O Alcorão, inspirado na Bíblia judeu-cristã, amostra também uma doutrina
que é profundamente assimétrica no tocante as relações homem mulher. Em muitos
versículos de diversos capítulos expõe o Alcorão a normativa referente às
mulheres, dos que citaremos os que consideramos mais representativos.
Sublinha-se a inferioridade da mulher a respeito do home e esta é a tônica de
todo o Alcorão, fundamentada na afirmação bíblica de que a mulher foi feita a
partir do varão (Surata 4ª, 1). O homem pode repreender a mulher, mas não ao
revês, e, em caso de conflito pode castigá-la, suspender as relações sexuais ou
golpeá-la. “Os homes são superiores às
mulheres, porque Deus lhe outorgou a preeminência sobre elas e porque as dotam
com os seus bens. As mulheres devem ser obedientes e guardar os secretos dos
seus esposos, pois o céu confiou-lhes a sua custódia. Os maridos que sofram
desobediência das suas esposas podem castigá-las, deixá-las sozinhas nos seus
leitos e incluso golpeá-las” (Surata IV, 34 (38); Cf. Surata 2ª, 228). Se
utilizarmos o valor dos bens a que têm direito na herança os homes e as
mulheres como critério, duas mulheres teriam o mesmo valor que um home. (S. 4ª,
12). A legislação alcorânica favorece a drenagem de recursos das mulheres para
os homens. Ademais de herdar o dobre que a mulher, o homem herda a metade dos
bens da mulher morta, enquanto que a mulher somente pode herdar a quarta parte
dos bens do seu homem morto. Esta drenagem de recursos leva aparelhada a
obrigação de dotar as esposas e, consequentemente, a criação duma sociedade
patriarcal.
Em caso de dissensão entre homem e mulher, a solução deixar-se-ia em mão
dum juiz de cada parte. (4ª Surata, 35) Se a mulher teme a aversão e a
violência do seu marido, ninguém faz mal se se compõem amigavelmente, o qual é
preferível à separação (Surata 4ª, 127 (128)). O marido não pode amar a todas
as mulheres por igual, e, para evitar conflitos entre as esposas, não deve
entregar-se totalmente a aquela que ama, abandonando a outra (Surata 4ª, 128
(129)).
Igual que no judaísmo e
cristianismo, o islamismo considera que o comércio sexual é algo impuro, e isso
explica que os crentes têm que purificar-se depois das relações sexuais (Surata
5ª, 7; Cf. Surata 4ª, 46 (43)); no caso da mulher, volve-se impura pola função
fisiológica da menstruação da mulher, e, por isso, necessita também
purificar-se depois dela. “Consultar-te-ão
acerca da menstruação; dize-lhes: É uma impureza. Abstende-vos, pois, das
mulheres durante a menstruação e não vos acerqueis delas até que se purifiquem;
quando estiverem purificadas, aproximai-vos então delas, como Deus vos tem
disposto, porque Ele estima os que se arrependem e cuidam da purificação” (Surata II, 222).
O islamismo consagrou a prática da poligínia, vigorante na sociedade
hebreia, mas abolida por Jesus, e, portanto, não aceita a limitação do Gênesis
de que Deus os fez macho e fêmea. Um muçulmano poderá casar com uma não
muçulmana nas mesmas condições que com uma muçulmana, mas uma muçulmana não
poderá casar com um não muçulmano porque o seu status religioso se veria
afetado porque a esposa tem que seguir o status do esposo. (Surata 5ª, 6
(5)). O número de esposas somente vem
limitado pola capacidade econômica, polos sentimentos humanitários a respeito
dos órfãos e viúvas como resultado das guerras, e pola possibilidade de dar-lhe
a todas elas um trato equitativo. “Se
temerdes ser injustos no trato com os órfãos, podereis desposar duas,
três ou quatro mulheres de entre as que vos aprouver. Mas, se temerdes não
poder ser eqüitativos para com elas, casai, então, com uma só, ou conformai-vos
com as escravas que tendes à mão. Isso é o mais adequado, para evitar que
cometais injustiças” (4ª Surata, 3). A pessoa que
não seja bastante rico para desposar mulheres livres, tomará por esposas a
escravas fieis (Surata 4ª, 25 (29)).
O profeta tem um trato privilegiado no referente ao número de esposas. No
versículo 49 da Surata 33ª estabelece uma isenção ou privilégio na limitação do
número de mulheres para o profeta, que somente se vê limitado polo facto de tê-las
dotados. Portanto, o número de esposas vem determinado, em primeiro lugar,
polas disponibilidades econômicas, facto que alguns justificam polos seus
sentimentos e compaixão para com as viúvas e à ajuda delas para com o seu dever
de liderança junto às mulheres, mas se estes são os motivos seria uma
irresponsabilidade não permitir que todos possam cumprir com os citados
motivos. Também pode tomar como esposas as cativas, as coirmãs que migraram com
ele e as crentes que se dedicam ao Profeta. “Ó Profeta, em verdade, tornamos lícitas, para ti as esposas que tenhas
dotado, assim como as que a tua mão direita possui (cativas), que Deus tenha
feito cair em tuas mãos, as filhas de teus tios e tias paternas, as filhas de
teus tios e tias maternas, que migraram contigo, bem como toda a mulher fiel que
se dedicar ao Profeta, por gosto, e uma vez que o Profeta queira desposá-la;
este é um privilégio exclusivo teu, vedado aos demais fiéis” (Surata 49
(52)). Além deste número fixado de
esposas, não lhe está permitido desposar outras nem trocar umas mulheres por
outras. “Alem dessas não te será
permitido casares com outras, nem trocá-las por outras mulheres, ainda que suas
belezas te encantarem, com exceção das que a tua mão direita possua. E Deus é
Observador de tudo” (Surata 33 ª. 54).
A mulher, dado que é pensada em função do varão, deve procurar
agradar-lhe e mostrar-se casta em todo momento, e tampouco tocante a isto se
impõe nada parecido para o varão. “Ordena
às mulheres baixar o rosto, conservar a sua pureza, não mostrar os seus corpos
senão a aqueles que devam vê-los” (Surata 24ª, 31). Nas relações sexuais,
as mulheres do Profeta ficam ao seu arbítrio. “Ti fazes esperar à que queiras de entre elas e ti acolhes contigo a que
queiras. Tampouco se te faz nenhuma queixa se convidas à tua casa a uma das que
tinhas descartado. Eis o que é mais acertado para alegrá-las, para evitar-lhes
toda pena e para lhe fazer aceitar do bom grau o que lhes destes a todas”
(Surata 33ª, 51). Tampouco poderá o profeta cambiar as suas mulheres por outras
(Surata 33ª, 52)
A frequência das relações sexuais marca-as o home unilateralmente e a
mulher tem que estar disponível para quando o home o deseje. A mulher é
comparada com um campo de lavoura à que o homem pode ir quando lhe apraz, sem
limitações de nenhuma classe, e a mulher tem a obrigação de mostrar uma
disposição total e o único preceito que se lhe impõe ao homem é que faça antes
boas obras. “Vossas mulheres são vossas
semeaduras. Desfrutai, pois, da vossa semeadura, como vos apraz; porém,
praticai boas obras antecipadamente, temei a Deus e sabei que compareceis
perante Ele” ( Surata, 223). Os que não mantêm relações sexuais com a sua
mulher têm um prazo de quatro meses para revocar a sua decisão ou decidir divorciar-se
(Surata IV, 226-227). Nos dias de jejum, somente se podem ter relações sexuais
pola noite. (2ª Surata, 183).
Da desigualdade entre os membros da parelha deduzem-se direitos e
deveres dispares. Uma vez visto como se constitui uma família, imos ver como se
pode desconstruir. Também, neste âmbito, toda a iniciativa lhe corresponde ao
varão. O repúdio somente pode ser exercitado polo varão, e está limitado a duas
vezes (Surata 2ª, 229). Quem a repudie três vezes somente pode volver a tomá-la
depois de passar polo leito doutro esposo (Surata 2ª, 230). A mulher repudiada
tem que deixar três meses antes de tomar novo marido (Surata 2ª, 228, e 232). O
marido pode repudiar livremente à mulher e não se prevê no Alcorão uma medida
simétrica da mulher a respeito do homem. Se um home repudia uma mulher antes de
ter relações sexuais com ela, a mulher pode casar sem estar limitada polo prazo
de três meses, além de ter que dar-lhe um donativo, que não se precisa, e sem
travas à sua liberdade. “Ó fiéis, se vos
casardes com as fiéis e as repudiardes, antes de haverde-las tocado, não lhes
exijais o cumprimento do término estabelecido; dai-lhes um presente, outrossim,
e libertai-as decorosamente” (Surata 33, 48ª; verso 228 da 2ª surata).
Neste caso, se tampouco lhe tiver assinado nenhum dote, o marido não está
submetido a nenhuma pena (Surata 2ª, 237).
Outra das
possibilidades de ruptura da convivência é o adultério da mulher. “Se alguma das vossas mulheres cometeu
adultério, chamai a quatro testemunhas. E se os seus testemunhos são unânimes
contra ela, encerrai-a na vossa casa até que a morte ponha fim aos seus dias,
ou Deus lhe proporcione algum meio de salvação” (Surata 4ª, 19 (15)). Um
castigo desproporcionado à falta cometida e que não se aplica ao home que
comete a mesma falta. Os adúlteros só
podem casar com outra pessoa adúltera ou com uma idólatra (Surata 24ª, 3). Os
que acusem de adúltera a uma mulher virtuosa são fortemente punidos. “E àqueles que difamarem as mulheres castas,
sem apresentarem quatro testemunhas, infligi-lhes oitenta vergastadas e nunca
mais aceiteis os seus testemunhos, porque são depravados” (Surata 24ª, 4). Se não acarretam quatro testemunhas jurarão quatro
vezes, no nome de Deus, que o seu testemunho é autêntico,e a mulher livrar-se-á
dos castigos com o mesmo juramento. (Suratas 6 e 8), e o quinto juramento será
uma imprecação sobre eles mesmos se são perjuros (Surata 24, 7 e 9).
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