Dizia
Wittgenstein, na sua segunda etapa, que a filosofia tem uma função terapêutica,
que consiste em esclarecer as proposições vagas da linguagem, “de reforma para fins práticos particulares,
de melhora da nossa terminologia destinada a previr os mal-entendidos na sua
prática”. E resumia o seu pensamento do seguinte jeito: “qual é o teu objetivo em filosofia? Mostrar
á mosca o orifício de saída da botelha”. Considera a filosofia analítica
que os problemas metafísicos se originam por um uso inadequado da linguagem, e
que estes problemas não há que resolvê-los, porque não são problemas
autênticos, senão dissolvê-los, mostrando como se originaram.
O que a
filosofia analítica aplica aos problemas metafísicos podemos extrapolá-lo aos
problemas religiosos, políticos e econômicos, que compartem com a metafísica o
traço de que não são ciências estritas, senão que encerram grande dose de
valores. Todas defendem uns determinados fins, certos valores, e enredam o seu
razoamento em malabarismos lingüísticos que, em vez de aclarar, o que fazem é camuflar
os próprios objetivos, ofuscando a mente dos destinatários. Todas recorrem a
uns métodos de persuasão próprios da mercadotecnia para procurar a fidelidade
dos seus aderentes, que costumam acompanhar de ameaças tais como subas de
preços, instabilidade social, terrores do inferno,... Cada passo se parecem
mais as técnicas de política ás de venda de qualquer produto de consumo, como
pode ser a de eletrodomésticos.
Um primeiro
slogan que lançou o PSOE era que Podemos pretendia substituí-lo, o qual
implicaria nada menos que o PSOE é um partido que não tem este objetivo e está
para promover os seus adversários políticos. Disso concluir-se-ia logicamente
que cumpre eliminar as eleições e substituí-las por sorteios. Uma vez que este
slogan decaia, lançou-se o seguinte, que consiste em que as esquerdas não somam
em contra dos seus desejos, e, por tanto, cumpre fazer uma política de centro
que foi o que sempre fez o PSOE.
Em realidade,
uma política de esquerdas autêntica é inviável no contexto histórico em que nos
encontramos, porque o marco da globalização e o liberal europeu não o permitem.
Em realidade, Podemos tão-pouco pretende aplicar uma política de esquerda radical
senão de centro-esquerda tipo PSOE, mas corrigindo os vícios que este foi
acumulando ao seu passo pelo governo. Em Portugal, a raiz da revolução dos
cravos, o primeiro ministro Vasco Gonçalves pretendeu implantar uma política de
esquerdas, mas já se encarregou rapidamente Alemanha de parar-se os pés
indicando-lhe que essa política não era viável na Europa. Creio que é
ilustrativo também o que lhe passou a Alexis Tsipras. O que si se pode fazer é
uma política que evite o imenso oceano de corrupção em que estão imersos tanto
o PP como o PSOE, que se incrementem até a média européia os ingressos públicos
para reforçar o estado do bem-estar, que os não pagam ao fisco tenham que
fazê-lo, aplicar medidas que desincentivem a deslocalização de empresas, que se
suprima a conivência dos poderes econômicos e políticos, que se democratize a
estrutura do Estado reconhecendo que não se pode manter os povos submetidos per
saecula saeculorum pela força a um poder político que ignora os seus direitos a
existir e decidir como governar-se e que relações querem manter com os demais.
Não deixa de ser sintomático que o PSOE que historicamente sempre defendeu o
direito de autodeterminação, como expusemos no artigo anterior titulado
«Democracia para os nossos dias V», uma vez que pisou as moquetas dos palácios
do Reino de Espanha, converte num tema tabu, não só defendê-lo, senão que outro
partido permita que os povos podam pronunciar-se para saber que quer realmente
a sua cidadania. Isto disfarça-se apelando a tópicos como que se defende o seu
direito a decidir porque decidimos todos os espanhóis, que não o permite a
Constituição Espanhola,...
Volvendo ao
segundo slogan, se focamos a constituição dum governo em termos de esquerda e
direita, é totalmente inviável um governo no Estado espanhol, mas se o focamos
em termos de alternativas de direita e de centro direita, por uma parte, e de
centro esquerda, pela outra, a cousa cambia. É evidente que os partidos de
direita têm no Congresso mais deputados que os de Esquerda: PP: 123; C’s: 40;
DiL: 8; PNV: 6. Total: 177, já sem contar Coligação Canária. Mas esta opção não
é viável, salvo que se lhe una o PSOE, porque DiL nunca apoiaria um governo do
PP pela obsessiva fustigação contra o seu autogoverno e por tê-lo convertido
num apestado político, salvo que lhe ofereça contrapartidas que este não quer
conceder, como poder celebrar um referendo. É evidente que o PSOE tem difícil unir-se
ao PP e menos fazer presidente a Mariano Rajoy, porque seria já a sua defunção
política. Aliás não seria já uma alternativa de direitas pura.
As esquerdas
têm: PSOE: 90; Podemos: 69; IU: 2; ERC: 9. Total: 170. É evidente que não
alcança os 176 precisos. Mas esta alternativa é viável se se lhe une o PNV, que
daria 167 deputados, sempre que se abstenham ERC e DiL. Mas o PSOE nem sequer
deseja intentá-lo porque não quer perder o pedigree do E do seu Logotipo, ou
seja, o seu espanholismo até as nádegas. O resultado é que, como fruto da
incapacidade dos partidos políticos para resolver os problemas, têm os
habitantes de todos os povos do Estado espanhol num beco sem saída, e intentam
disfarçar essa falta de vontade política com a propaganda contra os partidos
que não querem desnaturalizar o seu projeto político, mantendo eles as linhas
vermelhas do seu. Do que se trata é de premer o outro e apresentá-lo como o mau
da película para procurar manter, mediante a manipulação e a intoxicação, o
favor da cidadania. Isto explica a campanha hostil dalguns meios da capital do
Reino contra a formação morada.
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