A nação, por Castelao |
O jornal El
País, veio publicando nestes dias passados uma série de artigos sobre a
nação e a pátria com o objetivo de desacreditar o nacionalismo catalão,
amparando-se na liberdade de expressão, que é capaz de carregar com toda a
deformação e tergiversação para procurar os próprios objetivos. Um destes
artigos estava assinado por Felix Ovejero, professor da Universidade de
Barcelona, titulado «Pátrias e fronteiras», do que o jornal destaca a seguinte
manifestação: “Frente á idéia da nação republicana, território político
comum dos compatriotas, levanta-se a nação sustida sobre a identidade, que
exclui aos cidadãos que discrepam”. Alude, por tanto, á tradicional
diferença entre a noção de nação emanada da Revolução Francesa, concebida como
um povo formado por todos os indivíduos que o compõem, independentemente da sua
etnia de procedência, e a noção alemã, baseada nos fatos diferenciais, quer
dizer, nos caracteres identitários da língua, cultura, território, economia,
religião, etc. A noção de nação proveniente da França revolucionária de
integradora não tinha nada, e foi proposta com o propósito de estabelecer uma
comunidade nacional por acima das diferenças e traduziu-se, na prática, no
maior centralismo e etnocídio cultural da história, que propiciou a eliminação
de todas as línguas salvo o francês e para criar um centro único macrocefálico
de poder, criação e irradiação cultural, que seria após imitado pola Espanha
borbónica. Frente a esta idéia de nação, pretensamente integradora mas na
pratica laminadora das diferenças, pois a única integração digna de tal nome é
a voluntária, levanta-se por parte de Fichte, a raiz da derrota de Alemanha
ante França, na guerra de Jena do ano 1806, a idéia de nação étnica, com a finalidade
de levantar os ânimos do povo alemão nesta etapa de desmoralização. Foi uma
idéia de nação de carácter defensivo, que após se vai propalar por Europa, e
também, naturalmente, por Galiza, mas já complementada com os ingredientes
subjetivos da consciência e o sentimento nacional de P. S. Mancini.
A formulação de
Ovejero, como opiniões próprias, não haveria nada que objetar se não se
utilizasse com objetivos espúrios, identificando a Espanha com a defesa da
idéia da nação republicana e a Catalunya com a da defesa duma nação identitária
de carácter reacionário . Não deixa de ser curioso que se pretenda argumentar
em contra da realidade que um está observando e padecendo a diário. Espanha, em
primeiro lugar, não foi nunca, salvo em períodos excepcionais e mais bem
anedóticos e mui breves, uma república, porque já se encarregaram as forças
reacionárias, e principalmente o nacionalismo espanhol de direitas, de fazê-la
inviável. Em segundo lugar, foi sempre, e ainda o é hoje, sumamente excludente
e negadora dos direitos fundamentais dos povos, como o de autodeterminação, de
expressão da sua vontade política, de expressar-se na própria língua, de
controlar os próprios recursos, de decidir sobre a própria cultura, etc. Não
tem, por conseguinte, nada de integradora senão que é fundamentalmente
impositiva e etnocida. Que mais negação dos direitos dos povos que pretender
espanholizar aos meninos catalães? Há muitos meninos catalães, vascos e galegos
que não são capazes de expressar-se na sua própria língua, mas não há nenhum
menino catalão, vasco ou galego que não fale espanhol. Mas, surpreendentemente,
isto não é satisfatório para os hierarcas espanhóis, que parece que somente
estariam satisfeitos com a eliminação total das línguas periféricas. O problema
fundamental que tinha Galiza com o bipartito era, segundo parece, que falava
muito em galego, e, por isso, já o PP se encarregou de pôr as cousas no seu
sítio. Tenhamos em conta, por outra parte, que a guerra civil se desencadeou
para lutar, em primeiro lugar, contra o demonizado separatismo, do qual são
expoente os milhares de patriotas mortos, e, em segundo lugar, contra o
comunismo.
Em terceiro lugar,
o status histórico normal de Espanha foi a ditadura e não a democracia,
inclusive a democracia deturpada como é a atual, na que nem sequer funciona a
divisão de poderes. Somente foi esporadicamente democrática, e inclusive a
qualidade da democracia atual é totalmente insatisfatória Os trinta e oito anos
do regime da Restauração não se podem considerar como democráticos, nem muito
menos os seis anos da ditaduras de Primo de Rivera e o quarenta do regime
franquista. Hoje mesmo, quem se atreve a afirmar que é democrático que a
cidadania dum povo não pode ser consultada sobre o seu futuro?
Diz o Sr. Ovejero
que “Nenhum Estado, razoavelmente democrático, rouba”. O Estado é uma
entidade abstrata e, como tal, não rouba, mas si que podem roubar os que o
controlam. Creio que estas manifestações deveriam ser evitadas polo menos num
momento em que a cidadania constata estupefata como foram expropriados os
recursos públicos por parte dos administradores do estado. Não é roubo também
perdoar dinheiro somas quantiosas de dinheiro ás elétricas, que após se vem
obrigados a pagar os cidadãos para suster os serviços publicos? Quiçá no dia de
hoje a corrupção política no Estado espanhol é das maiores de Europa, sem que
existam disposições legais eficazes para combatê-la, porque não se quer
fazê-lo. Os administradores do Estado de fato também favorecem a umas pessoas
determinadas e drenam os recursos doutras, como se põe de manifesto polas
crescentes desigualdades entre as oligarquias e a cidadania, e não vale como
justificação que são leis democráticas. Não é suficiente que uma lei seja
controlada por um governo que se diz democrático, porque ainda os governos mais
democráticos podem impor leis que atentam contra os direitos dos cidadãos e dos
povos. Estes últimos não só não são respeitados no Estado espanhol senão que
são duramente combatidos e anatematizados por parte dos dirigentes estatais,
que os únicos direitos dos povos que reconhecem são os do povo espanhol, único
ao que se lhe reconhece o direito de soberania e de decisão.
Aliás, o
nacionalismo espanhol não se pode dizer que não seja identitário, porque uma
das suas medidas políticas estratégicas está cifrada na difusão da língua e
cultura espanhola polo mundo, a través do Cervantes. Nem tão-pouco se pode
afirmar que os nacionalismos vasco, catalão e galego sejam somente
identitários, porque defendem a integração de todos os cidadãos que vivem nas
suas comunidades e não somente os dos que falam as suas respectivas línguas.
Não são menos democráticos que o espanhol, senão ao revês, nem se pode afirmar
que os nacionalismos que ele denomina identitários são reacionários, porque a
existência de partidos ERC, Bildu, BNG, são prova do contrário.
O conceito de
«unidade de destino», é produto da concepção voluntarista da nação que tem a
sua origem na Revolução Francesa que, ao não dispor de elementos identitários,
o francês somente era falado polo quarenta por cento da população, criou uma
noção que lhe permitisse submeter a povos diversos em cultura, língua, etc.
Renan aceitou esta noção de nação sob a forma de “plebiscito quotidiano”,
e utilizou-a para defender a incorporação de Alsácia e Lorena, de fala alemã, a
França. Esta teoria será aceitada por Ortega e Gasset que afirma, em Espanha
invertebrada, que “no secreto inefável dos corações faz-se todos os dias um
fatal sufrágio que decide se uma nação pode de verdade seguir sendo-o”,
expressão que se reduz a pura mística sem sentido mas que será aproveitada por
ele para afirmar a espanholidade de Catalunya, Euskadi e Galiza. Como «unidade
de destino no universal» foi proposta por Otto Bauer, e incorporada por Prat de
la Riba e mais
tarde por José Ortega e Gasset, sob a forma de «destino histórico», «destino
comum», «comunidade de destino», de quem a tomou José António Primo de Rivera,
que se servia dela para negar os direitos do povo catalão e o seu anseio de
submetê-lo á autoridade espanhola, porque não aceitava, segundo ele, essa
unidade de destino no universal. Em Prat de la Riba não tinha estas conotações imperialistas.
Por tanto, cada povo assume a concepção que lhe parece mais ajeitada para a
defensa dos seus interesses. Os ideólogos espanhóis defendem o que eles chamam
uma noção integradora da nação porque isso lhe permite justificar o seu domínio
sobre as nações periféricas. Os catalães insistem muito na vontade dos cidadãos
enquanto que Risco e Castelao punham o acento principalmente nos caracteres
nacionalitários objetivos: língua, cultura, ..., se bem também tiveram presente
o aspeto voluntarista, fondamente democrático no rianjeiro.
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