O cristianismo, judaísmo e islamismo
são religiões profundamente desigualitária, como o demonstra ainda nos nossos
dias a proibição por parte da Igreja católica de que a mulher possa ocupar as
altas magistraturas na Igreja. Esta misoginia tem o seu alicerce na prática
social dos judeus, sacralizada nos livros sagrados. Foi a mulher a que traiu o
pecado ao mundo, constituindo-se, deste jeito em fonte dos maus que aqueixam a
humanidade. O castigo ao que Deus condena a Eva, e como consequência a todas as
mulheres futuras é a parir com dor e a ter uma gestação e parto problemáticos,
a que a sua libido se faça premente e a uma minoria de idade a respeito do varão:
“Multiplicarei grandemente a dor da tua conceição; em dor darás à luz
filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”1.
Creio que é difícil exagerar a dor, sofrimento, discriminação e marginação que
provocou o texto mítico referido ao pecado de Eva e o castigo a que,
supostamente, Deus a condenou, sobre mais da metade dos fiéis que o assumem
como inspirado, demonstrando o grande potencial do mito sobre as mentes das
pessoas. Uma situação de marginação social e de discriminação de gênero,
existente na sociedade hebreia, vai ser justificada polo mesmo Deus em base a «inventadas»
ações pecaminosas da mulher. Em adiante, bastará o recurso ao primigênio
castigo divino, junto à posterioridade da criação da mulher a respeito do varão e a encarnação de Deus num ser do sexo
masculino, para opor-se a toda praxe libertadora da condição subordinada da
mulher a respeito do home. O autor do Gênesis pretende justificar a prática consuetudinária de marginação da mulher,
vigente na comunidade de Israel, e, em base á mesma, explica a origem da dor e
sofrimento femininos e o domínio do home sobre a mulher. Dado que os judeus
concebiam a dor e o sofrimento como consequência do pecado e à mulher como
sedutora, incitadora e tentadora, se lhe ocorreu ao autor bíblico, como a
interpretação mais natural, fazer retrotrair a causa dos maus que afligem os
seres humanos a um suposto pecado que cometera noutros tempos a mulher,
arrastando, à sua vez, o home na sua ação pecaminosa. A Adão diz-lhe, "E
ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore
de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua causa;
em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida"2. O castigo
está en consonância com os cometidos tradicionalmente asignados a cada um dos
membros da parelha em Israel; o da mulher como mãe de família e o do home como
chefe e sustentador da família. Para quem quiser ver o significado do pecado
original pode consultar o artigo «Santo sacrifício da Missa» no blogue
http://ramvarelapunhal.wordpress.com. Aqui só fazer as seguintes observações: É duro que um Deus faça recair
o castigo sobre a mesma natureza e em algo que afeta também os nascituros,
seres de por si indefensos; em segundo lugar não deixa de ser surpreendente que
apresente como castigo a exaltação da libido na mulher e não o faça no home,
quando de por si o varão comete mais delitos relacionados com o sexo que a
mulher, pois a ele se atribuem a maior parte das violações; a libido deste fica
santificada e a da mulher castigada; em terceiro lugar que favoreça o home
enquanto que agora se justifica a sua supremacia no seio do lar.
Se bem os autores bíblicos
justificam e propugnam o mantimento do domínio do home sobre a mulher, condenam
energicamente que a mulher pretenda dominar o home. “Não te deixes seduzir
pola fermosura duma mulher nem a desejes- Escravidão, ignomínia e vergonha é a
mulher que domina o marido”3. Mas se ela não se coartasse, o home
nunca deve tolerá-lo. “Não te deixes
dominar pola tua mulher, não se alce sobre ti”4.
Os fluxos tanto seminais como sanguíneos:
gonorréia e menstruação, fazem a mulher e o home impuros, mas a mulher em maior
grau, pois o período de impureza ritual é dobre no caso da mulher que do home5.
“Mas a mulher, quando tiver fluxo, e o fluxo na sua carne for sangue, ficará
na sua impureza por sete dias, e qualquer que nela tocar será imundo até a
tarde”6.
Estas crenças têm a sua origem em tradições ancestrais dos hebreus, que agora
passam a estar benditas por Javé.
A mulher é fonte de maldade, pecado
e tentação. Como consequência de imputar-lhe a transgressão do preceito divino
no Paraíso, a mulher converteu-se em alvo de acusações de todas as maldades. O
nascimento duma filha não era bem-vinda para os pais hebreus. “Uma filha
nasce para humilhação do pai”7. Prefiro “qualquer maldade à
maldade da mulher.... Não há cólera comparada com a da mulher, prefiro habitar
com um dragão que habitar com uma mulher má. A maldade da mulher demuda a sua
face (do home). É curta toda malicia comparada com a da mulher”8.
A mulher estranha seduz com os seus afagos o home e conduz-lo à perdição: “Mel
destilam o beiços da mulher estranha. E a sua boca é mais suave que o azeite”9.
O home deve conter-se ante as provocações libidinosas da mulher: “Não
cobices a sua fermosura no teu coração, não te deixes seduzir polas suas
miradas”10. O sábio aconselha-lhe ao home que cumpra
fielmente o seu ensino e os seus preceitos, que os converta na menina dos seus
olhos e que os escreva na tábua do seu coração, “Para que te preservem da
mulher alheia, da estranha de lúbricas palavras”11. Com objeto de
reprimir a sexualidade feminina e que esteja totalmente entregue ao seu home o
autor bíblico condena que ela tome a iniciativa nas relações sexuais, enquanto
que o contrario, geralmente mais frequente, fica santificado. Como mostra da
perversidade libidinosa da mulher, narra o caso dum moço seduzido polos afagos
e rendido pola suavidade das palavras duma mulher casada que, ao sol-por lhe
sai ao encontro: “Com atavio de rameira e astuto coração. Era faladeira e
procaz e os seus pés não sabiam estar-se na casa. Agora na rua, agora na praza,
espreitando por todas as esquinas. Colheu-o e abraçou-o, e disse-lhe com toda
desvergonha: Tinha que oferecer um sacrifício, e hoje cumpri já os meus votos;
Por isso che saí ao encontro; ia em busca tua e agora acho-te. Ataviei o meu leito com tapetes, com teias de
fio recamado de Egito; Perfumei a minha câmara com mirra, aloés e cinamomo. Vem
embriaguemo-nos de amores até a manhã, fartemo-nos de carícias. Pois o meu marido
não está na casa, saiu para uma longa viagem; Levou a bolsa e não volverá até o
plenilúnio”12. Neste texto a mulher está incitando ao
adultério, e atraiçoando a fidelidade conjugal, sumamente penalizada em Israel
e nas demais culturas, que o autor sagrado destaca, e que se estende também ao
home13. A sexualidade descontrolada prejudica a estabilidade
grupal e familiar e mais no caso da mulher, por ser ela a procriadora, e , por
isso, cumpre desprestigiá-la para que fique na casa fiel ao seu marido. A sensação
que dá a leitura dos textos bíblicos é que a mulher hebreia deve ser muito
sugestiva e provocadora quando o autor do livro considera que deve ser
reprimida duramente para que os seus dons não os comparta com possíveis
concorrentes. A seguir, apresentamos muitas das tentações que as mulheres
costumam tender aos homes, acompanhadas de conselhos úteis para evitá-las com
objeto de que não representem um perigo para a estabilidade familiar e econômica
da família. “Não vaias ao encontro duma mulher prostituta, não seja que
caias nas suas redes. Não frequentes o trato com cantadeira para não ficar
prendido nos seus enredos. Não te quedes olhando a donzela, para que não
incorras no seu próprio castigo. Não te entregues a prostitutas, para não
perder a herança. Não andes a fisgar polas ruas da cidade, nem divagues polos
seus sítios solitários. Afasta o teu olho de mulher fermosa, não fiques a olhar
a beleza alheia. Pola beleza da mulher perderam-se muitos, junto a ela o amor
inflama-se como o fogo. Junto a mulher casada não te sentes jamais, nem te
recostes com ela à mesa. Não bebas com ela vinho nos banquetes, para que o teu
coração não se desvie cara a ela e no teu ímpeto te deslizes à ruína”14.
A mulher carecia em Israel de
igualdade de direitos co home. Era considerada na sociedade e legislação
hebraica sempre como menor de idade. Enquanto está sob a dependência do pai não
pode fazer um voto a não ser com a sua aprovação, e, depois de casar, passa a
depender do marido e tampouco pode fazê-lo sem autorização do seu esposo, e em
ambos casos os seus votos podem ser
anulados quer polo pai quer polo marido quando estes os conheçam15.
A mulher só pode herdar se não tem irmãos varões: “Se um home morre sem
deixar filhos, fareis passar a herança à sua filha”16.
O divórcio é denominado na Bíblia «repúdio»,
palavra com as conotações negativas de rejeição, enquanto que «divorcio» é mais
asséptica e só indica separação, ruptura legal do laço matrimonial. O home
podia repudiar a sua mulher unilateralmente e por motivos ínfimos, como podia
ser que a mulher já não lhe agradasse fisicamente, ou, segundo a escola de
Hillel, se deixar queimar a comida. Não existe contrapartida de nenhuma classe
por parte da mulher. No Deuteronômio prescreve-se que: “Se um home
toma uma mulher e a desposa e esta depois não lhe agrada porque encontrou nela
algo torpe, escrever-lhe-á o libelo de repúdio e pondo-lho na mão mandá-la-á
para a sua casa. Uma vez que saiu da sua casa, poderá ela ser mulher doutro
home”17. Caso de casar esta mulher com outro home, se esta lhe dá
também o libelo de repúdio, o primeiro “não poderá volver tomá-la por esposa
depois de ter-se feito ela impura”18. Não aduz o autor nenhuma
razão pola que a mulher se fez impura, e só diz que é uma abominação aos olhos
de Javé sem aclarar a razão. Pola minha parte, creio que seria mais conveniente
que lhe permitisse ao primeiro matrimônio poder volver refazer a sua vida.
Botamos em falta que não lhe permita também à mulher repudiar o home, que eu não
vi condenado em nenhum texto do Antigo Testamento. No Levítico
estatue-se que os sacerdotes “Não tomarão por esposa a uma mulher prostituta
nem profanada, nem tampouco uma mulher repudiada polo seu marido; pois o
sacerdote está consagrado a Deus”19. Podia dar-se o caso que
uma mulher for injustamente repudiada, e a esta injustiça acrescenta-se agora a
da discriminação social so pretexto de que os sacerdotes têm que manter-se
santos, como se uma mulher repudiada estiver contaminada já porque um varão a
repudiou. As filhas dos sacerdotes se fossem repudiadas podiam comer das cousas
santas, que estavam proibido aos laicos, ou seja, das que se lhe entregavam aos
sacerdotes nos sacrifícios pacíficos e expiatórios. Como vemos, já os
religiosos em Israel eram e ainda são uma elite privilegiada, como hoje os
membros da clerezia católica. Segundo o profeta Ezequiel, os sacerdotes
tampouco podiam casar livremente senão que tinham que fazê-lo com pessoas de
provada pureza, que lhe garantissem a sua reputação social. “Não tomarão por
esposa nem uma viúva nem unha mulher repudiada, senão uma virgem da raça
de Israel; uma viúva só no caso de que
seja viúva dum sacerdote”20.
Se um home apresenta uma denúncia
falsa contra uma mulher alegando que não era virgem, será penalizado com uma
multa de cem moedas de prata por ter difamado a uma virgem de Israel. “Ele
recebê-la-á por mulher e não poderá repudiá-la em toda a sua vida”21,
Em caso de ser verdade, “se não aparecem as provas da virgindade, sacarão à
moça à porta da casa do seu pai, e os homes da sua cidade lapidá-la-ão até que
morra, por ter cometido uma infâmia prostituindo-se na casa do seu pai”22.
Trata-se duma justiça tribal totalmente desigualitária, porque a mulher tem que
provar a sua inocência; em segundo lugar, pola forma desigualitária do trato
recebido a respeito do seu home, e, em terceiro lugar, porque é improcedente
casar à força tanto a ele como a ela, se bem cumpre ter em conta que, a essa
altura e nessa sociedade, polo menos no caso de estar interessada a mulher em
casar, poderia supor uma saída favorável para ela. O home só é multado enquanto
que ela é lapidada polos homes da cidade até morrer. Em caso de violação duma
mulher virgem, “o home que se deitou com ela dará ao pai da moça cinquenta
moedas de prata; ela será a sua mulher porque a violou, e não poderá repudiá-la
em toda a sua vida”23. Como vemos a mulher é castigada
duplamente, por ser violada e por ser castigada a casar com o violador.
O profeta Malaquias no século V a.e.
c. condena o repúdio da mulher por aversão: “Quem por aversão repudia, diz
Iavé, Deus de Israel, cobre-se de injustiça”24, mas não se
pronuncia sobre o caso de adultério. Inclusive Jesus que permite repudiar a
mulher em caso de adultério, não concede a mesma faculdade à mulher quando quem
comete adultério é o marido. “Todo aquele que repudia à sua mulher, salvo em
caso de fornicação, fá-la adúltera, e quem case com uma repudiada, comete adultério”25.
É difícil justificar que comete adultério qualquer home que case com uma mulher
só polo facto de ter sido esta repudiada, pois isso pode conduzir a enormes
injustiças. A mulher vê-se castigada duplamente; a primeira por ser repudiada,
pode que injustamente, e a segunda por não poder refazer a sua vida com outro
home. Com todo, em Jesus nem a mulher nem o home podem repudiar, salvo no caso
de que a mulher cometa adultério, que então si pode ser repudiada. “Quem
repudia à sua mulher e se casa com outra, adultera contra aquela, e se a mulher
repudia ao marido e se casa com outro, comete adultério”26.
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