Repetimos,
modificada, a pergunta que o apóstolo Pedro, quando escapava de Nero pela Via
Apia, lhe fez a Jesus ao visioná-lo portando uma cruz: «Quo vadis, Domine». No
caso presente, «A onde vais, PSOE?». Claro que poderia suceder que um
ma-lintencionado, coma mim, se lhe ocorresse pensar que a pergunta que haveria que fazer seria: «Vais
a algures, PSOE?». Há alguns indícios que são ilustrativos duma deriva
ziguezagueante desta organização, tanto no terreno ideológico como na praxe
política.
É um partido que
teoricamente se supõe que intenta implantar o socialismo, como os partidos
denominados comunistas, mas que se diferenciaria deles por tentar fazê-lo por
vias democráticas. Mas, embora se supõe que pretende caminhar cara a uma
sociedade socialista, promove a preeminência da oligarquia com a reforma do
artigo 135 da Constituição Espanhola, em conivência somente com o partido mais
pro-oligárquico do arco político espanhol e um dos mais reacionários da Europa,
como é o PP. Declara-se democrático, e
não obstante não permite que os povos votem em liberdade e, por tanto, não
respeita o direito básico dos povos a decidir o seu futuro. Declara-se
democrático e promove a denominada lei de Partidos, que muitos suspeitam que se
utiliza como coarctada para ilegalizar formações não sempre terroristas,
devido, sobre todo, a que a separação de poderes é mui imperfeita no Estado
espanhol. Avaliza a sua condição democrática por ser defensor das primárias,
mas os seus dirigentes são os primeiros que invalidam os seus resultados, como
Pedro Sánchez em Madrid, e Besteiro em Ourense.
Em janeiro de 2016
estão-se a sondar as possibilidades de poder constituir um novo governo como
resultados das eleições do 20D. Parece razoável que cada organização política
sinale, antes de pronunciar o «si quero», os condicionantes que os seus
eventuais coligados devem cumprir para formalizar um matrimônio estável, eficaz
e congruente com o próprio programa com o que se apresentou ás eleições, se bem
tem que ser consciente de que não todo ele se poderá realizar, e que também os
seus parceiros têm direitos semelhantes. Também é legítimo traçar linhas
vermelhas, condições sine qua não, que poderiam obstaculizar o desposório, mas
quando se faz isto creio que estas linhas vermelhas devem incumprir os com os
direitos humanos, a história da formação e/ou a sua estratégia a longo termo.
Podemos estabeleceu
como conditio sine qua non, como condição imprescindível, que o partido ao que
apóiem deve permitir um referendo em Catalunha, e a esta proposta responde-lhe
o PSOE com uma linha vermelha simétrica de que o seu associado ou sustento
pontual tem que renunciar a que esse referendo se celebre. Isto é o que devemos
analisar agora se é razoável ou não. Defendemos num artigo publicado faz pouco
que, em vez de afirmar que a democracia é o império das maiorias com respeito
das minorias “seria melhor afirmar que a democracia é o império das
maiorias, respeitando os direitos humanos, tanto individuais como coletivos; tanto
dos indivíduos isolados como dos povos”. Isto é muito difícil de rebater
porque já é algo geralmente aceitado. Ora bem, o que observamos é que o PSOE
impõe como linha vermelha o incumprimento dum direito humano básico, que é o
direito dos povos a decidir, direito que está reconhecido amplamente nos
documentos da ONU. Espero que ninguém me venha com a endrómina, como
freqüentemente se faz nas tertúlias, de que esse direito surgira para casos de
colonialismo, porque um direito humano não depende das circunstâncias em que
surgiu senão das exigências morais ás que responde. Por tanto, não é ético nem
democrático negar que os povos podam ser consultados e podam decidir livremente
o que querem ser, sobre qual é o seu posicionamento a respeito dos demais povos.
É costume inveterada no Estado espanhol diferenciar entre povos de primeira
categoria, o povo espanhol, e povos de segunda categoria, os povos vasco,
catalão ou galego, incluso entre aqueles aos que se lhe enche a boca de falar
de igualdade para todos. O único povo ao que ninguém lhe discute o direito de
autodeterminação é ao povo espanhol, mas muitos pensam que os demais devem
ficar submetidos e colonizados in vitam aeternam.
Tão-pouco é
legítimo apresentar-se ás eleições com um programa no que se estabelece que se
oporão a que os povos sejam consultados, porque todos os direitos humanos são
universais, invioláveis e irrenunciáveis. Não se podem mesquinhar, ainda que si
se pode negociar a sua efetivação. Aliás, não se pode dizer que este direito
colida com a história do PSOE, porque no seu programa político aprovado no mês
de julho de 1918, estabeleciam que: “O Partido Socialista Obreiro Espanhol
considera necessário para realizar a sua aspiração obter as seguintes medidas
políticas e econômicas: Confederação republicana das nacionalidades ibéricas,
reconhecidas a medida que vaiam demonstrando indubitavelmente um
desenvolvimento suficiente, e sempre sobre a base de que a sua liberdade não
entranhe para os seus cidadãos míngua alguma dos seus direitos individuais já
estabelecidos em Espanha e de aqueles que são patrimônio de todo povo
civilizado”. Alguém pode objetar que no texto aludido não figura
explicitamente o reconhecimento do direito a decidir, ainda que seja difícil
negar que aparece implicitamente, mas, no Congresso do PSOE celebrado o ano
1976, aprovou-se que “o Partido Socialista propugnará o exercício livre do
direito de autodeterminação pola totalidade das nacionalidades e regionalidades
que comporão em pé de igualdade o Estado federal que preconizamos. ... A
constituição garantirá o direito de autodeterminação”. Fundamentava-o
mantendo que “a análise histórica diz-nos que na atual conjuntura a luta
pola libertação das nacionalidades ... não é oposta, senão complementária com o
internacionalismo da classe trabalhadora”. Á vista destes antecedentes, bem
se pode ver que no PSOE se produziu uma fratura ideológica democraticamente
regressiva no momento da transição política, na que decidiu baixar os pantalões
antes as hostes franquistas, inter-cambiando os direitos dos povos pela
camaradagem borbônica. Agora pretendem fazer-nos ver que eles são bons rapazes
e nada suspeitosos do horrendo crime de romper Espanha, consubstancializando
interessadamente consultar com romper, ao tempo que exibem a sua maridagem com
todos aqueles que a estão a romper de fato.
Na praxe política diária a
impressão que deixam na cidadania é de que se trata dum partido sem rumo, um
partido carcomido por divisões e conflitos internos. Susana Diaz foi
determinante para que Pedro Sánchez saísse elegido Secretário Geral, mas ato
seguido começou a sua campanha de derrubamento contra ele, parece que para
pôr-se no seu lugar. Esta Senhora parece que se considera e é considerada por
muitos como a nova Messias que, com um sopro, vai conduzir ao PSOE á maioria
absoluta no Congresso dos Deputados, e eu pergunto-me quais são os fundamentos
desta hiper-valoração, quais são as suas gestas até este momento. Ela foi a
principal responsável de que tenham o Secretário Geral que têm, e considero que
não deviam desorientar a cidadania socavando-lhe a erva debaixo dos pés os
mesmos que o entronizaram, sem deixar-lhe o tempo suficiente para mostrar as
suas potencialidades. O que si ficou claro é que defende a maridagem histórica
com o PP e se entende a maravilhas com os partidos mais centralistas e
antinacionalistas do Estado espanhol. Os barões falam de substituir a Pedro
Sánchez já, e parece que em contra da mesma legalidade estatutária. Pretextam
todos eles, incluída a Sra. Diaz, os maus resultados eleitorais, porque parece
que entendem que após uma legislatura de Zapatero em que não deu pé com bola, e
duma igualmente catastrófica de Rajoy, já, por arte de magia, abrir-se-lhe-iam
as portas da Moncloa de par em
par. Eu creio que, tendo em conta os antecedentes e as
formações alternativas concorrentes, não foram brilhantes, mas tão-pouco
péssimos. Contrariamente ao PSOE das duas primeiras décadas do século XX, que
era um partido que emocionava, frente aos partidos da Restauração, e que nalgum
momento chegou a seduzir incluso ao reacionário Ortega e Gasset, hoje não
entusiasma, a gente não se encandeia com ele, não o vê como um partido de
futuro, um partido adequado para resolver os seus problemas, além que, ao igual
que o seu concorrente do bipartito, está lastrado pola corrupção. Como sócio
político, tão-pouco é muito de fiar, como o demonstra o seu modus operandi
durante o governo bipartito em Galiza, no que atuou como dinamiteiro desde
dentro e como o principal responsável de que hoje governe ainda Feijóo.
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