Li um artigo do meu amigo Torres
Queiruga, titulado «A eutanasia, cuestión humana» e realmente fiquei surpreendido porque considerava que o seu pensamento
se desmarcava do posicionamento da igreja oficial e que oferecia algo novo ao
pensamento teológico galego atual, especialmente em temas muito próprios dos
nossos tempos, como é o da eutanásia,mas fiquei decepcionado ao ver que coincide
com o documento da Conferência Episcopal Espanhola «Semeadores de Esperança», ao que remite os leitores. O que vou dizer, portanto,
refere-se tanto a um como à outra.
Torres Queiruga cita a eito a
frase «o que é bom para Ramón
Sampedro é bom para Deus», mas que dito do sonense pareceria que implicava uma
defesa da eutanásia, que é o que o marinho demandava; esta expressão se quer
expressar algo distinto, só pode significar que o homem tem um rol na
determinação dos valores, que o pensamento humano conta para Deus, ainda que
isto tem por outra parte, umas consequências muito preocupantes porque levaria
a ética polo caminho do relativismo individualista, totalmente oposto ao
absolutismo que carateriza a ética cristã. Mas em vista da identificação de
Queiruga com o pensamento oficial, essa expressão só pode significar uma mera
tautologia segundo a qual o que é bom para Ramón Sampedro é bom para Deus,
porque somente é bom para ele o que concorda com o critério de bondade de Deus.
Insistem
tanto Torres Queiruga que a eutanásia é uma questão humana e isto dizem-no para
desprender-se do tufinho religioso que não goza de predicamento na sociedade de
hoje, precisamente polo descrédito experimentado polas práticas e polos
posicionamentos teóricos dos seus teólogos e dos seus dirigentes. Eles intentam
deixar claro que há uma dimensão humana prévia e mais fundamental que a
religiosa, que é a humana e que, no tema da eutanásia se movem nesse terreno e
não no religioso propriamente dito. O seu complexo religioso obedece a que
historicamente conduziram a religião positiva polo caminho do absurdo e da sem
razão. Muitos dos que não somos cristãos, mas sim religiosos, pensamos que Deus
é o que vai conosco, pois como diziam os estoicos Cleantes e Arato, que Paulo
cita em vão: em Deus vivemos, movemo-nos e estamos.
Insistem
tanto Queiruga como a CEE que a eutanásia não é imediatamente um problema
religioso, senão um problema moral, como se um problema religioso não fosse
também um problema moral; e a CEE diz que se trata dum ato moral, mas moral é
praticamente todo, salvo quiçá os atos insignificantes. Estas separações da
realidade em compartimentos estancos separados podem ser úteis para uma análise
da realidade, mas podem dificultar a sua compreensão se se crê que o que nós
separamos com o pensamento, está separado na realidade. O que é curioso é que
depois de sinalar que é um problema radicalmente humano e moral, não dêem
nenhuma solução dentro desse âmbito no que dizem mover-se, e a sua alternativa
reduz-se a pregoar as receitas católicas mais integristas. Se fossem capazes de
fazê-lo sempre poderia dar-se uma certa aproximação com os demais setores
sociais, mas não estão interessados nem quiçá preparados para mover-se nesse
âmbito; em todo caso não o demonstram.
Depois
de lançar-lhe pulhas a eito aos que não concordam com o seu discurso único,
tanto Queiruga como a CEE pedem diálogo honesto, sossegado e construtivo, mas
quando isto provém de pessoas ligados por dogmas inalteráveis um pode
perguntar-se a onde conduz tal proposta de diálogo; aliás um pode perguntar-se
que necessidade têm de novos ecos difusores do seu pensamento quando se trata
duma instituição com meios de comunicação próprios, que nos obrigam a que lhos
paguemos incluídos os que não concordamos com eles; com representantes indiretos
no Parlamento, alguns que inclusive querem ressuscitar o nacional catolicismo,
com o beneplácito público de hierarcas clericais; com classes de religião
pagadas por todos os contribuintes, com as catequeses, o púlpito e o
confessionário,... Um pode muito legitimamente pensar que o seu pensamento
dispõe e meios de transmissão suficientes para ser transmitido à cidadania, e muito
superiores aos que dispõem a grande maioria dos grupos sociais. Parece não
obstante que isto não lhe abunda e que querem ter também diálogo direto com os
governantes de turno, procurando desta maneira premer os poderes públicos para
conseguir impor os seus critérios a toda a sociedade.
Quando
não se quer aceitar a realidade social, que se pronuncia com a taxa dum 84 por
cento em prol da legalização da eutanásia, e se parte da desqualificação da «morte
digna», «autonomia», ou «libertação», humanas desprezando-as como eufemismos, o
diálogo é mais difícil. Consideram que a autonomia do paciente não pode ser
concebida como um absoluto, e, por conseguinte, a sua liberdade não pode ser
desvinculada da verdade e o bem. Isto significa que para a CEE a verdade e o
bem existem à margem dos seres concretos, numa espécie de mundo platônico e que
servem de referência para qualificar a bondade ou malícia da conduta humana,
tendo como intérpretes na terra os hierarcas religiosos. Outra maneira mais de
desapoderar os seres humanos concretos. A autonomia, a partir de Kant, é
considerada como um princípio reitor dos atos humanos individuais e dos povos,
procurando ampliar o seu âmbito na medida em que o permite a situação concreta
que nos toca viver e contribuindo de maneira notória à maioria de idade da
razão e, consequentemente da humanidade. Não é surpreendente que a CEE negue
tanto o poder de decisão dos indivíduos como dos povos, entre eles o poder de
decisão sobre a própria vida, incluso quando já não é uma vida propriamente
humana e qualificando de bem moral a união forçada dos povos de Espanha. Historicamente
a repressão sobre os fieis chegou a tanto que os clérigos se consideraram com
direito a decidir sobre a vida mais íntima dos indivíduos, prescrevendo como
deviam fazer o amor ou limitando o prazer sexual ao seu bel prazer.
A
dignidade humana pregoada pola CEE não pode consistir num vocábulo vazio de
contido, senão que para que exista dignidade há que empoderar a cidadania para
que possa tomar as decisões e assumir a responsabilidade sobre a sua conduta e
a sua vida nos casos em que deixou de ser uma vida humana digna de tal nome; para
que possa exercitar uma liberdade responsável sem estar mediatizada por
instituições que os infantilizam atribuindo-se a monopolização da verdade, da
interpretação da Bíblia, do sentido dos chamados dogmas revelados; da
necessidade da graça para qualquer ato meritório e a incapacidade de obrar o
bem; adjudicando-se o poder de perdoar os pecados, proclamando dogmas
impermeáveis à razão e a toda cordura como o do pecado original, intitulando como
infalíveis em temas de fé e costumes os seus hierarcas máximos apesar das
contradições entre eles, de atribuir-se poderes para submeter povos inteiros à
escravidão, como fez Nicolau V, fomentar as cruzadas, estabelecer a inquisição,
etc. Concordo com a CEE em que não temos direito a dispor arbitrariamente da
própria vida, mas tampouco outros tem direito a pôr-nos corpetes irrazoáveis e
arbitrários desde os seus preconceitos de grupo e de conceiç4oes ultrapassadas.
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