28 jun 2020

07.- Eunucos polo reino dos céus e dos poderosos


            Ramom Varela Punhal

7.- Os eunucos em Ásia Menor e Síria

7.1.- Os adoradores de Cibeles e Atis. Os galli
7.2.- Adoradores de Juno, Hecate, e Atargatis


            7.1.- Os adoradores de Cibeles e Atis. Os galli

            A religião da deusa mãe, grande mãe ou Magna Mater, Cibeles, deusa originariamente frigia, é uma das mais longevas, e num princípio o seu culto estava associado às deusas da fertilidade. O seu amado era Atis que, segundo uma narração recolhida por Pausânias de Hermesianas, fora engendrado incapaz de reproduzir-se, e segundo outras lendas, ele próprio emasculou-se. 

            Cibeles recebeu culto, muitas vezes em associação com Atis, em Anatólia, nome que também se aplica a Ásia Menor, na área de Galácia, Frígia e Lídia, desde o neolítico, enquanto que Atis recebeu culto desde o 1200 a.e.c. e os seus sacerdotes também eram emasculados. A informação mais antiga do culto a Cibeles data do ano seis mil a.e.c., como se pode constatar por uma estatueta de terracota achado em Catal Huiuk, Turquia, correspondente a esta data. Desde Ásia Menor, a veneração a Cibeles estendeu-se, desde o século VIII, por todo o Mediterrâneo e no ano 204 a.e.c. a deusa foi introduzida em Roma, sob a forma dum aerólito negro, para cumprimentar o estatuído nos livros sibilinos que prediziam que era o requisito para vencer a Anibal.  Era conhecida em formas diversas, como nos narra Apuleio: “Os primitivos frigios chamam-me Pesinunte, mãe dos deuses; os autóctones atenienses Cecropeia Minerva; os ilheus de Chipre Venus Páfia; para os arqueiros cretenses sou Ditima Diana; para os tríglotas sicilianos Estígia Proserpina; para os antigos eleusinos Actea Ceres; para outros Juno; para outros Belona; para estes Hecate; para esses Ranúsia; aqueles etíopes, tanto os que são iluminados polos raios do deus sol nascente como dos que se inclinam do ocidente, ambos versados na antiga doutrina de Egito, quando celebram as suas cerimônias próprias chamam-me polo verdadeiro nome, rainha Isis1.  Os frígios eram um povo indo-europeu que, cara ao 1200 a.e.c., ocuparam e deram nome a Frígia em Ásia Menor, e com eles acarretaram a deusa Cibeles, à que representavam sob a forma de pedra negra de Pesino, estádio anterior, segundo alguns autores, à representação icônica dos deuses. A procedência astral da pedra incita ao mistério e a reverência. Os coribantes, de Coriba ou Atis, sacerdotes e seguidores da deusa da maternidade, a frígia Cibeles, a Grande Mãe e Mater deorum, chamados galli (galos), eram eunucos, ao igual que os sacerdotes da deusa pré-grega Artemisa, nalguns aspetos coincidente com Cibeles. O seu nome deriva do rio frígio Gallus, afluente do Sangarios, em Anatôlia, Turquia, que passa perto do templo de Cibeles, e, segundo a lenda, os que bebem das suas augas entram em estado de delírio e auto-emasculam-se. Os coribantes eram bailarinos que celebravam o culto de Cibeles revestidos com um casco, tocando o tamboril e dançando. Tinham os seus equivalentes nos curetes, que eram nove bailarinos armados adoradores da deusa cretense Reia, esposa de Cronos e mãe de Zeus, equivalente de Cibeles, com a que comparte os títulos de Magna Mater e Mater deorum. Como afirma o renomado poeta e intelectual da Livraria de Alexandría, o grego de Cirene, Calímaco (310-305 a.e.c.) “os curetes dançam energicamente a dança guerreira arredor de ti (de Zeus), entrechocando as suas armaduras, para que Crono ouvisse nos seus ouvidos o som do escudo e não ouvisse os gritos do seu infante2, Zeus, ao que pretendia devorar. Reia, filha de Urano e de Gaia, estava molesta com o seu esposo Cronos porque este matava os seus filhos enquanto nasciam. Quando nasceu Zeus, Reia deu-lhe a Cronos uma pedra envolta em panos que este comeu de seguida, ao tempo que escondeu a Zeus numa cova do monte Ida, em Creta, e uma vez crescido, obrigou-lhe a Crono a regurgitar os filhos que tragara, quando se viu forçado a regurgitar a pedra. O escritor cristão greco-bizantino do s. V, Pseudo Nonnos narra-nos a auto-emasculação dos seus devotos do seguinte jeito: “Em Frígia era venerada Reia, a mãe dos deuses, -de Zeus, de Poseidão, de Plutão e de Hera. Reia era a mãe destes deuses e mulher de Crono. Ela teve, então, certa festa em Frígia. E quando enlouquecidos ou possuídos -(isto é) aqueles que estão iniciados e estavam fora da sua razão, cortavam-se a si próprios com espadas, sem dar-se conta que se estavam cortando a si mesmos. E usavam para tocar certas flautas de cana que os encantavam e excitavam para o corte. E até agora, certos pagãos na montanha de Cária cortam-se sem pensar, mantendo vivo este antigo costume3.

            Cibeles, filha de Uranos e esposa de Saturno, era a deusa mãe Terra e, ao igual que Gaia, ou a sua equivalente minoica Reia, era a deusa da natureza, da fértil terra e senhora dos animais, título que também se dava à deusa Reia, da que Cibeles é uma espécie de encarnação, e a Artemisa. Foi uma divindade de vida, morte e ressurreição, que teve como consorte a Atis, nascido milagrosamente de Nana, uma ninfa virgem, filha do deus Sangario, que o concebeu após pôr-se uma amêndoa no seu seio, extraída da amendoeira surgida do sangue de Agdistis, e ao que abandonou depois de alumiado, sendo alimentado por um bode. Divulgou em Lidia as orgias na honra da mãe dos deuses. Outra versão deste conto oriental di que Agdistis foi produto do sémen depositado por Zeus numa rocha após os seus infrutuosos intentos de copular com a sua mãe Cibeles. Deste sémen nasceu o violento Agdistis, ser andrógino, homem e mulher, que Dionísio embriagou e castrou. Do sangue deste brotou uma romãzeira que Nana pôs no seu seio concebendo o que seria o seu filho Atis, amado por Agdistis e por Cibeles, e quer por ter casado com Ia, filha do rei Pesinunte, quer por ter-se namorado duma ninfa, e ter mantido relações sexuais com ela, Agdistis apresentou-se no banquete e Atis enlouquecido renunciou à sua virilidade e morre, surtindo um efeito de chamada para a emasculacão dos galos. Além desta lenda, que explica a morte de Atis pola cólera ciumenta de Agdistis, que estava prendado dele a causa da sua extraordinária fermosura, existe outra, transmitida por Herodoto4 que explica a sua morte como consequência do ataque dum porco bravo, encarnação do espírito da vegetação, suscitado por obra de Zeus, ciumento por ter expandido Atis o culto de Cibeles por Lidia.

            Arnóbio de Sicca explica como se produziu a auto-emasculacão e morte de Atis como consequência do ataque de ciúmes de Agdistis, por ter-se decidido Atis por uma esposa e marginá-lo a ele, na sua obra Adversus Nationes: “Agdistis, rebentando de ira, por ter-se afastado de si o mocinho e derivado cara ao seu desejo da mulher, inspirou furor e loucura em todos os hóspedes; os frígios, cheios de pavor, conclamam: adora!, adora!; as filhas da concubina dos galos cortaram-se os peitos, e Atis agarrou a flauta que levava o instigador da loucura, e já cheio de furor, e agitando-se, finalmente deitou-se e sob um pinheiro castrou os genitais dizendo: «Tem isto para ti Agdistis, porque concitaches tantos movimentos de crises furiais». Com o regato de sangue perdeu a vida, mas as partes que foram cortadas recolheu-as e lavou-as a Grande mãe dos deuses, e botou-as na terra, como estavam, cobertas antes com os vestidos e o envoltório do defunto. Do fluxo de sangue nasce uma flor violeta e foi rodeada por esta uma árvore, de onde nasceu e se originou o velar e coroar os pinheiros sagrados5. A morte de Atis é benfeitora porque do seu sangue procede nova vida, a vida da natureza.

            Segundo uma história contada a Luciano por um home sábio, este afirmou “que os galos que há no templo não se castraram em honor de Juno (Hera), senão de Reia (Cibeles). E isto em imitação de Atis. Todo isto parece-me mais ilusório que verdadeiro, porque eu ouvi diferentes e mais críveis razões alegadas para a sua castração6. Atis, criado amante de Cibeles, auto-emasculou-se, segundo Luciano, num ataque de loucura ou como um desejo de preservar uma absoluta castidade. Eis o texto de Luciano: “Este Atis é de nascimento um lídio, e ele cantou o primeiro os sagrados mistérios de Reia (Cibeles). O ritual dos frígios e dos lídios foi totalmente  aprendido por Atis. Quando Reia o privou dos seus poderes, prescindiu da sua vestimenta principal assumiu a aparência duma mulher e o seu vestiário, e deambulando por toda a  terra executou os seus misteriosos ritos, narrando os seus sofrimentos e cantando os elogios de Reia. No curso da sua vagabundagem passou também a Síria. Dado que os homens além do Eúfrates não o aceitam a ele nem os seus ritos, estabeleceu o santuário nesta localidade. Aqui está a prova. A deusa é similar em muitos aspetos a Reia, porque conduzem-na animais, ela sustém um tímpano e usa uma torre sobre a sua cabeça, justo como os lídios pintam a Rea. O homem sábio também disse a respeito dos galos que estão no templo, que os galos nunca se castram a si mesmos por Hera, mas que o fazem por Reia e também imitam a Atis. Esta explicação parece-me plausível, mas falsa, dado que ouvi razão para a castração que é muito mais crível7.

            O centro de culto de Cibeles-Atis estava em Pesino onde os devotos de Cibeles (Reia) se castram a imitação de Atis, convertendo-se assim em sacerdotes da deusa ou galos, assim chamados por rememorar a auto-castração de Galles, primeiro varão que se auto-emasculou para poder ser sacerdote da deusa mãe e do seu paredro evirado Atis. No templo de Hierápolis, os sacerdotes são numerosos, e, além deles estão uma série de pessoas ligadas ao culto: tocadores de flauta e flauta campestre, galos, mulheres furiosas e fanáticas.


            7.2.- Adoradores de Juno, Hecate, e Atargatis

            Tinha um santuário no recinto da deusa Artemisa em Éfeso, onde também era atendida por sacerdotes eunucos ou megabizos8. Juno, correspondente à grega Hera, era a deusa do matrimônio, da família e do amor, filha de Saturno e Opps e irmã e esposa de Júpiter com quem teve dous filhos: Vulcano e Marte, e uma filha, Lucina. A auto-mutilação dos adeptos da deusa romana Juno, que tem o templo em Hierápolis, desenvolve-se assim: “Nos dias sinalados, a multidão reúne-se no templo. Um grande número de galos, e os homens consagrados dos que se falou, começam as cerimônias, golpeando-se os braços e batendo-se uns a outros. Durante este tempo, numerosos músicos, ao seu lado, tocam a flauta, batem o tambor, cantam versos inspirados e cânticos sagrados. Estas cerimônias realizam-se fora do templo: os que as praticam não entram nele. É nestes dias que se fazem os galos. Enquanto que o resto toca a flauta e celebra as orgias, alguns entram em delírio, e bastantes, que não vieram mais que por ver, deixam-se ir ao que vou dizer. O moço decidido a fazer este sacrifício saca a sua vestimenta, coloca-se no centro da assembleia emitindo grandes gritos, colhe um cutelo reservado, creio eu, para este uso depois de muitos anos, castra-se ele próprio, e corre por toda a vila sustendo na mão o que cortou. A casa, seja qual seja, onde ele bota o que sustinha, provê-o de vestidos e adornos de mulher. Isto é o que fazem na castração9. Quando os «galos» morrem recebem um trato especial: “Quando um galo morre, os seus funerais não se fazem como os dos outros homens. Um galo uma vez morto, é erguido e levado polos seus colegas aos arrabaldes da cidade; ali é depositado com o ataúde no que foi acarretado, cobrem-no de pedras e marcham. Somente entram no templo ao cabo de sete dias. Se entram antes, cometem sacrilégio. Eis as regras que observam a este respeito: quem viu um morto não vem ao templo esse dia; ao dia seguinte não vai sem ter-se purificado. Os parentes do defunto, somente podem acercar-se aos mistérios depois de ter-se abstido durante trinta dias e ter-se afeitado a cabeça. Antes disso não lhe é permitido entrar10.


            De Cária ou Anatália, Ásia Menor, era também oriunda a deusa dos partos e terras selvagens, Hecate, ainda que posteriormente o seu culto se estendeu por toda a Grécia. O seu santuário mais importante estava em Lagina, cidade-estado teocrática, na região de Estratoniceia, no que se celebrava uma assembleia anual com sacerdotes eunucos de oficiantes.

            Em Hierápolis, Síria, clérigos eunucos, afeitados e com vestimenta feminina celebram os ritos cultuais em honor da deusa Atargatis, mais conhecida por Derceto, deusa da geração e da fertilidade, identificada com a grega Afrodite, e mais tarde fundida com a síria Astarté, da que o culto se estendeu posteriormente por Grécia e Roma11. Inicialmente era uma deusa marinha, mas com o tempo converteu-se numa deusa da natureza, semelhante a Cibeles e Reia. Eram eunucos os sacerdotes prostitutos de Hierápolis, no templo da deusa fenícia Astarté, que se corresponde com a suméria Inanna, a acádia Ishtar e a romana Juno. Eis o que nos relata Luciano de Samosata a respeito deste templo de Hierápolis, na província de Alepo, em Síria, onde se rende culto, entre outros, à deusa dos partos, Juno (Hera), a asíria, Derceto (Atargatis), a filha de Derceto, Semiramis, e Estratonice. “Os sacerdotes são muito numerosos; uns degolam as vítimas, outros levam as libações, outros são chamados portadores de fogo e alguns assistentes. Na minha presença havia mais de trezentos que vinham aos sacrifícios. Os seus vestidos são brancos, e têm um chapéu de feltro na cabeça. Cada ano nomeia-se um soberano pontífice; é o único que se viste de púrpura, com uma tiara de ouro. Há também uma série de pessoas ligadas ao culto: os flautistas, os gaiteiros, os galos, mulheres furiosas e fanáticas. O sacrifício celebra-se duas vezes por dia; assiste todo o mundo. Sacrifica-se a Júpiter em silêncio, sem canto nem flautas; mas quando se imola a Juno, canta-se, toca-se a flauta, batem-se matracas. não se me pudo dizer claramente o por quê”12.

            Além do culto à Juno, deusa da deusa da fertilidade, do amor e do matrimônio, os romanos rendiam também culto à deusa virgem Diana, correspondente à deusa grega Artemisa, filha de Júpiter e Latona, que era a deusa da caça, da paisagem, da lua e protetora dos partos. O qual indica que a virgindade tinha certo valor na sociedade romana, ainda que com menos projeção que o da deusa da fertilidade Cibeles. O cristianismo vai sacralizar a figura da deusa da virgindade em Maria e eliminar as divindades protetoras da fertilidade e do amor.







1.  APULEIO, O asno de ouro, Lib. XI, 5.
2.  CALÍMACO, Hino a Zeus, IV, 52. Cf. Ovidio, Faustos, IV, 207-208.
3.  PSEUDO-NONNUS, Epifanía, 2 (Escolio)
4.  HERODOTO, Historias, Lib. I, 34-45.
5.  ARNOBIO DE CICCA, Adversus nationes, Lib. V, 7, 2-3.
6.  LUCIANO DE SAMOSATA, A deusa Síria, 15.
7.  LUCIANO DE SAMOSATA, A deusa Síria, 15.
8.  ESTRABÃO,  Geografía, xiv.2.25
9.  LUCIANO DE SAMOSATA, A deusa Síria, 50-51.
10.  LUCIANO DE SAMOSATA, A deusa Síria, 52-53.
12.  LUCIANO DE SAMOSATA, A deusa Síria, 42-44.

27 jun 2020

06.- Eunucos polo reino dos céus e dos poderosos


 
               Ramom Varela Punhal


6.- Os eunucos em Egito

               As leis antigas costumavam ser muito severas e desfavoráveis para a mulher. Assim, em Egito, “era convertido em eunuco quem violava uma mulher. Esta ação parecia contrária à sociedade por três motivos: constituía um grave insulto, abre a porta à corrupção e semeia confusão e incerteza no nascimento dos filhos. Mas se o adultério se cometeu voluntariamente por ambas as partes, davam-se mil golpes de látego ao homem e cortava-se o nariz à mulher. Porque se considerava que havia que destruir nela a beleza da que abusara para o crime1.

               Quando os israelitas estiveram em Egito -do século XVII ao XIII a.e.c., Assíria e Babilônia sofreram uma situação de escravidão e de emasculação. O filho de Jacó, José, vendido ao eunuco Putifar, ministro do Farão e chefe da guarda2, chegou a ocupar o cargo de mordomo da casa do Faraó3. Em Egito, existia o costume de que os oficiais da Corte do Faraó, em concreto, o copeiro e o reposteiro, fossem desvirilizados, mas semeia-se a confusão porque a palavra hebreia correspondente a eunuco costuma traduzir-se por oficial4. Quando José estava o serviço do Faraó, os dous citados cargos, chefe de copeiros e de padeiros, eram eunucos, que, por cometer transgressão contra o rei foram prendidos e custodiados polo chefe da guarda, Putifar, que, à sua vez lhe transmitiu esta encomenda a José5. Também se suspeita que o próprio José teria sido emasculado, o qual explicaria a sua rejeição ás pretensões sexuais da mulher de Putifar.

                A Dario II sucedeu-lhe Artaxerxes II, e a este Artaxerxes III Oco (358-338), que tinha  como grande vizir ou responsável do governo ao eunuco egípcio Bágoas (?  - 336). Este rei seria envenenado por Bágoas, igual que o seus sucessor Artaxerxes IV Arses e todos os seus filhos. Quis repetir a massacre com o teórico amigo seu, Dario III, mas este, informado previamente dos seus planos, obrigou-o a beber uma copa de veneno. 

                O farão Ptolomeu XII morreu em 51 a.e.c., sendo sucedido polos irmãos Cleopatra e Ptolomeu XII como co-regentes, mas a discórdia entre eles desatou a guerra civil. César combate e submete os egípcios e entrega-lhe um regalo a Cleopatra. Aquilas era o guarda do rei Ptolomeu XIII e comandante das tropas reais e seria ele e Lúcio Septímio quem matariam a Pompeio por sugestão do eunuco Fotino e de Teodoto de Quios. César intenta reconciliar os irmãos e apresentando-se a Ptolomeu e Cleopatra, leu o testamento do seu pai: este ordenava-lhe viver juntos segundo o costume dos egípcios e governar conjuntamente sob a proteção dos romanos e declara-lhes que tem todo o poder popular para vigiar os jovens e cumprir a vontade do seu pai. “A seguir, eles acalmaram-se um momento, mas um pouco depois excitaram-se ao ponto de fazer a guerra. Fotino, um eunuco que estava encarregado da gestão dos fundos de Ptolomeu e que era um dos principais líderes na agitação dos egípcios, colheu medo de dever num momento ou outro pagar pola sua conduta, e em consequência enviou secretamente um mensageiro a Aquilas, que se mantinha perto de Pelúsio, e assustando-o e ao mesmo tempo dando-lhe esperanças, fez dele o seu associado, e de seguida fez aderir a todos os que levavam armas6. Arsinoe era outra filha de Ptolomeu XII e, portanto, irmã de Ptolomeu XIII, Cleopatra VII e Ptolomeu XIV. “Durante este tempo, um certo Ganímedes, um eunuco, levou secretamente a Arsinoe aos egípcios, porque ela não estava bem guardada. Eles declararam-na rainha e decidiram seguir a guerra mais vigorosamente, porque tinham agora como chefe um representante da família dos Ptolomeus. E César, temendo que Fotino se levasse a Ptolomeu, fez-lo perecer e guardou a este último com severidade sem esconder-se dele. Isto revoltou mais os egípcios; a cada passo se uniu a eles gente sem parar, enquanto que os soldados romanos de Síria não chegavam7. Os egípcios não estavam satisfeitos da governança de Arsinoe e do eunuco e queriam que os dirigisse Ptolomeu XIII. Foram informados que Mitridates tomou Pelúsio e avançava cara a Alexandria “Quando souberam esta notícia então os egípcios não terminaram a guerra; porém estavam irritados do poder do eunuco e da mulher e pensavam que se podiam pôr a Ptolomeu à sua cabeça seriam superiores aos romanos8.
               Pompeio foi um militar e político romano, ao princípio aliado e mais tarde adversário de César, que participou na guerra civil contra este, ao lado da fação aristocrática, polo liderado da chefia do Estado romano, sendo derrotado na batalha de Farsália em agosto do ano 48 a.e.c.; seria um eunuco quem acabou com a sua vida. Diz Lactâncio que “O mau partido foi frequentemente o mais forte, e é disto que veu a opressão da liberdade pública e o estabelecimento da tirania. A história está toda cheia de exemplos disto que digo. Contentar-me-ei de acarretar um: Pompeio quis defender as pessoas de bem e tomou as armas pola república, polo senado e pola liberdade; mas tendo sido vencido com a liberdade que defendia, ele teve cortada a cabeça pola perfídia dos eunucos da corte de Egito, e foi abandonado sem sepultura. A virtude não consiste, pois, nem em declarar-se inimigo dos maus ou o protetor das pessoas de bem, dado que não pode estar exposta à incerteza dos acontecimentos. A virtude consiste em olhar as vantagens da nossa pátria como as nossas próprias vantagens9.
               Marco Antônio, mão direita de Julho César, participou na guerra contra os assassinos de César, o ano 44 a.e.c., e depois da vitória recebeu o controle das províncias orientais do império. Entrou em relações com Cleopatra VII de Egito. No ano 31, aliado com Cleopatra VII, entra em guerra contra o herdeiro de César, Otávio, mas sai derrotado na batalha de Ácio, que sinala o triste final para Antônio e Cleopatra. “Ela se dirigia com Antônio ao Foro ocupando-se com ele dos jogos públicos, examinava com ele as causas, e cavalgava com ele a través das cidades; ou bem era levada sobre uma espécie de cadeira curul, enquanto que Antônio seguia a pé detrás dela com os eunucos10.  Antes da entrada em combate, em Roma estão preocupados polo ascendente de Cleopatra sobre Antônio e sobre os que entram em contacto com ela, do que não esperam nada bom para a república romana. Otávio arenga às tropas sublinhando a indignidade de deixar-se dominar por uma mulher execrável como Cleopatra. “Quem não se afligiria, com efeito, à vista de soldados romanos escoltando a rainha de tais homens? Que não gemeria à notícia de que cavaleiros e senadores romanos se fazem aduladores de vis eunucos?11.  Uma vez que Antônio e Cleopatra são derrotados em Ácio vão ser perseguidos por Otávio até Alexandria, mas, em vez de submeter-se ao novo amo de Roma, decidem quitar-se a vida.  Antônio, vencido contra a sua expectativa, refugiou-se perto da sua frota, e dispunha-se a livrar um combate por mar, ou, em todo caso, a marchar para Espanha. Perante esta perspetiva, Cleopatra fez desertar os barcos e correu a toda velocidade a encerrar-se no monumento, fingindo temer a César e querendo, dizia ela, previ-lo pola sua morte, enquanto que em realidade não buscava mais que atrair a Antônio. Antônio suspeitava a traição, mas o seu amor impedia-lhe crer nisso; longe disso, a sua compaixão por ela era mais grande que por ele mesmo. Também Cleopatra, que o sabia perfeitamente, concebeu a esperança que, se ele conhecia a sua morte, não lhe sobreviveria e morreria imediatamente. Foi por esta razão que ela correu ao monumento com um eunuco e duas mulheres, e que, desde lá, ela lhe enviou anunciar que já não existia. Ante esta notícia, Antônio não vacila, desejou segui-la. Começou por rogar-lhe a um dos seus ajudantes de matá-lo, depois, quando este, sacando a sua espada, se cravou, ele quis imitá-lo e fez-se ele mesmo uma ferida: caiu sobre o seu rosto e os ajudantes creram-no morto12, mas foi capaz de levantar-se e ser levado polos ajudantes ao monumento, onde morreria nos braços de Cleopatra. Ela intentou convencer a Otávio que lhe permitisse continuar como rainha de Egito, mas ao não lograr o seu propósito, deu-se morte a si mesma. “Ninguém sabe certamente como ela morreu; não se encontra mais que pequenas picaduras nos seus braços. Alguns relatam que ela aplicou ai um áspide que lhe foi levado quer num gomil, quer entre flores; outros, que ela tinha uma agulha, com a qual fixou os seus cabelos, untada com um veneno, com uma subtileza tal que, sem fazer nenhum mal ao corpo, por pouco que fosse posto em contato com o sangue, causava uma morte rápida e isenta de dor, agulha que levava constantemente na sua cabeça, seguindo o costume, e que então, depois de se ter feito uma picadura, enterrou-a até o sangue. Tal é a verdade, ou polo menos o que se acerca mais, sobre a maneira como ela pereceu com as duas mulheres, porque o eunuco, depois que a sua dona foi colhida se livrara voluntariamente aos répteis, e, mordido por eles, foram amontoados numa tomba preparada para eles13.
              






1.  DIODORO SÍCULO, História universal, liv. 1, sec. 2ª, XXVII.
2.  Gê. 39, 1.
3.  Gê. 39,4-5.
4.  Gê.  37,36; : 40, 2, 7.
5.  Gê. 40, 2-4.
6.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.36.1-2.
7.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.39.1-2.
8.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 42.42.1.
9.  LACTÂNCIO, Instituições divinas, liv. 6, cap. 6.
10.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 50.5.
11.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 50.25.
12.  DIÃO CASSIO, História romana, liv. 51.10.4-7.
DIÃO CASSIO, História romana, liv. 51.14.1-3.