A Castração na igreja primitiva (11)
1. Atos dos Apóstolos e pais apostólicos (Do ano 80 ao 150)
Poderemos observar
como a igreja primitiva foi sempre a reboque da sensibilidade e da legislação
civil a respeito da castração. Não tinha firmemente introjetado que a mutilação
é um atentado contra a natureza humana, e não a condenou ou quando o fez foi
sempre com a boca pequena e inclusive a impulsou quando se fazia polo reino dos
céus.
A Castração na igreja primitiva
1. Atos dos
Apóstolos e pais apostólicos (Do ano 80 ao 150)
2.- Dos pais apologistas do século II ao
Concílio de Nicea
2.1.- Oposição anticristã
2.2. Justino (ca.
100-165)
2.3. Atenágoras
(s. II)
2.4.- Hipólito de
Roma (ca. 170-236)
2.5.- Os
gnósticos. Julio Cassiano
2.6.- Os Atos
de João
2.7.- O bispo
Melitão (? - ca. 180) e o presbítero Clemente de Alexandria (ca. 160-215)
2.8.- Tertuliano
(ca. 160-225)
2.9.- Sexto e os
valesianos
2.10.- Orígenes
(185-254)
2.11.- Arnóbio de
Sica (ca. 240- ca. 304)
2.12.- A
castração na Roma imperial de Trajano a Diocleciano
3.- Do Concílio
de Nicea ao de Constantinopla 381.
3.1.- O edito de
Milão e o Concílio de Nicea
3.2.- O eunuco
Eutério
3.3.- Cânones
Apostólicos e a castração na cristandade persa
3.4.- Eusébio de
Nicomédia ( - 341)
3.5.- O eunuco
Eusébio ( -361)
3.6.- Política de
nomeações de Constâncio. Anatólio
3.7.- O eunuco
Mardónio e queda de Eusébio. Despedimento dos eunucos
3.8.- Leôncio de
Antioquia (ca. 290-357)
3.9.- Apoio dos
eunucos cortesãos ao arianismo
3.10.- Sabas,
Probácio e Eugênio
4.- Do concílio
de Constantinopla ao de Éfeso
4.1.- O reinado
de Teodósio o Grande (379-395)
4.2.- Eutrópio e
os outros eunucos de Palácio de Oriente
4.3.- Os eunucos
durante o reinado de Honório
4.4.- Prudêncio
4.5.- Pelágia
4.6.- Santo
Ambrósio (340-397).
4.7.- São Jerome
de Estridão (Dalmácia, c. 346 – 420)
4.8.- Santo
Agostinho (354-430)
5.- A prática do
castração até a metade do século V
5.1.- Antíoco,
Lausus, Elias e Escolâstico
5.2.- Crisáfio
(408-450)
5.3.- Os eunucos
durante o reinado de Valentiniano II
5.4.- Concílio de
Seléucia
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Eunuco índio |
Nos escritos do
Novo Testamento não se alude ao eunuquismo ou castração salvo no referido texto
de Mateo, 19, 12, já referido, e nos Atos dos Apóstolos, composto
este entre os anos 80 e 85 e.c. Seguindo o espírito da mensagem de Jesus,
Filipe o diácono -que cumpre distinguir de Filipe o apóstolo- não teve nenhum
inconveniente em batizar, e por tanto admitir no seu da Igreja a eunucos, como
é o caso do ministro da rainha etíope Candazes, ao que só se lhe exigiu uma fé
plena1.
Insere-se, por tanto, esta atuação no espírito do Trito Isaías, escrito após o 538 a. e.c., terminado já o
exílio, em que Iavé
promete aos que guardam os seus sábados, elegem o que lhe agrada e se mantêm
firmes na sua aliança, “dar-lhes na minha Casa e nos meus muros monumento e
nome melhor que filhos e filhas”2. Por tanto, os eunucos, se aderem a Iavé
terão uma recompensa superior que a que resulta da geração carnal.
Os Padres
Apostólicos (Didaché, Arístides, Clemente, Inácio, Policarpo, Bernabé, autor do
Discurso a Diogneto, Papias e Hermas), é uma denominação que abrange a autores
ou obras mui simples de caráter parenético, ou seja, de exortação moral, que
estiveram em relação de proximidade com os apóstolos, quer porque os
conhecessem ou porque conheceram aos seus discípulos, que viveram entre finais
do século I no caso de Didaché e aproximadamente e o 140-150 o Pastor
Hermas, nada se diz a respeito dos eunucos nem da castração.
2.- Dos pais apologistas do século II ao Concílio de Nicea
2.1.- Oposição
anticristã
Desde o século II,
o cristianismo incipiente tem que fazer frente por uma parte aos adversários
externos, como é a animadversão da população romana contra a nova «seita», que
se traduzia em escrachos freqüentes contra eles, e os ataques da
intelectualidade pagã contra o sua doutrina, tanto teórica como prática. A
listagem dos padres apologistas do século II, compreende ao bispo de Atenas
Quadrato ( -129), autor duma Apologia
dirigida a Adriano (117-138) no ano 129; Arístides de Atenas, que dirigiu
também a sua Apologia a Adriano ou, segundo outros a Antonino Pio (137-161); o
filósofo Justino (ca. 100-165); o visceral e intransigente Taciano o assírio
(ca. 120-ca. 180); o bispo eunuco Melitão de Sardes ( - 180); o patriarca Teófilo de Antioquia
( -181); Atenágoras (133-190); e o
filósofo satírico Hermias (s. III9. Entre os anos 150-270 viveu Minúcio Feliz,
que escreveu o diálogo Otávio, no que o autor e dous amigos seus, um
cristão, Otavio, e outro pagão, Cecílio, charlam caminho de Óstia.
Os principais
adversários anticristãos eram o escritor e governador romano de Bitínia, Plínio
o Moço (ca. 62-ca. 113) acusava o cristianismo de pertinácia, obstinação,
loucura, superstição perversa e depravada; o historiador romano, Suetónio
(ca. 69-post 126), de superstição nova e maléfica; o historiador, senador e
cônsul, Tácito (ca. 55-120), de superstição perniciosa. Outros autores
pagãos que formularam acusações contra os cristãos, foram: o cirtense e
neo-acadêmico, Cecílio Natalis (s. II/III); Marco Cornélio Frontão, ou Frontão de
Cirta, (ca. 95-ca. 167), senador romano, gramático, retórico e advogado, que
foi professor do imperador Marco Aurélio (161-180), e autor do discurso Contra
os cristãos; Luciano de Samosata (125-181), com o seu livro, De morte
Peregrini, escrito cara ao ano 170, no que se burlava do seu amor fraternal
e do fanatismo ante a morte; o filósofo platônico Celso (s. II), autor
do Discurso Verdadeiro, publicado o ano 178, e o mais ilustre de todos,
o filósofo neo-platônico Porfírio (232-304), autor da obra Adversus
christianos (Contra os Cristãos). A nível popular existia uma grande
animadversão contra os cristãos, aos que lhe achacam promiscuidade sexual,
comer meninos, etc.
Em segundo lugar,
já a partir do século II, no seio do cristianismo, a esta altura totalmente
descentralizado e sem um referente aglutinador e impositivo, como o que
representará o papado, a partir do século IV mas a esta altura inexistente,
produzem-se múltiplas excisões, facções: ebionitas, nazarenos, encratitas,
montanistas, monarquianistas, patripasianos, múltiplos grupos gnósticos, ...
com força desigual, ás que outros eruditos cristãos das facções dominantes
retrucavam. Entre estes, cumpre destacar a Irineu de Lyon (135-202), com a sua
obra célebre Adversus haereses; o cartaginês, Tertuliano (ca. 160-225),
que combate aos que considera adversários, tanto exteriores, principalmente no Apologêtico,
como interiores no Adversus Marcionem, Adversus Hermogenem, ... Clemente
de Alexandria, Arnóbio, etc..
A respeito da
castração, no cristianismo primitivo suscitou-se uma viva polêmica no seu seio,
a partir do século II, tocante á emasculação voluntária, que teve os seus
partidários e os seus detratores. Enquanto alguns cristãos, inclusive bispos,
consideram a emasculação como um ato de máxima piedade e santidade que permite
uma maior entrega a Deus, chegando mesmo a praticá-la para servir de exemplo
para os demais, outros a desaconselham por considerar que é uma prática cruel e
daninha para o corpo humano e por opor-se á sua integridade fisiológica, tal
como saiu das mãos de Deus.
2.2. Justino (ca.
100-165)
Justino põe o texto
de 19, 12, em relação com outros que engloba só o tema da temperança (σωφροσύνης),
que alguns autores traduzem por castidade, para assim poder defender que nele
Jesus fala desta e não da castração. Os outros textos aludem ao escândalo e ás
segundas núpcias: “Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o, pois
mais vale com um só olho entrar no reino dos céus, que não com os dous ser
enviado ao fogo eterno”3. “Quem casa com a divorciada por
outro marido, comete adultério”. Aqui indica claramente que em aras da
temperança podem-se cometer mutilações corporais, e que as segundas núpcias
devem evitar-se. Isto é confirmado polo que afirma nesta I Apologia,
de que os cristãos evitam a exposição
dos meninos por correr o risco de ser acusados de homicídio se alguém não os
recolhe. Ou nos casamos para ter filhos ou se renunciamos ao matrimônio,
vivemos em continência, e continua: “E já se deu o caso que um dos nossos,
para demonstrar-vos que a união promíscua não é mistério que nós celebramos,
apresentou um memorial ao prefeito Felix de Alexandria, suplicando-lhe que
autorizasse o seu médico para emasculá-lo, pois diziam os médicos de ali que
semelhante operação não podia fazer-se sem permissão do governador. Felix
negou-se em redondo a assinar o memorial, e o moço permaneceu solteiro,
contentando-se com o testemunho da sua
consciência e o dos seus companheiros na fé. E aqui cremos que não estaria
afora de lugar lembrar a Antinoo, que viveu nestes tempos, a quem todos, por
medo, se arrojaram a honrar como a Deus, não obstante saber mui bem quem era e
de onde vinha”4. Justino, neste texto, expõe o caso do cristão
que solicita a emasculação, em tempos de Antonino Pio (86-161 e.c.) dando a
entender que era positivo em aras de evitar a acusação de promiscuidade sexual.
O que, em todo caso, significa que não havia nele um posicionamento decidido
contra uma prática aberrante, pois em caso contrário um não pode simplesmente
descrever assepticamente um acontecimento.
2.3. Atenágoras (s.
II)
Natural de Atenas,
propõe a castração e a virgindade como alternativa preferível ás relações
sexuais. “Se, pois, o viver em virgindade e castração acerca mais a Deus, e
só o pensamento e desejo afasta dele; nos casos em que evitamos os pensamentos,
com mais razão rejeitaremos os atos”5. Neste autor, por
conseguinte, aparece explicitamente a castração como uma via de santidade que é
desejável praticar, consoante com a recomendação críptica de Jesus de Nazaré.
2.4.- Hipólito de
Roma (ca. 170-236)
Escritor cristão
prolífico e presbítero de Roma, foi eleito em 217 como o primeiro anti-papa da
Igreja. Na Tradição Apostólica estabelece que os conversos á fé que
devem ser admitidos como ouvintes da palavra devem ser levados aos mestres á
casa, antes que toda a gente entre, onde serão examinados acerca das suas razões para abraçar a fé. Algumas das
exigências são chocantes e permitem ratificar a afirmação de que a Igreja
cristã não lutou pola abolição da escravatura. Ha que perguntar-lhe se são
livres ou escravos, e neste caso, “Se é escravo dum crente e tem a permissão
do seu proprietário, então deixai que seja recebido; mas se o seu proprietário
não lhe dá bons informes, que seja rejeitado. Se o proprietário é um pagão, que
o escravo seja instruído para agradar ao seu proprietário, porque a palavra não
deve ser blasfemada”6.
A respeito dos eunucos afirma: “Uma prostituta ou um
home licencioso ou um que se castrou a si mesmo, ou alguém que faz cousas que
não são para dizer, devem ser rejeitados, porque estão desonrados”7.
Esta proscrição inclui-se dentro duma longa lista de profissões rejeitadas,
como caçadores, cocheiros,...., mas em todo caso, isto confirma que, por uma
parte, na igreja havia eunucos e pola
outra que, para ele, a auto-emasculação
não é um ato meritório.
Na Refutação de
todas as heresias, falando do home perfeito, afirma que “Os frígios,
porém, afirmam, diz ele (o naaseno), que ele (o home) é «uma maçaroca verde
ceifada». E seguindo aos frígios, os atenienses, entretanto iniciam a gente nos
ritos eleusinos, também amostram aos que foram convertidos em epoptes (iniciados),
o poderoso e o maravilhoso, e o mais
perfeito mistério para um epopte ai: (Eu aludo a) uma maçaroca ceifada
silenciosamente. E esta maçaroca é também (considerada) entre os atenienses,
uma faísca de luz suma perfeita (que descendeu) do indescritível, justamente
como o hierofante mesmo (declara); não, em verdade, emasculado como Atis senão
convertido num eunuco por meio de cicutas, e desprezando toda geração carnal,
celebrando pola noite em Eleusis os grandes e inefáveis mistérios, dizendo:
«Augusto Brimo gerou um filho santo, Brimos», isto é o forte (deu nascimento)
ao forte”8. Neste texto alude á castração dos galli, dos
sacerdotes de Cibele e contrapõe a sua emasculação com o que fazem os
atenienses, que se volvem estéreis por meio de venenos. Ambos concordam no
desprezo da geração carnal. Os hierofantes eram os sumos sacerdotes que
presidiam os mistérios de Eleusis, e os epoptes eram os iniciados, e mais em
concreto, os que já superaram o último grau de iniciação. Brimo era o título de
Demeter, deusa da colheita, da agricultura. Hipólito sublinha que a Patroa
pariu um moço santo, Brimo pariu a Brimo, isto é o Forte ao Forte, o espiritual
produziu o espiritual.
Os naasenos, palavra derivada do grega,
Naasseni, e este possivelmente do hebreu nahash, serpente, era um facção cristã
das mais antigas, surgida por volta do ano 100 e.c.; não se castravam, mas eram
miso-exuais, aborrecedores do sexo. Hipólito de Roma cita esta facção dos
naasenos, seita ofita, termo proveniente de «ophis», serpente, que compreendia
diversos grupos gnósticos que adoravam a serpente como o ser supremo, ao tempo
que consideravam o deus do Antigo Testamento como uma figura negativa, malvada.
Estava integrado polos grupos dos naasenos, setitas, cainitas, peratas,
encratitas e bardesanes. Os naasenos, Afirmavam: “Mas se a Madre dos deuses castrou a Atis,
e mantém este ser querido, a bem-aventurada natureza do hiper-cósmico e eterno
desde o alto reclama para ela -diz ele-, o poder masculino da alma. Porque, diz
ele, o home é másculo-feminino. Consoante com este argumento, então, a assim
chamada inter-relação da mulher com o home se amostra, segundo (o ensino da)
sua escola, ser uma cousa maligna e suja. Porque Atis se castra, diz ele, isto
é, comutou as partes terreais da criação inferior pola substância eterna nas
alturas, onde, diz ele, não existe macho nem fêmea, senão uma nova criatura”9.
Como podemos observar, neste texto, ao igual que no anterior, delata-se uma
concepção angélica do ser humano, pretendendo, consoante com ela, emendar a
mesma obra do criador. Delata-se igualmente um
imenso ódio contra as relações sexuais, que são fruto do pecado e que,
como dizia Jesus, desaparecem no estádio definitivo no reino dos céus,
contrapondo terra-imperfeição e relações sexuais e céu-perfeição e ser humano
neutro.
Honravam a Atis, o
deus dos galli, junto a Cristo, embora não eram castrados10.
“Por tais doutrinas, associam-se freqüentemente aos mistérios da grande
Madre, pensando especialmente por meio do que se celebra ali, perceber o
mistério total. Unicamente realizam a obra dos castrados porque dão as
instruções mais nítidas e cuidadosas de abster-se, como se estivessem
castrados, das inter-relações com mulheres. Porque o resto das obras como
dissemos muitas vezes, as realizam como os castrados”11.
Hipólito testemunha
que se praticava normalmente o eunuquismo na Igreja e que os eunucos podiam
aceder ao sacerdócio. Jacinto era um presbítero, não obstante ser eunuco. “Mas
depois deste tempo, houve neste lugar outros mártires, Márcia, concubina de
Cômodo, que foi uma mulher amante de Deus, e desejosa de realizar algumas obras
boas, convidou á sua presença a Vitor, que era neste tempo bispo da Igreja, e
perguntou-lhe que mártires havia em Sardínia. E ele deu-lhe os nomes de todos, mas
não lhe deu o nome de Calisto, conhecendo os atos infames a que se
atrevera. Márcia, uma vez obtida o solicitude de Cómodo, entregou-lhe a carta
de emancipação a Jacinto, um certo eunuco, bastante avançado em idade”12.
Márcia fora concubina dum curmão de Cômodo, imperador romano do 161 ao 192; do
senador Marco Umidio Quadrato, e ulteriormente esposa do seu servente Eclecto.
A irmã de Cômodo, Lucila, convenceu a Márcia no ano 182 para que participasse
num complot, juntamente com Quadrato, para assassinar a Cômodo; descoberta a
conspiração Lucila e Quadrato foram assassinados. Márcia arranjou para evitar
os cargos, e uma vez exilada e executada a esposa de Cômodo, Crespina, por
adultério, Márcia converteu-se na sua concubina.
2.5.- Os gnósticos.
Julio Cassiano
No século I e,
principalmente, no II, surgem várias ramificações dentro do cristianismo, que
se conhecem com o nome de gnósticos, de gnose, conhecimento, assim denominados
porque pretendiam ter alcançado um conhecimento especial da divindade reservado
a uma elite. Muitos destes grupos amostram um grande desprezo pola carne e a
matéria, origem do mal, também característica do cristianismo «ortodoxo», e,
interpretando que Jesus desqualificava as relações sexuais em Mat. 19,12,
defendem a abstinência total das relações sexuais e condenam o matrimônio.
Entre estas derivações, predecessoras dos chamados encratitas, estão os allobianos,
do país dos Sármatas, que, segundo Clemente de Alexandria, viviam nas aforas
das cidades ao ar livre, praticavam o vegetarianismo e abstinham-se do vinho e
do matrimônio13. Foram seguidos por muitos neo-conversos.
Outro dos predecessores foi o gnóstico sírio, Cerdão (ss. I-II), que
ensinava que Cristo só tomou em aparência carne humana, nem morreu realmente
nem nasceu realmente duma virgem, e negava a ressurreição dos corpos. Foi o
mestre do grego converso, Marcião (ca. 85-ca.160), que negava o Antigo
Testamento e o seu deus justiceiro, que véu ser substituído polo deus bom do
Novo Testamento. Igual que os demais cristãos primitivos, cria no final
iminente do mundo e a parusia de Cristo julgador, e por isso rejeitava o
matrimônio e defendia que a procriação era um invento do deus perverso do
Antigo Testamento.
O poeta e escritor
cristão, nascido em Edesa, de tendência gnóstica próxima ás teses dos
valentinianos, Bardaisam (154-222), na sua obra, O livro das leis do
país, escreve: “Em Síria e em Edesa, certos homes suprimiam a sua virilidade para Tarata (Atargatis) e
quando o rei Agbar (IX (179-214).) se converteu, ordenou cortar a mão a
quem suprimisse a sua virilidade, e
assim depois desta época até o momento presente ninguém mais fez isto no país
de Edesa”14.
O encratismo
foi promovido por Julio Cassiano (s. II/III), valentiniano e fundador do docetismo, ou seja
da doutrina que afirma que Jesus foi um home só em aparência, que escreveu uma
obra intitulada Peri egkrateias ê Peri eunoukhias, (Sobre a
Abstinência ou Sobre o eunuquismo), e
polo apologista gnóstico sírio, Taciano (120-180), e desenvolve-se no s.
II, embora as suas origens remontam aos
tempos apostólicos, e estende-se até o s. IV. Ambos autores recuperaram noções
platônicas sobre as relações sexuais, consideradas como atos bestiais, e a
divindade da alma humana e a sua
encarnação como fruto do pecado, e defendiam a pecaminosidade do matrimônio.
Julio Cassiano cita o Evangelho dos Egípcios para fundamentar a sua opinião de que as relações sexuais não
são obra de Deus, e que esta era a posição de Jesus. Praticavam um rígido
ascetismo e opunham-se ao matrimônio. No livro
Stromata, Clemente de Alexandria oferece-nos o parecer do
encratita Julio Cassiano, que considera, ao igual que Marcião e Valentim, que o
nascimento é um pecado, e condena o matrimônio como algo não querido por Deus,
e inclusive toda relação sexual: ."Eles dizem que o home se converte em
algo parecido a uma besta quando pratica
as relações sexuais”15.
Cassiano defende o eunuquismo, ao indicar que os eunucos gozam da benção
divina: “Semelhantes são os argumentos de Julio Cassiano, o promotor dos
enganos. Nalguma medida no seu livro Referente á continência ou celibato, diz
estas palavras: «Não permitas que ninguém diga que, porque temos estas partes,
que o corpo feminino é criado neste sentido e o macho nesse sentido, o um para
receber, o outro para dar sêmen, o intercâmbio sexual é permitido por Deus.
Porque se este arranjo foi feito por Deus, a quem nós aspiramos imitar, não
teria abençoado os eunucos, nem teria dito o profeta que eles não som uma
“árvore infecunda”, usando árvore como uma ilustração do home que escolhe
auto-emascular-se por alguma razão semelhante”16. Como podemos
observar neste texto Julio Cassiano acredita mais em certas frases bíblicas que
no que observamos na natureza, que el aceita que foi criada por Deus, e, por
tanto, opõe-se mesmo ao que nos amostra a experiência com o objetivo de
continuar a manter a sua ideologia
misógina. A seguir, Clemente de Alexandria declara que Julio Cassiano: “esforçando-se
ao máximo em defender a sua opinião ímpia acrescenta: «Pode ninguém retamente
encontrar erro no Salvador se ele é o responsável da nossa formação e depois
libertou-os do erro e deste uso dos órgãos reprodutores?»”17.
Tougher manifesta sobre este texto que “De novo ha aqui uma fixação sobre os
membros sexuais (τὰ μόρια) e uma descrição não
figurativa da sexualidade humana. Se for um legítimo estímulo para viver uma
vida virginal, está expresso duma maneira bem estranha”18. A este respeito,
o seu ensino é o mesmo que o de Taciano, mas ele separou-se da escola de
Valentim. Na sua explicação diz
Cassiano: “«Quando Salomé perguntou quando conheceria a resposta ás suas questões, o Senhor disse, quando
desprezes o manto da vergonha, e quando os dous são um, o macho com a fêmea, ai
nem ha macho nem fêmea»”19.
No seio do
encratismo produziu-se a excisão do severianismo, que deve o seu nome a
um tal Severo; de parte dos maniqueus e dos apoctáticos ou renunciadores,
chamados assim por defender a renúncia a todos os prazeres. A posição destes
grupos converteu-se numa parte essencial do ascetismo monástico e da praxe do
clero regular. No judaísmo e na própria
igreja cristã sempre se vira as relações sexuais como algo pecaminoso, algo
sujo do que ha que purificar-se. Isto é o que justifica que a mai tiver que
purificar-se após do parto, porque estava manchada como fruto da concepção por
comércio sexual.
Uma concepção
semelhante á dos encratitas foi defendida por Basílides, um dos primeiros
gnósticos, professor em Alexandria do 118 ao 138. Opõe-se as relações sexuais,
que descreve como não necessárias: “Mas o estado da humanidade tem só certas
cousas que são á vez necessárias e naturais; a vestimenta é necessária e
natural, mais as relações sexuais são naturais, agora não necessárias”20. A sua concepção desenvolveremo-la mais ao expor
o pensamento de Clemente de Alexandria.
Estas ramificações
do cristianismo oficial não tinham futuro por colidir com os princípios básicos
em que se assenta a sociedade, que é propagação da espécie e o mantimento da
taxa demográfica dos estados, defendidas tanto polas religiões integradas no sistema
como polo poder estabelecido. Em todo caso, a propagação de tantos grupos com
esta ideologia indica que no seio do cristianismo havia uns postulados dos que
se derivam estas conseqüências, e das premissas destes citados grupos deduz-se,
como conclusão lógica, a valoração positiva do eunuquismo, por liberar da carne
e da propagação da espécie.
Foram combatidos
tanto polos autores cristãos como polos cânones eclesiásticos e os editos
imperiais. Entre os pais da igreja, cumpre citar a Irineu de Lyon, Tertuliano,
Hipólito, Clemente de Alexandria e Orígenes. Entre os pronunciamentos adversos
da igreja, destacamos o cânon 14 do Concílio de Ancira, capital de
Galácia, que afirma: “14. Aos membros do clero, sejam presbíteros ou
diáconos, que se abstêm da carne ordenamos-lhe que a provem e logo, se o
desejam, podem abster-se dela. Se nem sequer desejam ingerir as verduras
cozidas com a carne e não se submetem ao presente cânon, que sejam destituídos
do seu rango”21. Isto demonstra que era tão forte a
corrente abstencionista a respeito da carne, que se impõe a norma irracional de
que têm que prová-la, ainda que lhe repugne, para deixar constância de que não
se aderem a essa tendência. Os Cânones Apostólicos, escritos arredor do
ano 400, decretam que: “Se algum bispo, presbítero ou diácono, ou alguém da
listagem sacerdotal, se abstém do matrimônio, carne ou vinho, não por limitação
religiosa senão por animadversão, esquecendo que Deus fez todas as cousas
realmente boas, e que fez varão e fêmea, e blasfemando a obra da criação, que
seja corrigido, ou em caso contrário deposto, e expulsado da Igreja. De igual
modo um laico”22. Como podemos constatar, neste Cânon
aprova-se a abstinência do matrimônio, carne ou vinho, quando se faz por
motivos religiosos. Estas condenas de sínodos e os decretos eclesiásticos, de
caráter local, tiveram uma efetividade relativa, mas deu-lhe um duro golpe o
Edito de Constantino contra os hereges, emitido imediatamente após o Concílio
de Nicea, do que só se conserva a carta que os acompanhava, e as disposições de
Teodósio o Grande. Constantino cita expressamente na condena os novacianos,
marcionitas, valentinianos e paulinianos, e Teodósio condena os maniqueus baixo
todas as suas denominações, e em concreto cita os encratitas. Convém sublinhar que
neste tempo os máximos perseguidores da heresia eram os imperadores, autênticos
chefes duma Igreja a esta altura descentralizada, sem chefatura central
nenhuma, atuando Constantino o Grande de fato como o primeiro Papa de Roma, e
Teodósio como o segundo. O império não podia aceitar tendências religiosas que
pusessem em questão a reposição demográfica dos membros da sociedade produzida
por decesso natural ou guerras.
2.6.- Os Atos de
João
O livro apócrifo, Atos
de João, que muitos autores mantêm que foi composto na segunda metade do
século II, por um tal Léucio de Charino, discípulo e companheiro de João,
afirma que: “Mas o moço, quando observou a imprevista ressurreição de seu
pai, e salvador seu, colheu uma foucinha e mutilou-se a si mesmo, e correu pola
casa na que tinha a sua adúltera, e
reprochou-lhe, dizendo: Por causa tua eu converti-me no assassino do meu pai e
de vos os dous e de mim mesmo: ali tens o que é tão culpável como todos. Para
comigo Deus teve misericórdia, que eu devo reconhecer o seu poder. E ele volveu
e falou-lhe a João em presença dos irmãos que fizera. Mas João disse-lhe: ele
pôs no teu coração, moço, matar ao teu pai e converter-te em adúltero da mulher
doutro home, o mesmo fez-te pensar que era uma boa ação eliminar também os membros
desobedientes. Mas ti devias eliminá-lo, não com motivo do pecado, senão com a
idéia de que por estes membros amostraram-se a si mesmos perigosos; porque não
é um instrumento que seja nocivo, senão um invisível impulso polo que cada
emoção vergonhosa se exercita e vem a luz”23. Nesta cita
observamos que a castração era uma prática que se via como um meio terapêutico
para curar tendências pecaminosas, que gozava de aprovação social, quando o
justificava o fim que se perseguia, que, neste caso, consistia em corrigir
tendências impulsivas desarranjadas. A pessoa que representa o apóstolo, afirma
que não está justificada quando se realiza com motivo do pecado, mas si por ser
a via pola que as paixões afloram á luz. Todo indica que era uma prática habitual
na Igreja e que gozava de aprovação social entre os seus membros. A descrição
faz lembrar a castração dos galli.
2.7.- O bispo
Melitão (? - ca. 180) e o presbítero Clemente de Alexandria (ca. 160-215)
O bispo de Sardes, Melitão,
era eunuco, segundo narra o historiador eclesiástico Eusébio de Cesarea
(275-339): “Necessitamos mencionar o bispo e mártir Sagaris, que caiu
dormido em Laodicea, o bem-aventurado Papiro, ou Melitão o eunuco que viveu em
todo com o Espírito Santo e jaz em Sardes, esperando o episcopado dos céus,
quando ressuscite da morte”24.
A sua castração não é óbice para que Eusébio de Cesarea
lhe dedique um elogio laudatório. Vemos que o ser eunuco não inabilitava para
acceder ao episcopado, se bem é uma mágoa que não saibamos a que se deveu a
emasculação e, por tanto, se foi voluntária, congênita ou forçada, porque isto
permitir-nos-ia conhecer melhor a praxe eclesial nestes casos.
O ateniense Clemente de Alexandria, no
seu livro O pedagogo, adere á filosofia platônica de profundo desprezo
do corpo baseando-se em textos de vários autores gregos, entre eles Platão 25,
ao tempo que reprocha o excessivo uso de serventes e faz uma descrição dos
diversos seus tipos, entre os que figuram muitos eunucos: "Criados e
camareiras servem com afã ás mulheres; umas com os espelhos; outras com as
redinhas; outras com os pentes; e, além disso, ha muitos eunucos; estes são alcoviteiros e servem sem suspeita
aos que desejam estar livres para gozar dos seus prazeres, pola crença de que
som inaptos para ceder á sua
concupiscência. Mas o verdadeiro eunuco não é o que é inapto, senão aquele que
não quer ceder ao prazer (com uma mulher) (Eunouchos de alethes, ouch ho me
dunamenos, alh’ ho me boulomenos philedein)”26. Este texto
confirma que havia a esta altura muitos eunucos entre os criados, membros, por
tanto, duma classe social baixa. Estes são úteis enquanto que se considera que,
pola sua condição pessoal de castrados, não provocaram problemas de
infidelidade no seio da família romana. A seguir introduz Clemente uma
afirmação que se presta a interpretações várias. Afirma que o verdadeiro eunuco
não é o que carece de atitude senão o que carece de vontade para gozar do
prazer sexual com a mulher, e isto pode entender-se de várias maneiras.
Falta-lhe vontade porque a) tem repulsão cara ao sexo feminino, quer por
falta de apetite sexual derivado de problemas de funcionamento hormonal, quer
por b) falta de proclividade para as relações hetero-sexuais, e, por
tanto, teríamos o caso dos homo-sexuais, tanto gais como lesbianas; quer c)
por uma sublimação do sexo em aras dum ideal da razão, do que seriam um exemplo
os grupos supracitados dos alhobianos, Cerdão, Marcião, encratitas, …, e dos
que decidem abraçar o celibato como ideal de consagração total a Deus ou a uma causa
laica, como a ciência, investigação, etc.; quer d) por não estar
disposto a assumir os as responsabilidades, sacrifícios, etc. que implica o
matrimônio ou o cuidado da prole, especialmente em sociedades antigas nas que
não existiam meios anticonceptivos; quer, e) por não ter achado uma
pessoa que realmente o inclinar para compartir uma vida juntos. Clemente
inclina-se claramente pola alternativa c), pois ele aplaudia que um se fizesse
eunuco polo reino dos céus, no sentido de renúncia voluntária ás relações
sexuais, que entendia que era mais perfeito que a auto-emasculação, ainda que
também considerava a castração como positiva.
No Protréptico ou
Exortação aos Gentios, critica que se adore a Pilomede, a Venus de Delos, que “nasceu
do falo cortado a Urano, e que permaneceu tão desordenado, ao estar totalmente
separado do corpo deste deus, que fez violência á onda do mar, não devém, na
celebração dos seus mistérios, a digna produção do órgão da vergonhosa
voluptuosidade?. Também se apresenta a todos aos que se inicia na arte de
prostituir-se, um pouco de sal e um falo como símbolo das volúpias do mar e da
sua nobre progenitura; os iniciados, pola sua parte, dão a Venus uma peça de
moeda, como se dá a uma cortesã o prezo do crime”27.
Conta, neste mesmo
livro, que em Escítia, região que se estende desde o Danúbio ás costas
setentrionais do Mar Negro, o seu rei, “qualquer que fosse”, “a um
cidadão seu, que representava entre os escitas os mistérios de Cícico em honor
da Mai dos deuses, entretanto tocava um tambor e fazia ressoar os címbalos,
levando no pescoço as figurinhas que levam os sacerdotes de Cibele quando
pedem, disparou-lhe com as suas frechas,
por ter-se convertido num efeminado entre os gregos e mestre para os demais
escitas da enfermidade do efeminamento”28. Cícico era um herói da
costa asiática, a Mai dos deuses é Cibele, e o contexto parece indicar que os
efeminados são eunucos, se bem também poderia tratar-se de homo-sexuais.
No livro Stromata
analisa a posição dos seguidores dos gnósticos alexandrinos do século II,
Basilides (ca. 120-161) e Valentim (s. II), defensores dum sistema
emanatista de tendência neoplatonizante,
no que a partir de entidades superiores se vai derivando toda a realidade a través
duma série de elos intermédios. “Os valentinianos, que fazem descender
originariamente de abraços divinos as uniões conjugais (do home e mulher),
aprovam o matrimônio. Os seguidores de Bassílides, por outra parte, dizem «que
quando os apóstolos perguntaram -se não seria melhor não casar, o Senhor
replicou: «Não todos podem entender esta afirmação; ha alguns eunucos que são
assim desde o seu nascimento, outros são por necessidade». E a sua explicação desta afirmação é a seguinte:
Alguns homes, desde o seu nascimento, têm uma sensação natural de repulsão da
mulher; e estes, usando o seu temperamento natural, obram retamente se não
tomam mulher. Estes eunucos, dizem, são de nascimento. Os que são eunucos de
necessidade são os exercitadores teatrais que, retraídos polo afã de glória, se
contêm a si mesmos. E os que sofreram uma castração acidental devieram eunucos por necessidade. Os que se fazem
eunucos por necessidade, não o fazem de acordo com a sabedoria divina, mas si
os que se fazem eunucos eles mesmos polo reino eterno. Eles elegem esta opção,
dizem eles, para evitar as preocupações ordinárias do matrimônio, e polo temor
ligado á mantença da família29. Aparecem explicitamente
citados os três tipos de eunucos de que falara Jesus: eunucos naturais, eunucos
por necessidade, e os eunucos voluntários polo reino dos céus. Os primeiros,
que se correspondem com o primeiro tipo de Jesus, som os que sentem uma
repulsão natural cara a mulher, embora não estejam castrados fisiologicamente,
e entrariam, pois, neste grupo os homo-sexuais e os nascem com anomalias
genitais. Os eunucos por necessidade, integraria os que o são deliberada e
intencionadamente, que renunciam voluntariamente ás relações sexuais e os que
sofrem uma castração acidental. Os que se auto-emasculam polo reino eterno,
polo reino dos céus, obram, segundo este autor de acordo com a sabedoria
divina, e, por tanto realizam uma obra mui positiva.
2.8.- Tertuliano
(ca. 160-225)
O cartaginês e
brilhante polemista, Tertuliano, chamado o pai da cristandade latina e o
fundador da teologia ocidental, converteu-se ao cristianismo cara ao ano 197,
que abandonaria dez anos depois para integrar-se no montanismo, que também
abandonaria para fundar a sua própria
confissão. Como apologista, combateu diversas heresias: marcionitas,
valentinianos, nicolaítas, ... Esteve casado mas converteu-se em ardente
defensor do celibato. Segundo Shaum Tougher, Tertuliano utiliza os termos
castratus, eunuchus e spado algumas vezes como
intercambiáveis30. No livro Ad Uxorem, faz um
panegírico da continência num contexto plenamente miso-sexual, no que o sexo
aparece como um estorvo para achegar-se á divindade. Os que não estão casados
não devem casar e os que o estão devem viver como se não o estivessem, e os que
perderam a sua parelha não devem volver
casar. “Quantos não ha que, por mútuo consentimento suprimem os deveres do
matrimônio, eunucos voluntários, para conquistar melhor o céu. Se se abraça a
continência no matrimônio, com quanta mais razão cumpre impor-no-la quando a
morte o rompeu?”31. O ódio ao sexo é tal que não se recata
em emendar a obra divina, que criou seres sexuados e dotados de lívido para
segurar a procriação. No livro De cultu feminarum volve insistir na
continência sexual, que tem uma das suas
múltiplas raízes no Apóstolo Paulo, e carga contra o ornato feminino. “Se o
Apóstolo ordena aos maridos viver com as suas esposas como se não as tivessem,
que pensaria dos ornatos vãos dos que se carregam? Não é por este motivo e a
causa do reino de Deus que muitos se convertem em eunucos, renunciando com uma
vontade tão firme e confiada a prazeres imperiosos dos que o uso puder ser
legítimo?”32. O que autoriza aos cristãos a
obrar deste modo é a sua predestinação
por Deus para abolir os princípios mundanos. “Nós somos aqueles para os que
transitaram os fins dos séculos; destinados por Deus antes do juízo dos tempos,
somos instruídos por Deus, como castigar e castrar, como disse, o mundo. Somos
a circuncisão de todos, espiritual e carnal. Pois circuncidamos no espírito e
na carne a mundanalidade”33. Temos condensado em
poucas palavras a animadversão do cristianismo por este mundo, polas paixões,
polos prazeres, porque o mundo cristão é um mundo lúgubre, um mundo de trânsito
que odeia o estádio presente em aras dum futuro imaginário que seria o mundo
autêntico. Deus situou ao ser humano neste mundo para que o odiasse e escapasse
dele e todo gozo dos escassos prazeres e satisfações que este mundo nos dá é
visto como suspeitoso de pecado e de transgressão.
No Veu das
Virgens, critica que estas não se velem e que levem marcas que as distingam
das demais mulheres: “Polo demais, seria uma cousa bastante estranha que as
mulheres, submetidas em todas as cousas ao home, levassem como sinal de honor
uma marca da sua virgindade que atraísse
a atenção e o respeito dos seus irmãos, enquanto que tantos homes virgens,
tantos eunucos voluntários, estariam limitados a esconder a sua virtude, não levando nada que os poda
distinguir”34. Podemos observar que neste texto,
Tertuliano cita a submissão total das mulheres ao home em todo, que ele
considera normal e não condena, ao tempo que acredita na existência de muitos
eunucos voluntários, dos que louva a sua
virtude, e, por tanto, aprova implicitamente esta prática, que confirmaria a
mensagem a este respeito de Jesus. Estes eunucos voluntários são distinguidos
claramente dos celibatários ou virgens, e, por tanto, trata-se de pessoas
emasculadas fisiologicamente. Descreve outro traço que é importante como
princípio hermenêtico, que consiste na ocultação da castração.Finalmente, também
acredita que ha quantidade de eunucos voluntários.
Em Exortaçãoá Castidade, faz um novo
alegado em prol da vida de castidade, aconselhando casar com uma esposa
puramente espiritual, ao tempo que critica aos que se opõem á eleição deste
modo de vida: “Eu sei com que pretextos coloreamos a nossa insaciável cobiça
da carne. A necessidade duma assistência, uma casa a governar, servidores a conduzir, armazéns e
chaves a guardar, obras de lã a distribuir, gastos aos que ha que atender; eis
o que alegamos. Com efeito, não anda bem administradas mais que as casas dos
homes casados! Todo vai mal com os celibatários; os bens dos eunucos perecem; a
fortuna dos soldados é dilapidada; os viageiros sem esposas estão arruinados!
Esquecemos pois que nós somos também soldados, soldados submetidos a uma
disciplina tanto mais severa quanto a nossa casa é mais grande? Não somos nós
viageiros neste mundo? Por que pois esta disposição, ó cristão, que ti não
podas viver sem esposa?̋35. A luta contra a
carne, de por si pecaminosa, em contra do espírito, leva a este autor a optar
por um amor platônico, emendando a natureza humana, da que as paixões,
impulsos, sentimentos, pulsões, etc. som um constitutivo natural.
No livro primeiro Contra
Marcião, escreve: “Si, Marcião, ti es mais odioso que as bestas daquela
barbárie. Com efeito, que castor é mais castrador da carne que quem destruiu as núpcias”36.
Neste texto, indica claramente que quem condena ou destrói o matrimônio, como
Marcião de Sinope (85-161 e,c.), é um castrador da carne. Apresenta-se, pois,
Tertuliano como um defensor do matrimônio, frente ao ataque ao matrimônio de
Marcião, que só batizava os que não estavam casados: virgens, viuvas,
celibatários, divorciados e eunucos37.
Em Sobre a
Monogamia posiciona-se entre os que chama heréticos e os psíquicos; os
primeiros repudiam o matrimônio. Os primeiros não se casam nem uma vez; os
segundos não só uma vez. Ele considera que o seu posicionamento é um justo
termo médio. “Entre os eunucos alheios e os teus aurigas tanto te lamentas
do serviço doméstico quanto do desprezo alheio; por tanto ofendem os que abusam
como os que não usam. Em verdade nem a continência se deve louvar porque é
herética nem defender a licença, porque é psíquica; aquela blasfema, esta
entrega-se á luxuria; aquela destrói o deus das núpcias, esta ofusca-o”38.
Nesta mesma obra
afirma que Jesus era um eunuco ao igual que o apóstolo Paulo: “A monogamia é
onerosa e também a descarada doença da carne; mas, se também é nova é o que
imos ver agora. Dizemo-lo mais amplamente: embora que o Paracleto estabelecesse
no dia de hoje uma total e sólida virgindade ou continência, que não permite
apaziguar com umas núpcias únicas o fervor da carne, assim também nada novo parece
induzir-se, tendo em conta que o mesmo senhor lhe abriu o reino dos céus aos
eunucos sendo ele também eunuco; em quem fixando-se, o apóstolo, ademais sendo
ele castrado, preferiu a continência. mas deixando a salvo, dizes, o direito de
casar. (ipso domino spadonibus aperiente regna caelorum ut et ipso spadone,
quem spectans et apostolus, propterea et ipse castratus, continentiam mavult.
'Sed salvo', inquis, 'iure nubendi') Totalmente a salvo e veremos até
onde; não obstante destrói-o naquela parte em que prefere a continência. É bom
para o home não aproximar-se a nenhuma mulher, logo é mau acercar-se, pois não
ha nada contrário ao bom mais que o mau. Por tanto fica (a dizer), que os que
tenham mulheres obrem como se não as tivessem, e tanto mais os que não as têm
não devem tê-las. Explica também as causas porque aconselha isto, que os não
casados pensem sobre Deus, mas os casados que cada um se satisfaça no seu
matrimônio. E podo suster que não somente é bom o que se permite, senão que o
que se permite não é puramente bom, pois o que é puramente bom não se permite
senão que ademais é lícito. A permissão tem alguma vez por causa a necessidade.
Finalmente nesta classe não ha vontade do permissivo de casar, senão que quer
outra cousa: quero que vós, diz, todos sejais coma min”39.
Apresentamos este longo texto por crer que é indicativo do pensar da Igreja a
través da sua história. Em primeiro
lugar, Tertuliano opta pola monogamia, entendida como o fato de possuir uma
mulher única, e, por tanto, condena as segundas núpcias em caso de que lhe
morra a um dos esposos o seu companheiro/a. Esta era a posição dos montanistas,
mas não foi seguida no futuro pola igreja oficial, que terminou tolerando as
segundas núpcias ainda que de mal grau. Em segundo lugar, assume a ideologia
platonizante do ódio contra a matéria, contra o corpo, contra a carne,
emendando a propia obra divina. Em terceiro lugar, apesar de reconhecer que o
impulso sexual não se logra apaziguar com umas únicas núpcias, a única solução
que oferece é a continência, pois, segundo ele, ao igual que Deus é único, o
matrimônio também deve ser único. Em quarto lugar, acredita que Deus também
acolhe aos eunucos no reino dos céus, como escreve o Trito-Isaías. Em quinto
lugar, declara que tanto Jesus como o Apóstolo Paulo eram eunucos, no sentido
fisiológico de castrados, palavra esta última intercambiável para el com eunuco
neste texto. Em sexto lugar, sustem, como tradicionalmente a Igreja, que a
continência é preferível ao matrimônio, se bem permite este, não como um bem
verdadeiro, senão só em aras á
procriação da espécie, que seria a única finalidade da união matrimonial.
Inclusive ousa manter que os que têm mulher devem obrar como se não a tivessem,
o qual poderia ser um tema para um debate dum cursinho pré-matrimonial. Em
sétimo lugar, já aparece nele as razões que fundamentam o celibato e o
eunuquismo, que são a dedicação total a Deus, melhor seria dizer á Igreja, que
seria incompatível com as preocupações matrimoniais.
Muitos exegetas
cristãos interpretam que Jesus se refere neste texto ao celibato, á virgindade,
mas isto não tem fundamento e inclusive o apóstolo Paulo parece refutá-lo
claramente quando diz que “a respeito das virgens não tenho preceito do
Senhor”40. Por conseguinte, Jesus, segundo Paulo, não disse nada a
respeito do celibato. Tampouco é verdade, como veremos, o que dizem vários
exegetas que os Pais da Igreja e escritores eclesiásticos entendiam o terceiro
suposto dos eunucos em referência a pessoas celibatários.
Na entrega
anterior, creio que ficou claramente demonstrado que Jesus aconselhava a
castração polo reino dos céus, e agora Tertuliano indica que tanto ele como
Paulo eram eunucos, e deste último precisa expressamente que estava castrado.
Não sabemos quais são as fontes que lhe permitem a Tertuliano afirmar que Jesus
era um eunuco, se bem poderia recolher uma tradição oral presente no seio da
Igreja. Alguns autores afirmam que o mesmo Jesus foi acusado em vida polos seus
adversários de ser um eunuco, mas eu não achei nenhum documento dos primeiros
tempos que o acredite. Creio que se pode afirmar com todo fundamento que Jesus
era um eunuco espiritual, no sentido de que optava claramente a nível
ideológico pola castração em aras do reino dos céus, e que isso era o que el
recomendava aos seus discípulos, mas é uma questão aberta se estava castrado ou
não, ainda que a sua conduta a respeito
do sexo com mulheres, faceta totalmente enigmática, oculta, e inexistente
segundo vários autores eclesiásticos, e o seu trato com elas, indiferente, distante,
salvo os seus episódios com a Magdalena, numa sociedade que considerava ter
filhos como uma benção de Deus e a eleição exclusiva de homes como discípulos,
a misoginia dos essênios da que ele quiçá participou, indicam que podia ser
esse o motivo, embora também é provável que Jesus for mais bem miso-sexual e
miso-nupcial ao estilo dos essênios.
O professor
medievalista da Universidade de São Diego, Mathew Kuefler, especialista em
temas de sexualidade, considera que “se Jesus estava familiarizado com os
galli e as suas auto-emasculações como
práticas religiosas, então é polo menos possível que as suas palavras eram tencionadas literalmente e
que ele estava recomendando aos seus seguidores varões que se castrassem
fisicamente a si próprios”41. Tem presente este autor a
animadversão que sentia o que ele chama a aristocracia romana pola
auto-emasculação que punha em questão a possibilidade de penetração do
cristianismo no Império Romano e que, por tanto, cumpria suprimir, por muito
que estivesse apoiada na autoridade de Jesus. A supressão consistiu em mudar o
seu sentido literal polo alegórico, passando os devotos a serem uns castrados
espiritualmente. Entendo que mais que de aristocracia haveria que falar das
elites cultas e/ou sensíveis, pois muitas pessoas das elites econômicas altas
tinham, no Império Romano, eunucos ao seu serviço. Além disso, creio que é
pouco instrutivo falar de que é possível que as palavras de Jesus pretendiam
ter um sentido literal, pois possível é quase todo. Creio ademais que ha um
dado que o professor citado não tem em conta que é a legislação romana
formalmente oposta á auto-castração, que explica que Jesus não pudesse falar
abertamente e se refugiasse nas palavras crípticas: «quem poda entender que
entenda», que nenhum comentarista cristão é capaz de explicar
satisfatoriamente. Se temos em conta que é polo menos raro que um no mesmo
texto misture o sentido literal com o alegórico, a conduta distante,
desprezativa e indiferente de Jesus a respeito do sexo, a sua crença de que o fim do mundo está
próximo, e a prática eclesial no cristianismo primitivo, creio que podemos
concluir que Jesus estava recomendando a auto-emasculação física, que lhe
estava a inculcar o ideal eunuco, e que inclusive, se ele se estava a
referir-se a si mesmo no terceiro suposto de eunucos, como afirma Tertuliano42,
que ele fosse também um eunuco, não só no sentido espiritual, que creio que é
claro, senão também no sentido físico, se bem não temos a este respeito mais
que alguns elementos indiciários e não probas conclusivas.
A razão profunda
alegada por Tertuliano para a prática da emasculação é a crença, tão presente
no cristianismo primitivo, recebida de Jesus, de que o fim do mundo está
próximo, e isso invalida o preceito veterotestamentário «crescei e
multiplicai-vos», e explica o câmbio na valoração dos eunucos, que foram
convidados ao reino dos céus. “Pois depois que o fim dos tempos volveu
inútil este preceito: «Crescei e multiplicai-vos»; depois que o Apóstolo disse:
«Que vos queda por fazer, senão que aqueles que têm esposas sejam como se não
as tivessem, porque o tempo da recoleção chegou e a uva verde, comida polos
pais, cessou de irritar os dentes dos
meninos, pois cada um morrerá no seu pecado», desde esse momento não só os
eunucos não estão já submetidos ao opróbrio, senão que mereceram a graça e
foram convidados ao reino dos céus”43.
Neste mesmo livro
apresenta a Cristo como o novo Adão, ao que o cristão deve parecer-se, que é um
modelo tanto mais perfeito quanto mais íntegro, “Mais dada á enfermidade da
tua carne, o exemplo da sua, o Adão mais
perfeito, ou seja, Jesus Cristo, tanto mais perfeito quanto mais íntegro,
apresenta-se ante ti, se o desejas, como eunuco na carne; mas se não tens forças
suficientes, apresenta-se como monógamo em espírito, tendo a igreja como
esposa figurativamente, que o apóstolo
interpreta daquele grande sacramento de Cristo e da Igreja”44.
Para interpretar o sentido de eunuco na carne, pode ser clarificador aduzir
outros textos paralelos deste livro. “Só encontro a Pedro como marido,
pola sua sogra; pressinto que era
monógamo pola igreja; que funda sobre monógamos todo o seu rango hierárquico.
Aos demais não encontro que estivessem casados, e entendo que necessariamente
eram eunucos ou continentes”45. Distingue, pois,
claramente Tertuliano entre eunucos e continentes entre os não casados, e, por
tanto, isto cumpre aplicá-lo aos demais textos.
2.9.- Sexto e os
valesianos
No século II
recomendou a evisceração Sexto, autor do livro Os oráculos de Sexto, no que
qualificava a castração como um método ótimo para alcançar a perfeição, e
inclusive alguns dizem que ele próprio se teria emasculado. Era um filósofo
pitagórico-estoico do que a sua
personalidade histórica não está
identificada com segurança, ainda que, segundo alguns autores, podia ser
Quintus Sextus (fl. 50 a.
C.). Neste caso, o livro seria modificado posteriormente para incorporar uma
visão cristã, sinalando a Clemente como o autor que poderia tê-lo modificado. A
referência ao seu livro aparece por primeira vez em Orígenes, e a sua autoria foi atribuída ao papa Sixto II.
No Comentário ao Evangelho de São Mateo, diz Orígenes: “Mas Sexto diz
nas Sentenças, um livro que muitos consideram que foi testificado no curso do
tempo: «Expulsa qualquer parte do corpo que cause que não vivas em abstinência. Porque
é melhor viver em abstinência sem esta parte que ruinosamente com ela» (Sexto,
Sentenças, 13). E de novo el deu ocasião á mesma classe de ação quando diz mais
adiante neste livro: «Nós podemos ver que ha gente que corta e arroja longe
partes de si próprios em aras de salvar o resto do seu corpo são, quanto melhor
é obrar assim polo motivo de abstinência?» (Sexto, Sentenças 273). Inclusive
Filão, em muitos dos seus escritos sobre a Lei de Moisés, que são estimadas por
homes razoáveis, diz o seguinte no livro que titulou: Os Amores Piores atacam o
Melhor: «É melhor eunuquizar-se a si próprios que entregar-se a uma coabitação
ilegal»”46. Ou seja, que segundo o autor das
Sentenças ou Oráculos, está mais justificado realizar uma operação cirúrgica
para cortar algum membro ou parte dele em aras de abstinência que fazê-la por
motivos de doença
Um dos grupos mui
combativos em prol da auto-castração foi o dos valesianos de
Trans-Jordánia, promovido, no s. II, polo filósofo arábigo Valésio, do
que se conserva pouca informação sobre a
sua vida, transmitida principalmente polo bispo Epifánio de Salamina
(310-420), que ve as cousas já a partir duma óptica do século IV. Sustinha que
a concupiscência destrói a liberdade humana e, em conseqüência, aconselhava a
todos os homes privar-se a si mesmos do poder de propagar a espécie. A
auto-emasculação era obrigatória por ser o único meio para alcançar o reino dos
céus. Adquiriram uma notoriedade relevante por forçar a castração dos viajantes
que encontravam e dos hospedes que os visitavam por considerar que tinham a
obrigação de procurar a salvação não só própria senão de todos os demais. “A
maior parte deles foram membros da igreja até um certo tempo, quando a sua loucura chegou a ser amplamente conhecida
e foram expulsados da igreja. Quase todos são eunucos, e têm as mesmas crenças
sobre principados e autoridades que os setianos, arcónticos e outros. E quando
tomam um home como discípulo, não come
carne enquanto esteja sem castrar; mas quando o convencem disso, ou o castram á
força, pode comer de todo, porque deixou de resistir e não corre o risco de ser
impelido aos prazeres e gozos pola comida. E não só impõem esta mortificação
aos seus próprios discípulos; está amplamente expandido o rumor que têm
freqüentemente aplicado esta determinação aos estrangeiros em trânsito que aceitaram a
sua hospitalidade. Apoderam-se deles quando chegam a dentro, atam-nos
sobre as suas costas a mesas e realizam
a operação”47. Quiçá se baseassem na injunção
evangélica que diz que: “«Se a tua mão ou o teu pé te escandaliza, corta-o e
arroja-o de ti; que melhor é entrar na vida manco ou cego ou coxo»48
–como pode alguém estar estropiado no reino? Porque se o reino dos céus faz
todas as cousas perfeitas, não pode haver imperfeição nele. E dado que a
ressurreição é ressurreição do corpo, todos os membros devem ser elevados e
nenhum deles abandonado atrâs”49. O coração humano é impuro
e dele procedem muitas iniquidades. “Até agora o coração é causa de ofensas
a cada momento, por isso a escritura diz: «Do interior procedem a fornicação,
adultério, imundície e semelhantes». Mui bem, quem arrancará o seu coração?”50.
O bispo Epifánio de
Salamina (315-403) critica-os porque pola
sua “audácia em realizar este ato temerário colocaram-se eles mesmos
como diferentes de todos. Porque polo que foi eliminado eles já não são homes,
e não podem ser mulheres porque isto vai contra a sua natureza”51. Além disso, já não
entram em nenhuma das categorias de eunucos que estabeleceu Jesus. Não são
eunucos desde o útero materno, que não são responsáveis da sua condição e tampouco, ao não terem
desejos, não podem obrar doutro modo e, por tanto, quando não se pode obrar
doutro modo, não ha mérito e tampouco recompensa.Tão-pouco entram na categoria
dos feitos por outros homes, pois neste caso, são castrados para realizar atos
de serviço para os homes e não polo reino dos céus. “Quem são estes a não
ser os nobres apóstolos, e as virgens e monges após eles? João e Santiago, os
filhos do Zebedeu, que permaneceram celibatários, seguramente que não cortaram
os seus membros com as suas próprias
mãos, e não contraíram matrimônio tão-pouco; comprometeram-se na luta nos seus
próprios corações, e admiravelmente ganharam a fama da coroa nesta competição.
E todos os milhões após eles que viveram no mundo sem esposa e ganharam a fama
desta competição em mosteiros e conventos. Eles não têm relações com mulheres,
mas competiram na mais perfeita das competições”52. Quem se
auto-emascula faz uma cousa infame e também quem se deixa emascular por outros.
“Porque se um se faz a si mesmo eunuco com as suas próprias mãos, ele é um home e as suas mãos fizeram esta cousa infame. E
inclusive ainda que ele não o fizesse em si mesmo senão que foi feito eunuco
por outros, ele ainda não pode ser eunuco «polo reino dos céus» porque ele foi
«feito eunuco polos homes», quer polas
suas próprias mãos quer polas de outros”53.
Foram expulsados da
Igreja e condenados no Sínodo de Acaia, arredor do ano 250, mas, como
testemunha Epifánio, isso não implicou a
sua desaparição, pois parece que ainda ficavam ativos a princípios do
século V. “Eu ouvi falar freqüentemente dos valesianos mas eu não tenho
idéia de quem era Vales. O nome, que é árabe, permite-me supor que ele e a sua seita ainda existe, e também suspeito,
porque como disse, não podo dizer isto como certo, que ha alguns em Bakata, na
região de Filadélfia no outro lado do rio Jordão. Os aldeãos chama-nos gnósticos,
mas não são gnósticos; as suas idéias
são diferentes”54. Como podemos observar, no século IV-V,
que é quando escreve Epifánio, a mística do celibato já estava fortemente
consolidada no seio da Igreja.
2.10.- Orígenes
(185-254)
Seguindo o conselho
evangélico, a esta altura, cara ao ano 202-203, fez-se castrar em secreto por
um médico também Orígenes, por sobrenome Adamantino, natural de
Alexandria, num acesso de fanatismo religioso e para que a sua ascendência entre as mulheres não lhe
criasse problemas, oito dias após a sua conversão ao cristianismo, quando tinha
18 anos de idade, seguindo o conselho de Jesus de Nazaré, ainda que depois se
arrependeu. “Nós, por outra parte, entendemos em realidade nalgum tempo a
Cristo (a Palavra de Deus) «segundo a carne» (2 Cor. 5, 16) e consoante a letra,
mais agora já não atuamos assim e já não nos regozijamos com o ponto de vista
dos que realizam o terceiro tipo de eunuquização sobre si mesmos com o pretexto
do reino dos céus. Nem dedicaremos muito tempo a refutar os que querem
interpretar o terceiro tipo de eunuquização fisicamente igual que os dous
primeiros, se atualmente não temos visto aos que ousam fazê-lo, e se não temos
encontrado aos que eram capazes de mover (crível mais irracional) uma alma que
estava animada (polo bem) a fazer um ato imprudente”55.
Mas ele mesmo reconhece, ainda que não explicita que ha muitas razões para
apoiar a eunuquização física: “Mas um tem que saber que um não reduzido
número de argumentos para provar que os três tipos de eunuquização devem ser
entendidos fisicamente serão encontrados por qualquer que deseje provar isto e
concordará com os que foram mencionados antes por quem ensinou isto nos seus
escritos”56. Isto significa que ele aceita a doutrina
da Igreja, quiçá para não estragar a sua
carreira eclesiástica, mas os argumentos em prol da castração seguem a ter
a sua força.
Assim nos apresenta
os fatos o historiador eclesiástico Eusébio de Cesarea: “Neste tempo, quando
Orígenes dirigia a instrução catequética em Alexandria, realizou um ato que
demonstra uma mente imatura e infantil, mas ao mesmo tempo oferece a mais alta
prova de fé e continência. Porque ele tomou as palavras, «Ha eunucos que se
fizeram a si mesmos polo reino dos céus», Mat. 9,12, num sentido literal e
radical. E para cumprimentar a palavra do Salvador, e evitar toda oportunidade
de escândalo dos infiéis - porque, ainda que era moço, encontrava-se no estudo
das cousas divinas com mulheres e com homes- pôs em prática a palavra do
Salvador. Ele pensou que isto não seria conhecido por muitos do seu entorno.
Mas foi impossível para ele, ainda que desejava de proceder assim, guardar tal
ação em secreto”57. Este desejo de preservar o secreto da
sua emasculação não é de supor que não fosse exclusivo deste autor, senão que
muitos outros cristãos seriam também zelosos em manter a privacidade da sua castração, como prova duma entrega total
a Deus intimamente pessoal. A esta altura, vários fieis pediam ser castrados
para evitar a tentação. No ano 231, Orígenes foi ordenado sacerdote polos
bispos de Cesarea, Teoctista, e de Jerusalém, Alexandre, com a oposição do
bispo de Alexandria Demétrio, que qualifica a Orígenes de herético e a sua ordenação sacerdotal irregular por ter-se
castrado. Assim nos descreve esta ordenação Hefele: “O grande Orígenes deu
ocasião a dous sínodos em Alexandria. Arredor do 228, sendo chamado a
Acaia, com motivo das agitações religiosas que reinavam ali, Orígenes passou
por Palestina, e foi ordenado presbítero polos seus amigos Alexandre bispo de
Jerusalém e Teoctisto bispo de Cesarea, embora existiam duas razões para a sua
não admissão as sagradas ordens: em primeiro lugar, que ele pertencia a outra
diocese; e em segundo lugar, que se castrou a si mesmo. Não se conhece que o
impulsou a ele e aos bispos de Palestina a tomar este passo não canônico.
Demétrio de Alexandria, bispo diocesano de Orígenes, estava mui molesto com o
que se fez; e se o olhamos desde o ponto de vista eclesial, tinha razão. Quando
Orígenes retornou a Alexandria falou-lhe da sua desaprovação, e reprochou-lhe a
sua mutilação voluntária”58. O proceder dos citados
bispos Alexandre e Teoctista indica que
na Igreja muitos viam com bons olhos a castração em quanto que se fazia por um
fim sublime e como prova dum ato de ascese encomiável. De fato, isto mesmo é o
que pensavam os bispos de “Cesarea e Jerusalém, que gozavam de notoriedade e
distinção entre os bispos de Palestina, que consideravam a Orígenes valioso no
mais alto grau de honor e ordenaram-no presbítero”59.
O mesmo Demétrio, ao princípio “admirou grandemente a valentia da ação , e
como percebia o seu zelo e a autenticidade da
sua fe, exortou-o a ser corajoso, e instou-o em maior medida a que
continuasse a sua obra de instrução
catequêtica”60. Demétrio cambiou a sua atitude favorável a Orígenes quando
observou que este destacava e que alcançou notória fama e reputação. Então,
como diz Eusébio, “sucumbiu á debilidade humana, escreveu da sua ação do jeito mais insensato a todos os
bispos do mundo”61.
A oposição de Demétrio não se baseia em razões morais,
que para ele parecem não contar em absoluto, senão em razões legais, mas não
duma legalidade eclesiástica, a esta altura inexistente, senão duma legalidade
civil. Os seus móveis são bem prosaicos e terreais, e, por isso, não é de
estranhar que Eusébio expresse a sua rejeição com o proceder deste bispo, que
estava em aberta contradição com todos os seus colegas no bispado.
2.11.- Arnóbio de
Sica (ca. 240- ca. 304)
Chamado O Antigo,
nasceu, segundo alguns autores em Teveste e deu aulas de retórica em Sicca Veneria, cidade africana sita na atual
Tunísia, Le Kef, onde teve como discípulo a Latâncio. Depois de ter combatido o
cristianismo num primeiro momento pediu o ingresso na Igreja cristã, que lhe
pediu uma prova da sinceridade da sua
conversão, e com este objetivo redige a obra Adversus Nationes, composta
de sete livros, nos que combate o paganismo e a
sua religião. Para oferecer a visão do culto de Cibele Atis desde o
ponto de vista cristão oferecemos em primeiro lugar a descrição que faz este
autor do seu culto e a seguir veremos a
sua crítica do mesmo. No livro V ataca as lendas de Atis e da Magna
Mater Deorum, a partir da informação recolhida sobre ela do conhecido teólogo
Timoteo e outros doutos varões, que inserimos porque nos informa como
representavam a Cibele sob a forma duma pedra negra animada por obra da
divindade, que encarnava o seu espírito, á que Zeus acometeu com o propósito
infrutuoso de manter com ela relações incestuosas. No segundo parágrafo trata
da castração involuntária do seu filho e de Zeus, o indômito Acdestis, e como
se produziu o nascimento deste e o castigo da
sua insolência por obra do deus da fertilidade Liber, também conhecido
por Baco e Dionísio, quem aproveitando-se da
sua dormida atou um cordel por uma parte ao seu pé e pola outra aos seus
testículos para que ele mesmo, com os seus movimentos impetuosos, se evirasse
ao despertar, nascendo do regato do seu sangue uma romãzeira. “Nos confins
de Frígia, existe uma certa rocha de inaudita extensão em todos os aspetos, que
tem por nome Agdus, assim chamada polos nativos desse distrito. Pedras tomadas
dela, como Temis mandou nos seus prognósticos, foram lançadas sobre a terra por
Deucalião e Pirra, naquel momento vazia de homes; das quais foi formada a Magna
Mater, junto com os demais, e divinamente animada. A ela, entregada ao descanso
e sono na cima da rocha, acometeu-a
Júpiter com paixões incestuosas. Mas tendo-se-lhe ressistido muito tempo e não
podendo obter o que se prometera, derramou o seu apetite sexual na pedra. Por
isso concebeu a pedra e, depois de emitir muitos mugidos, nasceu Acdestis no
décimo mês, recebendo o nome da rocha mai (Agdus). Nele existira uma
força invencível, a sua crueldade de
caráter fora irresistível, e uma louca e furiosa lívido e andrógino; depredou pola
rapina, estragou, onde quer o atraíra a
fereza de ânimo; não respeitava os deuses nem os homes, nem cria que as terras, o céu e
os astros contivessem algo mais poderoso que ele.
Tendo perguntado
nas deliberações dos deuses muitas vezes de que jeito poderia debilitar-se
ou moderar-se a sua audácia, duvidando os restantes, Liber
assumiu esta tarefa. A uma fonte familiar, em que estava acostumado a acalmar o
calor e a ardente sede produzida polo jogo e as atividades venatórias, drogou-a
com a força mais vigorosa do vinho puro. Com o tempo, estimulado pola
necessidade acudiu Acdestis e engoliu a mais imoderada poção nas dilatadas veas
que fez que vencido pola cousa insólita se submergisse na mais profunda
dormida. Liber estava presente ás insídias que planeara, e com cerdas
destramente enroladas, fez um nó na planta do pé, pola outra parte encadeou os
seus genitais. Exalada a força do vinho, ele repôs-se com ímpeto e tirando da
atadura com a planta do pé com as suas
forças, ele mesmo privou-se do sexo que tinha. Com a desunião das partes corre
um rio de sangue, que foi arrastada e absorvida pola terra, e nasceu
espontaneamente uma romãzeira vermelha com maçás”62.
No Adversus
Nationes, formula Arnóbio toda uma série de perguntas referidas aos
símbolos do culto de Atis. O pinheiro e as canas estão mui presentes no mito de
Cibele-Acdestis e Cibele-Atis, em
representação da energia perene que mana da natureza, em contraposição com o
ciclo morte-ressurreição que representam as plantas de folha caduca. Atis mutilou-se
e finou sob um pinheiro. Cibele levou um pinheiro á grota da montanha para
chorar sobre ele ao seu amante morto. O tronco do pinheiro era rodeado de
faixas como se rodeia a um cadáver, em comemoração de Atis mutilado, ao que se
pretende celebrar, e sobre as suas polas colgavam-se coroas de violetas, em
comemoração da violeta, nascida do sangue de Atis, que rodeou a árvore e também
das flores com as que Cibele adornou o pinheiro, violetas que simbolizam o
primeiro despertar da natureza, após o seu descanso invernal, ressaltando assim
o ciclo morte-ressurreição, morte no inverno e ressurreição da vida na
primavera. Do sangue da emasculação involuntária de Acdestis nasceu uma
amendoeira Para comemorar a infidelidade de Atis, o 13 de março celebrava-se em
Roma a «canna intrat», a entronização da cana, na que os canóforos, os
portadores de canas, levavam ao templo canas cortadas ao borde de Aimo,
afluente do Tibre, para comemorar, nas festas de Roma, os ritos que se
celebravam ao borde do Galhus, afluente do rio frígio Sangários, nas festas de
Pesinunte. Sete dias depois era entronizado o pinheiro, subministrado pola
confraria dos dendróforos, os portadores de árvores, que representa, junto com
a cana, o espírito da vegetação duradoira. Ia, filha de Midas, rei de
Pesinunte, é a mulher com a que Atis se
desposou. Os ritos que se celebram na atualidade vêm rememorar ritos antigos,
muitas vezes perdidos na noite dos tempos. “E porém como podeis argüir que
esta escritura é falsa, sendo assim que são sagradas polo testemunho praticado
no decurso do anos e foi crida que era verdadeira e julgada de fé provada? Por
exemplo, que significa aquel pinheiro que, sempre em dias fixados introduzis no
santuário da Mai dos Deuses? Não é símbolo daquela árvore sob a que, atacando-se
a si mesmo, se encaminhou o infeliz adolescente, e a Mai dos deuses consagrou
para alívio da sua ferida? Que
significam os velocinos de lá com os que atais e circundais o tronco da árvore?
Não é uma repetição daquelas lãs com as que Ia expirando o cubriu pensando que
poderia procurar algo de calor aos seus membros que se esfriavam? Que
significam as raminhas de árvore adornadas e rodeadas de coroas violáceas? Não
significam aquilo com que a Mai adornou o pinheiro com flores primigênias, como
sinal e testemunho da sua miserável
fortuna? Qual é o significado dos galos, com os seus cabelos desgrenhados,
batendo os seus peitos com as suas mãos?
Não se referem á memória daqueles prantos com os que a Mai coroada de torres,
junto com Acdestis, seguiu o moço com choro de lamento? Qual é o significado da
abstinência de pão, ao que lhe destes o nome de casto? Não é uma imitação do
tempo em que pola violência da dor, a divindade se absteve do fruto de Ceres?”63. A seguir,
introduz Arnóbio uma crítica destas celebrações, pergunta polo sentido que têm
estes ritos e qualifica de desonestidade a emasculação dos galli: “Ou se o
que dizemos não é assim, vós explicai-lho, dizei-lho a estes homes castrados e
delicados, aos que vemos estar presentes com vós nos sagrados ritos dela
(divindade). Que assuntos, preocupações e cuidados têm aqui, e porque eles ao
modo dos cortejos fúnebres ferem os seus braços e peitos e imitam o destino dos
que estão numa lamentável situação ? Que significam as coroas, as violetas, os ligeiros
véus de moles lãs? Por que, finalmente, o mesmo pinheiro, pouco antes
bamboleando o seu flexível madeiro dum lado para outro entre os arbustos e
pouco depois como propícia e augustíssima deidade, se coloca nas sedes da Mai
dos Deuses? Ou em verdade é a causa que encontramos nos vossos escritos e
comentários, e é evidente para vós que não celebrais cerimônias sagradas, senão
que renovais a imagem de façanhas tristes; ou se existe outra razão, que nos
nega a escuridade do mistério, e é necessário que a mesma seja participada da
infámia dalguma desonestidade. Quem ha que creia que ha algo de honestidade
nessa cousa a que iniciam os vis galos, que efeminados licenciosos executam?”64.
2.12.- A
eunuquização na Roma imperial de Trajano a Diocleciano
Já falamos da
castração no Império Romano, em Eunucos polo reino dos ceus e dos poderosos (05), e remitimos ao leitor interessado a esse artigo.
Aqui só incluímos uns breves apontamentos.
Durante o reinado
de Trajano Décio (249-251, os irmãos Parténio e Calocero
serviram como eunucos da corte imperial. O
primeiro foi um cristão e mártir venerado polas igrejas Católica e Ortodoxa. O
seu irmão é venerado pola Igreja
ortodoxa e foi designado patrão da Galícia polaca.
Durante o reinado de Valeriano
(257-259) foram mártires os santos irmãos e eunucos Proto e Jacinto,
escravos de Santa Eugênia, á que serviram como chamberlains e foram batizados
juntamente com ela polo bispo de Heliópolis, Eleno. Dedicaram-se ao estudo da
Bíblia e viveram como eremitas em Egito. Mais tarde acompanharam a Eugênia a Roma,
onde foram martirizados com ela em tempos do imperador Valeriano que governou
conjuntamente com o seu filho Galieno de 253 a 260. Alguns autores dizem que foram
arrestados e martirizados durante o reinado exclusivo de Galieno (260-268).
O imperador
Diocleciano (284-305), nomeou como responsável dos trabalhos de púrpura ao
eunuco Doroteo, que cara ao ano 290 foi ordenado presbítero de Antioquia
polo bispo desta diocese Cirilo. Segundo Eusébio de Cesarea, foi “um home
sábio entre todos os do seu tempo, que foi honrado com o cargo de presbítero de
Antioquia. Era amante da beleza a respeito das cousas divinas, e adito ao
hebreu, de tal modo que lia as escrituras hebraicas com facilidade. Pertencia
ao grupo dos que eram liberais, e não
era desconhecedor das propedêuticas gregas. Além disso era eunuco, já
desde o seu nascimento. Neste sentido, como se for um milagre, o imperador
(Constantino) recebeu-o na sua família,
e honrou-o dando-lhe a direção da tinturaria de Tiro”65.
Não surpreende que se ordenasse sacerdote a um eunuco de nascimento porque a
proibição da auto-emasculação só afetava aos feitos eunucos por outros homes ou
aos auto-emasculados. Também durante o reinado deste imperador foi martirizado
em Nicomédia o eunuco Indes ou Indos, junto com outros companheiros. Nestas
perseguições contra os cristãos, uns são devorados polas feras, outros
torturados e logo encarcerados e “Outros que estavam na madurez da sua vida, foram feitos eunucos, e condenados
ás minas”66. O santo cristão Indos foi um
eunuco na corte de Diocleciano em Nicomédia, e foi convertido, junto com a
sacerdotisa pagã Domna á fé católica. Quando se converteram foram enviados a
prisão e martirizados no ano 305. Eusébio sempre fala em tom laudatório dos
eunucos, o qual parece delatar a sua
simpatia por esta condição , mais isto mesmo podemos dizê-lo da Igreja em geral que, como vemos, não teve
inconveniente em venerá-los como santos apesar da sua mutilação, se bem não sabemos qual foi
a sua causa, e considero que seria
improcedente excluí-los do sacerdócio se foram castrados á força por
outros.
3.- Do Concílio de Nicea ao de Constantinopla 381
3.1.- O edito de
Milão e o Concílio de Nicea
O ano 313, Constantino
I e Lecínio assinam o Edito de Milão que estabelece liberdade
de religião no Império Romano, tanto de Ocidente como de Oriente. No ano 314
convoca o I Concílio de Arlês, na França atual, como lhe diz a Cresto, bispo de
Siracussa: “Nós em conseqüência ordenamos a um grande número de bispos, de
localidades diversas e múltiplas, que se reunissem na vila de Arlês, nas
calendas de agosto”67. No ano 324 Constantino vence a Lecínio
em Adrianópolis, convertendo-se já de fato em monarca único do Império
Romano, e no ano 325, convoca o Concílio
de Nicea, corre com os seus gastos, é nomeado presidente honorário e
converte-se na grande estrela deste evento. Assistiram 318 bispos dum total de 1000. A presidência efetiva
foi-lhe confiada ao bispo Ósio de Córdoba, conselheiro de Constantino, quiçá
por este mesmo. Não se pode afirmar que seja propriamente um concílio ecumênico
tal como hoje se entende, senão que é um concílio da Igreja cristã oriental, e na que a
participação do Papa de Roma se limitou a enviar uns representantes.
Constantino que estava em condições de impor a
sua vontade e, estava preocupado pola unidade do Império, pressionou
para que se chegasse a um pronunciamento que dirimisse as controvérsias
teológicas e fomentasse a concórdia social. A partir deste momento começa-se a
convocar grandes concílios, chamados ecumênicos ou universais, e durante o
século IV e o V essa seria a tônica geral. O historiador da Igreja, Sócrates
escreve a meados do século V: “Incluímos continuamente o imperador nestes
detalhes históricos; porque desde o tempo em que começaram a professar a
religião cristã, os assuntos da Igreja dependeram deles, de jeito que inclusive
os grandes sínodos foram e ainda são convindos pola sua ordem”68.
O contido das decisões e a sua imposição em toda a Igreja eram apropriadas por
ele e a Igreja considerava normal essa intromissão do poder político na Igreja,
de tal modo que se pode concluir que o primeiro papa de fato foi Constantino.
Ele ordenou que se lhe rendessem honores como “representante de Cristo (vicário
de Cristo)” e que o enterrassem como o “décimo-terceiro apóstolo”69
.
O resultado final
entendo que foi mui negativo para a Igreja, quiçá um dos mais negativos da
história. A Igreja estava dividida em três facções: os homo-ousianos, ou
atanasianos, defensores da consubstancialidade, identidade de natureza entre
Deus Pai e Deus Filho (homoousios = igual natureza), tendência maximalista que
seria a que venceria no Concílio; os arianos ou homoio-ousianos (homoio
= semelhante, e ousios = natureza), que
afirmavam que Cristo era semelhante mas não igual a Deus Pai; e os hetero-ousianos
(herros = outro, e ousios =
natureza), ou seja, os que
defendem que são desiguais em natureza, que tinha um peso menor no Concílio e
na sociedade. Os homo-ousianos consideravam que o seu Mestre não devia ficar
numa situação mais humana que os mandatários e outros personagens que a
historia divinizou, e contra toda lógica e fundamento, elevaram, a quem fora
carpinteiro em vida, dito seja sem pretender restar-lhe valor á sua eminente
personalidade, á mesma altura que o Deus eterno, imutável, infinito, todo-poderoso e criador do mundo, fazendo de Jesus um ser
irreconhecível, e dando lugar, como corolário, ao dogma da Trindade,
inexplicável e incompreensível, ao tempo que impuseram a «sua verdade», velis
nolis, aos discrepantes. Nos séculos posteriores, a Igreja vai continuar pola mesma via de
imposição dogmática e de progressiva esclerotização mental, que obsta ao
desenvolvimento racional e ao progresso da sensibilidade moral.
A respeito dos
eunucos, o cânon 1 do Concílio de Nicea estabelece que “Se algum numa
doença foi submetido por um médico a uma operação cirúrgica, ou se ele foi
castrado por bárbaros, deixai-o que permaneça entre os clérigos; mas, se
alguém, estando são, se castrou a si mesmo, convém que esse, se está enrolado
entre o clero, deve cessar, e de aqui em diante tal pessoa não deve ser
promovida. Mas, é evidente que isto se diz dos que obram voluntariamente e se
presume que se castraram a si mesmos, assim se algum foi convertido em eunuco
polos bárbaros, ou polos seus donos, e deve sob outros aspectos ser encontrado
valioso, tais homes o cânon admite-os ao clero”. Como podemos ver, a
auto-emasculação não foi condenada pola Igreja no Concílio de Nicea, ainda que
si se considerou, se for voluntária, como causa de exclusão do sacerdócio, e inclusive
dum jeito limitado, pois abre-se a via a
que os escravos sejam admitidos ao sacerdócio se alegam que foram castrados
polos seus amos, ou para aquela pessoa que foi castrada polos bárbaros. Esta
proibição confirma que havia clérigos eunucos. Os simples fieis podem seguir
praticando a emasculação sem impedimento algum por parte da Igreja, que
continuará amostrando mui pouca sensibilidade pola mutilação corporal, se se
faz por fins piedosos ou inclusive artísticos. Parece mui razoável a tolerância
que amostram com os que nasceram eunucos ou foram emasculados por outros.
Um exemplo do primeiro caso é o, já
citado, de Doroteo, presbítero de Antioquia, home sábio, mencionado por
Eusébio, do que afirma: “Não permanecera ademais alheio aos estudos liberais
e da primeira educação dada polos gregos; por outra parte, era eunuco e
encontrava-se assim depois do mesmo nascimento, se bem a causa desta
particularidade surpreendente, o imperador admitiu-o na sua casa e honrou-o com o cargo de
administrador de tintura da púrpura de Tiro”70, e do segundo, Tigris,
presbítero de Constantinopla, vítima dum amo bárbaro. Para responder das
acusações contra o bispo João Crisóstomo ante um tribunal de bispos reunido num
dos subúrbios de Calcedônia. “Também convocaram a Serápio o diácono; Tigris
o eunuco presbítero, e Paulo o leitor, foram igualmente convocados para
apresentar-se com ele, porque estes homes foram incluídos nas acusações, como
participantes no seu delito”71. O historiador Sozomeno
fala-nos dum eunuco de nome Tigrius, que parece que coincide com Tigris,
que teria sido perseguido e torturado, junto com o eunuco Eutrópio e a
bem-aventurada Olímpia, pola sua relação
e apoio a João Crisóstomo (347-407). “Tigrius, um presbítero, foi por este
período despojado da sua vestimenta,
açoitado nas suas costas, atado de pés e
mãos, e esticado sobre a roda. Era bárbaro de raça, e um eunuco, mas não de
nascimento. Foi originariamente um escravo na casa dum home poderoso, e como
prêmio do seu leal serviço conseguiu a sua liberdade. Foi depois ordenado
presbítero, e distinguido pola sua
moderação e mansidão de disposição, e pola
sua caridade com os estrangeiros e com os pobres”72.
3.2.- O eunuco
Eutério
Constantino I é
venerado como santo pola Igreja Ortodoxa e as Igrejas Católicas orientais,
apesar de ser acusado de criminal que não duvidou em executar a Licínio,
cunhado seu, em contra das promessas que lhe dera; também ao seu filho Crispo e
á sua segunda esposa Fausta, por suposta inter-relação sexual entre eles;
assassinar o seu pai, e dar via livre aos cristãos para que atacaram
violentamente aos pagãos e destruíram os seus templos. Constantino, como
já dissemos, impõe como castigo para o delito da castração a pena de morte e
que se confisque o escravo evirado: “Imperador Constantino. Se alguém,
depois deste decreto fizer eunucos no orbe romano, que seja castigado com a
pena capital: confiscar-se-á o escravo assim como o lugar em que isto se
realizar conhecendo-o e ocultando-o o amo”73. Seguindo a
legislação contra a castração de Adriano e Domiciano, Constantino condena que
se façam eunucos, castigando este delito com a pena de morte e com a
confiscação dos eunucos, mas não condena a sua posse se se procuram por compra,
e isto é o que lhes permite aos imperadores, em grande parte, sortear a sua
própria legislação e possuir, abundante
quantidade de eunucos adquiridos por compra no estrangeiro, Constantino tinha
eunucos para os labores de camareiros, cabeleireiros, camaristas, ... Segundo Guilland, no reinado de Constantino I
e dos seus imediatos seguidores, os eunucos não foram mui numerosos mas si
alguns deles mui poderosos. Durante o seu reinado exerceu como chefe camarista
o eunuco Eutério, após a sua morte, sobreviveu ao reinado de Magnêncio e
volveu de novo ao primeiro plano ao de Constâncio e de Juliano. Nascera em
Armênia e fora capturado quando era rapaz por uns piratas, castrado e vendido
como escravo. Amiano Marcelino fez o seu elogio, que apresentamos na entrega
09. b) A castração na sociedade romana, á que remitimos ao leitor interessado.
3.3.- Cânones
Apostólicos e a castração na cristandade persa
Os chamados Cânones
Apostólicos, compostos, segundo os modernos intérpretes, provavelmente cara
a metade do século IV, representam uma continuidade a respeito do estatuído no
Cânon 1, do Concílio de Nicea, ainda que acrescenta razões de caráter moral
para a sua condena, se for voluntária, e se incluem os laicos na condena.
“Cânon XXI: “Um eunuco, se foi feito assim por meio da violência dos homes
ou em tempo de perseguição , ou se nasceu assim, se noutros aspectos é valioso,
pode ser consagrado bispo. Cânon XXII: Quem se mutilou a si mesmo, não pode
devir clérigo, porque é um auto-assassino, e um inimigo para a obra de Deus.
Cânon XXIII: Se algum home, sendo clérigo, se mutilou a si mesmo,, que seja
deposto, porque é um auto-assassino. Cânon XXIV: Se um laico se mutilou a si
mesmo, que seja excomungado por três anos, por atuar contra a sua própria vida”74.
Os resultados foram mui limitados seio da
Igreja.
Durante o reinado
do imperador Sapor II de Pérsia (310-381) foi submetido a tortura o
bispo Simeão de Pérsia, acusado de colaborar com o imperador dos romanos. O rei
obrigou-o a apresentar-se ante ele e ordenou-lhe adorar o sol, ao que Simeão se
negou.”Usthazade que era um velho eunuco, que educara a Sapor, e que tinha a
intendência da sua casa, tendo-o
apercebido, levantou-se para saudá-lo profundamente. Simeão não tendo-o quase
mirado, repreendeu-o com veemência pola lassitude com a qual, após ter feito
profissão da fé cristã, adorara depois o sol. No momento mesmo, o eunuco
botando a chorar, sacou o hábito branco, com o que se vestira, tomou um negro,
que é o hábito de dó, e pôs-se á porta do Palácio: « Que desgraçado são, que
trato podo esperar de Deus, ao que renunciei, porque Simeão que era noutro
tempo o meu amigo íntimo, abandona-me, sem querer falar-me?”75.
Usthazade arrepende-se de ter adorado o sol e renunciado a Jesus-Cristo,
mas a sua conversão encolerizou ao Rei
que acusou os cristãos de servir-se de encantamentos, e quando viu que o velho
eunuco não atendia as suas razões
ordenou decapitá-lo. Também aceitou a morte do martírio São Azades o eunuco, um
cercam oficial do imperador. “Assim todos os cristãos que pudessem ser
achados eram mortos sem piedade, e vários também da corte e casa imperial.
Entre os quais estava também Azades, um eunuco, ao que o rei deu carinho e
proteção ; o qual Azades, depois que o rei entendeu que fora proposto para a
morte, estando grandemente comovido pola tristeza por isto, ordenou depois que
não devem ser matados os cristãos senão somente os que eram doutores e mestres
da religião cristã”76.
3.4.- Eusébio de
Nicomedia ( - 341)
Bispo de Berito
(hoje Beirut) e mais tarde de Nicomédia, chefe de filas da facção ariana, manobrou,
junto com Teognis de Nicea, para expurgar a doutrina homo-ousiana e introduzir
no seu lugar a ariana, mas eram pessimistas do êxito da sua iniciativa se Santo Atanásio, chefe da
facção homo-ousiana retornava a Alexandria. Com a finalidade de lograr os seus
desígnios, “buscaram a aliança com o presbítero que interveio no regresso do
exílio de Ário um pouco antes, como vai ser descrito agora. O presbítero em
questão apresentou o testamento a instância do rei falecido ao seu filho
Constâncio, que encontrando aquelas disposições nele que ele mais desejava,
porque o império do Leste lhe era, por testamento do seu pai, atribuído a ele,
tratou o presbítero com grande consideração, colmou-o de favores, e ordenou que
lhe fosse conferido livre acesso aos dous a palácio e a ele mesmo. Esta
permissão pronto a obteve para a comunicação familiar com a imperatriz e com os
seus eunucos. Havia a esta altura um eunuco chefe do dormitório imperial
chamado Eusébio; a ele o presbítero persuadiu-o de adotar a posição arianista,
depois do qual o resto dos eunucos também foi persuadido para adotar as mesmas
opiniões. Não só este senão também a imperatriz, sob a influência dos eunucos,
amostrou-se favorável ás teses de Ário, e não muito mais tarde o tema foi
apresentado ao mesmo imperador”77. O presbítero inominado no
texto é denominado Eustáquio no Liber Sinódico78. A esta
altura, continuava mui viva a controvérsia ariana, com os dous bandos
enfrentados, e com divisões mesmo dentro de cada um deles. Dentro do arianismo
surgiu um cisma protagonizado polo diácono de Antioquia e bispo sem jurisdição
territorial Aécio e polo bispo de Antioquia Eudóxio, defensores do
hetero-ousianismo (heteros = outro e ousia (essência, natureza, substancia) ou
anomoeanismo (am = não e homos = igual), ou seja, a doutrina que afirma que o
Pai (eterno e incriado) e o Filho (temporal e criado) são distintos, em
oposição dialética tanto com os
homo-ousianos (homós = igual e ousia = substância, natureza, essência),
que sustêm que a substância do Pai e o Filho é igual, posição liderada
principalmente por Atanásio, e os homoio-ousianos (homoios = semelhante e ousia
= natureza), que dizem que são de natureza parecida mas não igual, que tinha
como representante mais destacado a Ário. “Disse-se que ele (Eudóxio) atuou
de acordo com o imperador, e com os eunucos pertencentes ao palácio, quem, ao
igual que Eudóxio, favoreciam as doutrinas de Aécio, e criam que o Filho é
di-semelhante do Pai”79. Os homo-ousianos e homuioousianos
retinham o uso do termo substância e queriam chegar a um acordo que margina-se
aos hetero-ousianos. “Como é mais fácil convencer a poucos que a muitas
pessoas, conceberam que poderiam fazer concordar as opiniões de cada uma das
partes tratando com eles separadamente, ou que eles podiam, polo menos, ter
êxito com um, assim a sua heresia não
incorreria numa condena universal. Eles levaram a cabo isto por mediação de
Eusébio, um eunuco que era superintendente da casa imperial: ele estava em
relações de amizade com Eudóxio, e mantinham as mesmas doutrinas, e muitos dos
que estavam no poder buscavam captar para o seu lado a este mesmo Eusébio”80.
Eusébio, numa conferência com o imperador Constâncio e com o bispo de Roma,
Libero, defensor de Atanásio, dirigindo-se a este, declara que “«Foi provado
no Concílio de Nicea que estava mui afastado da verdade da fé»... «Vós
comparais o imperador com Nabucodonosor»”81.
3.5.- O eunuco
Eusébio ( -361)
Quando no ano 337,
morre o imperador Constantino, desempenhava o cargo de praepositus sacri
cubiculi, ou seja, o grande chamberlain ou camarista, o máximo responsável das
câmaras do palácio, o eunuco Eusébio, convertido ao arianismo por influência do
bispo Eusébio de Nicomédia, por meio dum presbítero. Ele a sua vez, converteu a
imperatriz, primeira esposa de Constâncio II, de nome desconhecido, e a muitos
outros eunucos da Corte e exerceu um poder omnímodo sobre o imperador Constâncio
II (337-361), quando este sucedeu ao seu pai Constantino I, e parece que não
lhe fez grande caso ao decreto do seu progenitor condenando com a pena de morte
a castração, pois na sua corte os
eunucos eram numerosos. A nível religioso cambia a vacilante posição do seu pai
entre arianismo e cristianismo e optou polo primeiro, ao tempo que desatou uma
perseguição dos homo-ousianos. “Em conseqüência Constâncio
escreveu ao mesmo tempo cartas, e começou a perseguição contra todos, e enviou
a Filágrio como prefeito só com Arsácio, um eunuco; enviou também a Gregório
com uma força militar”82. Arsácio era provabelmente
«cubicularius», camareiro, e Filágrio era prefeito de Egipto e a missão que
tinham encomendada polo imperador era instalar a Gregório como bispo de
Alexandría. Durante o reinado de Constâncio II, desempenhava o cargo de
alcoviteiro o eunuco Anatólio, que foi curado em Constantinopla polas relíquias
de São Lucas.
Após a morte de
Constantino II (317-337), o ariano e eunuco Eusébio ( -361), ascende a
camarista chefe do terceiro filho de Constantino I, Constâncio II
(317-361), com o que coincidia na defesa do arianismo. Converteu-se ao
arianismo por persuasão do presbítero que traiu a Ário do exílio, e, uma vez
convertido, teve como prosélitos arianos á própria imperatriz e a muitos outros
eunucos de palácio. Assim é como nos narra os fatos o historiador eclesiástico
Sócrates de Constantinopla: “Havia nesse tempo um chefe eunuco do câmara
imperial, chamado Eusébio; a el persuadiu-o o presbítero para que adotasse a
doutrina ariana, depois do qual o resto dos eunucos foram convencidos a adotar
os mesmos sentimentos. Não só isso, senão também a imperatriz também, sob a
influência dos eunucos e os presbíteros, deveu favorável ás teses deÁrio; e não
muito depois o tema foi apresentado ao mesmo imperador”83.
Ajudou aos bispos arianos contrários ao integrista Atanásio, chefe da facção dos
homo-ousianos e conspirou contra o curmão de Constâncio II, Constâncio Galo,
que seria executado no ano 354. Eis como explica o historiador Zosimos a sua queda em desgraça e execução . O
usurpador Magêncio (350-353), elegido polas tropas em substituição de
Constante, suicidou-se ao ver-se rodeado polas tropas leais a Constâncio II,
que logrou unir todo o império sob o seu mando e converteu-se em mais arrogante
que antes. Incrementou os informadores que tinham como função eliminar aos que
gozavam de prosperidade. “Estes sicofantas, quando tentavam provocar a queda
dum nobre com a esperança de partilhar a sua riqueza e honras, matinavam falsas
acusações contra ele. Essa foi a prática em tempos de Constâncio. Caluniadores
desta índole, que fizeram os eunucos da cortes os seus cúmplices, reuniram-se
em torno a Constâncio, e persuadiram-no que o seu curmão Galo, que era um
César, não estava satisfeito com este honor, senão que pretendia ser imperador”84.
A esta altura, 354,
Eusébio foi comissionado a Roma para falar com o bispo Libério para isolar a
Atanásio e convencê-lo a ele próprio de que aderisse ao arianismo por
considerarem os arianos que se o convertiam lograriam a unidade eclesial sob
esta modalidade. A tática a utilizar era a do pau e cenoura. “Em conseqüência,
acusaram-no falsamente diante do Imperador, e ele, esperando facilmente atrair
todos os homes ao seu lado por meio de Libério, escreveu-lhe, e enviou a um
certo eunuco chamado Eusébio com letras e ofertas, para persuadi-lo com os
presentes, e para ameaçá-lo com as cartas. O eunuco em conseqüência foi a Roma,
e primeiro propôs a Libério assinar contra Atanásio, e manter a comunhão com os
arianos, dizendo, «O Imperador deseja-o e manda-che obrar assim». E então
amostrando-lhe as ofertas, el colheu-o pola mão e suplicou-lhe dizendo,
«Obedece ao Imperador, e recebe estas»”85. Mas este intento de
suborno saldou-se com o fracasso, pois Libério negou-se a condenar a Atanásio e
rejeitou as ofertas do Imperador Constâncio II. A respeito de Atanásio respondeu:
“«Como é possível para mim fazer isto contra Atanásio? Como podemos condenar um
home a quem não só um Concílio (Alexandria), senão também um segundo (Sárdica)
reunido de todas as partes do mundo, ilibou completamente, e a quem a Igreja de Roma despediu em paz? Quem aprovará
a nossa conduta, se rejeitamos na sua
ausência a um, do que a presença entre nós recebemos alegremente, e admitimos á
nossa comunhão? ...»86. Libério propõe-lhe celebrar um Concílio
a distância da Corte, ao que não assista o Imperador, não se admita nenhum
conde, e nenhum magistrado venha a ameaçá-los e no que prevaleça o temor de
Deus e a regra apostólica, sem dúvida em alusão ao que passou nos concílios
anteriores, entre eles do de Nicea. Ao não assinar, o eunuco, após ameaçá-lo,
apresentou as oferendas, que Liberio rejeitou, provocando a indignação da
criatura mutilada contra ele e exasperou o Imperador contra ele que disse: “«O
assunto que nos concerne já não está em obter a assinatura de Libério, senão o
fato que ele está decididamente oposto á heresia, que ele anatematizou os
arianos polo nome». Ele também instigou aos outros eunucos a dizer o mesmo;
muitos dos que estavam com Constâncio, ou mais bem a totalidade deles, eram
eunucos, que absorviam toda a influência com ele e era impossível fazer algo
ali sem eles”87.
Eusébio assistiu ao
encontro que mantiveram no ano 354 em Alexandria o Imperador Constâncio com o
metropolitano e bispo de Roma, Libério, e o bispo Epiteto. Nele os
posicionamentos, tal como nos conta o teólogo e bispo cristão Teodoreto de Ciro
(ca. 393-ca. 457)88, foram os seguintes: o Imperador
susteve que Atanásio estava presente no
Concílio de Tiro, no que foi julgado por sufrágio dos bispos de toda a terra e
pergunta-lhe a Liberio que parte representa do mundo cristão para defender a
esse impio e turbar a paz do Universo; depois ter sido julgado uma vez polo
mais grande número de bispos a condena de Atanásio não pode revogar-se; que
Atanásio o ofendeu mais que ninguém e que participou na morte do seu irmão maior
Constantino, ao tempo que azedou contra ele o outro irmão Constante;
manifesta-lhe a Libério que deseja enviá-lo a Roma quando entre em comunhão com
as outras Igrejas, que assim a paz
retornará a Roma. Dá-lhe três dias para reflexionar mas Libério não cambia de
parecer e é enviado ao exílio a Berea, em Trácia, decidindo contribuir com uma
aportação econômica, ao igual que a Imperatriz e o eunuco, para os seus gastos,
que Libério rejeita..
Libério defendia que
Atanásio nunca foi condenado estando presente e que os que o condenaram não
tinham razão; que só cinco deram o seu parecer e que foram enviados para
informar contra o acusado, e que três deles se retrataram e os outros dous já
morreram; que ainda que ele próprio estivesse só a sua causa não deixaria de
ser justa e alude a que outras vezes só três se posicionaram contra os mandados
injustos do Príncipe; propõe que se celebre uma reunião de todos os bispos após
restabelecer nos seus postos os exilados, e que as Igrejas locais corram com os gastos de
transporte; pede-lhe ao Imperador que não se vingue no ministério dos bispos e
que um inocente não seja assinalado. Eusébio
manifestou que foi provado no Concílio de Nicea que Atanásio estava mui
afastado da verdade, e sente-se molesto porque Libério compare o Imperador com
Nabucodonosor.
O bispo Epiteto
afirmou que Libério não fala em interesse da fé senão para vangloriar-se diante
do senadores de Roma de ter vencido dialeticamente o Imperador; opôe-se á
reunião de todos os bispos, pedida por Libério, pretextando que não ha meio de
transporte para tantos. No 355 decide exilá-lo a Berea de Trácia, sendo
substituído polo bispo Felix. Durante o seu desterro enviou-lhe cartas ao
Imperador por mediação do presbítero Eutrópio e do diácono Hilário, mas estes
foram também banidos. Os inimigos de Aranásio, os bispos de Ilíria, hoje
Belgrado, e o de Mursa, Panónia, “Ursácio e Valente, com os eunucos que os
apoiaram, foram os autores desta ultrajem”89. A pressão do
Imperador finou com a resistência do bispo de Roma, e Libério, depois de ter
estado no desterro dous anos, fraqueou, e, por temor a ameaças de morte,
assinou”90, e foi reposto na
sua sede romana.
Outros dos bispos
que foram pressionados por Constâncio II, para que aderisse á causa ariana e
condenasse a Atanásio, com argumentos semelhantes aos utilizados com Libério,
foi Ósio de Córdoba (257-359), que fora presidente do Concílio de Nicea no ano
325 e do de Sárdica no 343, anti-ariano que gozava de grande predicamento, que
teve uns mesmos objetivos por parte do Imperador; um desenvolvimento e
desenlace semelhantes: pressão ariana, dos eunucos e imperial, resistência do
afetado e cessão. “Mas os heréticos ainda queixando-se e instigando-o a que
proseguisse (ele tinha também os eunucos para lembrar-lhe e urgir-lhe mais
insistentemente), o Imperador de novo escreveu-lhe em termos ameaçantes, mas
ainda Ósio, enquanto suportava os seus insultos, estava impassível ante todo temor dos seus desígnios
contra ele, e manteve-se firme no seu propósito, como um que construiu a casa
da sua fé sobre a roca, falou com
ousadia contra a heresia, com respeito ás ameaças considerou-as nas cartas como
pingas de auga e sopros de vento”91. Ante as manifestações de
Constâncio de que queria manter as práticas do seu pai, Atanásio amostra-lhe as
grandes discrepâncias com o proceder deste e defende com firmeza a autonomia
eclesial. “Que tradição existe que permite que condes e eunucos ignorantes
exerçam autoridade em matérias eclesiásticas, e dar a conhecer polos seus
editos as decisões desses que levam o nome de bispos?”92.
Outra das suas constantes foi o ataque desapiedado contra os arianos e, de
resultas também contra os eunucos, por considerar que estavam ao seu serviço93.
Uma das vítimas do
fanatismo religioso cainita inter-cristão no século IV foi o subdiácono
Eustíquio de Alexandria, da tendência homo-ousiana, que foi açoitado, junto com
outros, e condenado ás minas durante a
governança do duque Sebastião, um moço maniqueu e libertino, em palavras
de Atanásio. “Mas os arianos, que eram ainda mais cruéis que os sicinianos,
quando viram que eles não morreram polos açoites que receberam, queixaram-se ao
duque e ameaçaram, dizendo: «Escreveremos e contaremos aos eunucos que ele não
castiga como nós desejamos»”94. Isto propicia que as
relações inter-cristãs se tensem ainda mais e se desate uma perseguição em
Egito por parte dos arianos contra os seus irmãos de fé de tendência
«ortodoxa», que são sempre qualificados como hereges por parte de Atanásio, a
pior das heresias, que tem como resultado o martírio de Segundo de Barka; ao
tempo que este bispo incrementa os seus ataques ao Imperador, qualificado por
ele como pior que o rei Saul, o rei Ahab e Pilatos, um novo Anticristo. “E
assim como ele (Saul) honrou a Doeg, acusador dos verdadeiros sacerdotes, e
perseguiu a David, prestando ouvidos aos cifitas; assim este home prefere os
hereges em vez dos piedosos, e ainda os persegue aos que escapam dele,
prestando ouvidos aos seus próprios eunucos, que acusam em falso os ortodoxos”95.
Doeg era um chefe edomita dos pastores de David, que acusou e a seguir matou a
85 sacerdotes por ter-lhe entregado uma espada a David que fugia de Saul.
3.6.- Política de
nomeamentos de Constâncio. Anatólio
Segundo Atanásio,
Constâncio inventou uma nova política de nomeamento de bispos deslocando-os
arbitrariamente. Fez bispo de Civita Vecchia a Epiteto, que esteve presente na
ordenação de Felix, promovida por Constâncio. “A seguir, encontrando Epiteto
um noviço, um moço corajoso, amou-o percebendo que estava presto para as suas maldades; e polo seu meio continuou os
seus desígnios contra aqueles bispos aos que desejava arruinar. Porque ele
estava preparado para fazer todo o que o Imperador deseja; quem em conseqüência
aproveitando-se da sua ajuda, cometeu em
Roma um ato estranho, realmente semelhante á malicia do Anticristo. Tendo feito
preparativos em Palácio em vez de na
Igreja, e provocado que uns três dos seus próprios eunucos assistissem
em vez do povo, então obrigou a três espias mal educados (pois um não lhe pode
chamar bispos), a ordenar em verdade como bispo a Felix, um home digno deles,
então em Palácio. Mas
o povo, percebendo o iníquo proceder dos hereges não lhes permitiu entrar
nas Igrejas, e afastou-se deles” 96.
No reinado de Constâncio II (337-361), desempenhou o posto de magister
libellorum, secretário que atende as petições privadas ao imperador, o eunuco
Anatólio, que foi curado polas relíquias de São Lucas. Durante o reinado de
Juliano (360-363) desempenhou o cargo de Magister officiorum, espécie de
superintendente ou Chanceler, e morreu na expedção persa do ano 363, na que
tamém perdeu a vida Juliano.
3.7.- O eunuco
Mardónio e queda de Eusébio. Despedimento dos eunucos
Juliano o Apóstata (361-363), filho de
Constâncio foi educado polo eunuco Mardónio. “E Juliano, medrado, prosseguiu
os seus estudos em Constantinopla, indo constantemente a palácio, onde as aulas
eram á paisana, sob a orientação do eunuco Mardónio”97.Quando
acedeu ao trono, deu-se conta que Constâncio se fizera odioso aos
homo-ousianos, os pagãos estavam descontentes por ter-lhe fechado os seus
templos e proibido o seu culto e por carecer de liberdade de culto, e o povo
estava exasperado “pola violência dos eunucos, e especialmente pola
rapacidade de Eusébio o funcionário chefe do dormitório imperial”98.
Ele tratou a todos com subtileza, mas inclinou-se polo paganismo, ordenando
abrir os seus templos. “Então ele indicou que todo indivíduo que foi vítima
da conduta extorsionária dos eunucos, deve retornar-se-lhe a propriedade da que
foram expoliados. Eusébio, o chefe do dormitório imperial, será castigado com a
morte, não só a causa das injurias que infligiu aos outros, senão porque foi
convencido que foi polas suas
maquinações que o seu irmão Galhus foi matado. O cadáver de Constâncio foi
honrado com um funeral imperial, mas despediu os eunucos, barbeiros e
cocinheiros do palácio. Aos eunucos licenciou-os porque eram desnecessários a
causa da morte da sua mulher, e el
decidiu não volver casar de novo”99. A
sua esposa Helena que morreu no ano 355, tinha eunucos á sua disposição, e depois da sua morte,
Juliano não considerava necessário tê-los ás
suas ordens.
3.8.- Leôncio de
Antioquia (ca. 290-357)
Foi discípulo de
Luciano de Antioquia, bispo e primado de Antioquia (347-357), de tendência
ariana, e, segundo Atanásio, teria sido ordenado após o exílio do bispo
homo-ousiano Eustácio, juntamente com outros arianos: “Entre estes estava
Leôncio o eunuco”100. O teólogo, cristão e bispo Teoreto
de Ciro (393-466), defensor do nestorianismo ou difisismo, ou seja, da
concepção que afirma que em Cristo havia duas naturezas e duas pessoas, a
divina e a humana, afirma, a respeito de Leôncio, que era frígio e que se teria
emasculado publicamente para testemunhar do seu matrimônio espiritual com uma
mulher á que amava, chamada Eustólia, sem que for precedida a sua acção de previas relações sexuais com
ela. A sua castração não foi óbice para ser ordenado bispo, sem dúvida
facilitado pola fato de ser de tendência ariana e não estar afetado pola
proibição do Concílio de Nicea, que eles não aceitam. Com todo, cumpre ter
presente que o posicionamento a respeito da castração não era diferente nas
fações atanasianas e arianas, que somente divergiam a respeito da divindade de
Jesus Cristo. Ambos, por outra parte, se nutrem da mesma fonte, que é o
pronunciamento de Jesus a respeito do sexo em Mt. 19,12, que tomaram mui
freqüentemente num sentido literal, e, por tanto, tinham grande condescendência
com esta prática, quando mesmo não participavam dela. Quando na primavera de 344, os delegados que
o Sínodo lhe enviara a Constâncio para lhe pedir a reposição dos bispos
atanasianos, chegaram a Antioquia. Estevo tratou-os duma maneira diabólica e
isso motivou que fosse deposto polo Sínodo após a Páscoa do ano 344. Segundo
Hefele, “Os seus membros eram eusebianos, que, por isso, designaram a
Leôncio Castrado como sucessor de Estevo“101. Segundo
Teodoreto de Ciro, “Depois que Estevo, sucessor de Flácia, foi expulso da
sede da Igreja de Antioquia, Leôncio foi
ascendido a ela contra a disposição do Concílio de Nicea, porque era eunuco, e
que se tinha ele mesmo emasculado. São Atanásio conta a maneira como se
produziu. «Leôncio, diz ele, tendo dado lugar a rumores malévolos polo costume
que estabelecera de conversar mui freqüentemente com uma moça chamada Eustólia,
proibiu-se-lhe freqüentá-la. Mas ele fez-se eunuco a fim de freqüentá-la sem
suspeita. Não evitou, porém, a suspeita com esta medida; e como era sacerdote,
foi deposto»”102. Os homo-ousianos estavam decididos a
eliminá-lo por ser da facção ariana, que, em vez de utilizar a partícula
conjuntiva «e» -gloria ao Padre e ao Filho e ao Espírito Santo-,
utilizavam a forma mais antiga: gloria ao Pai polo Filho no
Espírito Santo, aproveitando os seus inimigos, especialmente o ultra Atanásio,
qualquer ocasião que se lhe apresenta-se para denigrá-lo. Narra Atanásio que,
na confrontação entre arianos e atanasianos, os primeiros tramaram uma
conspiração contra os núncios atanasianos, Vicencio de Capua e Eufrates de
Agripina, enviados polo Concílio a Antioquia para pedir ao Imperador a
reposição dos bispos «ortodoxos», que consistia em introduzir uma prostituta
vulgar despida no seu apartamento pola noite. Descoberta a trama o bispo ariano
Estevo foi deposto e substituído por Leôncio103. Leôncio é
apresentado por Atanásio como um dos herdeiros do eunuco Eusébio.”Mas os
herdeiros das opiniões e impiedades de Eusébio e os seus companheiros, que não
deviam ficar em comunhão inclusive como laicos, porque ele mutilou-se a si
mesmo para poder no futuro ter liberdade para dormir com Estólia, que é uma
mulher, polo que lhe concerne, mas é chamada uma virgem”104.
Leôncio, junto com
os bispos Ursácio, Valente e outros induziram o imperador Constancio II a
converter-se em adail do posicionamento ariano, dando o seu assentimento após a
batalha de Mursa105, no 351, contra o usurpador Magnêncio.
Quando morre Leôncio, Eudóxio apoderou-se da dignidade episcopal sem a
participação de Jorge, bispo de Laodicea; de Marcos, bispo de Aretusa e doutros
que se consideravam com direito a ela, logrando assim possessionar-se da Sede
de Antioquía. “Correu o rumor que não tinha feito nada sem consentimento do
Imperador; e com o favor dos eunucos do Palácio que seguiam a opinião de Aécio,
e asseguravam que o Filho de Deus é dessemelhante ao seu Pai”106.
No século IV, entre o 325 e 350, após ter tido uma filha com Antonina,
eviscerou-se também o presbítero Aurélio Appas, para conservar a
castidade.
3.9.- Apoio dos
eunucos cortesãos ao arianismo
O líder da facção
homo-ousiana, o bispo Atanásio de Alexandria (295-373), teve um papel
mui destacado no Concílio de Nicea em prol do homo-ousianismo, e após a sua celebração , na luta e intransigência
contra os seus irmãos na fe, os cristãos de tendência ariana. Como o imperador
Constâncio II estava rodeado de eunucos que defendiam também este
posicionamento, e Atanásio entendia que o Imperador instigara os cidadãos polo
seu meio contra o bispo Libério, na cidade de Roma, convertida em campo de
batalha entre facções rivais, não duvida em atacá-los desapiedadamente. “Havia
eunucos que instigaram estas atuações contra todos. E a mais salientável
circunstância é esta; que a heresia ariana que nega o filho de Deus recebe os
seus apoios dos eunucos, quem, como os seus corpos são árvores sem fruto e
as suas almas estéreis em virtude, não
podem agüentar sequer ouvir o nome de filho. O eunuco de Etiopia de fato, ainda
que não entendia o que lia, creu as palavras de Filipe, quando ele o instruiu a
respeito do Salvador, mas os eunucos de Constâncio não podem tolerar a
confissão de Pedro, mais bem dam a volta quando o Pai manifesta o Filho, e
enfurecem-se loucamente contra os que dizem, que o Filho de Deus é o seu Filho
genuíno, assim reivindicando como uma heresia dos eunucos, que lá não ha
genuína e verdadeira descendência do Pai. Por estes motivos, é que a lei proíbe
a tais pessoas ser admitidas nalgum Concílio eclesiástico; apesar de que têm
agora reconhecido a estes como juízes
competentes das causas eclesiásticas, e seja o que for parece-lhes bem o que
Constâncio determina, enquanto que homes com o nome de bispos discrepam deles. Ó! Quem serão os
seus historiadores? quem transmitirá as notícias destas cousas a outra geração
? quem crerá que ele estivesse para ouvir, que eunucos que estão dificilmente
confiados ao serviço da família ... estes, digo, agora exercem a autoridade em
matérias eclesiásticas, e que Constâncio submetendo-se á sua vontade conspirou traiçoeiramente contra
todos e baniu a Libério!”107. É curioso e
surpreendente que uma personalidade dum talante tão intransigente, sectário e
tão-pouco dialogante chegasse a ter tanta influência na Igreja e fosse elevado por esta aos altares e
enviado ao céu onde, se não mudou, só intercederá por facções bem limitadas de
pessoas.
3.10.- Sabas,
Probácio e Eugênio
No 370 Efrém,
o sírio, cita a seita ascética dos mesalianos. Um dos seus escritores, Sabas,
tomou os hábitos de anacoreta e era
denominado o eunuco por ter-se mutilado a si mesmo. Euzoio (ca. 320-376), bispo
ariano de Antioquia, “procurou instalar a Probácio, um eunuco que compartia
as suas idéias, em Alexandria. A
totalidade do partido de Euzoio conspirou com ele para efetivar este desígnio;
e Lúcio, um cidadão de Alexandria, que foi ordenado presbítero por Jorge,
intentou predispor o imperador contra Atanásio, amostrando que fora acusado de
diversos crimes e foi condenado a desterro perpetuo polo imperador anterior,
como autor de dissensões e agitações da
Igreja referentes ao ser divino”108. Quando o
imperador pro-ariano Valente (364-375) se deu conta desta conjura contra o
chefe de filas dos homo-ousianos, Atanásio, “não lhe deu crédito á calunia,
e com ameaças, mandou a Lúcio que se retirasse discretamente, e ordenou a
Probácio e aos outros eunucos pertencentes ao seu palácio, aos que considerava
como os causantes destas agitações, que obrassem mais juiciosamente”109.
O imperador Valente que governou aliado
com Valentiniano I (364-375), expulsou ao eunuco e cubicularius
(alcoviteiro) Eugénio, e, este, como represália, ajudou ao usurpador
Procópio, primo curmão do imperador Juliano e parece que eleito por este para
sucedê-lo, que ocupou o poder durante oito meses nos anos 365-366.
4.- Do concílio de Constantinopla ao de Éfeso
4.1.- O reinado de Teodósio
o Grande (379-395)
O ano 381 o
imperador pro-atanasiano Teodósio I
(379-395) convocou um concílio na cidade de Constantinopla, que passou á
história com o nome de II Concílio Ecuménico da Igtreja, ao que assistiram uns
150 bispos. Após o Concílio de Nicea, o arianismo, ao tempo que declinava em
Ocidente, tomava novos pulos em Oriente, por influxo do bispo ariano Eusébio de
Nicomédia. Quando o imperador pro-atanasiano Teodósio I, sobe ao trono pretende
reafirmar o credo de Nicea que se pronunciara polos homo-ousianos. “Em ordem
a arranjar os assuntos da Igreja de novo na capital, e principalmente para
segurar o triunfo da fé de Nicea no Este também sobre o arianismo, junto com o
seu rebento Pneumatômaco, Teodósio convocou um grande Sínodo para reunir-se em
Constantinopla, que se juntou em maio do 381, sob os cônsules Eucário e
Evágrio, e subseqüentemente classificado como o Segundo Concílio Ecumênico.
Teodoreto sublinha que Teodósio somente convocou os bispos pertencentes á sua
divissão do Império; e isto é confirmado polo fato de que somente estiveram
presentes orientais. Por este motivo é provável que o papa Damaso, como
pertencente á divisão de Graciano do Império, nunca foi convidado ao Sínodo, e
que Teodósio só pretendeu ter um Concílio Geral para o Leste, e não um Concílio
Ecumênico”110. Os bispos macedônios abandonaram neste
momento o Concílio em protesta pola adesão ao credo de Nicea, e advertiram aos
seus fieis contra a adesão á fé de Nicea. Ficaram só os 150 bispos
homo-ousianos, por iniciativa do imperador, ao igual que já acontecera em
Nicea, foram capazes de expandir entre a cristandade o incrível dogma da
divindade de quem em vida foi um carpinteiro, embora mui inteligente e com uma
atrativa personalidade. Os Padres Conciliares ratificaram o homo-ousianismo,
aprovado no Concílio de Nicea e, como novidade, introduzem a divindade do
Espírito Santo, em igualdade de condições como o Padre e o Filho, em contra dos
Pseumatômacos, dando assim por fechado o credo denominado niceno-constantinopolitano.
Terminado o Concílio, os Padres Conciliares dirigem-lhe uma carta ao imperador
no que, após relatar-lhe o trabalho desenvolvido no Sínodo, lhe dizem: “Agora
te rogamos, pola tua bondade, que confirmes por uma carta da tua piedade a
decisão do Sínodo, que, como tens honrado a Igreja, pola tua carta de
convocatória, seles deste modo as decisões, etc. O Imperador Teodósio agradeceu
os desejos aqui expressados, e desde Heraclea, o 30 de julho do 381, emitiu a
ordem de que «todas as igrejas se rendam aos bispos que crem na unidade da
divindade do Padre, o Filho e o Espírito Santo, e que se mantenham em comunhão
com Nectário de Constantinopla, em Egito com Timoteo de Alexandria, no Este com
Pelágio de Laodicea e Diodoro de Tarso, na Ásia pro consular e na diocese
asiâtica com Anfilóquio de Icónio e Ótimo de Antioquia (em Pisídia), na diocese
de Ponto com Eládio de Cesarea, Otreio de Melitene, e Gregório de Nisa,
finalmente (em Moésia e Escítia) com Terêncio, o bispo de Escítia, (Total), e
como Martírio, bispo de Marcianópolis (agora Preslao em Bulgária). Todos os que
não se mantenham em comunhão com os acima citados, devem, como os declarados
heréticos, ser expulsados da Igreja”111. Seguramente ao
Imperador lhe interessavam mui pouco as disquisições dogmáticas e as argúcias
metafísicas, mas o que si lhe convinha era manter a unidade eclesial, com um
mesmo credo e uma mesma fé, que servisse de argamassa ideolôgica no Império e
facilitar o domínio sobre a Instituição eclesial por parte do poder político.
Isto é confirmado por Sozomeno que escreve: “O imperador Teodósio, em
conseqüência, pouco depois do concílio acima citado, convocou de novo
conjuntamente os presidentes das seitas que floresceram, em ordem a que
pudessem quer atrair a outros ao seu próprio posicionamento sobre os tópicos em
disputa, ou ser convencidos eles mesmos; porque imaginou que todos seriam
levados á unidade de opinião, se se entrasse numa livre discussão, a respeito
dos pontos ambíguos da doutrina. Isto ocorreu no ano do segundo consulado de Merobaudes,
e o primeiro de Saturnino, e no mesmo período que Arcádio foi associado com o
seu pai no governo do império. Teodósio enviou por Nectário, consultou com ele
o futuro Sínodo, e mandou-lhe introduzir a discussão de todas as questões que
têm dado pulo ás heresias, de tal modo que a igreja dos crentes em Cristo poda
ser uma, e poda acordar que piedade deve ser observada”112.
Como podemos observar, a ele interessava-lhe conseguir a unidade de todas as
confissões, e, vemos que era ele quem convocava e ordenava os pontos que iam
ser submetidos a debates nos concílios.
4.2.- Eutrópio e os
outros eunucos de Palácio de Oriente
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Eutrópio, eunuco |
Permaneceu no posto
de cubiculário até a morte de Teodósio no ano 395, em que foi proclamado imperador do Império romano de
Oriente o seu filho maior Arcádio (395-408), enquanto que o outro filho Honório
(393-423) foi coroado imperador do Império Romano de Ocidente. Durante o
reinado de Arcádio, ocuparam um papel mui relevante Rufino, primeiro
ministro, que dirigiu a perseguição, desatada em Grécia, dos godos cristãos
contra os pagãos no ano 395, e Eutrópio (?- 399), praepositus sacri cubiculi, quer dizer,
o responsável das câmaras de Palácio, incluídos os aposentos do imperador.
Entretanto Rufino levava a cabo um ato de vingança contra o seu subalterno em
Antioquia, Siria, Luciano, teve lugar em palácio uma conspiração dos eunucos,
liderados por Eutrópio, para derrubá-lo. Deram-se conta que Arcádio não amava a
filha de Rufino, que lhe fora proposta como noiva sem o seu consentimento, e
promoveram o seu matrimônio com Eudóxia, a filha de Bauto, general dos francos
ao serviço de Roma, que fora educada com a família de Promoto após o morte do
seu pai. Eutrópio arranjou o matrimônio do novo imperador Arcádio com Aélia
Eudóxia, opondo-se ás pretensões de Rufino, de casá-lo com a sua filha, tal
como nos descreve o historiador Zosimos: O general do exército romano em tempos
de Teodosio, “Promoto tinha dous filhos que entretanto Teodósio estava vivo,
foram criados com os seus filhos. Um destes tinha na sua casa uma donzela de
grande beleza, que fora recomendada por Eutrópio, ao Imperador para que a
converte-se na sua mulher, com grandes louvanças da sua beleza. Percebendo que
o Imperador escutava o que dizia com grande satisfação, amostrou-lhe o seu
retrato, com o que inflamou a Arcádio com tão violenta paixão pola donzela, que
ele finalmente persuadiu-o a que a desposasse, entretanto Rufino ignorava esta
circunstância e esperava que a sua filha seria pronto imperatriz, e que ele
mesmo seria um associado no império. O eunuco, tão pronto como percebeu que o
seu plano fora efetivado, mandou o povo dançar com grinaldas nas suas
mãos, como estavam acostumados a fazer no dia da boda do imperador. Tendo
procurado de Palácio uma roupa imperial e adequada para uma imperatriz, deu-lha
aos serventes do Imperador para que a levassem, ele recorreu a cidade
acompanhado polo populacho. Todos supunham que essa vestimenta era para ser
apresentada á filha de Rufino, e correram com os que a levavam, e chegados á
casa de Promoto, entraram com os presentes, e entregaram-lhos á donzela, que
residia lá com o filho de Promoto. Assim ficou manifesto quem fora escolhida
para devir esposa do Imperador. As esperanças de Rufino tendo sido abortadas,
vendo outra mulher convertida em imperatriz, ocupou-se em matinar num método
para despedir a Eutrópio”115.
As lutas
inter-cristãos simultaneavam-se com a perseguição contra os pagãos, No ano 391,
Teófilo de Alexandria descobre um templo pagão, e os seus seguidores mofaram-se
ante o público dos seus objetos cultuais, o que desatou a ira dos pagãos que
atacaram os cristãos. Estes responderam contra eles e obrigaram-nos a
retirar-se ao Serapeo, santuário dedicado ao deus oficial de Egito, Serapis,
que seria derrubado por ordem do imperador Arcádio.
O 4/09/397,
Eutrópio convertido em amo do Império Romano de Oriente, promulgou uma lei pola
que ficava abolido o direito de asilo nas igrejas, que motivou o seu
enfrentamento com João Crisóstomo, a quem num primeiro momento apoiava a
imperatriz Eudóxia, que estava molesta polo domínio que Eutrópio exercia sobre
ela. Também se enfrentou ao chefe godo Trivigildo, que ao sentir-se humilhado
por ele, ameaçou com entrar em Constantinopla se não se lhe entregava a
Eutrópio, criando-lhe um dilema importante ao inepto Arcádio, que se via
obrigado a decidir entre a perda de Constantinopla e a indignação da sua mulher
ou desfazer-se do seu conselheiro plenipotenciário, optando por esta segunda
alternativa. Eutrópio ao sentir-se acurralado refugia-se na catedral de
Constantinopla, onde pede asilo. João Crisóstomo diz-lhe que ele o abolira, mas
decide protegê-lo. Levava três dias refugiado na Igreja, quando Eudóxia enviou
uns emisários imperiais para que o sacassem. Prometeram-lhe que se saia não lhe
passaria nada, e ele creu-lhe. Uma vez afora, foi detido e deportado a Chipre.
Foram-lhe perdoados todos os crimes anteriores, mas no retrato de quando tomou
posse de cônsul figurava uma insígnia que não correspondia ao uniforme oficial
dos cônsules, penado com a pena de morte por um crime de lesa majestade, e em
base a esta treta, foi executado.
A imperatriz
Eudóxia, depois de participar na eliminação do eunuco Eutrópio, apesar
de ser encumeada por ele, concentrou a sua animadversão em João Crisóstomo,
patriarca de Constantinopla, por tê-la criticado publicamente nas suas homilias. O seu objetivo era provocar a
sua destituição com o consentimento dos outros bispos, especialmente do papa
copto Teófilo de Alexandria (385-412).
A esta altura, as
altercações entre arianos e homo-ousianos não eram só ideológicas senão que
também iam acompanhadas de enfrentamentos sociais, inclusive em tempos do
imperador Arcádio (395-408) e da sua
esposa Eudóxia, defensora dos homo-ousianos, como nos narra Sócrates de
Constantinopla. “Porque como os homo-ousianos realizavam os seus hinos
noturnos com a mais grande ostentação -para isso foram inventadas por João
cruzes prateadas para eles sobre as que portavam velas de cera acendidas,
providas a expensas da imperatriz Eudóxia-, os arianos que eram mui numerosos,
e excitados com a inveja, resolveram vingar-se a si mesmos com um ataque
desesperado e tumultuoso sobre os seus
rivais. Porque conforme á lembrança da
sua recente dominação , estavam cheios de confiança na sua habilidade e de menosprezo dos seus
adversários. Por isso, sem pausa, numa dessas noites, travaram um conflito, e
Briso, um dos eunucos da imperatriz, que estava nesse momento dirigindo os
cantos desses hinos, foi ferido com uma pedra na frente, e também algumas das
pessoas dos dous bandos foram mortas. Após o imperador, irado, proibiu-lhe aos
arianos cantar os hinos nunca mais em público”116. No ano 403,
João Crisóstomo é deposto polo Sínodo da Azinheira (Synodus ad quercum),
acusado, principalmente por Teófilo patriarca de Alexandria, de favorecer o
origenismo, o qual provocou uma reação irada por parte da população contra o
Imperador e o Sínodo, exigindo a sua reposição no cargo. Arcádio enviou a Briso
para que o traísse de volta a Constantinopla.
Arredor do ano 404
aparece na Corte Imperial de Constantinopla o eunuco de origem persa Antíoco,
eu previamente exercera ás ordens de Narses, primeiro ministro do Império
Sasánida de Pérsia durante a primeira metade do século V. Exerceu como
cubiculário até a morte de Arcádio no ano 408. A seguir, por
designação de Arcádio, converteu-se em tutor do sucessor no trono, o infante
Teodósio II, até o ano 414 em que foi substituído nesta função pola irmã de
Teodósio II, Pulquéria.
4.3.- Os eunucos
durante o reinado de Honório
Entretanto os assuntos
no Império do Leste eram gerados por Rufino, no Oeste, durante o reinado de
Honório, era Estilicão quem se ocupava da administração imperial. A esta
altura, num clima de delação generalizado, as propriedades eram confiscadas
impunemente, o Imperador era um incapaz e a Imperatriz era refém dos eunucos e
das suas damas de serviço, criando um
clima irrespirável na cidade. “O número de sicofantas era maior que nunca
antes, sempre prestando serviço aos eunucos da corte. Á morte dalguma pessoa
rica, traiam informação das suas
propriedades, de se tinha filhos ou parentes. A este respeito, foram enviadas
cartas do Imperador, mandando que as propriedades fossem postas em posse duma
pessoa particular. Heranças foram dispostas para qualquer que as pedisse, ainda
que os filhos estivessem presentes, lamentando e chamando polos seus pais. Em
conclusão, cada cousa coligou-se para encher a cidade de dor e prejudicar os
habitantes. Porque o imperador sendo um puro idiota, a sua mulher, que excedia em arrogância ao resto
do seu sexo, e era uma afeiçoada á insaciável avareza dos eunucos e ás suas servidoras femininas, que tinham grande
influência com ela, provocou que cada um estiver cansado da vida; tanto que
para as pessoas modestas nada era tão eligível como a morte”117.
O também inepto
Honório teve como chamberlaim a Deutério, prepósito do cubículo sagrado, quiçá
eunuco, que foi julgado e executado por Olímpio, por negar-se a declarar em
contra de Estilicão, a quem apoiara,
apos a sua morte, conjuntamente com Pedro, primiceius notariorum, ou seja, o
chefe dos departamentos administrativos. Cara ao ano 395, os godos, que viviam
perto do Danúbio, elegem como rei a Alarico, que seria vencido várias vezes por
Estilicão, general romano e patrício de origem vândala e religião ariana, mas
este, apesar dos seus êxitos, seria executado por ordem de Honório no 408 após
declará-lo inimigo público de Roma e retirar-lhe as insígnias de magister
militum. Enquanto estava ao mando do exército, foi acusado por Olímpio,
um oficial de rango e chefe dos guardas da corte, natural das proximidades do
mar Euxino, que o acusou ante o Imperador Honório de que “estava desejoso de
continuar no leste unicamente para ter uma oportunidade de remover o moço
Teodósio e colocar o império nas mãos do seu filho Euquério”118.
Este Euquério, filho de Estilicão e Serena, neta de Teodósio I e sogra de
Honório, tentara refugiar-se em Roma, acossado polos eunucos Arsácio e
Terêncio, enviados polo imperador Constantino III, que o executaram no ano 408.
O historiador Zosimos narra como se produziu o assassinato de Euquério para
evitar que for ascendido ao trono polos partidários de Estilicão. “Assim se
Arsácio e Terêncio, os dous eunucos, não se precipitassem em levar a Euquério,
o filho de Estilicão, destes quartéis a Roma para ser executado de acordo com a
ordem do Imperador, o moço cairia certamente em mãos de Alarico, e seria
salvado. Os eunucos, tendo cumprido as instruções que se lhes encomendaram a
este efeito, e tendo entregado a mulher de Honório, á sua mai, foram por mar junto ao imperador em Gália Celtica, onde
ele residia a essa altura, porque não eram capazes de ir polo mesmo caminho
polo que vieram. Por estas razões, o imperador concebendo que ele podia prestar
um bom serviço ao Estado premiando a estes dous eunucos polos seus grandes
êxitos por restituir Termánia á sua mai,
e em executar a Euquério, nomeou o eunuco Terêncio camarista imperial, e
deu-lhe o segundo posto baixo ele a Arsácio. Tendo então cessado a Batanário,
que era comandante das tropas na grande
Líbia, e desposara a irmá de Estilicão, deulhe o mando a Heracliano, a pessoa
que matou a Estilicão, e que recebeu esta honra como recompensa por esta ação ”119. Olímpio, que ocupou o cargo de Estilicão,
pronto caiu em desgraça e foi eliminado por uma morte cruel, e, após a sua
morte, amotinou-se Jóvio, que pediu a cabeça de dous generais, que foram
executados, e dos dous eunucos principais, que foram banidos a Milão e
Constantinopla, sendo sucedidos polo eunuco Eusébio, como camarista, em
substituição de Terêncio, e polo bárbaro Alobich, como chefe da guarda.
Durante o reinado
de Honório (395-423), o general romano Constantino III (407-411), que se
proclamou imperador romano de ocidente em 407, enviou uma embaixada de eunucos
a Ravena para obter o reconhecimento de Honório. Pretextava que não tomara o
poder por iniciativa própria senão impulsado polo exército, como nos transmite
Zosimos. “Nesta conjuntura, o rebelde Constantino enviou alguns eunucos a
Honorio, para pedir-lhe perdão por ter aceitado o império que lhe ofereceram:
porque, disse, não o tomou pola sua
própria livre vontade, senão que lhe foi entregado pola força polos soldados”120.
Esta petição suscita-lhe um problema importante a Honório, pois, a esta altura,
ante a pressão dos bárbaros, não lhe convém uma política de enfrentamento com
os rebeldes. “Quando o Imperador ouviu esta petição , dando-se conta que não
era fácil para ele, dado que Alarico e os seus bárbaros estavam tão próximos,
para preparar-se para outras guerras; e consultando pola segurança dos seus
parentes que estavam nas mãos dos rebeldes, que tinham por nome Vereniano e
Didimo; não só agradeceu esta petição, senão que lhe enviou uma vestimenta
imperial. Mas a sua preocupação polos seus parentes era em vão, tendo sido
executados antes desta embaixada. Tendo feito isto, enviou para casa os eunucos”121.
O responsável da
morte de Estilicão, Olímpio, tão-pouco pode liberar-se pois “os eunucos da
corte apresentaram informações ante o imperador acusando a Olímpio da ocasião
de todos os desastres, que lhe sucederam ao Estado, e assim lograram a sua remoção do cometido que desempenhava.
Nisto, temendo alguma desgraça mais grave, retirou-se a Dalmácia”122.
O historiador
bizantino do século VI, Pocópio de Cesarea, manifesta que seria um eunuco quem
lhe transmitiu a Honório o saque e queda de Roma a mãos dos godos. “Diz-se
que foi um eunuco, que tinha ao seu cuidado as aves domésticas, quem informou a
Honório em Ravena de que Roma perecera, e este gritou e disse, «Não faz mais
que um momento que comeu na minha mão». Porque ele tinha um galo mui grande,
que se chamava Roma, e o eunuco, compreendendo as suas palavras, diz-lhe que foi a cidade de
Roma quem perecera a mãos de Alarico, e o Imperador com cara de alívio contestou
tranquilamente: «Mas eu, meu bom companheiro, pensei que o meu galo Roma
perecera». Tão grande era, dizem, a loucura de que estava possuído”123.
4.4.- Prudêncio
O poeta cristão
hispano-romano, natural de Calahorra, Aurelius Prudentius Clemens (348 d.
e.c. - c. 410) na sua obra Contra Símaco, em referência ao escritor,
prefeito romano e cônsul Quinto Aurélio Símaco (340-402), defensor do
mantimento dos cultos e da religião tradicional pagã, alude á origem
semi-divina de Roma por ter como progenitores a Marte e a Venus, “um viola a
uma vestal sacerdotisa; a outra, sucumbe ante um marido frígio. ... Mas Venus
foi em realidade uma mulher de sangue nobre, e em proibida infâmia uniu-se a um
home escuro e de vil origem. ... Esta lenda ou erro induziu aos nossos avós
ítalos a celebrar os sacrifícios a Marte... a que os próceres da pátria
fizessem vir também da cimeira do monte Erice a estatua despida de Venus, a que
fosse trasladada do Ida frígio a mai dos deuses”124. A
vida tem dous sendeiros e os assuntos humanos vão por partes gêmeas. Uma é
plural e a outra simples e única; uma segue a Deus, a outra dá culto a vários
deuses, e quantos são os ramais nos sendeiros tantas são as estatuas nos
templos ou tantas as aparições sob estranhas formas. Uns vão polo ramal das
dionisíacas de Baco, a outros atrai as festas saturnais ou o culto de Júpiter.
“Buscam-se então os açoites das festas lupercais e as carreiras dos moços
despidos, e o eunuco de Cibele, movido por horrível fúria, é chamado nas festas
megalenses a dar oráculos escuros”125. Considera Prudêncio que
o galo é símbolo de Cristo, pois ao igual que aquele chama polo novo dia,
Cristo chama a uma nova vida. Com todo, eu intuo que, dado que galhus em latim
se traduz por galo em galego, pode haver aqui uma alusão a Cristo como galhus,
ou seja, como eunuco polo reino dos céus. O texto de Mateo 19,12, entende-o
referido a uma perene flor de resplandecente virgindade que segou da sua alma os apetites do coração126.
4.5.- Pelágia
No século IV, ca.
341 morre o primeiro eremita conhecido, Paulo de Tebas, e consolida-se o estilo
de vida arredado do mundo e dedicada á oração e penitência. Cara ao ano 468
morre a eremita Pelágia de Antioquía, que antes de ingressar no cristianismo
exercia como artista e prostituta. Abandona este estilo de vida e converte-se
ao cristianismo. Quando se lhe pediu que se despisse da sua vestimenta batismal branca, vestiu-se com
uma túnica vulgar que o bispo lhe forneceu, e desde esse dia nunca mais se viu em Antioquía. Retirou-se
a viver ao Monte das Oliveiras em Jerusalém onde viveu disfarçada de ermitão e
ocultando a sua identidade sob o nome de
Pelágio, e era considerada como um eunuco, mas no momento da morte descobrem
que era em realidade uma mulher. “Depois de três ou quatro dias, Eu, Jacobe
o diácono, teve o desejo de visitar Jerusalém em aras oferecer orações á
ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo. Pedi permissão do bispo e deixou-me
ir com estas palavras: «A minha recomendação para ti, irmão diácono, é que
quando chegues a Jerusalém, investigues lá acerca dum certo irmão Pelágio, um
monge e um eunuco que foi encerrado em soidade por muitos anos. Visita-o. Estou
seguro que será de grande proveito para ti». Sem dúvida estava falando da
servente de Deus Pelágia, afora atualmente diz-se assim. Quando cheguei a
Jerusalém, adorei a santa ressurreição do nosso senhor Jesus Cristo, e ao dia
seguinte informei-me da servente de Deus. E fum ao Monte das Oliveiras e
encontrei-no onde o Senhor orou, numa minúscula cela completamente cerrada salvo
por uma pequena janela no muro. Petei na janela e abriuse-me. Pelágia
reconheceu-me, mas eu não a reconheci”127. Pode que for polo seu
efeminamento polo que foi considerada
como um eunuco. Mas o que revela este fato é que a esta altura o eunuquismo estava
bem visto no seio do cristianismo, que não tinha inconveniente em aceitar entre
os seus membros consagrados especialmente a Deus a pessoas castradas. Neste
caso, inclusive o bispo lhe facilita o seu travestismo, fazeéndo-se passar por
eunuco.
4.6.- Santo
Ambrósio (340-397)
Bispo de Milão, foi
um dos qatro padres latinos, junto com Jerome, Gregório Magno e Agostinho de
Hipona, e um dos 35 doutores da Igreja
católica. Ao igual que os seus correligionários, estava absorto polos temas da perversidade
deste mundo do que cumpre fugir, pola luta contra as paixões, especialmente as
sexuais, oferecendo como opção a castidade que, para el, é preferível ao
matrimônio, e também pretendeu dar resposta ao texto de Mt. 19, 12, mas não
chega a expressar o que diz o texto senão o que a ele lhe convem para os seus
propósitos, oferecendo uma solução que se insere na linha da que será a
doutrina «oficial» da Igreja. Poderia
ser que ao ocupar um bispado onde estava a esta altura a corte imperial, fosse
mais consciente das implicações negativas, tanto legais como sociais, da
prática da castração. No seu tratado Sobre as viúvas afirma: “«Porque ha
eunucos que nasceram assim do ventre da
sua mai», nos que existe uma necessidade natural não a virtude da
castidade. «E ha eunucos que se fizeram a si mesmos eunucos», pola sua própria vontade, isto é, não por
necessidade. «E ha eunucos que foram feitos eunucos polos homes...». E, por
isso, é grande a graça da continência neles porque é a vontade, não a
incapacidade, a que faz o home continente”128. Como vemos, neste
texto, o que constitui a continência é a vontade e não a incapacidade que se dá
nos eunucos, que dado que não têm que lutar para ser continentes a sua vitoria não tem mérito. “O caso não é
o mesmo dos que se castraram a si mesmos, e eu toco este tema deliberadamente,
porque ha algum que o consideram uma ação virtuosa reprimir a culpa com a
castração. Embora não quero expressar a minha própria opinião a respeito deles,
apesar de que foi estabelecida polos antepassados; porém considerem que ninguém
o aduza como uma manifestação de doença antes que de firmeza. Logo que ninguém
lute para que não seja vencido alguma vez; nem use os seus pés temendo o perigo
de caminhar; nem ninguém utilize os seus olhos quem teme um pecado de
concupiscência. Mas que aproveita cortar a carne, quando pode haver culpa
inclusive na mirada? «Porque quem olhou uma mulher com desejo de prazer sexual,
já cometeu adultério com ela no seu coração». De igual modo, quem viu um home
desejando-o já cometeu adultério. Convém-nos que sejamos castos, não doentes;
ter os olhos pudicos, não débeis”129. Como podemos observar,
Ambrósio admite que ha alguns que defendem a castração no seio da Igreja, qualificando esta ação como virtuosa,
e fazem-no precisamente apelando ao testemunho de Jesus Cristo em Mt. 19, 12,
do qual ele não se para a elucidar o sentido. Manifesta que não quer expressar
a sua opinião mas fica bem claramente
estabelecida, e, por outra parte, parece sensata; outra cousa é que expresse ou
não o sentir de Jesus Cristo. Para este autor não pode haver prêmio se não ha
luta, o qual parece mui razoável. A respeito das afirmações deste tocante a que
se pode cometer adultério por desejar uma mulher, é uma afirmação que está
afastada da moralidade de hoje, que repara muitos menos nestes aspectos e mais
noutros temas como pode ser a igualdade entre os sexos. Continua este autor: “Ninguém
deve, como muitos estimam, castrar-se a si mesmo, senão vencer, pois a Igreja aceita vencedores, não vencidos. E por
que utilizar argumentos quando está a dispor a norma do mandado do apóstolo?
Assim pois, «Oxalá sejam castrados os que querem que ti sejas circuncidado».
Por que se lhe elimina a ocasião da vitória ao home, que nasceu para o louvor,
preparado para a vitória, que pode polo poder da sua alma castrar-se a si mesmo? «Ha eunucos
que se castraram a si mesmos polo reino dos céus”130.
Neste texto reconhece que são muitos os que consideram que um deve castrar-se a
si mesmo, que ele contrapõe á luta contra as paixões por meio da castração
espiritual.
4.7.- São Jerome de
Estridão (Dalmácia, c. 346 – 420)
Tradutor da Biblia
para o latim, que se conhece com o nome de Vulgata. Numa longa carta que lhe
dirigiu a Eustóquio, no Ano 384, diz-lhe: “Algumas mulheres, é certo,
desfiguram as suas caras para aparecer
entre os homes para jejuar. Quando logram ver a algum jovem, baixam a vista;
cobrem as suas caras, todo menos um
olho, que deixam livre para ver com ele. A
sua vestimenta é obscura, o seu cinto é de linhagem, as suas mãos e pés são sujos; só o seu estômago
-que não pode ser visto- está quente com comida. Destes canta-se diariamente o
salmo: «O Senhor diseminará os ósos de aqueles que se satisfazem a si mesmos».
Outras cambiam a maneira de vestir e assumem o aspecto de homes,
envergonhando-se de ser o que nasceram para ser -mulheres. Cortam os seus
cabelos e não estão envergonhadas de parecer como eunucos. Algumas vestem-se
com pele de cabra, e pondo-se um capuz, pensam devir meninos de novo fazendo-se
olhar como muitas coruxas”131. Não conheço as razões
que induzem a Mathew Kuefler132 a afirmar que se trata
duma lenda, mas, seja lenda ou um fato real, testemunha da existência de
eunucos na comunidade cristã.
São Jerome, no
livro Contra Joviniano, do ano 393, em resposta a um livro que este lhe
enviara, no que afirma que “uma virgem não é melhor que uma mulher aos olhos
de Deus”, ao tentar demonstrar, seguindo a São Paulo, que Jesus não impôs a
virgindade como obrigatória, comenta o texto de Mt. 19, 12 da seguinte maneira:
“Alguns são eunucos por natureza, outros por violência dos homes. Os eunucos
que me agradam são os que são tales não por necessidade, senão por eleição.
Gostosamente recebo-os no meu seio a quem se fizeram eunucos a si mesmos polo
reino dos céus, e em aras de adorar-me renunciaram á condição do seu
nascimento. Temos que explicar agora as palavras, «Aqueles que se fizeram
eunucos polo reino dos céus». Se aqueles que se fizeram a si mesmos eunucos têm
o prêmio do reino dos céus, segue-se que aqueles que não se fizeram eunucos a
si mesmos não podem ser colocados com os que se fizeram. Quem é capaz, disse
ele, de receber isto, que o receba. É um sinal de grande fé e de grande
virtude, ser o templo puro de Deus, oferecer-se a si mesmo em holocausto, e,
consoante com o mesmo apóstolo, ser santos em ambos, no corpo e no espírito.
Existem eunucos, que considerando-se a si mesmos árvores secas a causa da sua impotência, ouviram por boca de Isaias
que têm uma praça preparada nos céus para filhos e filhas. O seu modelo é
Ebedmelech o eunuco em Jeremias, e o eunuco da rainha Candazes nos Atos dos
Apóstolos, quem por causa da fortaleza da
sua fé ganharam o nome dum home”133. Deste texto
destacamos o seguinte: Jerome posiciona-se claramente de parte de Jesus e
advoga pola castração, entendida não ao modo dos que tergiversam o sentido dos
textos polos seus a priori dogmáticos, ou seja, neste caso, como celibato ou
virgindade. A expressão que utiliza Jerome é terminante a este respeito: “e
sunt eunuchi, qui se castraverunt propter regnum coelorum” (Ha eunucos, que
se castraram polo reino dos céus”134. Além disso, renunciar á
condição do nascimento unicamente pode entender-se como mutilação dos órgaos
sexuais, pois um celibatário não renuncia á condição do seu nascimento, senão
só ao exercício da função sexual, permanecendo home na sua integridade. Esta interpretação
reforça-se polo fato de que Jerome, neste mesmo livro, utiliza o termo virgines
com um sentido distinto ao de eunuchus135. Podemos ver também que,
segundo Jerome, em seguimento de Jesus, este ato de suma piedade justifica um
meio tão espúrio como é a mutilação corporal. Destaca-se também neste texto a
impureza da sexualidade, pois o home só castrando-se chega a ser puro de corpo.
Finalmente, recorre-se a um texto do Trito-Isaías para justificar como palavra
de Deus a prática da castração.
Testemunha Jerome
que tanto João o batista como o evangelista eram eunucos, convertidos em tales
por Jesus, verdadeiro Deus que toma a forma humana. “Por que fez que João o
apóstolo e João o batista se fizessem eunucos polo seu amor, após ter causado
que nascessem varões? Logo os que cremos em Cristo, sigamos o seu exemplo”136.
No ano 398, a petiçãode Eusébio de
Cremona redige á pressa o Comentário ao Evangelho de Mateo, no que, comentando
o versículo 12 do capítulo 19, manifesta: “Existem três classes de eunucos,
dous carnais e o terceiro espiritual. Alguns nascem assim do útero materno, a
outros faz-nos a catividade ou as delícias matronais. Os terceiros são os
que se castraram a si mesmos polo reino dos céus, e, podendo ser varões,
por Cristo fazem-se eunucos. A estes promete-se-lhes prêmio, aos anteriores que
têm necessidade de castidade mas não vontade, nada se lhes deve”137.
Neste texto, delinea Jerome claramente os três tipos de eunucos de que fala
Jesus, mas, corrigindo ao mestre, afirma que os dous primeiros são carnais e o
terceiro espiritual. Quiçá poucos celibatários se vejam identificados com
a sua afirmação de que deixaram de ser
varões, pois se são eunucos espirituais não perderam a sua virilidade e, por tanto não deixaram de
ser varões. Para ele existem os eunucos por necessidade e os eunucos
voluntários. Os primeiros compreendem os eunucos naturais e os que são feitos polos homes. O Concílio
de Nicea não passou em vão e neste texto já aparece clara a interpretação
da Igreja a respeito da expressão «os
que se fazem eunucos polo reino dos
céus», que passa a interpretar-se alegoricamente mas sem que se resolvam
os problemas que esta nova interpretação acarreta. Também surpreende que diga
que somente merece o reino quem se castra por Cristo, dando a entender que os
eunucos polo reino dos céus estavam castrados, o qual é contrário á tese que
queria defender, ou, alternativamente,
haveria que admitir também uma castração espiritual ou, finalmente,
considerar que Jerome teve um lapsus mental.
A seguir intenta aclarar melhor as cousas, mais o que faz é enreda-as
muito mais. “Podemos dizê-lo doutra
maneira: são eunucos desde o útero da mai os que são de natureza mais frígida e
não apetecem prazer sexual, e outros que são feitos polos homes, ou os que
fazem os filósofos, ou os que a causa do culto dos ídolos se amolecem como
mulheres, ou por simulação herética simulam castidade para mentir sobre a
verdade da religião. Mas nenhum deles consegue o reino dos céus salvo quem se
castrou por Cristo. De onde inferiu: Quem pode que entenda, para que
cada um considerasse as suas forças para
ver se pode cumprir os preceitos de virgindade e pudor. Pois por si a
virgindade é branda e atrai a qualquer cara a si. Mas ha que ter em conta as
forças para que quem pode entender que entenda. A voz do Senhor é a voz
do que exorta e concita aos seus soldados ao prêmio do pudor”138.
O texto anterior parece pouco elaborado e adolesce de confusão mental, como
imos ver. O primeiro parágrafo começa falando dos que são eunucos de
nascimento, mas, sem solução de continuidade, mete aos eunucos feitos polos
homes sem que o aclare, e, por tanto, dando lugar a confusões. A respeito dos
que nascem eunucos, Jerome inclui nesta categoria a todos aqueles que sofrem
frigidez sexual sem precisar a causa, e, por tanto poderia incluir aos que
nascem com anomalias congênitas: atrofia testicular, aplasia
testicular, criptorquídia, ectopia testicular, monorquia
e anorquía, hipospádias, hipoplásia
testicular, hipogonadismo,
agenésia gonadal. Algumas destas anomalias impedem o normal desenvolvimento
dos testículos, responsáveis da segregação da testosterona no varão, junto com
a cortiça suprarrenal. Embora Jerome não o contempla, este tipo de eunuquismo
seria aplicável também á mulher quando tem níveis anormalmente baixos de
testosterona, que são sintetizados polos ovários, junto com a cortiça
suprarrenal. Dificilmente, com todo, se estende aos homo-sexuais, como alguns
pretendem, pois estes apetecem ter relações com pessoas do mesmo sexo, mas não
se inclui no seu conceito a frigidez. Nos eunucos feitos polos homes inclui: a)
os que fazem os filósofos, agora convertidos por ele em castradores de homes,
categoria desconhecida para mim historicamente; b) os que se convertem em
efeminados polo culto dos ídolos, o cal parece incluir os galli entre outros,
que, por outra parte, não são feitos polos homes senão que se castram
voluntariamente; e c) os que simulam castidade, que tão-pouco são feitos polos
homes. Somente conseguem o reino de Deus os que se castram por Cristo, e todos
os demais são enviados ao fogo do inferno, como Deus manda.
A ideologia de
Jerome peca de misoginia e desprezo do sexo inclusive no seo do matrimônio, que
qualifica de servidão entendida pejorativamente, frente á servidão a Cristo que
é a servidão liberadora, que é a daquele que cultiva a virgindade. Seguindo a
São Paulo, os que têm esposas devem viver como se não as tivessem, ou seja, que
devem abster-se das relações sexuais, pecaminosas e indignas do ser humano
perfeito. Este terá uma recompensa maior que os que têm filiação, pois tem uma
filiação espiritual. Já se pode supor a dano que causaria na sociedade uma
mística como esta. Cambia o sentido de eunuco, que deixa de entender-se
dum jeito literal, para ser concebido
metaforicamente. São eunucos “os que se preocupam das cousas que são de
Deus”139.
A castidade é obra da vontade e não produto da
debilidade corporal. “A castidade não está na debilidade do corpo, mas na
vontade do ánimo”140. Seguindo ao Trito-Isaias concebe que os
eunucos, tal como ele os define, têm um posto reservado na casa de Deus se
cumprem os preceitos divinos. Não ha diversidade alguma entre os eunucos polo
reino dos céus a respeito do sexo, pois ambos são igualmente chamados á
salvação. Mortificaram sobre a terra os seus membros até que cheguem ao varão
perfeito. Por conseguinte, o destino, tanto do home como da mulher que se
entregam a Cristo é devir um varão perfeito, devendo desaparecer como tal o
sexo feminino.
No livro I Contra
Joviniano, suscita o problema da esterilidade dos que praticam a
virgindade, que levaria a que, se ninguém procriasse, o gênero humano
desapareceria. Segundo o judaísmo e cristianismo, as pulsões humanas, e por
tanto, a mutua atração entre os sexos, estão inseridas na natureza humana, que
eles defendem que é obra de Deus. E se Deus nos deu uma tal natureza é para que
atuemos de acordo com as suas exigências,
e, por tanto, Deus deve querer que se satisfaçam as pulsões humanas, único
meio, por outra parte, de garantir a supervivência tanto dos seres humanos como
dos demais animais sexuados. Como se justifica, então, essa preferência da Igreja pola virgindade como um estado
superior do ser humano, que parece emendar a obra criadora divina? Jerome
formula o problema da seguinte maneira: “«E por que -dirás- foram criados os
genitais e fomos fabricados assim polo sapientísimo criador de modo que
padeçamos os ardores mútuos nossos e tendamos á cópula natural?»”141. A
estas questões oferece as respostas seguintes: a) Não ha que temer que todos se
convertam em virgens e desapareça a espécie porque a virgindade é cousa
difícil, e muitos são os chamados e poucos os elegidos. b) Se a função dos
genitais é ater-se sempre aos ditados da natureza, seria também natural que
outro home apagasse o insaciável apetito da minha esposa. Mas a satisfacção das
pulsões sexuais não implica que deva fazer-se dum jeito indiscriminado, promíscuo e
desordenado. c) O nascer com estes membros não significa que se tenham que
utilizar, pois também Cristo nasceu em forma humana e não utilizou o sexo e foi
circuncidado para mostrar o seu sexo. d ) Ressuscitaremos com o nosso sexo mais
não cumpriremos a função do nosso sexo. Pura inventiva sem a mais mínima
justificação.
Na Epístola que lhe
dirige a Leta o ano 403, esposa do filho de Santa Paula, Toxócio, e filha do
sacerdote pagão Albino, expressa a moral excessivamente puritana e rigorista
dos cristãos fundamentalistas primitivos: “Eu sei que ha quem proíbe ás
virgens consagradas a Jesus Cristo banhar-se em presença dos eunucos e das
mulheres prenhes, porque aqueles conservam sempre o natural do home, e que
estas aparecem num estado que não deve ser visto por uma donzela; mas pola
minha parte, eu proibo totalmente o banho a uma donzela adulta, que não pode
ver-se despida sem ruborizar-se”142. O pudor leva-se a tal
extremo que um tem que sertir vergonha do próprio corpo.
4.8.- Santo
Agostinho (354-430)
Nascido em Souk Ahras, no que hoje
é Algéria, bispo de Hipona, o Padre mais destacado da Igreja. De temperamento místico e visceral,
compartia as preocupações de Santo Ambrósio e São Jerome na sua luta contra este mundo e a fobia contra
as paixões, nomeadamente as sexuais. Nas Confissões revela que, no seu
itinerário pessoal, chegou um momento em que não lhe interessava o dinheiro nem
a cobiça, mas estava ainda encadeado pola mulher. Como diz no livro citado,
escrito no ano 400, o Apóstolo não lhe proibia casar, mas ele escolhia uma vida
mais mole. “Ouvira de boca da verdade, que ha eunucos que se castraram a si
mesmos polo reino dos céus, mas disse: quem pode entender que entenda”143.
No seu livro De
Sancta Virginitate, escrito no ano 400-401, intenta demonstrar que não ha que
amar a continência em aras da vida presente, senão da que se nos promete no
reino dos céus. “Quando (Jesus) falou divina e terrivelmente sobre a
não separação dos cônjuges a não ser por causa da fornicação, disseram-lhe os
discípulos: «Se tal é a condição com a mulher, não convém casar». Aos que lhe
disse: «Não todos entendem esta palavra. Pois ha eunucos que nasceram assim;
mas ha outros que foram feitos polos homes; e ha eunucos que se castraram a si
mesmos polo reino dos céus. Quem poda entender que entenda». Que cousa mais
veraz, mais lúcida se podia dizer? Cristo diz, a Verdade diz, a Virtude e
Sabedoria de Deus diz-lhe a aqueles, que com um propósito piedoso se contiveram
de tomar esposa, que se castrem a si mesmos polo reino dos céus, e pola contra
a vaidade humana pretende com impia temeridade que os que fazem isto somente
evitam a penosidade das moléstias conjugais, mas que no reino dos céus não
participarão mais que os demais”144. Aqui limita-se
Agostinho a repetir as palavras de Jesus, inserindo-as no contexto dogmático
da Igreja niceana, tão característico do
proceder deste autor, que mistura constantemente a reflexão filosófica com
textos de autoridade bíblicos ou eclesiais. Acentua que os que se castram o
fazem por um prêmio no outro mundo e não por evitar as penosidades associadas á
vida conjugal. Como a castração poderia entender-se no sentido espiritual e não
físico, temos que ver se nos aclara noutros textos a qual delas se refere.
Para provar a sua tese de que a castração se faz polo reino
dos céus, aduz um argumento tirado de Isaias 56, 5. “Mas de que eunucos fala
Deus polo profeta Isaias, ao que di que dará na
sua casa e dentro dos seus muros um lugar ilustre, muito melhor que o
dos filhos e filhas, a não ser destes que se castraram a si mesmos polo reino
dos céus? Pois a aqueles, aos que se debilita o membro viril, para que não
podam gerar, como são os eunucos dos ricos e dos reis, basta si, quando se
convertem em cristãos e guardam os preceitos de Deus, contudo são duma condição
que teriam cônjuge se pudessem, que na casa de Deus se equiparem aos restantes
fieis casados, que alimentam a prole, lícita e pudicamente recebida, no temor
de Deus, instruindo aos seus filhos para que ponham a sua esperança em Deus, mas não receberão um
melhor lugar que o dos filhos e filhas. Pois não tomam esposas por virtude
senão por necessidade da carne”145. Neste texto deslinda
claramente quem vão ser favorecidos polo prêmio especial reservado na casa de
Deus. Não são todos os castrados, senão só os que se casam polo reino dos céus.
Equipara, quanto á debilitação da carne, aos castrados por outros motivos
distintos dos que se fazem polo reino dos céus, com os casados, e só recebem
prêmio os que se castram polo reino dos céus e não por outros motivos. Para
reforçar a sua argumentação continúa: “Que dispute com tino quem quiser que
o profeta profetizou destes eunucos, que são mutilados de corpo; também este
erro apóia a causa que defendemos. Pois não lhe deu a preferência a estes
eunucos sobre aqueles que na sua casa
não têm lugar de nenhum modo, senão também a aqueles que preservam o mérito da
vida conjugal gerando filhos. Pois quando diz: «Dar-lhes-ei um lugar muito
melhor», amostra que também lhe dá um posto aos casados, ainda que mui inferior”146.
Agostinho vê-se obrigado a reconhecer que quiçá Isaias fala de todos os
castrados e não especialmente dos que se converteram em eunucos polo reino dos
céus, mas se todos os castrados têm reservado um posto no reino dos céus, com
mais razão os que se castram por este motivo. Contudo, pare ele somente são
estes os que são preferidos aos que se converteram em pais de família enquanto
que os castrados físicos não são preferidos aos que vivem casados, porque se
não se casam não é por virtude do espírito senão por uma necessidade que lhe
impõe o seu físico.
A continuação,
Agostinho tenta provar que os que se castram polo reino dos céus não podem, de
nenhum modo, ficar postergados com respeito aos eunucos que se castram por
outros móveis, e se estes últimos têm prioridade sobre os casados, com mais
razão teriam que tê-la os que se convertem em eunucos por uma causa tão piedosa
como alcançar o reino dos céus. “Logo concedamos, pois, que se predisse que
na casa de Deus haveria eunucos segundo a carne, que não existiram no povo de
Israel, pois vemos que não se fazem judeus, senão cristãos, nem deles disse o
Profeta, que não buscando o matrimônio com o propósito de continência, se
castram polo reino dos céus: assim existe qualquer com tanta demência contrário
á verdade, que creia que os convertidos em eunucos na carne tenham um melhor
lugar na casa de Deus, e os que se contêm com propósito piedoso, castigando o
seu corpo até o desprezo das núpcias, castrando-se não no corpo senão na raiz
mesma da concupiscência, praticando a vida angélica na mortalidade terrena,
dispute que são iguais aos méritos dos casados e um cristão contradiga que
aqueles que, com o louvor de Cristo, se castraram a si mesmos, não por este
mundo senão polo reino dos céus, afirme que isso é útil para a vida presente e
não para a futura? Que lhe queda senão a estes senão afirmar que pertencem a
esta vida temporal na que agora estamos? Que impede que a cega presunção chegue
a esta loucura?”147. Começa destacando Agostinho, nesta por
vezes abstrusa argumentação, que no povo de Israel não houve eunucos, que como
vimos, é contrário á verdade, se bem é certo que estavam discriminados na
Assembléia, se bem pode que não existissem em tempos de Agostinho. Constata que
os eunucos se fazem cristãos e não judeus, o qual é compreensível se temos em
conta que o judaísmo é uma religião nacional, mais estreitamente ligada a uma
etnia, enquanto que o cristianismo se converteu em religião universal que
acolhe tanto a judeus como a gentios. Intenta demonstrar a continuação que o Trito-Isaías
alude aos que se castram polo reino dos céus, para terminar contrapondo a
castração corporal, que é a dos que foram mutilados, á castração na raiz da
concupiscência, própria dos que se castram a si mesmos polo reino dos céus,
porque buscam extirpar a fonte do pecado, que é a concupiscência. Finalmente,
deixa transluzir a sua miso-sexualidade
ao afirmar que os que se castram polo reino dos céus levam uma vida angélica na
terra, contrapondo esse angelismo á vida de casados.
Agostinho aduz
ainda outro argumento mais tomado também do Trito-Isaías 56,5, para provar
a sua tese de que o prêmio não é
terrenal senão para o estádio futuro. “Quando disse dos eunucos:
«Dar-lhes-ei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar ilustre, melhor que
o dos filhos e filhas», para que ninguém demasiado carnal julgar que devia
esperar algo temporal nestas palavras, de seguida acrescentou: «Dar-lhes-ei um
nome eterno, que nunca lhes faltará»”148. Agora o que lhe resta
por provar é que o nome eterno não está associado a este mundo. “«Dar-lhes-ei
um nome eterno» Por que pretendes o reino dos céus, polo que se castraram a si
mesmos os santos eunucos, se deve entender somente desta vida? «Dar-lhes-ei um
nome eterno». E se quiçá intentasses tomar este mesmo eterno no sentido de
duradoiro, acrescento, acumulo, inculco: «E nunca lhes faltará». Que mais
buscas? Que mais dizes? Este nome eterno, qualquer que seja, aos eunucos de
Deus, que também significa uma gloria própria e excelente, não será comum com
muitos, ainda que estejam ubicados no mesmo reino e na mesma casa. Quiçá se
disse nome, que distingue a aqueles aos que se lhe dá dos demais”149.
Na Cidade de
Deus, escrita entre os anos 413-426, afirma que os filósofos, com a ajuda
de Deus, chegaram a descobrir cousas importantes, e quanto “melhor e mais
honesto seria ler num templo de Platão os seus próprios livros que contemplar
nos templos dos demos a castração dos galos, a consagração dos invertidos, a
mutilação dos furiosos e todo quanto ha de cruel e de vergonhoso, ou de
vergonhosamente cruel ou de cruelmente vergonhoso, que se costuma celebrar nos
ritos desses deuses!”150. Isto mesmo poderia aplicar-se á
religião cristã, que tem muita menos sensibilidade moral nos nossos dias que a
sociedade civil. De fato, todas as conquistas dos direitos humanos fizeram-se
sempre afora do âmbito eclesial e com a sua decidida oposição. Critica que se
reduza a teologia civil, digna de culto observante, á teologia fabulosa, cheia
de indignidade e torpeza, de acordo com a qual se representam nas comédias a
desonestidade dos deuses, que faz difícil que os sacerdotes podam plasmar nas
suas cerimônias uma honestidade dos deuses que não existe. Existem mistérios “da
mai dos deuses, onde o adolescente Atis, por ela amado e feito eunuco a
impulsos do zelo mulheril, é chorado também pola infelicidade dos homes
castrados, aos que chamam galos”151.Aproveita esta
dissertação sobre os galos para condenar a castração. “Certamente, os que
fazem em secreto por meio dos castrados e efeminados eles os saberão; mas não
puderam ter ocultos a esses mesmos homes, desgraçada e torpemente enervados e
corrompidos”152.
Tácio consagrou
como deusa a Cloacina; Rómulo, a Pico e Tiberino; e Hostílio, a Pavor e Palor,
mas a questão é se se podem ter a estes por deuses e admiti-los no céu. Com que
liberdade falou Séneca dos ritos tão cruéis e torpes. “Tão grande é o
desvario da mente perturbado e afora de si, que pensam que aplacam os seus
deuses com a crueldade que não chegaram a praticar nem os homes mais cruéis e
desapiedados. Despedaçaram os tiranos os corpos de alguns em holocausto de
tirânica voluptuosidade, mais ninguém por ordem do seu senhor pôs as mãos sobre
si para deixar de ser varão. Eles despedaçam-se a si mesmos nos templos, e
rogam com as suas feridas e com o seu sangue”153. Falando de Tellus, a deusa romana da terra,
equivalente á grega Rea, também chamada Mater ou Terra Mater, da que procede
todo o referente ás sementes mortais e á prática da agricultura, Agostinho
posiciona-se várias questões em aras de demonstrar o absurdo dos mistérios em
honor á esta deusa Tellus ou Cibele, utilizando uma dobre vara de medir porque
a sua condena deveria estender-se á também á defesa do castração no seio da
Igreja católica, tanto a fisiológica como a espiritual, que produziu e produz
enorme sofrimento e perversão entre quem são obrigados a realizá-la: “Acaso
os galos castrados servem a esta grande deusa para significar que os que
carecem do sêmen han cultivar a terra, quando mais bem a sua servidão lhes faz
estar privados de sêmen? Se pois seguindo a esta deusa, se necessitam sêmen, o
adquirem; ou mais bem seguindo a esta deusa, se o têm, perdem o sêmen? É isto
interpretar ou maldizer? Não se considera quanto prevaleceram os demônios
malignos, que não ousaram prometer algo grande a estes mistérios, e puderam
exigir cousas tão cruéis. Se a deusa terra não existisse, os homes
aplicar-lhe-iam as suas mãos trabalhando, com a finalidade de conseguir sêmen
por ela: não martirizando-se para perder o sêmen por causa dela. Se a deusa não
existisse, faria-se fecunda com as mãos alheias, e não obrigaria ao home a
fazer-se estéril com as suas próprias mãos”154.
A deusa mai,
segundo Agostinho, superou a todos os deuses, salvo a Saturno, que mutilou ao
seu pai e matou aos seus filhos. Mas, inclusive nos seus mistérios puderam os
homes morrer a mãos alheias em vez de mutilar-se a si mesmo. “Mas esta
grande Madre dos deuses levou eunucos aos templos romanos, e conservou esta
crueldade e costume; com a crença de que ajudava as forças dos romanos,
amputando as partes viris dos homes”155. Jano não pode
comparar-se com ela em
crimes. Aquele acrescentava os seus membros com pedras, esta
os amputava nos homes. Tão-pouco se lhe pode comparar Júpiter, que somente
desonrou o céu com as corruptelas femíneas de Ganímedes; “aquela com tantos
invertidos profissionais e públicos, profanou a terra e ultrajou o céu”156.
Considera que
Varrão omite na sua descrição vários aspectos da Deusa Madre, como os
invertidos consagrados á Telus ou aos crimes desta, aspecto que ressalta
Agostinho, que critica igualmente o que acontece nos mistérios de Liber, deus
romano da fertilidade, viticultura e liberdade, equivalente ao romano Baco e ao
grego Dionísio, a quem se rendia culto nas bacanais, nas quais as sacerdotisas
convidam a multidão a ultrapassar as convenções sociais e sexuais. Numa cena
delas uma honesta matrona coroava as vergonhas viris á vista da multidão, e
noutra, fazia-se sentar a recém casada sobre o membro viril de Príapo, deus da
fertilidade. “Lá teme-se a maldição sobre os campos, aqui não se teme a
amputação dos membros; profana-se lá a vergonha duma recém casada, mas não se
lhe quita nem a sua fecundidade nem a sua virgindade; aqui, porém, amputa-se de
tal jeito a virilidade que não se converte em mulher nem segue a ser varão”157.
No cap. 25 do livro VII da Cidade de Deus, critica a castração de Atis,
que, segundo o filósofo Porfírio, simboliza as flores e foi castrado porque as
flores caem antes que o fruto. “Não foi, pois, ao home, ou quase homes, chamado
Atis, a quem compararam com a flor senão ás suas partes viris. Estas cairam
vivendo ele; melhor ainda; não caíram, nem foram cortadas, senão despedaçadas
de raiz; nem perdida aquela flor, houve fruto algum depois, senão seguiu a
esterilidade”158. Varrão forma-se um embrulho ao referir
os deus masculinos ao céu e os femininos á terra. “Telus é, con efeito o
princípio das deusas, quer dizer, a grande Mai, entorno á qual rumoreja a
insensata torpeza dos invertidos, mutilados, castrados e contorsionistas”159.
5.- A prática do castração desde o 431 até o Concílio de Arlés
5.1.- Antíoco,
Lausus, Elias e Escolâstico
Com o sucessor de
Arcádio, Teodósio II (401-450), o eunuco Antíoco (fl. 404-421)
converteu-se numa personagem rica e poderosa. Já exercera, como vimos, o posto
de cubiculário com Arcádio, e com o seu filho ascende a prepósito do cubículo
sagrado, e por tanto, chefe da câmara imperial,
arredor do ano 421.Administrou os assuntos públicos e recebeu o título
de patrício. Mas foi acusado de atitude dominante polo imperador, e, num acesso
de fúria, condenou-o por crime de lesa majestade, cessou-o seu cargo de
praepositus sacri cubiculi, ou grande chamberlain, confiscou-lhe os seus bens, incluído o seu
palácio em Constantinopla e obrigou-o a retirar-se á Igreja de Santa Eufémia em
Calcedônia, como monge, onde morreu.
O seguinte
prepósito do cubículo sagrado de Teodósio II foi Lausus ou Lausos (c. 400 e.c.
- c. 450 e.c.) que exerceu o cargo entre o 420 e 422. Fez-se famoso por ter
adquirido um palácio, que seria destruído polo fogo no ano 475, e uma extensa
obra de arte. No Concílio de Calcedônia cita-se ao eunuco e presbítero
Calopódio entre os que intercederam ao imperador em favor de Eutiques, e que
seria deposto polo bispo de Constantinopla Anatólio, e o historiador grego
Cedrino afirma que um tal Calopódio foi prepósito do cubículo sagrado com
Teodósio II, mas pouco se conhece da sua vida e nem sequer se estes dous são a
mesma pessoa. Cumpre não confundir este Calopódio com outro eunuco também do
mesmo nome que exerceu como eunuco na corte de Justiniano.
Durante o reinado
de Teodósio II, imperador do Império romano de Oriente (408-450), home
débil, dominado pola sua irmã maior Pulquéria, o eunuco Elías, exerceu
como criado da sua esposa a imperatriz Eudoxia (401-460). Era
monofisita, que viveu em
Terra Santa, onde atuou como ajudante de Pedro o Ibérico, por
quem foi curado. Durante o seu reinado teve grande influência o eunuco Escolástico,
que foi subornado por Cirilo, com a entrega de muitas libras de ouro por
parte do patriarca Cirilo de Alexandria (376-444), assassino da filósofa
Hipátia (355-415/416), suborno do que o imperador descobriu a prova entre os
seus papeis após a sua morte. Este
grande quantidade de ouro seria reposta ao erário público polo sobrinho de
Cirilo, Paulo, filho do seu irmão menor, e Cônsul dos Consistórios.
5.2.- Crisáfio
(408-450)
Entrou mui novo ao
serviço de Elia Eudóxia, esposa do imperador,
e, de seguida, prevalendo-se da sua astúcia e habilidade negociadora, começou
a escalar postos na administração até ascender ao mais elevados na corte
chegando a primeiro ministro de Teodósio II, pouco dotado como negociador, que
o admirava pola sua beleza.
Vítima dos seus
ciúmes com o poeta Ciro, natural de Pentapolis, no Egito, mui popular na
cidade, no ano 441 propôs-se neutralizá-lo nomeando-o bispo de Cotieu, na
Frígia, onde foram linchados os quatro últimos hierarcas eclesiásticos, mas
Ciro sobreviveu e retornou a Constantinopla no ano 451, após a morte de
Crisáfio. No ano 443 é nomeado prepósito do cubículo sagrado, na prática
ministro-chefe de Teodósio II.
Em 443, ascende ao
posto de prepósito do cubículo sagrado que controlava o corpo dos cubiculários,
normalmente também eunucos e era o responsável da câmara imperial, do vestiário
e recepção. A sua proximidade ao imperador deu-lhe um grande poder e atuava de
fato como o grande camarista (chamberlain) de palácio, espécie de primeiro
ministro, hierarquicamente subordinado ao imperador. Viu-se envolto numa trama
contra Élia Pulquéria, irmã do imperador, á que conseguiu expulsar da Corte; e,
a seguir, acusou a imperatriz de adultério com um amigo da infância do
imperador, Paulino, que provocou o seu banimento no ano 444, ficando ele como
governante plenipotenciário do império.
Em 447 Atila, rei
dos hunos, chegou ás muralhas da cidade de Constantinopla, ameaçando gravemente
o coração do império. Intentou corromper a Edeco, chefe dos esciros e pai de
Odoacro, para que assassinara a Atila, mas o plano terminou por fracassar por
negar-se este a atraiçoar ao seu chefe Atila.
Este, como castigo, exigiu a cabeça de Crisáfio, e só lhe perdoou por
uma forte contrapartida em dinheiro, cada ano mais elevada. Estas compensações
econômicas, conjuntamente com a sua rapina, dessangraram o erário público.
Crisáfio teve como
padrinho do batismo o archimandrita de Constantinopla, Eutiques (380-456), ao
que ele pretendia colocar na sede episcopal de Constantinopla, para assim
incrementar o seu poder político, mas fracassou no intento e foi Flaviano o
elegido no ano 447, ao tempo que Eutiques foi condenado como herege pola Igreja
por afirmar que em Cristo se dava uma fusão de elementos humanos e divinos.
Como fruto das suas intrigas chegou a acumular por subornos uma grande fortuna,
ao tempo que depauperava a população sobrecarregando-a de impostos e fazendo-se
odioso para ela. Também lhe exigiu um suborno a Flaviano, mas este, a quem
apoiava Pulquéria, negou-se a pagá-lo.
Quando morre
Teodósio desencadeou-se uma luta polo poder, na que a sua irmá, a continente
Pulquéria (450-453), se apresentava como a única contendente de Crisáfio, uma
vez que fora banida Eudóxia, acusada de adultério. Crisáfio era o chefe da
facção dos verdes, que apoiara a Teodósio II, enquanto que Marciano, capitão da
guarda, tribuno e senador, apoiava a facção dos azuis. Impôs-se a irmã do
imperador, que casa com Marciano (450-457), também inimigo de Crisáfio, ao que
nomeia imperador-consorte, com a promessa de respeitar a sua castidade.
Marciano ordenou
que Crisáfio comparecesse perante um tribunal para dar conta dos seus crimes, e
no caminho foi apedrejado pola multidão exacerbada e os seus bens foram
confiscados. Negou-se a continuar pagando o tributo a Atila, e este, consciente
de que não poderia tomar Constantinopla, dirige-se ao ocidente.
5.3.- Os eunucos
durante o reinado de Valentiniano II
No Império de
Ocidente, Valentiniano III (419-455), filho de Constâncio III (360-421)
e de Gala Placídia (392-450), namorou-se
loucamente da esposa de Petrónio Máximo e matinou em como coabitar com ela. A
este efeito, jogou ás cartas com ele e depois de ganhar pediu-lhe, como
convieram, o seu anel em prenda, que lho enviou á sua mulher e lhe disse que vinhesse a Palácio
para falar com a imperatriz. Quando chegou levaram-na a um quarto afastado do
da imperatriz Eudóxia, onde o rei a violou. Máximo decide tomar represálias
contra o Imperador fazendo-o morrer, mais antes tinha que desfazer-se do
obstáculo que para ele representava o general Flavio Aécio.”Ele empregou
pois os artifício dos eunucos da corte, para fazer crer a Valentiniano que
Aécio planeava uma revolta. Este príncipe deixou-se persuadir o que estas
infâmias lhe inventavam, pois só sabia que Aécio era um home de talento e
nobre; e assim fê-lo morrer. Diz-se que um romano disse uma palavra acertada a
este propósito. Tendo-lhe perguntado o Imperador que lhe parecia a morte de
Aécio, respondeu que não podia dizer, se nisto obrara bem ou mal, mas que
estava seguro que fizera a mesma cousa que se com uma mão cortasse a outra”160.
Gala Placídia teve entre os eunucos de Palácio a Lauricio (fl. 423-443),
que também exerceu como chamberlain de Valentiniano III. Construiu uma tomba
para ele próprio num mosteiro anexo á Igreja de São Lourenço, em Ravena, a uns 600 metros da porta
principal do bairro de palácio.
5.4.- Concílioa de
Seléucia e Arlés
Num suposto
Concílio celebrado em Seléucia-Ctesiphão, capital do Império Sasánida de
Pérsia, também chamado Concílio de Mar
Isáac, no ano 410, reitera-se o posicionamento da Igreja a respeito dos
eunucos. A Igreja volve reiterar a
denegaçãodo aceso ao sacerdócio aos auto-emasculados no Concílio de Arlés do
ano 452, no que estabelece que “Aqueles que sem ter-se resistido ao vício da
carne, se castram, não podem formar parte do clero”161.
Não se pronuncia a respeito dos laicos. Por conseguinte, não se proscreve a
castração senão que somente se proíbe que os que se castram a si mesmos
voluntariamente podam aceder ao sacerdócio, mas não os que são castrados por
outros, com o qual se abre a porta pequena para que continuem exercendo o seu
ministério apesar desta prática, que seguiu sendo tolerada no seio da Igreja.
Existia nesta instituição uma tendência á castração, seguindo o conselho de
Jesus, e a manter esta prática em segredo, que os mesmos hierarcas não eram
capazes de eliminá-la, o qual suscitava o perigo de que se coasse alguma mulher
ao papado, como, supostamente passou com a papisa Joana, que ocupou a sede
papal, com o nome de Bento III, do ano 855-858, de tal modo que em Roma, no
processo de eleição papal, os candidatos deveriam superar uma prova de
masculinidade, trás a qual, se a superavam, o comprovador anunciava aos
cardeais presentes: «Duos habet et bene pendentes».
1 At. 8, 27-39
2 Is. 56, 5.
3 Mt. 5, 29: Cf. Mt. 18, 9.
4 JUSTINO, I apologia, 29, 2-5.
5 ATENÁGORAS, Legação em favor dos
cristiáns, 33.
6 HIPÓLITO DE ROMA, Tradição Apostólica, Parte
II, 16, 3-5.
7 HIPÓLITO DE ROMA, TradiçãoApostólica, Parte
II, 16, 20.
8 HIPOLYUS OF ROME, Refutation of all heresies,
Liv, V, cap. III, p. 99, em
www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus
9 HIPOLYUS OF ROME, Philosophumena, Liv, V, 7,
em www.forgottenbooks.com/...pdf/
10 HIPOLYUS OF
ROME, Refutation of all heresies, Liv, V, caps. II e III, em
www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus
11 HIPOLYUS OF
ROME, Philosophumena, Liv, V, 9, 10-11, em
www.forgottenbooks.com/...pdf/
12 HIPOLYUS OF
ROME, Refutation of all heresies, Liv, IX, cap. VII, p. 236, em www.documentacatholicaomnia.eu/.../0180-0254,_Hippolytus_Romanus.
Cf. HIPOLYUS OF
ROME, Philosophumena, Liv, IX, 12, em
www.forgottenbooks.com/...pdf/
13 CLEMENTE DE
ALEXANDRIA, Stromata, Lib. I, 15
14 BARDAISAN, O
livro das leis do aís, 45.
15 CLEMENTE DE
Alexandria, Strómata, lib. III, XVII, 102.
16 CLEMENTE DE
Alexandria, Stromata, Lib. III,
13, 91.
17 CLEMENTE DE
ALEXANDRIA, Stromata, Lib. III, 13, 92
18 TOUGHER,
SHAUN, The eunuch im antiquity and Beyond, The classical press of WaLes, 2002,
p. 128.
19 CLEMENTE DE
ALEXANDRIA, Stromata, Lib. III, 13, 92
20 HORT, FENTOM
JOHM ANTHONY (1911). "Basilides, Gnostic sect founder". Im Wace,
Henry; Piercy, Wilhiam C. Dictionary of Christiam Biography and Literature to
the End of the Sixth Century (third ed.). London: Johm Murray.
21 Concílio local
em www.holytrinitymission.org/books/.../canones_concílios_locales.htm
22 Cânon LI, em
www.voskrese.info/spl/Xapost-cano.htmlý
23 Atos de
João, 52-53.
24 Eusébio DE CESAREA, Historia
Eclesiástica, lib. V, cap. 24, 5.. Cf. São JEROME, De viris ilustribus, cap.
45.
25 CLEMENTE DE
ALEXANDRIA, Pedadogo, Lib. III, 3.
26 CLEMENTE DE
ALEXANDRIA, Pedadogo, Lib. III,
4, 26.3. Cf. Lib. III, 29, 2.
27 CLEMENTE DE
Alexandria, Protreptico, II, 14.
28 CLEMENTE DE
Alexandria, Protreptico, II, 24, 1.
29 CLEMENTE DE
ALEXANDRÍA, Stromata, Lib. III, 1
30 TOUGHER,
SHAUN, The eunuch im antiquity and Beyond, The classical press of WaLes, 2002,
p. 125.
31 TERTULIANO, Ad
uxorem, I, 6.
32 TERTULIANO, De
cultu feminarum, II, 9, 6-7.
33 TERTULIANO, De
cultu feminarum, II, 9, 8.
34 TERTULIANO, O veu
das Virgens, X
35 TERTULIANO, Exhortação
á castidade, XII.
36 TERTULIANO, Adversus
Martinonem, I, 1.
37 TERTULIANO, Adversus Martinonem, I,29.
38 TERTULIANO, Da monogámia, I, 4.
39 TERTULIANO, De
Monogamia, Cap. III,
1-3.
40 SÃO PAULO, 1
Cor. 7, 25.
KUEFLER, MATHEW, The manly eunuch, The
University of Chicago Press, 2001, p. 259.
42 TERTULIANO, De
Monogamia, Cap. III, 1-3. Cf.
KUEFLER, MATHEW, The manly eunuch, The University of Chicago
Press, 2001, p. 266.
43 TERTULIANO, De
Monogamia, Cap. VII, 4.
44 TERTULIANO, De Monogamia, Cap. V, 7.
45 TERTULIANO, De Monogamia, Cap. VIII, 4-5.
46 ORÍGENES, Comentário
ao evanxelho de Mateo, 15, 3.
47 EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion,
4.38.1.4-1.7.
48 Mt. 18, 8.
49 EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 2, 1-2.2.
50 EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 2, 4.
51 EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion, 3, 1
52 EPIFANIO DE SALAMINA, Panarion,
4.5-4.7.
53 EPIFANIO DE
SALAMINA, Panarion, 4.11. Cf. SANTO AGOSTINHO, As heresias, 37.
54 EPIFANIO DE
SALAMINA, Panarion, 1.1-1.3.
55 ORÍGENES, Comentário
ao evanxelho de Mateo, 15, 3.
56 ORÍGENES, Comentário
ao evanxelho de Mateo, 15, 5.
57 Eusébio DE
CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 1-2.
58 Hstory Of
The Councils Of The Church, Vol. 1 a 5, CAP. II, Sec. 4, HEFELE, CHARLES JOSEPH, em
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtmlolumes.
59 Eusébio DE
CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 4.
60 Eusébio DE
CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 3.
61
Eusébio DE CESAREA, Historia Eclesiástica, lib. VI, 8, 4.
62 ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes,
Lib. V, 5, 1-4-6, 1-6.
63 ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes,
Lib. V, 5, 16, 1-6.
64 ARNÓBIO DE CICCA, Adversus nationes,
Lib. V, 5, 17, 1-3.
65 EUSÉBIO DE CESAREA, Historia Eclesiástica,
lib. VII, 32, 2-3.
EUSÉBIO DE CESAREA, Historia Eclesiástica,
lib. VIII b, 7, 4.
67 EUSÉBIO DE CESAREA, Historia eclesiástica,
10, 5, 23.
68 SÓCRATES, História
eclesiâstica, Liv. V, introducião.
69 EUSÉBIO, História
eclesiâstica, 8,17,1 ss; 10, 5, 2. Vie de Constantin, 3, 25 ss; 4, 62.
LACTÂNCIO, De mortibus persecutorum, 34; 48. Liber Pontificalis. Vita
Silvestri. Código Teodosiano, 16, 10, 1.
70 Eusébio, Hsitoria
eclesiástica, VII, cap. 22, 3.
71 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 32.
SOZOMENO, Historia Eclesiástica, Lib.
VIII, cap. XXIV.
73 Codicis domini
nostri iustiniani sacratissimi principis repetitae praelectionis, Lib. IV, 4.42.1. Cf.
(Const. M. Opera. Migne Patrol. vol. VIII., 396.).
A Hstory Of The Councils Of The Church,
Charles Joseph Hefele D.D., Volumes 1 to 5 , The so called Apostolic Canons,
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
75 SOZOMENO,
Historia eclesiástica, lib. II, Cap. IX.
76 Foxe's Book of
Martyrs -13. Peresecutiom im
Persia, www.exclassics.com/foxe/foxe15.htm13.
77 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMEN, Historia eclesiástica, II, 2. Cf. SOZOMEN, Historia eclesiástica, III, 1.
78 HEFELE D. D.
CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Sec.
53, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
79 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, IV, 12.
80 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, IV, 16.
81 TEODORETO DE
CIRO, Historia da Igreja, Lib.
II, 16.
82 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, II, 10.
83 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, Lib. II, 2, 5-6. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, Lib.
III, 1-4.
84 ZOSIMOS, Historia
nova, Lib. II.
85 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 35.
86 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 36.
87 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 37.
88 TEODORETO DE
CIRO, Historia da Igreja, Lib.
II, cap. 16.
89 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 41.
90 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 41.
91 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VI, 43.
92 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 51.
93 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 58.
94 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VII, 60
95 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VIII, 68.
96 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, VIII, 75.
97 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III, 1.
98 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III, 1.
99 SÓCRATES, Historia
eclesiástica, VI, 15. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica, III,
1; V, 5.
100 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos,
I, 4.
101 HEFELE D. D.
CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Liv. IV, Sec. 58, em www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
102 TEODORETO DE
CIRO, Historia da Igreja, Lib.
II, 24.
103 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos,
III, 20.
104 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos,
IV, 28.
105 HEFELE D. D.
CHARLES JOSEPH, A History Of The Councils Of The Church, Vol. 1-5, Liv. V, Sec. 73, em
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
106 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, IV, 12.
107 SANTO
ATANÁSIO, Historia dos arianos, V, 38.
108 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, VI, 5.
109 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, VI, 5.
110 A History Of
The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., The second General
Council at Constantinopla, Secção 95,
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
111 A History Of
The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., The second General
Council at Constantinopla, Secção 99,
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml
112 SOZOMENO, Historia
eclesiástica, VII, 12.
113 SÓCRATES DE CONSTANTINOPLA, Historia eclesiástica,
V, 25. SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 22.
114 SOZOMENO, Historia eclesiástica, VII, 22.
115 ZOSIMOS, Historia nova, lib. V.
116 SÓCRATES DE
CONSTANTINOPLA, Historia eclesiástica, VI, 8. Cf. SOZOMENO, Historia eclesiástica,
VIII, 8.
117 ZOSIMOS, Historia
nova, lib. V.
118 ZOSIMOS, Nea
historia, lib. V.
119 ZOSIMOS, Nea
historia, lib. V.
120 ZOSIMOS,
Nea Historia, Lib. V, 43.
121 ZOSIMOS, Nea
historia, Lib. V.
122 ZOSIMOS, Nea
historia, Lib. V.
123 PROCÓPIO DE
CESAREA, Historia da guerra dos vândalos, Lib. I, cap. 2, 4.
124 PRUDÊNCIO,
AURELIO, «Contra Símaco », Lib. I, 165-189 em Obras Completas,
BAC, Madrid, 1981, p. 380/381.
125 PRUDÊNCIO,
AURELIO, «Contra Símaco », Lib. II, 862-864 em Obras Completas,
BAC, Madrid, 1981, p. 460/461.
126 PRUDÊNCIO,
AURELIO, «Hamartigénia », 957 em Obras Completas, BAC, Madrid, 1981,
p. 302-303.
127 The Life of
St Pelagia the Harlot by Jacob the Deacon, caps. 13-14.
128 SANTO
AMBRÓSIO, De viduis, 13, 75.
129 SANTO
AMBRÓSIO, De viduis, 13, 76.
130 SANTO AMBRÓSIO, De viduis, 13, 77.
131 JEROME, Carta
a Eustóquio, 22, 27.
132 KUEFLER,
MATHEW, The manly eunuch, The University of Chicago, 2001, p. 261.
133 JEROME, Contra
Joviniano, Lib. I, 12, 256.
134 JEROME, Contra
Joviniano, Lib. I, 12, 256-257.
135 JEROME, Contra
Joviniano, Lib. I, 13, 258.
136 JEROME, Contra
Joviniano, Lib. I, 36, 295.
137 JEROME, Comentário
a Mateo, Lib. III, 168 (16,13-22,40) em Obras Completas,
BAC, II, Madrid, 2002, p. 258
138 JEROME, Comentário
a Mateo, Lib. III, 168 (16,13-22,40) em Obras Completas,
BAC, II, Madrid, 2002, p. 258
139 JEROME, Comentário
a Isaías,, Lib. XV, 633, em Obras Completas, BAC, VIb, Madrid,
2007, p. 222.
140 JEROME, Comentário
a Isaías,, Lib. XV, 634, em Obras Completas, BAC, VIb, Madrid,
2007, p. 224.
141 JEROME, Contra
Xoviniano,, Lib. I, 271, em Obras Completas, BAC, VIII, Madrid,
2010, p. 226.
142 JEROME, Epístola
CVII, 11.
143 SANTO
AGOSTINhO, Confissões, Lib. VIII, cap. 1, 2.
144 SANTO
AGOSTINhO, De sancta virginitate, 23.
145 SANTO
AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.
146 SANTO
AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.
147 SANTO
AGOSTINhO, De sancta virginitate, 24.
148 SANTO AGOSTINhO, De sancta virginitate, 25.
149 SANTO
AGOSTINhO, De sancta virginitate, 25.
150 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. II, 7.
151 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 7.3.
152 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 7.3.
153 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VI, 10.
154 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 24.2.
155 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 26.
SANTO AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv.
VII, 26.
157 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 24.2.
158 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 25.
159 SANTO
AGOSTINhO, A cidade de Deus, Liv. VII, 28.
160 PROCÓPIO DE
CESAREA, Historia dos guerras dos vândalos, Lib. I, cap. IV, 4.
161 A History Of
The Councils Of The Church, CHARLES JOSEPH HEFELE D. D., Liv. X, sec. 164, em
www.ecatholic2000.com/councils/untitled-66.shtml