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Garcia Margallo |
Se em política
interior, Espanha é um desastre, a cousa não parece ir melhor em política
exterior. Teoricamente cultiva-se a retórica da irmandade com Latino-América,
mas no plano real as cousas não podem ir pior, e as tensões proliferam:
problemas com Cuba, Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, ... Eu
acho que não ha objetivos claros e que Espanha pratica com as «nações irmãs»
uma política que não é coerente com a que põe em prática com outras partes do
mundo e mesmo no próprio país, e muito menos com a nossa afinidades com estes
países irmãos.
Espanha pratica uma
política de boa vizinhança com Marrocos apesar de que não se trata, nem muito
menos dum regime democrático. A este efeito, não se recata de intentar limar
toda classe de asperezas com os dirigentes deste país, inclusive quando este
comete com os próprios nacionais atos que foram qualificados nestes dias de
criminais, como os referidos á deficiente prestação de auxílio aos espeleólogos
espanhóis atrapados num alcantilado no sul deste país, que se traduziu na morte
de dous deles. Também intenta fazer a vista gorda no caso das acusações do juiz
Ruz contra onze altos cargos marroquinos por um delito de genocídio polos
crimes que se cometeram contra refugiados do Saara Ocidental entre os anos 1975
e 1992, povo com o que Espanha está em divida desde o desatinado processo de
descolonização que protagonizou em 1975.
Não duvida
tão-pouco Espanha de colaborar com a ditadura do Presidente da Guiné ou, polo
menos, nunca a demonizou ante a opinião pública espanhola. Faz-lhe as beiras
igualmente ao regime chinês apesar de estar nas antípodas da sua ideologia
política e ser um dos últimos países que, polo menos formalmente, conservam o
apelativo de comunistas e um dos máximos conculcadores dos direitos humanos, e
inclusive se aprestou a cambiar as leis espanholas para anular a justiça
universal que podia imputar a cargos chineses, para não desagravar a este
regime.
Com América Latina
sucede ao revês. Encirrou-se á opinião pública espanhola contra os países
progressistas de América Latina, com a acusação contra Cuba de ser uma ditadura
comunista e contra Venezuela e Bolívia de ser regimes populistas. Esta última
acusação é das mais chocantes porque o termo populismo, com o que também se
estigmatiza a Podemos ante a opinião pública, é um termo que não tem um
significado claro e definido, mas que com tanto repeti-lo somente se inocula na
opinião pública de que é algo mau, sem precisar exatamente em que está a sua
maldade. Um dos significados de populismo, é o de amigo do povo, e, por tanto,
de praticar uma política de proximidade com as gentes, de atender as suas
aspirações e desejos, de contar com eles e tê-los em conta, que é algo
consubstancial com a democracia. Isto não é o que praticam realmente os
chamados democratas espanhóis, que se apresentam com um programa ás eleições e
aplicam outro totalmente distinto, e inclusive se ufanam disso. É bem eloqüente
o que manifestava Mariano Rajoy em fevereiro de 2013: "No he cumplido
mis promesas electorales, pero siento que he cumplido con mi deber".
Isto indica que, para o presidente do Governo espanhol, cumprir as promessas
eleitorais não é uma obrigação nem o mais importante, senão cumprir o dever que
não se sabe de onde extrai a sua obrigatoriedade. Fez em realidade algo que é o
mais oposto á democracia, que foi atender as petições que emanavam de Berlim e
fazer caso omisso do que prometera aos seus votantes e inclusive a todo o povo
espanhol, reduzido a mero comparsa de legitimador formal duma legitimidade de
origem, que seria seguida duma deslegitimidade de exercício. As suas políticas
tiveram sempre a característica de opor-se ao que pensava a maioria social,
como no caso da lei do divórcio, da lei Wert, da lei de Segurança cidadã, duma
reforma fiscal regressiva, duma lei laboral que lhe laminou todos os direitos
aos trabalhadores, etc. etc.
Como machucam uma e
outra vez, dizem que tiveram que fazer isto porque o estado da economia com que
se encontraram era muito pior do que esperavam, o qual indica que o Chefe dum
partido que governava em grande parte das comunidades autônomas espanholas não
se inteirava de nada, apesar de ser várias delas as mais dissipadoras e mal
geridas, como Valência, Madrid, Murcia, etc., e que a associação ligada ao seu
partido, a FAES, recebe vários milhões de euros anuais para fazer estudos sobre
a realidade espanhola.
Eu nunca fui um
seguidor de Fidel, nem de Chaves e da sua revolução bolivariana, nem de Evo,
mas si tenho que reconhecer que tanto Chaves-Maduro, como Evo Morales e Correa,
foram dirigentes elegidos democraticamente e com todos os standars de
legitimidade democrática. Os partidos hegemônicos espanhóis nunca os superaram
em pulcritude eleitoral e, por tanto, em legitimidade de origem, e inclusive
podemos dizer que, dado que parte destes partidos se financiaram com práticas
corruptas, as regras do jogo se viram alteradas porque havia partidos que
jogavam com botas ultima geração e com o público mediático a favor ambos pagados
em última instância pola cidadania enquanto que outros tinham que jogar meio
descalços e sem aplauso mediático.
Ha outros
significados de populismo, neste caso negativos, que consiste em adotar medidas
políticas destinadas a ganhar o favor da população, fundamentalmente dos
eleitores, á custa de serem contrárias ao estado democrático. Neste sentido,
creio que não se pode dizer que as medidas que tomou Chaves e Maduro foram
contrários ao estado democrático, e não observo que se tiver produzido uma míngua
dos direitos democráticos dos povos afetados. É certo que foram contrárias a
muitos setores da população, mas no caso de Espanha foram medidas que
prejudicaram á maioria social e foram acompanhadas de medidas repressivas para
afogar a raiva dos cidadãos protestantes com malheiras e multas a eito e com
uma distorção informativa a través dos meios de comunicação.
Também se utiliza o
termo populismo para designar a governos que adotam medidas de governo
keynesianas, quer dizer, medidas econômicas expansivas, além duma posição
crítica a respeito de Estados Unidos. Mas isto diz mui pouco porque, no
primeiro sentido, implicaria qualificar de populistas a muitos governos
ocidentais, como os mesmos EEUU de América, e, no segundo, aos países árabes beligerantes com os EEUU e
aos movimentos integristas, que são outra cousa.
Em conseqüência,
como o significado de populismo é ambíguo e os políticos nunca dizem como
entendem este termo, entre outras cousas porque costumam mover-se mais
facilmente na nebulosidade e na imprecisão, é muito melhor abandoná-lo a nível
analítico. Hoje somente fica no ambiente que os políticos querem que a gente
entenda que quando falam de populismo querem aludir a algo negativo, mas sem
precisar em que consistiria essa negatividade.
O domingo dia 12
foi entrevistado numa canal de televisão de âmbito estatal José Manuel Garcia
Margallo, ministro de Assuntos Exteriores do Reino de Espanha, e á pergunta de qual era a sua acusação
contra Maduro não se recatou em afirmar que Maduro não respeitava as regras
democráticas porque mantinha o controle dos meio de comunicação públicos.
Quando um escuta uma acusação deste tipo ja não sabe em que mundo vive, porque
a democracia espanhola caracteriza-se neste momento por:
1º.- Utilizar os
meios públicos ao serviço do partido do governo, manipulando obscenamente as
informações que se transmitem á cidadania. O governo do PP, o primeiro que fez
quando acedeu ao poder foi cambiar as normas de nomeação do Diretor Geral da
TVE para que servisse de canal de transmissão das políticas governamentais. Por
outra parte, os trabalhadores da TVE estão a denunciar constantemente a
manipulação das informações e a criação de redações paralelas fieis á política
do PP. Esta é uma crítica comum a todas as televisões onde governa o PP e diria
também que onde governa o PSOE.
Por citar o último,
o dia 14/04/2015, o Conselho de Informativos da televisão pública dirigiu um
informe ao Parlamento Europeu no que põem de manifesto a manipulação existente
no principal canal público espanhol de RTVE, que implica:
- A falta “de
imparcialidade, pluralidade, veracidade e objetividade, convertendo-se polo
contrário num instrumento de propaganda ao serviço do Governo”. Esta falta
concreta-se em :
a.- Diretrizes
progovernamentais nos telejornais que se traduziram num 82 % de notícias
favoráveis ao Governo e só um 10 % desfavoráveis.
b.- Ocultação do
escândalo que afetou ao ministro de Fazenda Cristobal Montoro.
c.- Silenciamento
da intervenção do porta-voz do PSOE para denunciar o escândalo relativo ao
financiamento irregular do PP e a comparação, no argumentário do assessor do
ministro Montoro, do PP com Caritas ou Cruz Vermelha.
d.- Ocultação do
cargo que ocupa a responsável de campanha do PP ao Concelho de Madrid no caso
da sua imputação na operação de corrupção Púnica.
e.- Silenciamento
da crise que afeta ao PP a raiz do fracasso nas eleições andaluzas com duras
acusações de Cospedal contra cargos do Partido e do Governo.
f.- Programas de
televisão enviesados com sobre-dimensionamento dos defensores das teses
governamentais e escassa representação de participantes críticos e da oposição.
g.- Contratação de
pessoas alheias aos informativos de clara tendência ideológica governamental, e
apartação das suas funções das pessoas que os vinham desempenhando.
h.- Contratação
de redatores doutros meios para acometer
as informações mais sensíveis e polêmicas, com vaziado das áreas afetadas.
i.- Manipulação
informativa nos nas televisões autonômicas, nomeadamente em Andaluzia e em
Castela a Mancha.
2º.- Inexistência
de divisão de poderes. O PP é um partido caudilhista onde o seu Chefe de
Partido controla praticamente todos os resorts do poder. Eles alegam que a
prática do dedão é democrático porque se votou que fosse assim. Isto converte
este partido no mais caudilhista quiçá do mundo, com a gravidade que se fez com
o aplauso e consentimento dos próprios militantes que se fazem o haraquiri do
seu poder de decisão em benefício do líder. Esta delegação do próprio poder de
decisão constitui uma autoamputação de direitos próprios e não se compadece com
os direitos humanos que têm como características definitórias a sua
inviolabilidade, que não podem ser conculcados por outros, e a sua
inalienabilidade, ou seja, que são irrenunciáveis.
O Chefe do Partido
é quem, em última instância, nomeia aos candidatos ás eleições gerais, e, por
tanto, se ganha, controla aos membros do poder legislativo. Deste poder
legislativo depende a nomeação dos órgãos do Conselho Geral do Poder Judicial e
do Tribunal Constitucional, e, por tanto, indiretamente, controla o Poder
Judicial. É também quem nomeia aos membros do executivo. Tem, por tanto, direta
ou indiretamente, o controle sobre os membros do Executivo, Legislativo e
Judicial.
3º.- A
minusvaloração dos direitos humanos. Durante o mandado do PP cercearam-se os
direitos humanos dos trabalhadores, com a reforma laboral; dos povos e os seus
sinais de identidade como a língua, com a negação a que os cidadãos dos povos
decidam e a língua própria poda ser utilizada em todos os âmbitos; o direito á
vivenda, com uma política que favoreceu que centos de milhares de famílias
fossem despejados das suas vivendas; aos meios de subsistência, que se traduziu
em milhares de famílias em situação de pobreza, milhares de pessoas
mendicantes; milhares de pessoas vivendo de Caritas ou dos Bancos de Alimento,
e milhares de meninos desnutridos; limitação dos direitos de manifestação dos
cidadãos asseteados por multas; limitação do direito á saúde com despedimento
de milhares de médicos e enfermeiras que se traduziu numa deterioração da
assistência e em intermináveis listas de espera; diminuição da qualidade do
ensino, com milhares de docentes despedidos, incremento do número de alunos por
aula e incremento de professores que ensinam matérias afins; perda do poder
aquisitivo dos funcionários e pensionistas, com a congelação das suas
percepções retributivas. ... A contrapartida destes recortes, foi promoção duma
política que favoreceu aos ricos e ás grandes empresas, que elevou a quota de
desigualdade a uma das maiores da Europa.
Nos últimos tempos
estão a proliferar as acusações de violação dos direitos humanos contra Espanha
por parte dos organismos internacionais. Assim, Anistia Internacional alertava
o 26/03/2015 da ofensiva contra os direitos humanos por parte do governo do PP
com a aprovação das leis de Reforma do Código Penal e a Lei de Segurança
Cidadã, que restringirão o direito á liberdade de reunião pacífica, associação
e expressão. Também introduzirão medidas antiterroristas que legalizarão as
devoluções em quente e ilegalmente dos imigrantes e refugiados de Ceuta e
Melilha. A respeito da reforma do Código Penal critica que se ampliasse a
definição de terrorismo para incluir a «resistência» ás autoridades públicas e a
«imprudência», que inclui o apoio involuntário a uma empresa terrorista. A Lei
de Segurança Cidadá ou «Lei Mordaça» restringe a gravação em vídeo a agentes da
policia, com multas de trinta mil euros a quem difunda as imagens, permite
multar a pessoas que manifestem «falta de respeito» e faculta que sejam as
autoridades governativas e não os tribunais quem imponham multas para numerosos
delitos de ordem pública, com míngua das garantias processais.
O 27/03/2015,
quatro mecanismos de Nações Unidas criticam que Espanha não investigue
nem deixe que a justiça argentina investigue as graves violações de direitos
humanos cometidos polas autoridades franquista como as de tortura, roubo de
meninos e execuções extrajudiciais.
O 13/02/2014 o Comitê
Europeu de Direitos Sociais alerta de que o decreto sobre sustentabilidade
que pretende aprovar o Governo -seria aprovado em abril de 2012- vai implicar diversas vulnerações da Carta
Social Européia; em concreto que a exclusão generalizada dos pessoas migrantes
em situação irregular do Sistema Nacional de Saúde, salvo os menores,
embaraçadas e urgências, constitui uma vulneração do seu direito á saúde por
impedir-lhe aceder á assistência sanitária em igualdade de condições com as
demais pessoas. Critica, em referência ás prestações por desemprego e doença, a
sua quantia mínima e insuficiente para satisfazer alguns dos direitos
contemplados na Carta Social Européia. Fora do marco da Segurança Social
critica duramente as prestações sociais que se percebem em Espanha.
O Tribunal
Europeu de Direitos Humanos já acumula mais de 70 sentenças condenatórias
contra Espanha por vulneração dos direitos humanos, especialmente relacionadas
com o trato que recebem as pessoas acusadas de terrorismo. Somente imos citar
alguma delas.
O 22/10/2013
condena a Espanha pola doutrina Parot que supôs a aplicação retroativa das
normas penais, com clara violação do direito á liberdade e á segurança,
previsto no artigo 5.1 Convênio Europeu de Direitos Humanos e o previsto no
artigo 7 segundo o qual não pode existir pena sem lei.
O 22/04/2014, foi
condenada por violação do direito a um processo equitativo por não ter
utilizado todas os meios de proba necessários para constatar a culpabilidade do
acusado.
O 10/07/2014 o
Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Espanha por violação do artigo
3 de Convênio Europeu de Direitos Humanos, que proíbe a tortura., ao não ter
investigado os maus tratos a que foi submetido um demandante durante a sua
detenção.
O 14/07/2014 foi
condenada por violar o artigo 13 do Convênio sobre o direito a um recurso
efetivo dum grupo de saaráuis demandantes de asilo.
Tendo em conta que
as demandas estimadas polo Tribunal Europeu de Direitos Humanos falham sobre
sentenças de tribunais espanhóis, isto põe de relevo a incompetência destes
tribunais ou a sua subordinação á pressão do poder político ou de correntes de
opinião «manipulada».
O 16/01/2015, o Conselho
de Europa critica que se pretendam legalizar as devoluções em quente porque
esta disposição “não se ajusta á legislação nem da UE, nem do Conselho de
Europa nem da ONU”. Noutras palavras, “não se ajusta ás obrigações
internacionais assumidas por Espanha”.
O 25/10/2012 o
Conselho de Europa emitiu um duro informe contra a Xunta de Galiza por
desproteger o galego, ao contrário do que fazem os governos basco e catalão, e
“convida as autoridades a que tomem medidas de modo que a introdução forçosa do
modelo trilingue na educação não afete a educação na língua própria”. O Comitê
de Expertos diz estar “preocupado” pola redução “da educação em galego” nas
escolas, assim como polo “o apoio” que recebe a língua própria. Além disso,
lembra ás autoridades que apesar de que a legislação vigente não implica uma
educação plena em galego, si é necessário “que haja um número suficiente de
escolas que ofereça educação completamente ou essencialmente em galego”,
Os resultados duma
má política exterior têm que pagá-la todos os cidadãos e parece evidente que a
fustigação do governo contra vários países sul-americanos vai provocar políticas
de represália contra os interesses das empresas espanholas nesses países, além
de que parece não estar devidamente matinada, e quiçá só obedece ao propósito
de fazer um frente comum com EEU contra os países lhe são díscolos. O primeiro
efeito é a posição desvantajosa que vão ter as empresas espanholas na apertura
econômica de Cuba, e a segunda, as represálias econômicas que poda impor
Venezuela.
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