27 ene 2016

“Espanha é uma nação de nações”, Monedero dixit


O ideólogo de Podemos, João Carlos Monedero, anda por Espanha difundindo a sua sabedoria aos seus paroquianos, aos seus círculos, mas também de vez em quando aproveita os meios de comunicação locais para instruir-nos um pouco, que boa falta nos faz. Vou-me cingir a comentar dous aspetos das suas manifestações a um canal de televisão galega: a de que Espanha é uma nação de nações e a solução que propõem para evitar a lei de ferro das oligarquias.

Quando se critica algo, e alguns galegos temos a mania de andar enredando as cousas, sempre tem que fazer-se em base a uns princípios que guiem o nosso discurso, e, por isso, vejo-me obrigado a precisar que entendo eu por nação. Imos referir-me naturalmente, ao significado que tem hoje este termo e não ao sentido que teve na Idade Média. A palavra nação deriva do verbo latino nascor, que significa nascer, e, por tanto, o significado etimológico de nação é o lugar de nascimento. Os medievais utilizavam-na nesta acepção quando se referiam ao agrupamento dos alunos por «nationes» nas universidades de Bolonha, Paris, Salamanca, etc. para procurar-se mútua proteção num país estrangeiro. Em Bolonha foi onde primeiro surgiu a divisão em nações, que logo se estenderia ás demais universidades. Havia quatro nações: Lombardia,  Toscana, Roma e ultramontanos, que incluía também os franceses, alemães e ingleses. Igualmente, na universidade de Paris, os estudantes estavam agrupados, pelo lugar de procedência, em quatro nações, como acredita o Dictionnaire de l'Académie Française:  "A Faculdade de Artes da Universidade de Paris está composta de quatro nações, que têm cada uma o seu título particular. (A honorável nação de Francia, a fiel nação de Picardia, a venerável nação de Normandia, e a constante nação de Germânia”.  Foi neste sentido como utilizava o termo Cervantes.

 A nação foi definida por José Delgado Pinto (1932- ) como "a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma vida política autônoma" (DELGADO PINTO, J., «Nación» em Gran Enciclopedia Rialp, Tomo 16,  Madrid 1973, pp. 537-9). Como se trata dum professor de Cáceres e não nacionalista não se prestará a suspeitas. Eu diria que há, nesta definição, quatro elementos principais: a) É uma comunidade humana estável, e, por tanto, os que assistem a um partido de futebol não são uma nação; e uma comunidade humana estável é um sócio-sistema, um sistema social, uma comunidade estruturada, em resumidas contas, um povo; b) Possui uma série de vínculos naturais, como território, clima, relevo, ... e culturais, como a língua, cultura, organização econômico-social, ...; é, pois, um fato diferencial, se bem isto não é suficiente para constituir uma nação, e, por tanto afirmar que Galiza é uma nação não pode basear-se simplesmente em que temos língua, cultura, etc.; c) Tem consciência da sua diferença com respeito doutros povos, sente-se diferente, e autodenomina-se como «nós» frente aos «outros»; e d) tende a desenvolver uma vida política autônoma, uma vida própria, que atenda as suas necessidades, aspirações, etc. A palavra «autonomia», está composta de duas palavras gregas: autos, que significa si mesmo, a si mesmo, por si mesmo, e nomos, lei, por tanto, etimologicamente significa dar-se a lei a si mesmo, o qual indica que o uso que se fez desta palavra, utilizando-a para dar-se leis em âmbitos restringidos e subordinadas a outras leis, desnaturalizou o seu significado originário. Tender a levar uma vida política autônoma significa que a nação se converte na instância legitimadora do poder político, quer dizer, que a legitimidade se adquire pela fidelidade á nação. E podem-se ter duas fidelidades ou três? Eu diria que é ainda mais difícil que ser fiel a duas mulheres, porque os interesses são, na realidade material, na prática quotidiana, contrapostos. Se eu lhe quero levar a energia grátis a Madrid, não vou contentar aos galegos, e se, lha corto aos madrilenhos, estes vão-se resistir.

O Sr. Monedero afirmou nessa entrevista que “Espanha é uma nação de nações”, e justificou este asserto no fato de que um pode sentir-se galego e espanhol ao mesmo tempo, ao igual que vasco e espanhol, ou catalão e espanhol. Fundamenta, por tanto, a nacionalidade num sentimento de pertença, e mira por onde agora observo que os de Carvalho já fomos sempre uma nação, e eu já são membro de duas nações,  pois embora que o azar histórico me levou por outros roteiros, nunca deixei de sentir-me um carvalhés; e como também me sinto santiaguês, pela minha prolongada moradia, nesta cidade, já são três, e com a espanhola, quatro. Descrevo isto para pôr de relevo o absurdo ao que nos leva fundamentar a nação dum jeito idealista; não é que seja irrelevante este sentimento de pertença, mas creio que os sentimentos, um fato subjetivo e volúvel,  não são suficientes para fundamentar uma nação, mas si para mistificar a sua idéia.

Por conseguinte, falar de nação de nações é um absurdo lógico, que somente tem a virtualidade de dar-lhe nova roupagem a á velha idéia de submissão duns povos sobre outros, dumas nações sobre outras. Se crê o Sr. Monedero que vai satisfazer aos galegos, vascos e catalães dizendo-lhe que são uma nação submetida á Espanha está mui equivocado. Que mais me dá a mim que me digam que Espanha é uma nação de nações que uma nação de nacionalidades, como figura agora, se, na prática se justifica que todo siga igual. Os povos tem que conviver em pé de igualdade e não de subordinação; há que criar uma convivência em horizontalidade e não em verticalidade, da que tanto gosta podemos. Há que partir da idéia de que no Estado espanhol convivem quatro povos: espanhol, galego, vasco e catalão, e não pretender espanholizar-nos a todos.

Em relação com isto está o problema de se Espanha é ou não uma nação, questão que foi tratada muito detidamente na história do nacionalismo galego, e mui especialmente na obra de grande Castelao. Este político afirma que Hespanha, referida a todos os povos que convivem no Estado espanhol, não é uma nação, mas que Espanha, referida á comunidade distinta de Catalunya, Euskadi e Galiza, si é uma nação, tese com a que eu concordo totalmente. O nacionalismo atual, em vez de escrever Hespanha para referir-se ao conjunto, escrevem Estado espanhol, e o Estado espanhol não é uma nação, senão que é um conjunto de nações, que desejam conviver no seu seio em pé de igualdade.

Com todo, há que reconhecer-lhe a Podemos que, pelo menos, respeite o direito de autodeterminação, ou seja, o direito que têm os povos a expressar livremente que querem fazer com o seu futuro, pelo menos no sentido de que se poda consultar a vontade popular e não castigar aos que consultem, mas isto não significa que sejam proativos para que se exerça nem que defendam esse direito, senão que já avisaram que serão proativos em contra, especialmente pelo que diz respeito á independência, que vão votar em contra, porque a sua opção é a Espanha uma. São democratas mas pretendem condicionar esse direito de acordo com os interesses «superiores» da sua política estatal; noutras palavras, pretendem que triunfe o unionismo democraticamente para soldar mais fortemente a unidade, frente a PP. PSOE e Cidadãos que pretendem impô-lo coativamente. Os do partido morado não são dos «nossos», ainda que manifestam que não vão malhar em nós e  pensam tratar-nos mais civilizadamente. A ninguém deve surpreender esta alternativa sua, salvo a quem pense que os problemas dos galegos lhe vão vir resolvidos por organizações alheios ao país, algo que não sucedeu em nenhum país do mundo nem a respeito de nenhum direito humano.

Referente a PP, PSOE e ao espanholista de pro Cidadãos, podemos afirmar que são organizações que nem sequer atuam democraticamente, senão que querem impor a nivel social a teoria da «con-lhevância», que propusera o espanholista até as nádegas Ortega e Gasset, esse do que tanto gosta Felipe González, que afirmava que o problema de Espanha não se pode resolver senão que há que con-levá-lo, ou seja, agüentar a esta espécie de inquilinos morosos até que cansem e desistam das suas pretensões. Num artigo anterior temos definido a democracia como o império das maiorias com respeito dos direitos humanos tanto individuais como coletivos. PP, PSOE e Cidadãos, nem sequer querem entender que o ser humano não é um átomo isolado senão que a humanidade se adquire pela inserção numa determinada coletividade, com a que um compartilha necessidades, aspirações, vantagens e desvantagens comparativas, no seio duma comunitária, no seio dum povo. O PSOE sempre defendeu o direito de autodeterminação mas, uma vez que chegou a ocupar cadeirões, não cansa de lançar anátemas contra ele e contra quem o defenda.

Monedero tem claro algo que o PP sempre distorce, seguindo ao integrista Julião Marias, a realidade histórica ao afirmar que Espanha é a nação mais velha de Europa, pois já foi nação desde os reis católicos, confundindo as noções de Estado e de nação. As nações surgiram com a Revolução Francesa, ligadas estreitamente á soberania popular. No momento em que os amotinados em Paris lhe dizem a Luis XVI que a soberania lhe pertence a eles e não ao monarca, estavam criando a nação francesa, que si podemos dizer que é a nação mais velha de Europa. Espanha somente se pode dizer que se constitui em nação a partir das Cortes de Cádiz; e Galiza, iniciaticamente, a partir de 1916.

Também creio que cumpre reconhecer que Monedero tem razão quando fala do devir das nações, pois estas não são seres estáticos, que têm uma essência permanente e imorredoira, senão que, como todo produto histórico, nascem, desenvolvem-se e morrem. A sua morte produz-se como efeito da pressão doutros povos, que, democrática ou antidemocraticamente, destroem a sua estrutura social.

Tocante á lei de ferro das oligarquias, ou seja, a lei proposta pelo alemão Robert Michels que diz que “tanto na autocracia como na democracia sempre governará uma minoria", diz o ideólogo de Podemos que pretende solucioná-lo limitando os mandados, e, por isso, afirma, ninguém poderia ocupar mais de duas legislaturas o mesmo posto. Mas, se o Sr. Monedero, não quer enganar-se a si mesmo, com isto na invalida esta lei, porque que não governe mais tempo uma minoria não implica que seja substituída por uma maioria, senão que será substituída por outra minoria, minorias que se reproduzem ininterruptamente. 

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