25 abr 2015

A casta política


A irrupção de Podemos no panorama político espanhol produziu-se com uma ruptura da linguagem que descrevia aos políticos que regentaram Espanha desde a transição como os políticos da casta, se bem não foram mui explícitos na explicação do termo. Algum dos aludidos por esta desqualificação aprestavam-se a negar esta denominação alegando que ele não se sentia casta. Creio que cumpre clarificar os conceitos porque em caso contrário andaremos entre penumbras e confusões e nunca saberemos bem de que estamos a falar. O primeiro que temos que fazer é dilucidar que é uma casta.

A nível etimológico, a palavra hispana e galego-portuguesa casta vem do latim castus, que significa casto, puro, limpo, termo este último que era aplicado aos que são puros, limpos, continentes no sexo, entendido na cultura judeu-cristã como algo sujo do que cumpre purificar-se. Quando um termo é utilizado socialmente isto indica que responde a uma prática comunitária e a uma necessidade social, e, por tanto, indica que os ibéricos em geral tinham práticas que o faziam necessário. No Estado espanhol começou a aplicar-se a palavra casta á pureza de sangue para denotar aos que não tem mistura de judeus nem herança (sangue) muçulmana, e ligada com as idéias de legitimação, linhagem e honor. Em Hispano-América associou-se á idéia de raça, aplicada aos que tinham mistura de brancos e não brancos (índios e e raças mistas ou castas). As castas originárias principais em América latina eram os espanhóis, os ameríndios e os  negros. A classificação por castas tinha relevância por ter conseqüências no matrimônios, aceso ao sacerdócio, elegibilidade para cargos, migrações, etc. E de ai a importância de provar a pureza de sangue mediante a genealogia. A casta era, neste contexto, uma categoria social de caráter racial.

O primeiro que temos que ter em conta é que se trata, pois, duma categoria sociológica e não uma categoria ética nem individual; ainda que pode haver estruturas sociais com um único indivíduo; ou seja, trata-se duma categoria de estratificação social que atribui pessoas individuais a grupos sociais. De por si não tem nada que ver com o comportamento moral individual das pessoas. Uma pessoa duma determinada casta pode ser sumamente íntegra a nível moral por mais que pertença a uma casta favorecida. Outra cousa mui distinta é se o sistema de castas em si é moralmente correto. A classe burguesa é uma casta mas isso não permite qualificar de corruptos ou imorais aos que se integram nela, se bem como elite extrativa dos recursos da cidadania é pertinente o debate se esta estrutura social é justa ou injusta, e, neste último caso, só cambiando a estrutura social se pode cambiar a situação real e nunca inculpando a indivíduos que integram estas estruturas.

A nível real a palavra casta recebe duas acepções.

1ª.- A casta é uma divisão endogâmica e hereditária sem mobilidade social e fechada na sua organização, os seus usos e direitos próprios e com uma distinção hierárquica determinada, em termos gerais, polo gênero de atividade. Ex.: a casta dos Brâmanes (sacerdotes, filósofos, professores); Xátrias (guerreiros); Vaixás (comerciantes, agricultores) e Sudras (artesãos, operários e camponeses). Fora dos sistema estariam o dalits ou párias, intocáveis, (recolha de resíduos, coveiros, servidores do fogo, ...)  Neste sentido, os órgãos institucionais na Espanha, incluídos os partidos políticos, não são uma casta,  pois não são rigidamente endogâmicos nem hereditários, se bem casos como o de Baltar em Ourense, acercam-se muito, salvo polo que diz respeito á Coroa, que é um exemplo claro e paradigmático de casta no sentido mais estrito. Neste caso é uma estrutura social integrado por uma pessoa, e está ligada a outra característica das castas elevadas que é a idéia de privilégio.
  
2ª. Numa segunda acepção, menos estrita, a casta é uma classe fechada da sociedade, zelosa da preservação dos seus direitos e/ou privilégios. Ex.: a casta nobiliária, a classe burguesa, ou seja as elites oligárquicas que se cuidam de preservar o seu status privilegiado á margem dos interesses coletivos.

Neste segundo sentido, si podemos dizer que a classe política é uma casta, porque é uma classe fechada e privilegiada e com uns interesses e preocupações que não sintonizam com a cidadania, como se demonstrou claramente com o berro de “não nos representam” dos indignados do 15 M. Uma casta pode estabelecer-se por lei ou por costume, neste caso normalmente pola pressão dos grupos dominantes. Em Espanha, a casta da classe política foi criada pola Constituição espanhola de 1978, que quis reforçar o status dos partidos políticos pretextando que era necessário na saída duma situação ditatorial. O seu artigo 6 diz que “os partidos políticos expressam o pluralismo político, concorrem á formação e manifestação da vontade popular e são instrumento fundamental para a participação política”. O pluralismo político expressa-se com os partidos políticos, com indivíduos que se apresentas a umas eleições, com meios de comunicação especialmente se existe pluralidade informativa, com a vertente política das associações culturais, etc., com a participação livre dos cidadãos em assuntos relacionados com a cousa pública, ... O pluralismo limitou-se com a lei eleitoral que dificulta a concorrência de pessoas não adscritas a partidos, favorece o bipartidismo e impõe as listas fechadas e bloqueadas, que tem como conseqüência que o fazem impossível; limitou-se também com meios de comunicação ao serviço do poder de turno, e, em todo caso, das duas grandes opções partidárias: PP e PSOE; e finalmente, também se limitou com uma política econômica praticamente idêntica nestes dous grandes partidos, como se exemplifica com o que está a passar no que estes partidos chamam políticas de Estado, defesa dos recortes, reforma constitucional do artigo 135, votações no mesmo sentido na Câmara européia, etc.

O pluralismo político ou expressa o pluralismo socioeconômico ou não é nada. Hoje os direitos dos obreiros não existem e foram laminados progressivamente nas diversas reformas laborais tanto polo PP como polo PSOE, que impedem que as pessoas podam planificar a sua vida porque a legislação não se fez pensando neles senão pensando nas elites oligárquicas, que são as que realmente imperam no país. A indignação da cidadania viu como se lhe fechava, com a Lei de Segurança Cidadã, a válvula de escape que tinha para protestar. A pluralidade informativa sempre esteve ausente no Estado espanhol, e a apertura que introduziu Zapatero, foi laminada polo governo de Mariano Rajoy.

Por tanto, creio que podemos dizer que a classe política em Espanha é uma casta e inclusive na sua acepção pejorativa de grupo fechado privilegiado e surdo ás aspirações cidadãs. O seu reforço pola constituição deu como resultado que se converte-se em casta e, como conseqüência que degenerasse numa situação de corrupção generalizada e sistêmica, na que os cidadãos afetados se vem obrigados a assistir dum modo passivo a um espetáculo bochornoso porque não existem vias para que a participação cidadã civilizada poda pôr couto a esta situação.

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