17 may 2017

O Estado do mal-estar



                O Estado do bem-estar surge à raiz da II Guerra Mundial em que pretendeu lograr um desenvolvimento econômico mais equilibrado, que respeitasse em maior medida as aspirações sociais e morais da sociedade, promovesse o pleno emprego e se estabelecesse uma repartição mais equitativa da riqueza e dos benefícios sociais entre toda a população com o objetivo de evitar o mal-estar da população depois da crise da Grande Depressão de 1929, que desembocou na grande conflagração bélica e as tentações de aderir a regimes de socialismo real. As potências ocidentais e o grande capital estavam preocupadas pola expansão do comunismo em diversos países tanto europeus como asiáticos e decidem dotar as populações dum regime que integrasse capitalismo, democracia e bem-estar social. Esta política durou até à década dos oitenta do século XX em que Margaret Thatcher e Ronald Reagan decidem cancelar esta proposta e implantar políticas ultra-liberais que tinham como objetivo um grande incremento da produção que beneficiasse o grande capital à expensas da maioria social e do Estado do Bem-estar.
                Esta política foi favorecida com caída da URSS como consequência do fracasso do seu capitalismo de Estado social, que deixou sem contrapeso o capitalismo de mercado, e polo fenômeno da superprodução das grandes empresas transnacionais que procuram um mercado mundial que lhes garanta o subministro de matérias primas e a colocação dos seus produtos, a livre circulação de capitais, bens e serviços, a adaptação das legislações nacionais no seu benefício para facilitar a sua expansão a escala planetária com a correspondente satelitização das empresas nacionais, a deslocação de empresas a nível planetário, a implantação da competência laboral entre os trabalhadores de todo o mundo, independentemente das condições de vida concreta de cada país. A consequência foi a precarização laboral, a míngua nos salários, a engenharia e a evasão e os paraísos fiscais, a míngua de arrecadação fiscal nos países onde estava mais consolidado o Estado do Bem-estar e o progressivo mal-estar da população.
                Nalguns países, como no Estado espanhol, o panorama complicou-se: a) com um imenso oceano de corrupção nas organizações políticas governantes, especialmente do PP, que exigiam portagens às empresas em contrapartida de adjudicação de obra pública, privatizações de empresas, favores urbanísticos, etc. b) com uma deturpação da democracia, na que a fraude eleitoral foi, polo que parece, uma constante; a desnaturalização da divisão de poderes que subordinou a justiça aos interesses das grandes formações políticas que são quem elegem o fiscal geral do Estado, os membros do Conselho Geral do Poder Judicial e do Tribunal Constitucional; a democracia é maliciosamente equiparada com o cumprimento da lei, mas não de todas as leis, senão das que lhe interessa ao patrioteirismo espanhol, pois é evidente que nos frequentes casos de corrupção se infringiu aleivosamente a lei polos mesmos que cacarejam que há que cumpri-la; c) com uma demonstração clara de incompetência na gestão dos assuntos públicos, pois é difícil qualificar doutro modo o que passou com projetos como a Cidade da Cultura de Santiago, a Cidade das Artes e das Ciências de Valência, o aeroporto de Cidade Real, as auto-estradas madrilenas, projeto de armazém Castor; a diminuição das primas às energias renováveis, borbulha imobiliária, gestão bancária,... d) com uma divergência clara entre os interesses da cidadania e os interesses privativos e partidários dos gestores da cousa pública que fazem grandes gesticulações de patriotismo, mas se as necessidades dos cidadãos entram em colisão com os seus interesses privativos abandonam para melhor ocasião a satisfação das necessidades da cidadania; d) com um capitalismo de conivência com os políticos de turno que se repartem favores reciprocamente: adjudicações de obras por comissões e portas giratórias. O governo de Zapatero perdoou às empresas elétricas uma divida de 3.396 milhões de euros que estas lhe cobraram de mais aos consumidores nos custos de transição à competência, no momento mais álgido duma crise da que não se inteirou. Esta quantidade minguou os ingressos fiscais e impediu que se utilizassem em benefício de todos; e) os regalos fiscais que Zapatero lhe fez às empresas para reduzir o tipo efetivo de tributação ao 3,5 por cento, passando de arrecadar o Estado antes do governo Zapatero 42.000 mil milhões de euros antes dos governos Zapatero a 16.000 milhões ao final do seu mandado. Isso sim que se chama governar com sentido! Rebaixou os impostos porque –disse- isso é de esquerdas e depois promulga uma lei de dependência sem dizer-nos de onde ia sacar o dinheiro para põe-la em marcha. Tem bem merecido ser o conselheiro maior de Susana Diaz!
                Os efeitos destas políticas foram demolidores tanto sobre a economia como sobre o bem-estar dos cidadãos e a moral pública. A dia de hoje, a verdadeira marca Espanha, não a da propaganda senão a que percebe a gente, é sinônimo, principalmente, de corrupção, incompetência e equipas de futebol com jogadores importados para satisfazer a paixão nacional. A alguém que costumava referir-se a alguns países hispano-americanos como repúblicas bananeiras, retruquei-lhe que quiçá com toda razão digam o mesmo do Estado espanhol.
                Devemos precisar que a expressão «Estado de mal-estar», não se confunde com «Estado de pobreza», porque um pode ser pobre e não ter mal-estar. O Estado de mal-estar vem provocado pola percepção cidadã de que as políticas aplicadas não foram as corretas, as justas, e que tiveram como resultado uma insatisfação profunda porque a uma cidadania já fortemente açoitada pola globalização, com todos os seus efeitos perversos sobre a sua vida, e pola deturpação da democracia pola pertença à UE e à zona euro, na que as políticas se tomam por pessoas que ignoram o seu voto e as suas aspirações pessoais, se lhe faz pagar os efeitos duma crise na que eles não participaram em modo algum, ao tempo que se cria, a partir de maio de 2010, obedecendo aos hierarcas europeus, um sistema de drenagem dos recursos das camadas populares cara aos que a geriram e uma míngua dos direitos dos trabalhadores, provocando um empobrecimento da maioria social e as maiores desigualdades em muitas décadas.
                Perante esta situação, o 15 de maio de 2011 surgiu um poderoso movimento espontâneo de indignação da cidadania, chamado o 15M ou movimento dos indignados, que pretendia denunciar o que estava a passar. Um professor universitário perguntou-me, uma vez iniciado esse movimento, a minha opinião dele, e respondi-lhe que estava totalmente de acordo porque coincidia com o que eu vinha denunciando ante os meus alunos e alunas desde fazia tempo, como eles podem testemunhar. Era um movimento que, ainda que surgiu durante a segunda legislatura de Zapatero, não estava especialmente dirigido contra este partido senão contra a classe política em geral que vivia num mundo á parte e se amostravam como cegos e surdos aos seus problemas; uma classe que em vez de solucionar as suas necessidades, conluiava-se com o poder econômico para aplicar umas políticas que prejudicam a maioria social, uma classe, em definitiva que não os representava.
            Tendo em conta o que levamos dito, parece-me que análise que faz do 15M a candidata Susana Diaz é totalmente desacertada e somente pode ter como efeito acrescentar o estado de indignação dos que participaram neste movimento, por ser declarações totalmente desencaminhadas. Disse esta política que “Muitos dos que se incomodaram com nós não perderam dez escalões na sua qualidade de vida. Baixaram um. Mas é que pensavam que iam subir dez. Pensavam que iam poder ter a sua casinha na praia. Que iam poder sair não uma vez ao mês, senão uma vez à semana. Que iam conseguir que os seus rapazes fossem à universidade, e que ademais tivessem um máster. Que iam poder ver os seus netos com muita mais qualidade de vida que a que tiveram eles. E quando isso não foi possível, incomodaram-se, indignaram-se. E ai fizemos-lhe o jogo à direita e aos outros de Podemos”. É tão burda esta análise que desqualifica totalmente a quem a faz e, por outra parte, já sabemos o que nos espera se esta candidata ganha as primárias. Vai-lhe dar motivos abondo de brincadeiras aos das redes sociais. Teve sorte que os seus valedores de El País lhe botaram uma mão não aerando toda esta inquina e estultícia contra os moços e indignados em geral e puderam ratificar a sua opinião de que esta candidata não vale, mas si lhes vale.  
            Os que vivemos em comunidades distintas da espanhola, à que consideramos a nossa nação temos um incremento de mal-estar ao comprovar como os nossos povos são nulificados, como é desprezada polos que se dizem os nosso governantes a nossa língua e os nossos sinais de identidade coletiva, ao tempo que se impede o povo galego possa gerir livremente os seus recursos, o qual amostra a pouca virtualidade do regime autonômico que nos concederam por obra e graça do Estado espanhol para que servisse de sucedâneo das nossas aspirações nacionalitárias.

Metamorfose empresarial



                Algumas pessoas têm-me repetido que a empresa privada é mais eficiente que a empresa pública e que, por conseguinte, está justificado que os governos privatizem estas últimas em aras da eficiência econômica. Este argumento não difere do de alguns políticos que sentenciam que o Estado é mal empresário. A eficiência econômica é uma variável importante, mas outras, também muito significativas, são o respeito dos direitos e do bem-estar dos trabalhadores e a estabilidade no posto de trabalho. Com objeto de focar melhor a resposta, lembremos alguns dados históricos. 
                Antes de começar, lembramos que quando se fala de temas empresariais, não se trata de demonizar a nenhum empresário em concreto, porque qualquer empresário sabe que se não segue as dinâmicas laborais vampirescas que seguem os demais vão ser excluídos do sistema porque serão incapazes de competir com os demais em igualdade de condições. Do que se trata é do marco legal tanto nacional como internacional. 
             Na década dos sessenta do século XX existia uma forte corrente ideológica, principalmente na Alemanha, que promovia a participação dos trabalhadores na empresa para que se sentissem partícipes dum projeto comum no que eles se sentissem integrados. A essa altura estavam em voga os métodos impulsados polo engenheiro e economista estadunidense Frederick Winslow Taylor (1856-1915), fundador da organização científica do trabalho com objeto de incrementar a produtividade e, em consequência, a competitividade empresarial, especialidade na que eu trabalhei na empresa privada durante sete anos por estar em possessão da licenciatura de Organização científica do Trabalho pola Universidade de Lovaina. Do que se tratava era de fazer uma análise rigorosa e pormenorizada das diversas tarefas com a finalidade de conseguir o máximo aproveitamento das capacidades produtivas dos trabalhadores e trabalhadoras em aras de incrementar a produção e os benefícios empresariais. Estas técnicas de melhora de métodos e tempos corriam o perigo de alienar a atividade produtiva ao descompor as atividades produtivas em frações mínimas que, por exemplo, condenavam a um trabalhador a realizar um trabalho monótono e repetitivo que se reduzia a pôr parafusos durante oito horas a um aparato numa cadeia de produção. Assim era como funcionavam os grandes fabricantes de eletrodomésticos. Frente a esta prática alienante, surge uma reação que defendia, e algumas grandes empresas põem em marcha, a tendência a dar-lhe sentido ao trabalho humano encomendando-lhe a cada trabalhador a realização do produto completo ou de grandes partes dele. 
           Há duas variáveis que cumpre ter em conta quando se fala dos direitos dos trabalhadores, que são a liberdade sindical e a estabilidade laboral. Um regime como o franquista não permitia a liberdade sindical ainda que os trabalhadores gozavam da proteção do sindicato vertical e duma legislação que compensava a carência de liberdade sindical livre com a garantia legal de estabilidade no posto de trabalho. Um trabalhador que superasse o período de prova, que no caso dos obreiros manuais era de quinze dias, já havia que pagar-lhe um mínimo de indenização de seis meses e um máximo de quatro anos, em caso de despido improcedente, que eram praticamente quase todos os despidos. A empresa em que eu trabalhava tem despedido algum obreiro por estar trabalhando noutra empresa quando estava de baixa na nossa, e o magistrado não admitiu o despido e somente autorizou que se lhe impusesse uma sanção de sete dias de suspensão de emprego e soldo, apesar de estar provados os cargos dum modo fidedigno. Ante a pressão dos sindicatos clandestinos, no ano 1976 as Cortes franquistas, já com João Carlos como Chefe do Estado, aprovam a Lei de Relações Laborais que no seu artigo 35 obrigava o empresário a readmitir a todo trabalhador despedido sem causa justa. 
                 A partir da instauração democracia atual a perda dos direitos dos trabalhadores foi constante, tanto com os governos socialistas como com os governos do PP. Concedeu-se liberdade sindical e legalizaram-se os sindicatos horizontais. Teoricamente, entendia-se que a liberdade sindical compensaria a perda de garantias legais de estabilidade laboral, e que os trabalhadores desfrutariam duma proteção semelhante, mas isto foi uma pura dedução ilusória. As pequenas empresas de menos de dez trabalhadores já não podem ter representação sindical digna de tal nome porque o empresário tem o suficiente poder como para domesticar algum trabalhador que possa ter tentações de se converter em «díscolo», e, em segundo lugar, o que se fez foi atuar sobre os grandes sindicatos concedendo-lhe uma série de prerrogativas e convertendo-os em sindicatos pactistas, o qual provocou grande perda da sua credibilidade perante os obreiros. Ou muito me equivoco na percepção da realidade ou hoje não vejo identificada a grande massa de obreiros com os seus sindicatos. 
Na altura da década dos setenta e oitenta, as grandes empresas tinham no quadro de pessoal uma grande quantidade de trabalhadores, e pertencer a uma das grandes empresas era um orgulho pessoal porque os seus trabalhadores gozavam duma grande estabilidade no seu posto de trabalho e costumavam ter um salário decente e uma série de ajudas como podem ser os economatos empresariais, serviços médicos de empresa, planos de pensões, seguros de vida, etc. Os trabalhadores da empresa pública não desfrutavam de alguma destas vantagens, mas tinham uma dose maior de estabilidade laboral e uma menor pressão no desempenho do seu labor. A empresa pública oferece, em resumidas contas, um trato mais amável e mais humano, entre outras cousas, como consequência da menor obsessão por incrementar a conta de resultados para repartir benefícios aos seus acionistas. A partir da década dos oitenta desencadeia-se uma ola de ultra-liberalismo que vai mudar também a política empresarial. Com o repetido mantra da santificação da globalização e da pertença a Europa, ao tempo que se debilita a democracia, o conluio oligárquico-político foi desapoderando sem trégua os trabalhadores dos seus direitos laborais, precisamente no momento em que, simultaneamente, se incrementava a riqueza coletiva e se reduz o contributo das empresas aos dispêndios públicos. As empresas externalizam grande parte da sua produção e as subcontratas adquirem carta de natureza habitual. Desse modo, reduzem drasticamente o quadro de pessoal, ao tempo que os trabalhadores das empresas que subcontratam são submetidos a uma maior pressão laboral e gozam de piores condições de trabalho, porque esta empresa sim tem que contratar num regime de livre competência. Desaparecem os economatos empresariais, pola pressão do Ministério de Comércio, desaparecem os fundos de pensões, reduzem-se os salários e incrementa-se a precariedade laboral. Os gerentes dos interesses dos oligarcas estabelecem um marco para que somente certas empresas possam ser beneficiários das adjudicações de obra pública, a câmbio de comissões tanto pessoais como para financiar o partido e de garantir um sistema fluído de portas giratórias que garantam um retiro dourado num conselho de administração a câmbio de premer sobre os novos gerentes políticos para que reproduzam o sistema. Nesta alternativa, falar de competência empresarial carece totalmente de sentido, porque a obra já está adjudicada muitas vezes de antemão sem competência nenhuma, ainda que isso redunde num incremento do custo de execução. Onde si há muita mais competência é na empresa mediana e pequena. Esta última realiza um esforço enorme para poder manter-se num mundo hostil á sua dinâmica e aos seus interesses. Sai também muito prejudicada pola deslocação de empresas e pola atonia da atividade econômica geral.
Agora a grande empresa já não necessita ter um grande quadro de pessoal, senão que o que necessita é ter grandes recursos econômicos, uma boa oficina técnica, um bom staff para análise do mercado e evolução da economia, um plantel comercial com influência sobre os políticos e uma boa agência de cobros. Os candidatos que melhor podem desempenhar este labor são os políticos retirados que, deste modo, podem gozar dum retiro dourado ocupando um posto no Conselho de Administração e limitando-se a atuar de intermediário com a administração.

A perda de direitos laborais foi esmagadora. Na década dos setenta e oitenta um trabalhador podia estabelecer um projeto vital, constituir uma família, endividar-se razoavelmente comprometendo parte duns ingressos que era razoável esperar, mas isso trucou-se com a imposição da dinâmica globalizadora e os tratados que a fortalecem, entre eles o CETA, que os partidos PP, PSOE e C’s decidem tramitar, e não duvidamos que também aprovar, pola via de urgência. Do que se trata é de fortalecer os direitos ao livre comércio, e por tanto, das grandes empresas transnacionais, ainda que isso prejudique ostensivelmente os cidadãos. A livre circulação de capitais, que é o cerne da globalização, teve como efeito a deslocação de empresas com o objetivo de abaratar os custos de produção, incrementar a conta de resultados e abrir novos mercados, e como corolário, a colocação de grandes quantidades de dinheiro em paraísos fiscais para evitar pagar impostos e manter o dinheiro resguardado de qualquer turbulência. Esta deslocação tem como efeito perverso eliminar postos de trabalho no país de origem, diminuir os ingressos fiscais provenientes tanto das empresas como dos trabalhadores que fiquem sem ocupação ou com menos salário, reduzir os ingressos das arcas da segurança social e incrementar o mercado de oferta de mão de obra que, ao não ser acompanhada duma demanda compensadora, se traduz em diminuição dos salários e de novo também dos ingressos fiscais e de segurança social e obriga a uma máxima competitividade aos trabalhadores para ocupar os postos de trabalho. 
                Este mundo que nos impôs o conluio oligárquico-político não é um mundo justo porque somente tem sentido uma economia focada a satisfazer as necessidades humanas, evitar que haja pessoas que passam fame e construir um mundo mais habitável. Um mundo que tenha como prioridade acumular riquezas e direitos em poucas mãos e excluir dos bens e serviços à maior parte da cidadania é um mundo irracional e absurdo. Agora alguns pretendem contentar a população destacando o incremento de postos de trabalho, mas silenciando que são trabalhos com salários muitas vezes de miséria e totalmente precários. Também destacam a recuperação do PIB, do produto interior bruto, da riqueza do país, obviando que esta recuperação da riqueza é monopolizada por alguns em detrimento da grande maioria social. Outro efeito desta política é a conversão da democracia num puro remedo de si mesma, porque todo se decide de costas ao povo e dos seus interesses, se bem se lhe garante propaganda a eito para bendizer a nova situação, ao tempo que fustigação sem descanso dos que pretendem mudar esta dinâmica para construir um mundo mais justo e mais habitável. Num mundo muito mais rico, quem se lembra já de participação dos trabalhadores na empresa? A respeito da estabilidade laboral tampouco basta que nos digam que ainda há uma maioria de contratos indefinidos, porque agora o que se pretende é precisamente vaziar de sentido a mesmo conceito de estabilidade laboral, denominando todos os contratos como indefinidos, mas com uma indenização ridícula em caso de despido, que é a oferta de C’s.

9 may 2017

A monarquia em Ortega (III)



Crítica do anti-regionalismo da Monarquia

               No artigo anterior «A monarquia em Ortega (II)», vimos que o seu posicionamento passou da apoiar a monarquia, também durante a ditadura de Primo de Rivera com a contemporizou, a descolgar-se dela para não ficar isolado e em 1929 deu um giro de cento oitenta graus e decreta em tom solene «Delenda est monarquia», cumpre borrar a monarquia. A partir desse momento manifesta-se critico com ela e adere á causa republicana, mas tampouco durará, nesta ocasião, a sua fidelidade com a República.
               Para focar as afirmações de Ortega sobre a monarquia durante a II República cumpre ter presente que o seu bisavó materno, o pontevedrês Eduardo Gasset Artime, foi governador civil de Pontevedra, ministro de Ultramar no governo de Ruiz Zorrilla e fundador do jornal El Imparcial; o seu tio, Rafael Gasset Chinchilla foi diretor de El Imparcial, deputado por Padrão e ministro em vários governos da Restauração; o seu pai, José Ortega Munilla foi também deputado por Padrão, diretor de El Imparcial e membro numerário da Real Academia Espanhola: o seu tio, Eduardo Gasset Chinchilla foi deputado por Noia; outro dos seus tios, Ramón Gasset Chinchilla, foi deputado por Arzua, e José Gasset Chinchilla, por Ordes. Rafael e José Gasset Chinclhilla eram acionistas da Sociedade Editorial de Espanha, vulgarmente conhecida como o «trust», que publicava, além de El Imparcial, El Liberal e Hertaldo de Madrid.  
               Espanha depende hoje -fevereiro 1931- das províncias, mas a política da Monarquia consistiu em inutilizar os esforços, entusiasmos e inquietações dessas grandes capitais, aproveitando contra elas a inércia provincial; pensava que esmagaria a hostilidade das grandes capitais onde havia eleição autêntica com a docilidade da província onde os votos eram ficção. Se soubesse que nos distritos rurais se ia votar com independência e dum jeito consciente não se permitiria a violação de todas as leis e o abuso de todos os usos. Agora mesmo -vésperas das eleições do dia 14 de abril- que as províncias referendam os candidatos do Ministério da Governação1, as suas críticas contra a Monarquia ressoam fortes e rijas, mas dá a impressão, igual que com a Ditadura, de que fossem instituições que começassem a prevaricar recentemente, que não tivessem uma história detrás, porque Ortega que conviveu com ela deveria ter visto todas estas tropelias com anterioridade e denunciá-las em aras de profissão da verdade, que ele destaca como caraterística do filósofo. "Compreendeis que a vida pública contemporânea são a representação e as eleições que a criam o sacramento radical da vida civil. Abusar dele, burlá-lo, envilecê-lo, é, pois, o sacrilégio maior que dentro da esfera humana se pode cometer. Pois bem, isso fez conscienciosamente, uma e outra vez, durante cinquenta anos o Poder público da Monarquia. E se fez isto naquele ponto da atuação civil que é raiz sagrada de toda a legalidade estatal, calcule-se o que fez ao manejar todas as demais leis. Conta-se a um estranho e não o crê: que o Poder público, ele mesmo, empregue abusivamente as suas próprias leis, as desvirtue, vilipendie e prostitua- é cousa, com efeito difícil de crer, mas é a história do Estado espanhol durante meio século"2. Estas duras acusações contra os atos reiterados da Monarquia, cometidos durante tanto tempo, sendo ele Expectador privilegiado da vida nacional, que até datas recentes flerta publicamente com o Regime, quando muitos dos seus companheiros o denunciam publicamente e são duramente represaliados por isso, denota uma personalidade acomodatícia que busca sacar talhada da circunstância política e nunca uma ânsia profética de denuncia séria duma situação de corrupção generalizada, que foi a tônica predominante no Estado espanhol.
               E continua o denominado por alguns o «maior filósofo espanhol»: "Se as províncias eram inertes e não sabiam exercitar o sacramento do voto, deveu a Monarquia reformar cem vezes o procedimento eleitoral até conseguir que o espanhol se curasse da sua viciosa desídia. Deveu fazer todo o imaginável antes que consentir a perduração desse abandono, todo -menos acomodar-se a ele, menos contar com o vício e o desonra do cidadão negligente e chegar inclusive a beneficiar-se dela. Por ter-se conduzido assim, gravita sobre a Monarquia de Sagunto uma gigantesca responsabilidade que não costuma ser perdoada polo Poder misterioso e excelso que rege o sino da história"3. Este texto dá a sensação de que ou Ortega não se inteirava de nada ou dá mostras dum cinismo superlativo, porque toda a sua família esteve implicada, apoiou esse estado de cousas e beneficiou-se dele. Creio que deveria evitar expressões como “o vício e o desonra do cidadão negligente”, porque isso implica trasladar ao cidadão os males que o regime corrupto da Restauração lhe produziu à própria cidadania, pois se o cidadão não votava era porque o sistema, premeditadamente, não contava com ele, além de ter estabelecido um procedimento eleitoral corrupto que amanhava as votações no Ministério do Interior. Agora chega mais á ferida do clássico abstencionismo provinciano, superando as pseudo-explicações que vertera em La redención de las provincias, quando fazia radicar o desinteresse dos cidadãos de província polo Parlamento espanhol, em aras de fundamentar o regionalismo, no seu ruralismo, na incapacidade de compreender as noções abstratas de liberalismo, tradicionalismo, democracia, conservantismo, etc. fazendo dos provincianos seres antediluvianos incapazes de razoamento abstrato e unicamente guiados por interesses concretos imediatos, fronte aos ilustrados capitalinos e os seus assimilados das grandes urbes hispanas.
               A República -diz Ortega- significa não só a eliminação da Monarquia senão a reforma radical de todas as demais instituições tradicionais, com objeto de que uma Espanha empreendedora e triunfante entre no tempo novo que se está a preparar em todo o planeta. Se antes tinha afirmado que o futuro é uma forma nova de Monarquia, agora tem que reconhecer que media Europa -março 1931- se compõe de repúblicas recentíssimas, ainda não seguras da sua perduração. Evidentemente que a espanhola não perdurará precisamente pola traição de muitíssimas pessoas como ele. "Em nenhuma etapa histórica caíram juntas mais Monarquias. Onde a Monarquia se conservou, como em Itália, o câmbio de «forma de governo» foi ainda mais radical, porque não é aceitável chamar «forma de governo» ao facto de que subsista a figura dum Rei"4. Hoje Espanha quer tomar na sua mão a direção dos seus destinos, pero isto não convém á instituição monárquica "que não soube nunca fundir-se com a totalidade dos espanhóis e é mais bem gerente duma sociedade de socorros mútuos formada polos altos dignitários eclesiásticos..., pola alta banca..., polos hierarcas militares, polos «aristocratas». Esses poucos centenas de pessoas pretendem que inteira uma raça antiga e ilustre viva subordinada ao seu arbítrio, o qual, sobre ser egoísta, demonstrou ser todo menos genial"5. Não sei se consciente ou inconscientemente esqueceu as elites econômicas e mediáticas e os seus gerentes políticos , entre os quais figuraram sempre a sua família.
               Em abril, antes das eleições municipais, o partido fundado por ele, a «Agrupación al Servicio de la República» dirige-se aos eleitores de Madrid para solicitar o voto para a candidatura republicana, porque o regime monárquico tem periclitado o seu ciclo, e não "há probabilidade nenhuma para que o regime monárquico possa chegar a criar uma nova ordem e uma nova paz no nosso país. Nenhuma inquietação popular estorvou durante médio século a atuação da Monarquia. ...no futuro não poderá ja suster-se senão como nestes últimos anos: apelando aos Poderes mais anormais, acumulando violências, barbarizando a existência espanhola"6.

Advento da República e crítica da Monarquia

               Ortega aderiu entusiasmado à República que conseguiu “A tranquilidade fertilíssima que hoje goza Espanha, a plenitude de possessão histórica”7, por mais que reconhece que pouco contribuiu à sua instauração8. Ante a queima dos conventos de 11 de maio de 1931, a Asociación al Servício de la República emite uma nota de condena na que manifesta que “Queimar, pois, conventos e igrejas não demonstra nem verdadeiro zelo republicano nem espírito de avançada, senão mais bem um fetichismo primitivo ou criminal que leva o mesmo a adorar as cousas materiais que a destruí-las. O facto repugnante avisa do único perigo grande e efetivo que para a República existe: que não acerte a desprender-se das formas e retóricas duma arcaica democracia em vez de sentar-se desde logo e inexoravelmente num estilo de nova democracia”9.  Contudo, ainda no mês de junho considera que o balanço da República é muito satisfatório. “A República espanhola tem a estas horas no seu haver uma façanha enorme, fabulosa, inverossímil, única no mundo, que devia ter bastado por si só para compensar quantos outros erros menores possam ter-se cometido; esta façanha é a de Azaña: a redução radical do Exército”10. Apesar da antipatia e hostilidade que lhe professa Azaña, reconhece nele “um home de grande talento, dotado, ademais, de condições magníficas para o governo”11.
               Sobrevinda a República o 14/04/1931, Ortega se reclui no seu rincão, ausenta-se “deliberadamente da intervenção na marcha das cousas12, para deixar o protagonismo aos beneméritos do novo regime. Mas critica já partir de junho os seus erros, entre os quais está que não fez notar que a nova democracia não é uma “democracia individualista, de povo na pracinha, senão uma severa, acerada democracia de Estado”13, uma democracia que coloque o Estado por acima das insolências particulares. Agora, o Estado prevalece na sua consideração sobre o indivíduo, numa perspectiva distante do liberalismo, ideário que defendera em 1919.
               Intervirá nas Cortes o 4/09/1931, a propósito do projeto de Constituição republicana, em defesa dum sistema autonômico de «café para todos», os dias 25 e 26/09/1931, opondo-se teimosamente á concessão de qualquer resquício de soberania às comunidades autônomas, e o 30/10/1931 no debate sobre o método para a eleição do Presidente da República, no que afirma: “Uma quantidade imensa de espanhóis que colaboraram no advento da República com a sua ação, com o seu voto ou com o que é mais eficaz que todo isto, com a sua esperança, se dizem agora entre desassossegados e descontentes: «¡Não é isto, não é isto!»14. Espanha -setembro 1931- é um país governamental, um país onde não houve nem há nunca oposição. Foi monárquica enquanto a Monarquia significava o governamentalismo, mas isto não quer dizer que desde 1500 se sentisse vitalmente unida aos seus reis.  "A Monarquia, é dizer, o Estado, achava-se sobre o povo espanhol, pesando sobre ele, mas sempre fora dele... A Monarquia viveu sempre desnacionalizada, ainda naquelas horas em que um rei como Carlos III quis de boa fá o bem da Nação -sempre, por suposto, que não estorvasse a sua política internacional puramente familiar.... Sempre viveu Espanha com uma duplicidade de interesses dificilmente harmonizáveis: as necessidades da Nação e as da Monarquia"15. O empresário da Restauração, Cánovas del Castillo, não podia viajar polas grandes capitais espanholas sem que a gente lhe assobiasse, assobios que ia m dirigidos simbolicamente á Monarquia. "A Restauração que faz sessenta anos impôs, mediante pronunciamento, ao pai de Afonso XIII, foi uma grande falsificação histórica. Baste dizer que o empresário de aquela obra, Cánovas del Castillo, não pôde nunca viajar polas grandes capitais de províncias sem ser silvado"16. As grandes capitais não foram monárquicas desde o ano 1873, e a tática da Monarquia consistiu em esmagar a inquietação dessas grandes capitais com a inércia provincial, na que não se votava, senão que se amanhavam as votações desde o Ministério da Governação. Desde faz mais dum século começa Espanha, com a lentidão dum tardígrado, a eliminar a Monarquia, e, desde então, o antimonarquismo foi medrando progressivamente.  A esta altura diz Ortega que a Monarquia de Sagunto sucumbiu por não estruturar Espanha em regiões, mas pronto o veremos convertido num valedor do mais rijo centralismo.
               Em novembro de 1931 reconhece os seus poucos dotes para a política: “eu tenho veementíssimas suspeitas de que não sirvo para a ação política, e estes meses de deputação a Cortes no fizeram mais que nutri-las amplamente”17, ao tempo que se amostra cada vez mais desencantado da República: “Eu não estou conforme com o tom nem os modos que se deram à República18, “gentes com almas não maiores que as «usadas polos coleópteros, conseguiram em menos de dous meses definhar-nos esta República menina e fazer-lhe perder o garbo aquele com o que nasceu19.
               Em dezembro de 1931 reitera uma idéia muito acertada que já expusera em abril deste ano de que Espanha, onde o Poder público tem maior influxo porque a espontaneidade social é muito débil, a Monarquia "era uma sociedade de socorros mútuos que formaram uns quantos grupos para usar do Poder público, quer dizer, do decisivo em Espanha. Esses grupos representavam uma porção mínima da nação; eram os grandes capitais, a alta hierarquia do Exército, a aristocracia de sangue, a Igreja"20. Como vemos, agora sim cita os setores econômicos, mas deixa sem citar os seus gerentes, que são os políticos, e os mediáticos, e não esqueçamos que El Imparcial era um jornal que punha e sacava governos. O monarca era o gerente dessa sociedade nada mais e quando o interesse real do país coincidia com o desses grupos, faziam grandes gesticulações de patriotismo; "mas se a necessidade nacional entrava em colisão com a conveniência dalgum deles, acudiam ao socorro todos os demais e era a nação quem tinha que ceder, padecer e anular-se, para que o grupo ameaçado não sofresse erosão"21. Em vez de estarem essas classes subordinadas à nação, era a nação a que tinha que subordinar-se aos seus interesses particulares. O povo espanhol era freado por esse Poder público, justaposto á nação e com interesses divergentes dos interesses espanhóis. Por um lado ia a Nação e por outro o Poder público. "Em soma, que a Monarquia era o Poder público desnacionalizado, que irremediavelmente falsificava a vida do nosso povo, desviando-a sem cessar da sua espontânea trajetória"22.
               O Estado atual necessita, por forçosidade iniludível, a colaboração de todos; tem que fundir-se com a nação, e esta fusão é a democracia. "... a República significa nada menos que a possibilidade de nacionalizar o Poder público, de fundi-lo com a nação, de que o nosso povo vaque livremente ao seu destino, de deixar-lhe fare da se, que se organize a seu gosto, que eleja o seu caminho sobre a área imprevisível do futuro, que viva ao seu modo e segundo a sua interna aspiração"23. Palavras muito belas, mas incoerentes com o seu apoio desde os inícios á aventura golpista dos generais Mola e Franco. Aliás, se o seu povo tem direito a organizar-se, a fare da se, também lho devia reconhecer aos demais. O erro que se cometeu nestes meses -diz- é que seja preciso reclamar a nacionalização da República.

 Progressivo afastamento da República

               Em janeiro de 1932 já se encontra muito afastado da República, à que acusa de ter como desejo unificador o desejo negativo de oposição à monarquia, fuga de capitais, redução da arrecadação fiscal, demagogia eleitoral, subordinação ao Pacto de São Sebastião, não lograr criar um Estado nacional senão particularista,... Tenha-se em conta que no Pacto de São Sebastião decidiu-se conceder a autonomia a Catalunya e, por tanto, é muito significativo esse posicionamento em contra por parte de Ortega. Perante o acosso dos poderes econômicos e religiosos contra a República, Ortega não duvida em afastar-se dela, contribuindo a criar o caldo de cultivo para que em agosto se produza o falido golpe de Estado do General Sanjurjo contra a República.
               Espanha é, na sua quase totalidade, antimonárquica, mas ainda não começou a ser republicana. Para criar um novo Estado há que criar um novo espírito. "Com programas particulares não se embarca a uma nação num novo Estado. É preciso que se faça consistir a República num credo histórico de conteúdo tão indiscutível, que tenha que aceitá-lo em secreto os mesmos que em público finjam combatê-lo. Este credo só pode derivar-se de dous princípios: o princípio da Nação e o princípio do Trabalho"24. Todo o mundo estaria de acordo a esta altura com estas formulações gerais, mas o problema é como se concretiza isso num programa de governo consistente que seja aceitado polas forças políticas e a maioria social.
               Se não vitalizamos a província -abril 1932- não conseguiremos que Espanha chegue a uma plenitude de vida. A Monarquia fomentou a grosaria que representa a caciquismo, "segura de que com ele bastava para fazer impossível, para impedir que se articulassem grandes movimentos políticos que lançassem Espanha ao livre mar da história, onde havia de soçobrar a sua navezinha flordelisada"25. A flor de Lis é o símmolo dos Bourbons. Ortega sabe que a província é uma realidade centralista, e frente ás reivindicações catalãs, propõe a sua revitalização.
               No discurso de Ovieu -abril 1932- afirmou que os asturianos e castelãos representam a clareza de mente; foram os que souberam superar o particularismo, e pregoa um regionalismo exemplar, que há que opor aos lastrados de arcaísmos nacionalistas. “Será o vosso regionalismo não do passado, senão futurista; não dum povo que foi, senão duma região que há que fazer numa nação que há que fazer”26. Intenta que se crie um regionalismo oposto ao nacionalismo, ou seja, oposto às aspirações dos povos que quer regionalizar, e, por conseguinte, oposto á democracia popular na que nunca creu. Define a nação como a obra comum que há que fazer, a «facienda»; não é o passado, a história e a tradição. “A nação é o afã dos que convivem num destino histórico; é, pois, o sistema de possibilidades que há no presente para constituir o porvir”27. Como vemos, para Ortega têm clareza de mente os povos com menos identidade nacional, pois esta deve ser superada para constituir um regionalismo futurista em contraposição ao arcaico dos nacionalistas. Naturalmente, segundo ele, o povo colonizador é quem se preocupa do destino dos povos submetidos. A nação não se baseia em identidades e, portanto, no passado e na história, senão num místico destino histórico, traçado por uma espécie de providência trans-histórica que coincide com o desenho do colonizador. Igual que Renan definiu a nação como um plebiscito diário, caraterizado pola vontade de conviver, para anular as aspirações unionistas pró-germânicas da Alsácia e a Lorena, de língua alemã, Ortega quer construir a nação espanhola para anular as aspirações nacionalitárias de Euskadi, Catalunya e Galiza, e, por tanto, as suas reivindicações soberanistas. 
               Em abril de 1932 louva a austeridade orçamentária da República, em contraste com o dispêndio durante a Monarquia. "A República tem que ser a vontade de fazer as cousas bem. Senão, não estaria justificado o seu advento. Seja ela uma nova política, porque é uma nova moral, e levemos esta a todos os problemas"28. É uma mágoa que Ortega não desenvolvesse essa ideia da nova moral e inclusive que falasse da estrutura da república como realidade sócio-política com a finalidade de criar uns princípios a partir dos quais se realize a crítica deste sistema em contraposição com a monarquia. Isto é o que contribui a fazê-lo oscilar de Caribdis a Escila. A superioridade da forma republicana sobre a Monarquia é que tem que ser nacional, “que baixo ela o Estado tem que fundir-se com a realidade nacional. ... A República não pode ser um fraude histórico, como o foi tantas vezes a Monarquia”29. Para Ortega, o rearme do nacionalismo espanhol foi uma ideia não só recorrente senão obsessiva durante toda a sua vida, mas sem fazer nenhuma formulação precisa de para que se quer o nacionalismo e como respeitar os direitos dos demais e a democracia.
               Com ocasião do debate estatutário catalão, -maio de 1932- confessa que o dia que se discutiu sobre a Constituição duma República federal, “Então, aterrado, numa madrugada lívida, falei na Câmara de soberania”30, que para ele poria em questão o federalismo. A solução ao problema catalão consiste em diluí-lo mediante a concessão da autonomia a todas as regiões, incluídas as que não a queiram, com objeto de isolar o nacionalismo catalão, ideia que já defendera no livro España invertebrada, e esta foi a finalidade da política da transição do café para todos, que somente adiou a solução dos problemas.
               Em maio de 1932, Ortega, junto com Unamuno, Maura e outras personalidades, enviou a sua adesão a uma assembleia de râncio nacionalismo espanhol celebrada em Palência contra o Estatuto catalão, á que assistiram umas cinco mil pessoas, entre as que estavam os deputados por Leão, Burgos e Palência, incluídos os deputados da Agrupação ao Serviço da República, e que foi presidida polos alcaides de Burgos e de Palência, o presidente da Deputação de Segóvia, um representante do Concelho de Sória, o presidente da Deputação de Zamora, o alcaide de Salamanca, o presidente da Deputação de Leão e representantes do seu Concelho. Como se pode ver, não se trata duma mera assembleia local, senão de toda uma representação de Castela que se enfrenta Catalunya, facto que se transluz também no discurso de Rafael Sainz de Robles que manifesta que "si Catalunya ameaça a Castela, esta saberá impor-se"31, e no do presidente da Deputação de Segóvia que afirmou que "Castela se pusera em pé"32.
            Na sua intervenção parlamentar de junho 1932, sempre numa linha profundamente restritiva a respeito dos direitos e competências de Catalunya, declara que o dito por ele não permite que ninguém o presente como inimigo das aspirações catalães, que já escreveu um livro que interpreta a história de Espanha em função do problema catalão, "para aclarar as cabeças dos demais espanhóis com respeito a esse problema e fazer, na sua hora, possível a sua solução; ... mas polo visto o esqueceram os catalães. A cousa não é estranha nem é nova: a ingratidão tem uma história tão longa como a historia mesma"33.  Mas inclusive vai além ao sentenciar em tom solene: “Não tolero, pois, que nem a mim nem a ninguém se nos apresente como inimigos das aspirações catalães, porque discutimos sobre o Estatuto catalão”34.





1.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 133.
2.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 134.
3.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 134.
4.  «Sigue m los «Problemas concretos»», em El Sol, (24/03/1931), OC, T. 11, p. 167.
5.  «¡A los electores de Madrid!», (11/04/1931), em OC, T. 11, p. 291.
6.  «¡A los electores de Madrid!», (11/04/1931), em OC, T. 11, p. 292.
7.  «Rectificación de la República!», Crisol, (23/04/1931), en OC, T. 11, p. 336.
8.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 341. Cf. Ibidem, (31/07/1931), p. 349.
9.  «Agrupación al Servicio de la República», El Sol, (14/05/1931), en OC, T. 11, pp. 297-298.
10.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 339.
11.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 340.
12.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 339.
13.  «Rectificación de la República!», Crisol, (06/06/1931), en OC, T. 11, p. 343.
14.  «Rectificación de la República!», Crisol, 09/09/1931, en OC, T. 11, pp. 386 e 387.
15.  «El sentido del cambio político espanhol», em Crisol, (16/09/1931), OC, T. 11, p. 318.
16.  «El sentido del cambio político espanhol», em Crisol, (16/09/1931), OC, T. 11, p. 318.
17.  «Pensar en grande», Crisol, (17/11/1931), en OC, T. 11, p. 328.
18.  «Pensar en grande», Crisol, (17/11/1931), en OC, T. 11, p. 328.
19.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 337
20.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 407.
21.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 408.
22.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 408.
23.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 409.
24.  «Hacia u m partido de la nación», em Luz, (07-01/1932), OC, T. 11, I, p. 419.
25.  «Discurso em Oviedo», em El Sol, (11-04/1932), OC, T. 11, p. 437.
26.  «Discurso en Oviedo», (10/04/1932), en OC, T. 11, p. 437.
27.  «Discurso en Oviedo», (10/04/1932), en OC, T. 11, p. 440.
28.  «Discurso em Oviedo», em El Sol, (11-04/1932), OC, T. 11, p. 440.
29.  «Hay que reanimar a la República», em Luz, (18/06/1932), OC, T. 11, p. 492. 
30.  «Discurso sobre el Estatuto de Cataluña», 13/05/1932, en OC, T. 11, p. 464.
31. . «Asamblea magna en Palencia contra el Estatuto», en HEG, nº. 79 (09/05/1932), p. 1.
32. . Asamblea magna en Palencia contra el Estatuto, en HEG, nº. 79 (09/05/1932), p. 1.
33.  «Discurso de rectificación», 02/06/1932, en OC, T. 11, p.  484.
34.  «Discurso de rectificación», 02/06/1932, en OC, T. 11, p.  484.