Faz tempo que venho dizendo que
Espanha não negocia nem negociou nunca os problemas territoriais, como o
demonstra o feito de que todas as suas colônias tiveram que recorrer à
violência para independer-se. É certo que durante a transição democrática se
chegou a acordos premidos por umas circunstâncias muito concretas que obrigavam
a isso para lograr a integração em Europa e para que o regime ditatorial
mudasse a sua face repressiva e mantivesse grande parte do seu poder, mas
muitos dos acordos a que se chegou em matéria de distribuição territorial do
poder foram, desde então, desnaturalizados por um tribunal constitucional que
favoreceu sempre à equipa de casa, que eram sempre os unionistas, que são quem
os elegem para o cargo e com os que têm que corresponder. Estas nudezes da
democracia espanhola vêm-na compensando o espanholismo com o incremento da
propaganda de que em Espanha há separação de poderes e independência judicial.
Um dos últimos exemplos
sangrantes dessa desnaturalização foi a resolução do Tribunal Constitucional,
constituído irregularmente, de aceitar o recurso do PP para invalidar vários
artigos do Estatuto de Catalunha apesar de ter sido já referendado polo povo catalão,
uma vez laminado previamente polas Cortes para expurgá-lo de qualquer suspeita
de inconstitucionalidade. O resultado foi que, em contra do estabelecido polo
Estatuto de Autonomia de Catalunha, a norma de autogoverno do povo catalão não
foi votada por este, e de Estatuto de Catalunha ficou em estatuto do PP para
Catalunha. O resultado desta política é que agora todos os demais estatutos de
autonomia podem ser reformados e desnaturalizados por um TC amigo, e, portanto,
o sistema autonômico todo ele está em questão e sem visos de que se possa
emendar este enorme dislate. Mas não para ai a cousa senão que continua
descaradamente a campanha de acirramento dos políticos unionistas contra o povo
catalão com o objetivo de obter reditos eleitorais à sua custa no resto do
Estado.
O castigo aos catalães por ter
organizado um referendo não autorizado polos unionistas, apesar de ter-lhe
desnaturalizado o seu estatuto, foi a aplicação do artigo 155 da CE em toda a extensão
que lhes véu em ganha de jeito que servisse para destruir todo o que lhes
pareceu oportuno, disser o que disser a sua literalidade, incluído o de nomear
e depor presidente da Generalitat. A partir desse desaguisado original agora a
direita vem utilizando a ameaça de pô-lo em prática sem que exista motivo
nenhum que o justifique, e a extrema direita proclama a vento e mareia que
cumpre eliminar os mesmos estatutos de autonomia.
O último fito dos despropósitos é
o escândalo do processo judicial contra os independentistas catalães por
organizar um referendo pacífico de independência, sem a autorização do governo
estatal que se negou em redondo a pactuar com eles nada referente ao seu futuro
como povo. A única solução que lhe oferece o PSOE é uma convivência forçada e
sempre que se exclua qualquer poder de decidir, e isto um partido que
historicamente defendeu o direito de autodeterminação dos povos; os demais partidos
só oferecem pau e tem-te teso. Ninguém observou violência de nenhuma classe, salvo
a exercida polos corpos de segurança do Estado, e o que devia saldar-se com
denegar-lhe o valor a esta iniciativa, orientou-se pola via da construção dum
relato inventado para poder castigar exemplarmente um país com forte
personalidade de seu, com aviso a navegantes, para procurar povos sem direitos
e dóceis aos desígnios dos unionistas após ter desnaturalizado todos os
estatutos de autonomia.
Este processo teve como
corolário a suspensão dos deputados independentistas por ter sido acusados dum
delito de rebelião que ninguém vê, salvo o relato policial, depois de serem
autorizados polo tribunal julgador a apresentar-se às eleições do 28 A, ser
elegidos polos cidadãos da sua circunscrição respetiva, ser autorizados a
recolher a ata, poder assistir à apertura da legislatura, não ter sido
condenados por nada até o momento, nem inabilitados para o exercício dos seus
direitos parlamentares e depois de passar já por uma dilatada prisão
preventiva, muito dificilmente justificável a olhos próprios e alheios, e que
deveu terminar polo menos uma vez elegidos deputados, com a finalidade de que o
Pleno do Congresso pudesse conceder, se o estimava oportuno, o correspondente
suplicatório, mantendo entretanto o juízo em suspenso. Com isto conseguiu-se poder
alterar o cômputo das maiorias da câmara e facilitar que o governo possa ser
investido sem contar com os votos de parte significativa da população por meio
dos seus representantes, que vê anulada polos tribunais o seu poder de intervir
na vida. pública por meio dos seus representantes, salvo que se lhes permita in
extremis delegar o seu voto noutro parlamentar. É um autêntico sem sentido que,
em vez de criar as condições que permitam que todos os povos convivam pacificamente
e a gosto no estado espanhol, se esteja a avivar desde já faz tempo, a través dos
meios de comunicação e dos partidos políticos unionistas, um ódio visceral entre
eles, e a criar um clima geral de exaltação patrioteira espanholista que todo o
resolve a base de bravatas testiculares e de colocar uma bandeira espanhola cada
vez mais grande e negar a diferença e a existência de povos com direitos, que
possam decidir pacificamente o seu futuro.
Chegados a este ponto a solução
não se aventura nada fácil, porque os nacionalistas não vão desaparecer por
muita propaganda e ódio que o nacionalismo expansivo espanhol espalhe contra os
nacionalismos defensivos dos povos periféricos do estado espanhol. Uma reforma
da CE parece descartada no momento presente porque as direitas carecem de
qualquer vontade negociadora e não está disposta a conceder nada aos que acusa
de ter dado um golpe de estado porque parte da população catalã foi votar no
referendo. Por outra parte, a via dos estatutos fica invalidado porque o TC invalidou
a única garantia que tinham os estatutos de que qualquer reforma necessitaria
da participação dos afetados. O órgão do estado que tem todo o poder de hetero-determinação
dos povos, além dos unionistas espanhóis, é o próprio TC.
Estes factos desacreditam os
unionistas, e semeiam o cepticismo na proposta de diálogo de Sánchez, que
parece ficar numa mera pose de cara à galeria, muito semelhante à oferta de
diálogo de Mariano Rajoy e carregam de razões os independentistas, que podem
proliferarão por todas partes. Sánchez aplica a via repressiva sempre que se
tercie, concordando com a direita mais radical de PP e C’s e compagina esta prática
com confissões formais de diálogo com os reprimidos. É uma pena que se tivesse
optado por esta via, que é a menos sensata de todas, e também a de mais
duvidosa legalidade. Professores espanhóis significados em direito (Urias,
Cuevilhas, Antoni Bayona, Pérez Royo,...) alegam que é uma via claramente
ilegal , porque se aplica não a deputados em exercício do cargo e por um delito
sobrevindo na sua atuação, como contempla a legislação, senão a políticos que
foram processados quando não ostentavam a condição de parlamentares, elegidos
ex novo e que depois uma vez elegidos não cometeram nenhum delito. Não se pediu
o correspondente suplicatório ao pleno do Congresso, como é preceptivo, parece
que com a finalidade de que não se dilate o processo, nem, de momento, tampouco
se previram as medidas para garantir os seus direitos e prerrogativas.
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