Para compreender o bofetão que os
unionistas lhe propinaram à reja personalidade política, socioeconômica e
cultural que constitui o povo catalão, cumpre ter presente a situação política
de que se parte. Na transição de 1978, da que tanto pavoneiam os seus
usufrutuários, constituiu-se um estado autonômico, um produto típico espanhol,
intermédio entre, por uma parte, o estado federal, pluri-soberano, que goza
duma autonomia fundada na sua própria constituição que traduz a sua soberania
originária, e, pola outra, o estado unitário, ou seja, com soberania única, que
só dispõe, no melhor dos casos, de descentralização administrativa e não
política. O estado autonômico é um estado unitário, o qual significa que não
reconhece a soberania dos povos que o integram, salvo o espanhol, com
descentralização política, mas sempre subordinada ao que estabelecer a
Constituição espanhola, que só reconhece o povo espanhol como sujeito político,
ou seja, dotado de soberania, e, portanto, de poder de decisão.
A
autonomia é
uma concessão político-administrativa
de poderes normativos e/ou executivos, de competências e serviços do Estado
unitário a entidades territoriais, chamadas autonomias, conservando íntegra a soberania. Os direitos das
comunidades autônomas derivam da Constituição e não são direitos originários
das entidades territoriais locais, ao contrário do que acontece no estado
federal. Não têm constituição própria senão um Estatuto que emana duma Constituição
unionista e é
aprovado por uma lei do Estado; os povos não participam, como tais, na elaboração
e reforma da Constituição, que pode fazer-se em contra do seu consentimento, e
o próprio Estatuto pode reformar-se por leis qualificadas -leis orgânicas- dos
poderes centrais, nem na legislação ordinária ou na criação da vontade comum
estatal. Em nível formal os Estatutos têm que referendar-se polas comunidades
autônomas, uma vez reformados, mas isto podem solucioná-lo os hierarcas espanholistas,
salvo que se opte por fazê-lo já diretamente polas bravas, com uma reforma ordinária
da CE, que, como no-lo ensina a experiência, pode ultimar-se em oitos dias.
Nenhum povo que se preze deve aceitar voluntariamente solução tal, salvo que se
faça com a perspectiva de proceder por pequenos passos. Mas agora este pequeno
passo, foi já desvirtuado polos unionistas que não só o consideram como o termo
de chegada, senão que o desvirtuam com medidas que retrogradam a situação
atual.
Os partidos do artigo
155, junto com o seu entronizado colaborador e mandante, consideram que o
Estado é patrimônio seu e que podem usar e abusar ao seu bel-prazer do destinos
dos povos integrados pola força e a repressão neste Estado. Quem não esteja de
acordo que se ponha, porque dispõem do controlo das forças de segurança e quem
manda são os representantes do povo espanhol, e os demais são, todo o mais, uma
espécie de usufrutuários molestos de certas partes do território.
A propaganda utilizada
para infringir-lhe esta ferida profunda ao povo catalão, e indiretamente a
todos os demais, principalmente o basco e o galego, foi o slogan «estado-de-direito», identificado mesmo por eles com a democracia,
pretextando que é imprescindível cumprir a lei. Em realidade, eles mesmos não
crêem nele porque o conculcam a diário, e nem sequer se preocupam de
justificar-se ante a cidadania porque quem manda, manda. Agora o lema «l’êtat-c’est-
moi», (o estado-sou-eu) do
rei sol francês, foi substituído polo «l’êtat-c’est-le-parti
(o estado do partido), e, no caso do PP, o chefe do partido, ou, com mais
precisão: «l’êtat sont les partis unionistes» (O estado são os partidos
unionistas).
Também se utilizou a noção de
democracia, pretextando que não é democrata quem não acata as leis, o maior
disparate que se possa ouvir, porque em nome da democracia o que se pretende é
precisamente coartar a expressão dum direito democrático como é perguntar-lhe
aos cidadãos dum povo pola sua preferência política.
Desde Patão se estabeleceu em
política o reconhecimento duma personalidade nos povos, análoga com a
personalidade dos indivíduos. Em consequência, se se fala dó poder de decisão
dos indivíduos, também se pode falar do poder de decisão dos povos, poder de
decisão que se identifica com o poder de autodeterminação ou com a noção de liberdade,
que quando falta nos permite falar de escravidão. A escravidão dos indivíduos
induziu o insigne Castelao a falar da escravidão dos povos, sendo muito
conhecido o seu escudo que reza: «Denantes mortos que escravos», em referência
à escravidão do povo galego. Portanto, igual que existe uma escravidão dos
indivíduos, existe uma escravidão dos povos, que se dá quando um povo não pode
decidir o seu destino em liberdade.
Esta maneira de atuar dos partidos
do 155 veu demonstrar a sua incapacidade de diálogo, e, neste sentido, tanto
monta, ainda que no caso do PSOE é muito mais grave porque se esperava dele
outra cousa, mas este partido está empenhado em decepcionar aos seus militantes
e votantes e sempre com a melhor disposição de agradar aos poderes fácticos. Como
receita para o povo catalão ocorreu-lhe como ideia salvadora algo que em
Catalunya ninguém mais pede: uma reforma da constituição espanhola, na que se
reconheça a singularidade desta comunidade que se traduziria no reconhecimento
da nação catalã, mas só no aspecto cultural, ou seja, outra milonga mais porque
toda nação, para ser tal, tem que ter reconhecido o seu caráter de sujeito
político. O curioso é que agora já pregoa aos quatro ventos que vai ganhar as
eleições, e abofé têm razão se o resultado vem determinado por obedecer as
consignas dos poderes fácticos (monarquia e IBEX), que serão os que o bendigam
para que possa chegar à Moncloa. Nenhum cidadão das nações periféricas do
Estado pode esperar nada bom deste partido, como o demonstrou sobradamente com
os seus pactos prioritários com o PP para fixar o marco em que operar e a
utilização dos partidos nacionalistas como companheiro de viagem para assuntos
de trâmite.
C’s é o avançado do estado na luta contra todo o que
não seja espanholismo puro, e o seu programa pode resumir-se na frase: «Aticemos-lhe aos nacionalistas».
Pretende desta maneira conseguir uma uniformização total dos cidadãos e povos
do Estado espanhol, para que os seus mandantes do IBEX possam fazer negócios em
todo o Estado só contratando com os dirigentes dos partidos unionistas no
Moncloa, que se traduziu na maior corrupção que se lembra no Estado espanhol. O
PP quer superá-lo agora suscitando o tema da liberdade de eleição da língua própria
das comunidades por parte dos pais. Mas, se querem liberdade, por que não a dão
também para eleger ou não espanhol? Por que não se suprime do texto
constitucional o dever de conhecer o espanhol? Entretando a UNESCO impulsa o
mantimento de todas as línguas, como um patrimônio da humanidade, no Estado
espanhol o que se quer é afogá-las mediante a estratagema da liberdade, num
contexto em que o espanhol não corre perigo nenhum em nenhuma comunidade do
Estado. Em todo caso, já tem vários barões socialistas que o apoiam nesta
campanha: Javier
Lambán, Emiliano García-Page e Guillermo Fernández Vara. Do que se trata é de afogar o idioma
próprio das comunidades para que em todo o estado se fale unicamente o idioma
espanhol, e inclusive não se recatam de fazê-lo em contra dos representantes da
maioria absoluta de catalães e bascos. A primeira lição, por tanto, é que deste
estado, regido polos partidos do 155 não podemos esperar nada, bom se entende.
A segunda lição é que, como já tenho
dito faz muito tempo, a cacarejada divisão de poderes não existe, nem pode
existir nunca entretanto os membros do Tribunal Constitucional e do Conselho
Geral do Poder Judicial dependam dos bi-partito turnante, completado ou não com
o seu companheiro do 155, e enquanto o fiscal geral do Estado seja um lacaio do
governo de turno. O poder judicial ficou convertido num instrumento dos
partidos unionistas para reprimir e amedrontar a todos os povos nacionalistas
periféricos do Estado. .
A terceira lição é que a democracia espanhola é muito
limitada, é em grande medida, uma carantonha, uma farsa, que alguns utilizam
para pavonear-se perante o exterior, e o seu proceder foi aceitado por uma UE com
uma democracia também sumamente desvaliada, uma Europa de mercadores onde
quatro senhores decidem ao seu arbítrio da sorte de todos os habitantes
europeus.
A quarta lição é que o problema das
nações não foi resolvido nem existe interesse nenhum em resolvê-lo. A única
solução que se oferece é a de suportá-lo até que o sistema repressivo o
permita. Como a solução representa uma indignidade para os habitantes destas
comunidades, todo indica que o conflito continuará. Os políticos unionistas do
155 não estão para solucionar problemas, senão para reprimi-los.
A quinta lição é que contra os
nacionalistas não existem leis mais que para reprimi-los como o demonstra o
facto de que se impõem medidas baseadas numa interpretação do artigo 155, já vetada
polos pais da constituição e, portanto, polo povo espanhol. Não falemos já do
castigo infligido às pessoas que o único delito que cometeram é topar-se num
colégio eleitoral com pessoal de segurança que utilizava cegamente a repressão
contra todo tipo de pessoas, sem respeitar velhinhos e velhinhas.
A sexta é que o Rei é rei de parte;
promove os valores do povo espanhol e carga sem contemplações contra os dirigentes
das nações periféricas regidas por maioria absoluta por nacionalistas, neste
caso concretizado no povo catalão e sinal de advertência para os demais. A
partir de agora, este monarca, definitivamente não é o seu representante.
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