9 may 2017

A monarquia em Ortega (III)



Crítica do anti-regionalismo da Monarquia

               No artigo anterior «A monarquia em Ortega (II)», vimos que o seu posicionamento passou da apoiar a monarquia, também durante a ditadura de Primo de Rivera com a contemporizou, a descolgar-se dela para não ficar isolado e em 1929 deu um giro de cento oitenta graus e decreta em tom solene «Delenda est monarquia», cumpre borrar a monarquia. A partir desse momento manifesta-se critico com ela e adere á causa republicana, mas tampouco durará, nesta ocasião, a sua fidelidade com a República.
               Para focar as afirmações de Ortega sobre a monarquia durante a II República cumpre ter presente que o seu bisavó materno, o pontevedrês Eduardo Gasset Artime, foi governador civil de Pontevedra, ministro de Ultramar no governo de Ruiz Zorrilla e fundador do jornal El Imparcial; o seu tio, Rafael Gasset Chinchilla foi diretor de El Imparcial, deputado por Padrão e ministro em vários governos da Restauração; o seu pai, José Ortega Munilla foi também deputado por Padrão, diretor de El Imparcial e membro numerário da Real Academia Espanhola: o seu tio, Eduardo Gasset Chinchilla foi deputado por Noia; outro dos seus tios, Ramón Gasset Chinchilla, foi deputado por Arzua, e José Gasset Chinchilla, por Ordes. Rafael e José Gasset Chinclhilla eram acionistas da Sociedade Editorial de Espanha, vulgarmente conhecida como o «trust», que publicava, além de El Imparcial, El Liberal e Hertaldo de Madrid.  
               Espanha depende hoje -fevereiro 1931- das províncias, mas a política da Monarquia consistiu em inutilizar os esforços, entusiasmos e inquietações dessas grandes capitais, aproveitando contra elas a inércia provincial; pensava que esmagaria a hostilidade das grandes capitais onde havia eleição autêntica com a docilidade da província onde os votos eram ficção. Se soubesse que nos distritos rurais se ia votar com independência e dum jeito consciente não se permitiria a violação de todas as leis e o abuso de todos os usos. Agora mesmo -vésperas das eleições do dia 14 de abril- que as províncias referendam os candidatos do Ministério da Governação1, as suas críticas contra a Monarquia ressoam fortes e rijas, mas dá a impressão, igual que com a Ditadura, de que fossem instituições que começassem a prevaricar recentemente, que não tivessem uma história detrás, porque Ortega que conviveu com ela deveria ter visto todas estas tropelias com anterioridade e denunciá-las em aras de profissão da verdade, que ele destaca como caraterística do filósofo. "Compreendeis que a vida pública contemporânea são a representação e as eleições que a criam o sacramento radical da vida civil. Abusar dele, burlá-lo, envilecê-lo, é, pois, o sacrilégio maior que dentro da esfera humana se pode cometer. Pois bem, isso fez conscienciosamente, uma e outra vez, durante cinquenta anos o Poder público da Monarquia. E se fez isto naquele ponto da atuação civil que é raiz sagrada de toda a legalidade estatal, calcule-se o que fez ao manejar todas as demais leis. Conta-se a um estranho e não o crê: que o Poder público, ele mesmo, empregue abusivamente as suas próprias leis, as desvirtue, vilipendie e prostitua- é cousa, com efeito difícil de crer, mas é a história do Estado espanhol durante meio século"2. Estas duras acusações contra os atos reiterados da Monarquia, cometidos durante tanto tempo, sendo ele Expectador privilegiado da vida nacional, que até datas recentes flerta publicamente com o Regime, quando muitos dos seus companheiros o denunciam publicamente e são duramente represaliados por isso, denota uma personalidade acomodatícia que busca sacar talhada da circunstância política e nunca uma ânsia profética de denuncia séria duma situação de corrupção generalizada, que foi a tônica predominante no Estado espanhol.
               E continua o denominado por alguns o «maior filósofo espanhol»: "Se as províncias eram inertes e não sabiam exercitar o sacramento do voto, deveu a Monarquia reformar cem vezes o procedimento eleitoral até conseguir que o espanhol se curasse da sua viciosa desídia. Deveu fazer todo o imaginável antes que consentir a perduração desse abandono, todo -menos acomodar-se a ele, menos contar com o vício e o desonra do cidadão negligente e chegar inclusive a beneficiar-se dela. Por ter-se conduzido assim, gravita sobre a Monarquia de Sagunto uma gigantesca responsabilidade que não costuma ser perdoada polo Poder misterioso e excelso que rege o sino da história"3. Este texto dá a sensação de que ou Ortega não se inteirava de nada ou dá mostras dum cinismo superlativo, porque toda a sua família esteve implicada, apoiou esse estado de cousas e beneficiou-se dele. Creio que deveria evitar expressões como “o vício e o desonra do cidadão negligente”, porque isso implica trasladar ao cidadão os males que o regime corrupto da Restauração lhe produziu à própria cidadania, pois se o cidadão não votava era porque o sistema, premeditadamente, não contava com ele, além de ter estabelecido um procedimento eleitoral corrupto que amanhava as votações no Ministério do Interior. Agora chega mais á ferida do clássico abstencionismo provinciano, superando as pseudo-explicações que vertera em La redención de las provincias, quando fazia radicar o desinteresse dos cidadãos de província polo Parlamento espanhol, em aras de fundamentar o regionalismo, no seu ruralismo, na incapacidade de compreender as noções abstratas de liberalismo, tradicionalismo, democracia, conservantismo, etc. fazendo dos provincianos seres antediluvianos incapazes de razoamento abstrato e unicamente guiados por interesses concretos imediatos, fronte aos ilustrados capitalinos e os seus assimilados das grandes urbes hispanas.
               A República -diz Ortega- significa não só a eliminação da Monarquia senão a reforma radical de todas as demais instituições tradicionais, com objeto de que uma Espanha empreendedora e triunfante entre no tempo novo que se está a preparar em todo o planeta. Se antes tinha afirmado que o futuro é uma forma nova de Monarquia, agora tem que reconhecer que media Europa -março 1931- se compõe de repúblicas recentíssimas, ainda não seguras da sua perduração. Evidentemente que a espanhola não perdurará precisamente pola traição de muitíssimas pessoas como ele. "Em nenhuma etapa histórica caíram juntas mais Monarquias. Onde a Monarquia se conservou, como em Itália, o câmbio de «forma de governo» foi ainda mais radical, porque não é aceitável chamar «forma de governo» ao facto de que subsista a figura dum Rei"4. Hoje Espanha quer tomar na sua mão a direção dos seus destinos, pero isto não convém á instituição monárquica "que não soube nunca fundir-se com a totalidade dos espanhóis e é mais bem gerente duma sociedade de socorros mútuos formada polos altos dignitários eclesiásticos..., pola alta banca..., polos hierarcas militares, polos «aristocratas». Esses poucos centenas de pessoas pretendem que inteira uma raça antiga e ilustre viva subordinada ao seu arbítrio, o qual, sobre ser egoísta, demonstrou ser todo menos genial"5. Não sei se consciente ou inconscientemente esqueceu as elites econômicas e mediáticas e os seus gerentes políticos , entre os quais figuraram sempre a sua família.
               Em abril, antes das eleições municipais, o partido fundado por ele, a «Agrupación al Servicio de la República» dirige-se aos eleitores de Madrid para solicitar o voto para a candidatura republicana, porque o regime monárquico tem periclitado o seu ciclo, e não "há probabilidade nenhuma para que o regime monárquico possa chegar a criar uma nova ordem e uma nova paz no nosso país. Nenhuma inquietação popular estorvou durante médio século a atuação da Monarquia. ...no futuro não poderá ja suster-se senão como nestes últimos anos: apelando aos Poderes mais anormais, acumulando violências, barbarizando a existência espanhola"6.

Advento da República e crítica da Monarquia

               Ortega aderiu entusiasmado à República que conseguiu “A tranquilidade fertilíssima que hoje goza Espanha, a plenitude de possessão histórica”7, por mais que reconhece que pouco contribuiu à sua instauração8. Ante a queima dos conventos de 11 de maio de 1931, a Asociación al Servício de la República emite uma nota de condena na que manifesta que “Queimar, pois, conventos e igrejas não demonstra nem verdadeiro zelo republicano nem espírito de avançada, senão mais bem um fetichismo primitivo ou criminal que leva o mesmo a adorar as cousas materiais que a destruí-las. O facto repugnante avisa do único perigo grande e efetivo que para a República existe: que não acerte a desprender-se das formas e retóricas duma arcaica democracia em vez de sentar-se desde logo e inexoravelmente num estilo de nova democracia”9.  Contudo, ainda no mês de junho considera que o balanço da República é muito satisfatório. “A República espanhola tem a estas horas no seu haver uma façanha enorme, fabulosa, inverossímil, única no mundo, que devia ter bastado por si só para compensar quantos outros erros menores possam ter-se cometido; esta façanha é a de Azaña: a redução radical do Exército”10. Apesar da antipatia e hostilidade que lhe professa Azaña, reconhece nele “um home de grande talento, dotado, ademais, de condições magníficas para o governo”11.
               Sobrevinda a República o 14/04/1931, Ortega se reclui no seu rincão, ausenta-se “deliberadamente da intervenção na marcha das cousas12, para deixar o protagonismo aos beneméritos do novo regime. Mas critica já partir de junho os seus erros, entre os quais está que não fez notar que a nova democracia não é uma “democracia individualista, de povo na pracinha, senão uma severa, acerada democracia de Estado”13, uma democracia que coloque o Estado por acima das insolências particulares. Agora, o Estado prevalece na sua consideração sobre o indivíduo, numa perspectiva distante do liberalismo, ideário que defendera em 1919.
               Intervirá nas Cortes o 4/09/1931, a propósito do projeto de Constituição republicana, em defesa dum sistema autonômico de «café para todos», os dias 25 e 26/09/1931, opondo-se teimosamente á concessão de qualquer resquício de soberania às comunidades autônomas, e o 30/10/1931 no debate sobre o método para a eleição do Presidente da República, no que afirma: “Uma quantidade imensa de espanhóis que colaboraram no advento da República com a sua ação, com o seu voto ou com o que é mais eficaz que todo isto, com a sua esperança, se dizem agora entre desassossegados e descontentes: «¡Não é isto, não é isto!»14. Espanha -setembro 1931- é um país governamental, um país onde não houve nem há nunca oposição. Foi monárquica enquanto a Monarquia significava o governamentalismo, mas isto não quer dizer que desde 1500 se sentisse vitalmente unida aos seus reis.  "A Monarquia, é dizer, o Estado, achava-se sobre o povo espanhol, pesando sobre ele, mas sempre fora dele... A Monarquia viveu sempre desnacionalizada, ainda naquelas horas em que um rei como Carlos III quis de boa fá o bem da Nação -sempre, por suposto, que não estorvasse a sua política internacional puramente familiar.... Sempre viveu Espanha com uma duplicidade de interesses dificilmente harmonizáveis: as necessidades da Nação e as da Monarquia"15. O empresário da Restauração, Cánovas del Castillo, não podia viajar polas grandes capitais espanholas sem que a gente lhe assobiasse, assobios que ia m dirigidos simbolicamente á Monarquia. "A Restauração que faz sessenta anos impôs, mediante pronunciamento, ao pai de Afonso XIII, foi uma grande falsificação histórica. Baste dizer que o empresário de aquela obra, Cánovas del Castillo, não pôde nunca viajar polas grandes capitais de províncias sem ser silvado"16. As grandes capitais não foram monárquicas desde o ano 1873, e a tática da Monarquia consistiu em esmagar a inquietação dessas grandes capitais com a inércia provincial, na que não se votava, senão que se amanhavam as votações desde o Ministério da Governação. Desde faz mais dum século começa Espanha, com a lentidão dum tardígrado, a eliminar a Monarquia, e, desde então, o antimonarquismo foi medrando progressivamente.  A esta altura diz Ortega que a Monarquia de Sagunto sucumbiu por não estruturar Espanha em regiões, mas pronto o veremos convertido num valedor do mais rijo centralismo.
               Em novembro de 1931 reconhece os seus poucos dotes para a política: “eu tenho veementíssimas suspeitas de que não sirvo para a ação política, e estes meses de deputação a Cortes no fizeram mais que nutri-las amplamente”17, ao tempo que se amostra cada vez mais desencantado da República: “Eu não estou conforme com o tom nem os modos que se deram à República18, “gentes com almas não maiores que as «usadas polos coleópteros, conseguiram em menos de dous meses definhar-nos esta República menina e fazer-lhe perder o garbo aquele com o que nasceu19.
               Em dezembro de 1931 reitera uma idéia muito acertada que já expusera em abril deste ano de que Espanha, onde o Poder público tem maior influxo porque a espontaneidade social é muito débil, a Monarquia "era uma sociedade de socorros mútuos que formaram uns quantos grupos para usar do Poder público, quer dizer, do decisivo em Espanha. Esses grupos representavam uma porção mínima da nação; eram os grandes capitais, a alta hierarquia do Exército, a aristocracia de sangue, a Igreja"20. Como vemos, agora sim cita os setores econômicos, mas deixa sem citar os seus gerentes, que são os políticos, e os mediáticos, e não esqueçamos que El Imparcial era um jornal que punha e sacava governos. O monarca era o gerente dessa sociedade nada mais e quando o interesse real do país coincidia com o desses grupos, faziam grandes gesticulações de patriotismo; "mas se a necessidade nacional entrava em colisão com a conveniência dalgum deles, acudiam ao socorro todos os demais e era a nação quem tinha que ceder, padecer e anular-se, para que o grupo ameaçado não sofresse erosão"21. Em vez de estarem essas classes subordinadas à nação, era a nação a que tinha que subordinar-se aos seus interesses particulares. O povo espanhol era freado por esse Poder público, justaposto á nação e com interesses divergentes dos interesses espanhóis. Por um lado ia a Nação e por outro o Poder público. "Em soma, que a Monarquia era o Poder público desnacionalizado, que irremediavelmente falsificava a vida do nosso povo, desviando-a sem cessar da sua espontânea trajetória"22.
               O Estado atual necessita, por forçosidade iniludível, a colaboração de todos; tem que fundir-se com a nação, e esta fusão é a democracia. "... a República significa nada menos que a possibilidade de nacionalizar o Poder público, de fundi-lo com a nação, de que o nosso povo vaque livremente ao seu destino, de deixar-lhe fare da se, que se organize a seu gosto, que eleja o seu caminho sobre a área imprevisível do futuro, que viva ao seu modo e segundo a sua interna aspiração"23. Palavras muito belas, mas incoerentes com o seu apoio desde os inícios á aventura golpista dos generais Mola e Franco. Aliás, se o seu povo tem direito a organizar-se, a fare da se, também lho devia reconhecer aos demais. O erro que se cometeu nestes meses -diz- é que seja preciso reclamar a nacionalização da República.

 Progressivo afastamento da República

               Em janeiro de 1932 já se encontra muito afastado da República, à que acusa de ter como desejo unificador o desejo negativo de oposição à monarquia, fuga de capitais, redução da arrecadação fiscal, demagogia eleitoral, subordinação ao Pacto de São Sebastião, não lograr criar um Estado nacional senão particularista,... Tenha-se em conta que no Pacto de São Sebastião decidiu-se conceder a autonomia a Catalunya e, por tanto, é muito significativo esse posicionamento em contra por parte de Ortega. Perante o acosso dos poderes econômicos e religiosos contra a República, Ortega não duvida em afastar-se dela, contribuindo a criar o caldo de cultivo para que em agosto se produza o falido golpe de Estado do General Sanjurjo contra a República.
               Espanha é, na sua quase totalidade, antimonárquica, mas ainda não começou a ser republicana. Para criar um novo Estado há que criar um novo espírito. "Com programas particulares não se embarca a uma nação num novo Estado. É preciso que se faça consistir a República num credo histórico de conteúdo tão indiscutível, que tenha que aceitá-lo em secreto os mesmos que em público finjam combatê-lo. Este credo só pode derivar-se de dous princípios: o princípio da Nação e o princípio do Trabalho"24. Todo o mundo estaria de acordo a esta altura com estas formulações gerais, mas o problema é como se concretiza isso num programa de governo consistente que seja aceitado polas forças políticas e a maioria social.
               Se não vitalizamos a província -abril 1932- não conseguiremos que Espanha chegue a uma plenitude de vida. A Monarquia fomentou a grosaria que representa a caciquismo, "segura de que com ele bastava para fazer impossível, para impedir que se articulassem grandes movimentos políticos que lançassem Espanha ao livre mar da história, onde havia de soçobrar a sua navezinha flordelisada"25. A flor de Lis é o símmolo dos Bourbons. Ortega sabe que a província é uma realidade centralista, e frente ás reivindicações catalãs, propõe a sua revitalização.
               No discurso de Ovieu -abril 1932- afirmou que os asturianos e castelãos representam a clareza de mente; foram os que souberam superar o particularismo, e pregoa um regionalismo exemplar, que há que opor aos lastrados de arcaísmos nacionalistas. “Será o vosso regionalismo não do passado, senão futurista; não dum povo que foi, senão duma região que há que fazer numa nação que há que fazer”26. Intenta que se crie um regionalismo oposto ao nacionalismo, ou seja, oposto às aspirações dos povos que quer regionalizar, e, por conseguinte, oposto á democracia popular na que nunca creu. Define a nação como a obra comum que há que fazer, a «facienda»; não é o passado, a história e a tradição. “A nação é o afã dos que convivem num destino histórico; é, pois, o sistema de possibilidades que há no presente para constituir o porvir”27. Como vemos, para Ortega têm clareza de mente os povos com menos identidade nacional, pois esta deve ser superada para constituir um regionalismo futurista em contraposição ao arcaico dos nacionalistas. Naturalmente, segundo ele, o povo colonizador é quem se preocupa do destino dos povos submetidos. A nação não se baseia em identidades e, portanto, no passado e na história, senão num místico destino histórico, traçado por uma espécie de providência trans-histórica que coincide com o desenho do colonizador. Igual que Renan definiu a nação como um plebiscito diário, caraterizado pola vontade de conviver, para anular as aspirações unionistas pró-germânicas da Alsácia e a Lorena, de língua alemã, Ortega quer construir a nação espanhola para anular as aspirações nacionalitárias de Euskadi, Catalunya e Galiza, e, por tanto, as suas reivindicações soberanistas. 
               Em abril de 1932 louva a austeridade orçamentária da República, em contraste com o dispêndio durante a Monarquia. "A República tem que ser a vontade de fazer as cousas bem. Senão, não estaria justificado o seu advento. Seja ela uma nova política, porque é uma nova moral, e levemos esta a todos os problemas"28. É uma mágoa que Ortega não desenvolvesse essa ideia da nova moral e inclusive que falasse da estrutura da república como realidade sócio-política com a finalidade de criar uns princípios a partir dos quais se realize a crítica deste sistema em contraposição com a monarquia. Isto é o que contribui a fazê-lo oscilar de Caribdis a Escila. A superioridade da forma republicana sobre a Monarquia é que tem que ser nacional, “que baixo ela o Estado tem que fundir-se com a realidade nacional. ... A República não pode ser um fraude histórico, como o foi tantas vezes a Monarquia”29. Para Ortega, o rearme do nacionalismo espanhol foi uma ideia não só recorrente senão obsessiva durante toda a sua vida, mas sem fazer nenhuma formulação precisa de para que se quer o nacionalismo e como respeitar os direitos dos demais e a democracia.
               Com ocasião do debate estatutário catalão, -maio de 1932- confessa que o dia que se discutiu sobre a Constituição duma República federal, “Então, aterrado, numa madrugada lívida, falei na Câmara de soberania”30, que para ele poria em questão o federalismo. A solução ao problema catalão consiste em diluí-lo mediante a concessão da autonomia a todas as regiões, incluídas as que não a queiram, com objeto de isolar o nacionalismo catalão, ideia que já defendera no livro España invertebrada, e esta foi a finalidade da política da transição do café para todos, que somente adiou a solução dos problemas.
               Em maio de 1932, Ortega, junto com Unamuno, Maura e outras personalidades, enviou a sua adesão a uma assembleia de râncio nacionalismo espanhol celebrada em Palência contra o Estatuto catalão, á que assistiram umas cinco mil pessoas, entre as que estavam os deputados por Leão, Burgos e Palência, incluídos os deputados da Agrupação ao Serviço da República, e que foi presidida polos alcaides de Burgos e de Palência, o presidente da Deputação de Segóvia, um representante do Concelho de Sória, o presidente da Deputação de Zamora, o alcaide de Salamanca, o presidente da Deputação de Leão e representantes do seu Concelho. Como se pode ver, não se trata duma mera assembleia local, senão de toda uma representação de Castela que se enfrenta Catalunya, facto que se transluz também no discurso de Rafael Sainz de Robles que manifesta que "si Catalunya ameaça a Castela, esta saberá impor-se"31, e no do presidente da Deputação de Segóvia que afirmou que "Castela se pusera em pé"32.
            Na sua intervenção parlamentar de junho 1932, sempre numa linha profundamente restritiva a respeito dos direitos e competências de Catalunya, declara que o dito por ele não permite que ninguém o presente como inimigo das aspirações catalães, que já escreveu um livro que interpreta a história de Espanha em função do problema catalão, "para aclarar as cabeças dos demais espanhóis com respeito a esse problema e fazer, na sua hora, possível a sua solução; ... mas polo visto o esqueceram os catalães. A cousa não é estranha nem é nova: a ingratidão tem uma história tão longa como a historia mesma"33.  Mas inclusive vai além ao sentenciar em tom solene: “Não tolero, pois, que nem a mim nem a ninguém se nos apresente como inimigos das aspirações catalães, porque discutimos sobre o Estatuto catalão”34.





1.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 133.
2.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 134.
3.  «Discurso em Segovia», (14/02/1931), em OC, T. 11, p. 134.
4.  «Sigue m los «Problemas concretos»», em El Sol, (24/03/1931), OC, T. 11, p. 167.
5.  «¡A los electores de Madrid!», (11/04/1931), em OC, T. 11, p. 291.
6.  «¡A los electores de Madrid!», (11/04/1931), em OC, T. 11, p. 292.
7.  «Rectificación de la República!», Crisol, (23/04/1931), en OC, T. 11, p. 336.
8.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 341. Cf. Ibidem, (31/07/1931), p. 349.
9.  «Agrupación al Servicio de la República», El Sol, (14/05/1931), en OC, T. 11, pp. 297-298.
10.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 339.
11.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 340.
12.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 339.
13.  «Rectificación de la República!», Crisol, (06/06/1931), en OC, T. 11, p. 343.
14.  «Rectificación de la República!», Crisol, 09/09/1931, en OC, T. 11, pp. 386 e 387.
15.  «El sentido del cambio político espanhol», em Crisol, (16/09/1931), OC, T. 11, p. 318.
16.  «El sentido del cambio político espanhol», em Crisol, (16/09/1931), OC, T. 11, p. 318.
17.  «Pensar en grande», Crisol, (17/11/1931), en OC, T. 11, p. 328.
18.  «Pensar en grande», Crisol, (17/11/1931), en OC, T. 11, p. 328.
19.  «Rectificación de la República!», Crisol, (02/06/1931), en OC, T. 11, p. 337
20.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 407.
21.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 408.
22.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 408.
23.  «Rectificació m de la República», (06-12/1931), em OC, T. 11, XI, p. 409.
24.  «Hacia u m partido de la nación», em Luz, (07-01/1932), OC, T. 11, I, p. 419.
25.  «Discurso em Oviedo», em El Sol, (11-04/1932), OC, T. 11, p. 437.
26.  «Discurso en Oviedo», (10/04/1932), en OC, T. 11, p. 437.
27.  «Discurso en Oviedo», (10/04/1932), en OC, T. 11, p. 440.
28.  «Discurso em Oviedo», em El Sol, (11-04/1932), OC, T. 11, p. 440.
29.  «Hay que reanimar a la República», em Luz, (18/06/1932), OC, T. 11, p. 492. 
30.  «Discurso sobre el Estatuto de Cataluña», 13/05/1932, en OC, T. 11, p. 464.
31. . «Asamblea magna en Palencia contra el Estatuto», en HEG, nº. 79 (09/05/1932), p. 1.
32. . Asamblea magna en Palencia contra el Estatuto, en HEG, nº. 79 (09/05/1932), p. 1.
33.  «Discurso de rectificación», 02/06/1932, en OC, T. 11, p.  484.
34.  «Discurso de rectificación», 02/06/1932, en OC, T. 11, p.  484.

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