A expressão «Onde
um está bem, ai está a pátria» remonta ao poeta trágico romano Pacúvio (220-130 a.e.c.) na sua obra
trágica Teucer, fr. 291, citado por Cicerão (106-43 a.e.c.) nas Tusculanas,
5.37.108: «Patria est ubicumque est bene», A pátria está onde um está bem. É
esta uma expressão que todo o mundo pode aceitar na sua generalidade, porque
todo depende do significado que se lhe dê á palavra bem, que, como dizia
Aristóteles, reviste muitos sentidos ao igual que a palavra ser.
Alguns reduzem o
seu sentido a Ubi panis ibi patria, onde está o alimento, ai está a patria, e,
evidentemente podemos dizer que satisfazer qualquer dos motivos primários:
comida, bebida, sexo, sexo, ... é muito importante para todos os animais,
incluído o ser humano, embora não tenha para todos o mesmo peso. Não é igual a
motivação que presidia o comportamento de Sancho Panza, em procura da ilha
Baratária, que a do Quijote. Este é, sem dúvida, o motivo que impulsa o
comportamento do emigrante que intenta escapar da penúria econômica. Com todo,
é difícil aceitar que o alimento, ao igual que os demais motivos primários, se
identifiquem sem mais com a vida boa. A emigração provoca a separação das
famílias e a ruptura tanto dos vínculos familiares como sociais com respeito ao
seu lugar de procedência e sem lograr enraizar no seu lugar de destino. Um
emigrante vive nos países acolhida num ambiente isolado ou todo o mais numa
espécie de gueto marginal. Os que, por azar da vida, estudamos fora fomos
testemunhas da descarga emocional que se desencadeava nos emigrantes ao chegar
á fronteira espanhola, que delatava a situação de morrinha na que vivem no seu
desterro da pátria.
O sistema
capitalista situa-se onde vê mais oportunidades de benefício, de incremento do
capital, independentemente de qualquer consideração de caráter afetivo e de
todo vínculo social preexistente. O mundo que pregoa é a do homo oeconomicus
desenraizado sem mais interesse que o de pôr-se a disposição do capital, e de
ai que, em vez de localizar a riqueza onde estão os trabalhadores, desloca os
trabalhadores aos lugares onde se poda produzir um incremento maior dos
benefícios empresariais. É um sistema que racha com todas as formas de
integração social e reduz o indivíduo a um átomo isolado ante o deus capital.
Como diz Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, “A burguesia
despojou da sua aureola a todas as profissões até então reputadas de veneráveis
e veneradas. Do médico, do jurisconsulto, do sacerdote, do poeta, do sábio, fez
trabalhadores assalariados. A burguesia desgarrou o véu de sentimentalidade que
encobria as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro.
... A burguesia não existe mais que a condição de revolucionar incessantemente
os instrumentos de trabalho, quer dizer, todas as relações sociais.”
(Ediciones elaleph.com, 200, pp. 29-30). Creio que o problema não reside em se
as pessoas são assalariados ou Autônomos, porque este conceito é mui pouco
analítico, pois engloba situações totalmente dispares. Que tem que ver Pablo
Isla com um obreiro manual? Pois, segundo a análise marxista, os dous seriam
proletários e submetidos a exploração.
Que tem que ver um professor universitário com um alvanel, seja autônomo
ou assalariado? Do que se trata é dos direitos que amparam a um trabalhador e
das capacidades extrativas que tem. É
certo que o capitalismo destrui os vínculos familiares e sociais, mas também a
proposta marxista do proletariado internacional contribuiu á homogeneização
entre as distintas nações e, de passo, possibilitou a consolidação pola
oligarquia dum sistema extrativo planetário, e facilitou a submissão dos povos
diferenciados perante as oligarquias estatais.
O resultado de
dinâmica capitalista é um home cosmopolita, sem laços sociais, sem lugar de
residência estável, sem ligação com nenhum particularismo familiar, local ou
nacional. Do que se trata é de construir um home desenraizado e á margem de
qualquer interesse que não seja o da produção e o consumo, ad majorem gloriam
pecuniae. Declara-lhe a guerra ao mais sagrado, sempre que não favoreça o seu
poder extrativo sobre a população e a exploração dos recursos planetários. Este
mundo criado polo capital, que destrói os vínculos familiares e sociais e as
relações de pertença que integram e lhe dão sentido ás vidas dos indivíduos,
que aniquila os direitos dos trabalhadores, condenados muitas vezes a jornadas
ilegais e abusivas de trabalho a câmbio de salários muitas vezes insuficientes,
ao tempo que deixa no paro a milhões de pessoas, sem alternativa nenhuma de
futuro, que não é capaz de instaurar uma exploração razoável e sustentável dos
recursos escassos e incrementa a polução planetária, deve dar passo a um mundo
novo, um mundo ao serviço das pessoas presentes e futuras, um mundo que respeite
as diferenças e os laços que lhe dão sentido á vida dos indivíduos. O sistema
oligárquico necessita expandir-se para sobreviver, necessita da globalização
para continuar a incrementar os seus benefícios, e isto implica que necessita
destruir toda vinculação social oposta á sua dinâmica absorvente e vampiresca
dos recursos humanos e das matérias primas, numa espiral sem fim. “Impulsada
pola necessidadw de mercados sempre novos, a burguesia invade o mundo inteiro.
Necessita penetrar por todas partes, estabelecer-se em todos os sítios, criar
por onde quer meios de comunicação. Pola exploração do mercado universal, a
burguesia dá um caráter cosmopolita á produção de todos os países. Com grande
sentimento dos reacionários, quitou á indústria o seu caráter nacional. As
antigas indústrias nacionais são destruídas ou estão a ponto de sê-lo. Foram
suplantadas por novas indústrias, cuja introdução entranha uma questão vital
para todas as nações civilizadas: indústrias que não empregam matérias primas
indígenas, senão matérias primas vindas das regiões mais afastadas, e cujos
produtos se consomem, não só no próprio país senão em todas as partes do globo”
(Ibid. pp. 30-31). Os meios de comunicação são um instrumento precioso
em mãos da oligarquia, porque lhe permite bem-dizer o seu sistema de
exploração, difundir a «sua verdade» e lograr, desta maneira, o assentimento
dos cidadãos ás políticas que põem em prática. O resultado é um des-empoderamento da
cidadania e dos produtores e pequenos empresários locais, condenados a
trabalhar para e como satélites da grande expressa transnacional. O caráter de
reacionário aplicado aos que defendem a indústria local é improcedente, pois a
indústria local cria riqueza para a comunidade onde se insere sob a forma de
postos de trabalho, valor acrescentado, tributos, aproveitamento dos recursos
locais, ... e permite aforrar energia e dispêndios em transporte, muito
importante numa economia sustentável.
Castelao combateu o
provérbio «ubi bene, ibi patria», reduzido á mero bem-estar econômico, por
considerar que isso destrói as pátrias. “Eu topo-me bem onde poda viver com
desafogo, (porque levam a pátria na sola dos sapatos)” (Sempre em Galiza,
p. 12). Combateu denodadamente o cosmopolitismo e optava polo universalismo,
pola coordenação do particularismo com o universalismo; defendia o
internacionalismo mas não um internacionalismo abstrato senão um
internacionalismo que conte com as sociedades presentes, onde os homes adquirem
a sua identidade grupal e que lhe darão o seu selo próprio ao desejado futuro
Estado mundial. “Diga-se o que se queira, a sociedade futura terá de criar-se
pola conjunção das sociedades presentes, de modo que o Estado mundial leve o
cunho das pátrias que o integram” (Ibi. P. 433).
Outros autores
reduziram o provérbio «ubi bene, ibi patria», a «ubi libertas, ibi patria»,
onde há liberdade ali está a pátria, mas o bem é muito mais que a liberdade. A
liberdade integra, mas não em exclusiva o ser humano, que, além do poder de
decisão, tem sentimentos, paixões, emoções, necessidade de carinho de proteção,
de filiação, ... e, por tanto, todo isto forma parte também do bem humano.
Outros restringem o
bem do provérbio «ubi bene, ibi patria», ao amor, «ubi amor, ibi patria», que é
também um fator muito importante em todos os animais, e que contribui ao
equilíbrio pessoal, a dotar de confiança em si mesmos aos amantes, permite
satisfazer as pulsões sexuais entre parelhas e perpetuar-se na prole. Segundo
Freud, Eros é, junto com thanatos, ou instinto agressivo, a pulsão básica do ser humano que determina a
sua conduta, uma pulsão que necessita satisfazer-se dum modo imperioso, mas
tão-pouco o amor o é todo.
O bem inclui a satisfação dos motivos primários: comida, bebida, sexo,
sono; mas também das necessidades de comunicação, liberdade, proteção, amor,
auto-identificação, relações de pertença, criatividade; em definitiva, a
auto-realização das potencialidades contidas no ser humano.
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