29 abr 2018

Extra ecclesiam tota salus


                O papa Francisco é uma boa pessoa, mas o pobre pode fazer o que pode fazer porque entre os dogmas inalteráveis, perenes e imutáveis e os seus confidentes ultra-arcaicos vê-se totalmente impotente para mudar as cousas qualitativamente e limita-se a gestos sugestivos, com pouca virtualidade para cambiar as estruturas da Igreja, por mais que algumas vezes não deixe de surpreender-nos positivamente. Ao ritmo que vai dentro de cinquenta anos pode que já coincidamos, ainda que não possamos ter consciência dessa concordância.
                A mediados do mês de abril consolou a um menino, de nome Emanuel, que lhe perguntou se o seu pai que era ateu e morreu faz pouco estaria ou não no céu, dizendo-lhe que Deus não abandona às pessoas boas. Eis o que eu já pensava quando tinha vinte e quatro anos aproximadamente, se bem, como. não era clérigo mais que em projeto, somente afirmava que “Deus, se existe, nunca pode abandonar a uma pessoa que é boa e obra corretamente”. Passaram já desde então muito tempo na perspectiva humana, e agora já não podo crer no Deus no que daquela creia e que não se diferenciava muito do Deus do papa Francisco. Considero o Deus bíblico judeu-cristão como um Deus tribal, zeloso, guerreiro, justiceiro, vingativo e intransigente; uma divindade que mudou no cristianismo num deus uno e trino, um absurdo lógico e metafísico, que foi  asseteado sem trégua polos dardos dos teóricos filhos seus até a situação agônica em que agora se topa. Este Deus, como dizia Nietzsche, morreu e somos nós quem lhe demos morte, assassinos entre os assassinos, mas ainda sobrevive fossilizado em certos sectores atrasados da sociedade.
Deus, como dizia Schleiermacher não é mais que uma criatura humana que encarna em si todo o que o home de cada momento histórico considera o melhor e o mais sublime e excelso. Para um home duma sociedade tribal, o seu deus será também um representante dos melhores valores tribais; para um membro duma sociedade guerreia, o seu deus vai ser um deus guerreiro; para um membro duma sociedade escravista, o seu deus defenderá a escravidão. Por conseguinte, a criatura humana, chamada deus, que cria o home hoje tem que ser distinta e estar livre de toda uma série de conotações arcaicas. Eis a razão pola que o meu deus não pode concordar com o duma sociedade de faz quatro mil anos, um deus retrógrado e obsoleto, um fóssil vivente, que não me entenderia.
                O papa Francisco louvou Emanuel e o seu pai dizendo: "Que bonito que um filho diga que o seu papá era bom. Um bonito testemunho de aquele home para que os seus filhos possam dizer de ele que era um home bom. Se esse home foi capaz de ter filhos assim, é verdade que era um grande home". Bonito louvor o de Francisco, se bem eu precisaria que um home é bom polas suas obras retas e não pola procriação dos seus filhos, porque a bondade ou malícia humana, enquanto valor moral dos atos humanos, não se transmite de pais a filhos, porque não estão enraizados nos genes. Seguramente o papa Francisco conhece muitos clérigos que tiveram uuns pais de conduta nada edificante.
O seu louvor da bondade dum home ateu suscita o interrogante de para que serve a religião. Os adeptos a religiões são mais cumpridores e de maior elevação moral que os que se declaram ateus ou agnósticos? É uma constatação empírica que os homes de esquerda se confessam em maior medida ateus ou agnósticos e os de direita mais crentes, mas todo indica que o valor da conduta moral dos humanos de direita não ultrapassa o valor da conduta moral dos humanos de esquerda. Se nos cingimos ao âmbito político, parece que é ao revés. Observamos grosso modo uma maior corrupção e maior belicosidade e uma menor solidariedade nos home de direita que nos de esquerda. Todo dá a entender que os políticos e os militantes de esquerda têm uma ética superior aos da direita, e se isso é assim, podemos perguntar-nos: para que serve a religião se não contribui a fazer melhores as pessoas? Um fator causal importante no declínio moral dos crentes cristãos é o adormecimento da consciência moral provocada pola absurda teoria de que basta com confessar os pecados a um clérigo, ainda que seja tanto ou mais criminal como o penitente, para que este fique limpo e possa tomar possessão da poltrona que lhe permitirá ser feliz contemplando o ser divino no céu por muito criminoso que tivesse na véspera da sua morte. Como dizia um clérigo italiano pilhado in fraganti num prostíbulo: “Peco, mas logo confesso-me”. A utilização fraudulenta da confissão deveria ser motivo suficiente para eliminá-la duma vez, e se sobrevive é unicamente polo anseio do clericato de não perder o controle das consciências que historicamente se fez desde o confessionário, que lhe proporcionou pingues benefícios econômicos.
Ora bem, o que não explicita Francisco é como concilia a sua afirmação de que Deus não abandona as pessoas boas com o reiterado e solene pronunciamento eclesiástico de que extra ecclesiam nulla salus (Fora da igreja nenhuma salvação), que é considerado, em consequência, como um dogma de fé. Somente a título indicativo, imos expor algumas destas manifestações.
O VI Concílio de Toledo de 638, D. 493, disse: “Com esta fé os corações são purificados (cf. Act 15, 9), com esta as heresias são extirpadas, nesta toda igreja colocada já no reino celeste e vivendo no século presente se gloria, e não existe salvação noutra fé: «nem se lhe deu outro nome aos homes sob o céu, no que seja necessário ser salvos» (Act 4,12)”. O papa Bonifácio VIII na Bula Unam Sanctam de 18/11/1302, D. 870, declara: “Estamos obrigados a crer e suster pola fé premente uma santa igreja católica e apostólica e nós cremos firmemente e simplesmente confessamos, que fora dela não existe salvação nem remissão dos pecados”.
No IV Concílio de Latrão, dozeno concílio ecumênico, D. 802) definiu-se: “Uma em verdade é a igreja universal dos fiéis, fora da qual ninguém em absoluto se salva”. Os pronunciamentos tanto papais como conciliares continuaram até o século XX. O concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, 14, declarou que Cristo “confirmou a um tempo a necessidade da Igreja, na que os homes entram polo batismo como porta obrigada. Polo qual não poderiam salvar-se quem, sabendo que a Igreja Católica foi instituída por Jesus Cristo como necessária, recusaram entrar ou não quiseram permanecer nela”. Todos estes pronunciamentos têm como objetivo apresentar a igreja católica como imprescindível e necessária, e irão acompanhados de ameaças de condenas eternas por Jofre fervendo a quem não entre na igreja ou ouse sair.
O posicionamento do papa Francisco é mais racional e mais sensata que a expressada reiteradamente pola igreja, se bem tem que pagar o preço para a instituição de que já não poderá suster o lema “extra ecclesiam nulla salus”, senão que deve mudá-lo polo de “Extra ecclesiam tota salus”, e, portanto, reconhecer que os homes podem salvar-se igualmente ainda que militem noutra religião, não militem em nenhuma ou se declarem abertamente ateus. As obras são as que salvam e não a militância numa ou outra organização. Para que se imponha o posicionamento de Francisco no seio da igreja, hoje impossível, tem que acompanhar-se duma reinterpretação histórica tanto das Escrituras como dos dogmas, na que se considerem estes como posicionamentos dum determinado momento histórico que nascem e morrem como expressões duma determinada sensibilidade religiosa e moral, e, ao cambiar esta, os dogmas também têm que cambiar necessariamente. Só desta maneira se logrará uma sintonia entre a Igreja e a sociedade que converterá a igreja numa instituição útil para as pessoas e para a sociedade, deixando de ser esse cadáver elefantino que permanece em pé durante um tempo depois de morto, que cumpre arrumar porque pronto fede e já não serve para nada. .


9 abr 2018

Matizações a Pablo Iglesias


            O dia 7/04/2018, Pablo Iglesias teve uma intervenção num programa de televisão, na que fez umas manifestações com as que, em linhas gerais, concordo. No seu discurso reflete um ar fresco e inovador muito necessário nestes momentos. Há, com todos dous temas sobre os que discrepo polo menos parcialmente.

O feito foi que o Domingo de Páscoa, á saída da missa da catedral de Palma de Malhorca, a rainha Letízia obstaculizou publicamente que a rainha Sofia, avó de Leonor, herdeira ao trono de Espanha, e da infanta Sofia, se fotografasse com as suas netas, ao tempo que lhe limpa a frente à sua filha a Leonor após depois de que a sua avó lhe desse um beijo. Ante este facto, Iglesias manifestou que isso pertencia à sua vida privada e que ele não tem direito a opinar dela senão só da vida pública dos monarcas. As suas palavras foram: Não vou ser eu quem entre a valorar se há uma disputa entre as rainhas. Sobre os atos do rei enquanto que pai, a rainha enquanto que mãe ou a rainha enquanto que avó não tenho nada que dizer, mais que manter o máximo respeito. 

            Eu também respeito a opinião de Iglesias, mas, segundo o meu critério, creio que não é correta, polas seguintes razões:

1ª.- Estabelece uma divisão artificial entre a vida privada e a vida pública, que, especialmente, no caso dos reis e governantes muitas vezes é impossível de fazer. Que J. F. Kennedy se deitasse com espias sumia numa profunda preocupação nos membros da CIA, porque isso podia comprometer a segurança do país, que tem prioridade sobre qualquer relação de parelha. A caçada de elefantes do rei João Carlos em Botswana, acompanhado da sua amante Corinna, apesar de que era um assunto totalmente privado, determinou que tivesse nada menos que renunciar ao trono. Nesta excursão, durante um período muito crítico para o Estado espanhol, ele amostrou uma série de facetas nada exemplares: caça elefantes ao tempo que preside uma fundação que o proíbe; dedica-se a umas intensas jornadas de prazer ao tempo que prega «moralina» de austeridade para os sofridos espanhóis; e revela a sua faceta de home privado infiel e adúltero. É que podemos despachar este comportamento com o estribilho de que pertence à sua vida privada? Creio que o Sr. Iglesias deveria refletir sobre a relação entre o privado e o público.

2ª.- O problema ainda se complica mais se temos em conta que o incidente entre nora e sogra reais se produz num ato ao que assistiam no desempenho do seu cargo de reis, e, por conseguinte, de nenhum modo se pode afirmar que se trata dum ato privado, porque os atos de  desempenho do cargo nunca são privados. E que observamos neste ato? Nada menos que uma relação muito tensa entre nora e sogra, e uma proibição expressa duma rainha a que uma avó realize umas fotos com as suas netas e a manifestação de asco ante o facto de lhe ter dado um beijo à sua neta. Considero que são umas relações que estão muito deterioradas e desumanizadas. Não sabemos quais são as razões reais dessa atitude da rainha, que alguns atribuem ao apoio de Sofia às suas filhas no caso da Instituto Noos, mas é difícil, por não dizer impossível, justificar que uma diferença de critério político se utilize como razão para impedir o contacto com as suas netas e muito menos para proibir-lhe sacar umas fotos com as netas e a sensação de asco polo beijo. Ainda que de todo há na vinha do Senhor, os filhos e netos sabem bem o que significa ter avôs e avós e o esmero e a entrega destes no cuidado dos seus descendentes mais novos. Seria de desejar, portanto, na rainha outra grandeza de alma e que não levasse as represálias contra a sogra a estes extremos. A monarquia é um grande privilégio para qualquer família, e os seus integrantes devem, polo menos, ser exemplares e saber estar às duras e às maduras. 

À pergunta de que em Espanha há divisão de poderes manifestou que sim, mas esta resposta sem matizações é totalmente inaceitável. A nível formal, é evidente que existe divisão de poderes, mas o problema não consiste se existe ou não divisão de poderes a nível formal senão se existe também divisão de poderes a nível material. A Constituição Espanhola também reconhece o direito ao trabalho a nível formal, mas isto não lhe impede ao governo de Rajoy tomar uma série de medidas que impedem o seu exercício a nível real, com os recortes brutais para drenar recursos das classes trabalhadoras aos grandes empresários. 

Quando se procede com um acoplamento perfeito e compassado entre o poder político e o poder judicial e se observa que o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo assumem sempre as teses do Governo, que já anuncia de antemão quando se vão inabilitar os independentistas, é muito difícil afirmar que há divisão de poderes. 

Aliás, o próprio Afonso Guerra declarou, no ano 1985, quando se aprovou a Lei do Poder Judicial, por maioria absoluta do PSOE: «Hoje matamos a Montesquieu», que. Lembremos, foi o Pai da Divisão de Poderes. Dizia o autor do Espírito das Leis no liv. XI, cap. VI, que a divisão de poderes é imprescindível para exista a liberdade. Eis as suas palavras: “Quando na mesma pessoas ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está unido ao poder executivo, não há de nenhum modo liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco há em absoluto liberdade se o poder de julgar não está separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse junto com o poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdades dos cidadãos seria arbitrária, porque o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força dum opressor. Todo estaria perdido se o mesmo home ou o mesmo corpo de principais, ou de nobres, ou do povo, exerce estes três poderes, o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas  e o de julgar os crimes ou as desavenças dos particular”. Sem liberdade é impossível construir uma sociedade democrática, e isso explica que a democracia espanhola seja de tão má qualidade.

Ainda mais, pois, como todo o mundo sabe, quem tem o poder de nomear os que desempenham um cargo, tem, ipso facto, o poder de controlar esse cargo, o qual explica as rixas entre partidos para controlar a nomeação. Era deste modo como Franco controlava todos os poderes do Estado e também os eclesiásticos. Pois bem, como todo o mundo sabe, o PP e o PSOE repartem-se em comandita a nomeação dos componentes do Tribunal Constitucional e do Conselho Geral do Poder Judicial, além de controlar também, um ou outro, o legislativo e o executivo. Incluso mais, um chefe de partido com maioria absoluta, pode controlar o poder legislativo, executivo e judicial. Esta e não outra é a realidade, e a divisão de poderes na Espanha é uma pura miragem.

Aliás, afirmar que há divisão de poderes na Espanha num momento em que existe uma greve programada ou já em curso como na Galiza, para reclamar que se reforce a divisão de poderes, não deixa de ser extemporâneo, e indica certa desconexão com a realidade. Também é difícil poder defender que existe divisão de poderes na Espanha quando a justiça europeia o está questionando abertamente, e em que aos unionistas não se lhe ocorre outra cousa que bramar contra uma atuação dos tribunais alemães e belgas que, polo que eu observo, é, até o momento, absolutamente pulcra, e em que está claro que os juízes espanhóis se estão comportando muito mais rigorosamente com os independentistas do que se procede com os demais, e já não digo com os casos dos imputados por corrupção do PP.

8 abr 2018

Parabéns a Puigdemont


           A solução do problema catalão não é um assunto que lhes concerne somente ao povo catalão, senão também aos demais povos integrados no Estado espanhol, fundamentalmente os bascos e galegos. Parece evidente que, com a judicialização da política, não se pretende castigar só uns determinados factos concretos dos políticos catalães, senão impor um castigo exemplar a estes para que sirva também de advertência do que lhes espera a bascos e galegos se adotam ações semelhantes. Do que se trata era de matar os anseios de liberdade dos povos diferenciados integrados no Estado espanhol para converter o Estado num espaço de convivência no que as únicas alternativas que se lhes oferece aos povos é ou a submissão à força ou o cárcere. Com Ibarretxe deu-lhes resultado e esperam ter o mesmo êxito com os catalães e que todo continue igual, que não obriguem a realizar câmbio nenhum e que a estrutura do Estado fique imutável per saecula saeculorum. 

            Os partidos políticos unionistas, concretamente os do artigo 155, não foram capazes de superar o que dizia Ortega referente à política a seguir como consequência do desastre de 1898, que consistia em rearmar o nacionalismo espanhol para que a desintegração do império não chegue a afetar ao território peninsular. Ortega pensava numa espécie de fervura emocional duradoira dos cidadãos do Estado que coutasse qualquer proclividade secessionista, noutras palavras, um impossível psicológico. Não teríamos nada que objetar ao anseio unionista se se pusessem em práticas medidas distintas às que propiciaram a desintegração do Império colonial espanhol, mas o que não se pode pretender é implantar medidas de fustigação constante dos povos, como se fez com o Estatuto de Catalunha, e, por encima querer lograr o seu assentimento. Com as colônias americanas e asiáticas rejeitou-se também a via do diálogo e em 1895 se lhe negou a autonomia a Cuba, com o resultado de que em 1898 Espanha teve que conceder-lhe a independência.

            Algumas formações políticas propõem desenvolver políticas que atraiam os catalães, intento já velho e que também formulou Ortega e Gasset, que na Espanha invertebrada falava dum “projeto sugestivo de vida em comum...( Os povos) não convivem por estar juntos, senão para fazer juntos algo”, mas isto não é mais que música celestial, que se põe claramente em evidência quando o filósofo madrileno concretiza esse objetivo comum. Diz ele, “mas, para que, com que fim, baixo que ideias ondeantes como bandeira incitantes? Para viver juntos, para sentar entorno ao fogo central, à beira uns de outros como velhas sibilantes em inverno? Todo o contrário. A união se faz para lançar a energia espanhola aos quatro ventos, para inundar o planeta, para criar um Império ainda mais amplo. A unidade de Espanha se faz para isto e por isto”. Isto quer dizer que para Ortega o projeto incitante de vida em comum se faz para que empreender empresas militares, ou seja, com um propósito claramente imperialista. Outro imperialista fracassado mais.

            Um projeto sugestivo de vida em comum não pode tampouco edificar-se sobre a base do que propõem os socialistas de Pedro Sánchez, que fala de introduzir pequenas reforminhas na Constituição Espanhola, mas que nem sequer os socialistas são capazes de precisar em que consistem. Falam de recuperar o Estatuto anterior à sentença do Tribunal Constitucional, mas isto somente se pode fazer nestes momentos com uma reforma da CE, para o qual não dispõem da vontade nem da capacidade de fazê-lo sem contar com o PP, que já disse que não se pode contentar aos «rebeldes». A sua proposta não chega sequer a cumprir o lema do despotismo ilustrado que dizia: «Todo para o povo, mas sem o povo». Os socialistas somente dizem: «Pouco para os povos, mas sem os povos». Estes políticos não estão para satisfazer as legítimas aspirações dos povos a decidir o seu governo e o seu futuro como povo, senão que, como bons cristãos, convertem este mundo, para os nacionalistas, num autêntico vale de bágoas, em palavras de São Pedro de Mezonzo. Por outra parte, o normal é que, depois do trato recebido o 1 O, malhando em velhos e velhas indefesas que iam votar, aplicando o 155 e o encarceramento de todo aquele que se tenha movido na foto, os catalães não aceitem outro Estatuto carente de qualquer garantia de ser respeitado polos gerentes do Estado espanhol, infiéis companheiro de viagem. Já dizia o grande Castelao que cumpre estabelecer um pacto com uma lei do divórcio para o caso de que o noivo não cumpra.

            Num artigo publicado o 14/03/2018, com o título de Justiça de alpargatas, dizia que não procedia imputar aos independentistas catalães por rebelião, porque a única violência que se observou o 1 O foi a dos corpos e forças de segurança do Estado; nem por sedição porque não houve um alçamento tumultuário para impedir, pola força ou fora das vias legais, a aplicação das leis, ou a qualquer autoridade, corporação oficial ou funcionário público, o legítimo exercício das suas funções ou o cumprimento dos seus acordos, ou das resoluções administrativas ou judiciais. A conclusão era clara, nenhum destes delitos se lhe podia imputar, e a justiça alemã véu a dar-nos claramente a razão. Agora só se lhe pode imputar por malversação de caudais públicos, mas já disse a ministra de justiça alemã, que não vai ser fácil prová-lo, e eu concordo totalmente com ela. Este delito, contemplado no artigo 432 do Código Penal espanhol, refere-se à apropriação do dinheiro público em interesse próprio, mas sim que creio que é aplicável a milhares? de políticos do PP, como creio que saberão muito bem os alemães, especialmente os turistas que um dia sim e outro também assistem atônicos aos anúncios de casos de corrupção, mas não aos independentistas catalães, que não levaram para o seu peto nem um euro. Este delito não está pensado para penalizar a um governo que somente pretendeu conhecer a vontade do povo catalão e declarou simbolicamente a independência. Quiçá dedicaram algum dinheiro para a organização do referendo, não o sei, mas em nenhures está proibido realizar um referendo, pois esta proibição foi introduzida em dezembro de 2003 polo governo do PP e eliminada em 2005 polo governo de Zapatero. Um governo que atende a demanda dum oitenta por cento da população que quer votar sobre a sua vontade não é merecedor de ser punido. Somente um controle de gasto inquisitorial de Montoro lhes impede gastar uns euros em consultar a cidadania. O único castigo que se lhes pode aplicar é por desobedecer imposições que entendo abusivas de Montoro e dum Tribunal Constitucional de parte. 

            Dizia também a ministra alemã de justiça que se o Governo espanhol não justifica o cargo de malversação Puigdemont será um cidadão livre num País livre, que creio que se deve entender em contraposição ao que sucede agora, que é um home que foge do cárcere, enquanto que os seus companheiros a padecem; anda exilado polos mundo, ao tempo que os seus companheiros estão recluídos, em palavras dum etarra, em dependências dum Estado que é um cárcere de povos. Afirmava também a política socialdemocrata alemã que cumpre falar também do problema político, e isto sim que seguramente não lhe gostou aos políticos do 155 que cifraram a solução do caso à repressão como se de delinquentes comuns se tratasse. Consideram que o território do Estado é patrimônio seu e o lógico, neste caso, é procurar despejar a qualquer inquilino molesto que não aceite a sua dominação.

            O veredito do julgado alemão foi recebido com enorme desgosto polos partidos do 155 e por todos os seus corifeus mediáticos que chegam já ao paroxismo do disparate, com propostas como a de Jiménez Losantos de querer seqüestrar dous centos mil alemães que veraneiam nas nossas ilhas ou atacar cervejarias alemãs. Quedou claramente demonstrado que estes unionistas de pro nem sequer respeitam a independência e os vereditos dos tribunais estrangeiros, no legítimo exercício das suas competências, se são contrários aos seus interesses ou aos seus preconceitos. Detiveram a Puigdemont na Alemanha por considerar que um «governo amigo» faria trapaças a eito, como as que se fazem neste país e lhe entregaria ao exilado sem resistência alguma para castigar exemplarmente as suas iniciativas políticas, decretando para ele uma espécie de condena perpetue por um delito inventado, pretextando que realizou um golpe de estado contra a soberania e a «sagrada unidade» da nação espanhola, utilizando vias violentas que ninguém viu por nenhures. 

Agora o espetáculo não pode ser mais desolador para buscar uma solução, porque no campo dos unionistas do artigo 155 não existe nem vontade nem capacidade de propiciar acordos políticos com os independentistas catalães. Temos um rei que pode presumir de tipo, mas não de siso, e quiçá alguém me possa explicar para que vale, e, em conjunto, para que vale a família real. Alinhar-se com o política do PP ou todo o mais com os do 155 invalidou-o como um órgão integrador da convivência e da diversidade. No PP não vejo ninguém proclive a negociar entre iguais com os catalães e o verticalismo, presidencialismo, e corrupção generalizada neste partido impedem a emergência de novos liderados alternativos. O PSOE é um partido jacobinista impenitente e se um diretivo propõe uma medida como a reforma constitucional não tarda nem uma hora antes de ser contradito por outro. C’s é um partido xenófobo que não só está incapacitado para mediar senão que é um perigo para a convivência social. Estes três partidos competem entre si em ganhar-se o voto espanholista e cada qual quer demonstrar que está disposto a trair à linha os díscolos nacionalistas. Botaram tanto veneno sobre eles que podem terminar crendo as suas próprias excreções. A única solução que avisto é a da mediação internacional e da pressão exterior para impor a sensatez num problema que nunca deveu chegar a esta situação. 

            Hoje, graças a Puigdemont creio que os povos do Estado espanhol estão um pouco melhor e podem abrigar esperanças de que se comece a respeitar um pouco mais a sua vontade, que é o que deve prevalecer em política. Neste sentido, tem os nossos parabéns e a nossa gratidão.