saco só pode levar à confusão e a distorcer a realidade. Em segundo lugar, não toda ação contrária à vida é moralmente inaceitável, pois uma execução que implica a morte do reio também é contrária à vida, e, não obstante, a pena de morte sempre foi defendida polo catolicismo até tempos muito recentes, em base ao argumento de que há crimes que somente se podem coibir com a morte do reio, utilizando claramente um argumento teleológico ou consequencialista, apesar de que a igreja condenou o teleologismo moral ao que tanto recorreu na sua praxe histórica. Portanto, teria que explicar que num caso uma morte é boa e se bem-diz um mal para obter um bem, e, noutro caso, em que também se efetua um mal para conseguir um fim é moralmente inaceitável. Na sua história a igreja praticou homicídios a eito do que são um testemunho eloquente o que passou nas Cruzadas, a Inquisição, e as diversas guerras nas que ela interveu ou participou ativamente.

A igreja defende uma mística do sofrimento totalmente inaceitável por ser contrária à razão e ao anseio dum mínimo de bem-estar ou felicidade por parte dos seres humanos e inclusive diria que de todo o reino animal. Regodear-se do sofrimento alheio é um claro indicativo de masoquismo e de baixeza moral. Como diz Tomás de Aquino, o homem aspira dum jeito inato à felicidade e esta aspiração foi inserida nele polo seu criador, segundo a mesma religião cristã, e o sofrimento é inexplicável mesmo no projeto divino. Mas o que nunca se pode fazer é adotar uma mística do sofrimento que o bendiga e que insensibilize as pessoas perante o seu problema tanto no ser humano como em todos os animais que são capazes de sofrer, e perante o qual a instituição eclesial deu provadas mostras de falta de empatia. A igreja considera que a ação mais meritória de Jesus não foram os seus milagres ou a sua rebelião contra a injustiça, senão o seu sofrimento e morte na cruz em cumprimento dos desejos dum Deus sedento de sangue humana e desejoso de contemplar a submissão, rebaixamento, aniquilação e obediência das suas criaturas mais elevadas, para ressaltar o seu poder e a sua glória. Igualmente, as ações mais meritórias do santos não são as ações em benefício da comunidade, senão o seu sofrimento e, já como ato culmen, o martírio. Ë bem pequeno este Deus que necessita que tantos sofram e morram por ele. A Igreja não pode pretender que também todos os seres humanos sofram inutilmente pretendendo emular ao Cristo que sofre em contra da sua vontade.  

A igreja defende que nunca se devem interromper os cuidados ordinários que se lhe devem ao paciente, ainda que a morte seja iminente, por muito que este sofra ainda que sim se podem omitir os cuidados extraordinários onerosos, perigosos ou desproporcionados, sempre que o aceite o paciente ou os que decidem por ele. Admite o uso de cuidados paliativos, ainda que possam encurtar a vida do paciente, mas isto não resolve problema e não afeta a casos como o de Sampedro ou os dum doente em estado de coma.        

            Numa época como a atual, marcada pola noção de autodeterminação pessoal e de laicismo social, a eutanásia tampouco se pode deixar em mãos das confissões religiosas, inimigas viscerais de qualquer classe de auto-determinação sob o pretexto de que representam a voz do Altíssimo, e, portanto, a cidadania institucionalizada deve recuperar a sua voz e a sua decisão a nível comunitário para estabelecer um marco legal no que as pessoas concretas possam exercer o seu direito de autodeterminação sob certas condições. Esta autodeterminação deve desenvolver-se a um duplo nível: a) Como autodeterminação conjunta junto com todos os demais cidadãos para fixar o marco legal no que se insere a prática da eutanásia, e b) Autodeterminação individual para que a pessoa decida se quer ou não acolher-se a este marco ou decide sofrer estoicamente para seguir vivendo ou pôr fim a um sofrimento que considera inútil e sem sentido. Por conseguinte, qualquer cristão que quer imitar o sofrimento de Cristo, mas que tem, ao mesmo tempo, tendências democráticas não teria por que opor-se a esta regulação social da morte digna. O seu plano de vida fica respeitado e ele deve também permitir que o seja o dos demais, sem pretender impor a sua conceção ao resto da sociedade. Portanto, a decisão sobre os casos em que os cidadãos podem recorrer à eutanásia tampouco deve ficar ao albur de cada um dos cidadãos a título individual senão que deve ser obra de todos os cidadãos em referendo ou dos seus representantes políticos e desde logo num contexto democrático e participativo de todos. Numa sociedade plural como a dos nossos dias, somente uma ética de caráter laico pode dar, nos dias de hoje, uma resposta socialmente apropriada a este problema.