Na
década dos noventa começaram a proliferar as tertúlias políticas no Estado
espanhol. Estão integradas normalmente por jornalistas e politólogos que
debatem entre si sobre o divino e o humano, muitas vezes com uns conhecimentos
mui limitados, o que não é óbice para que alguns, com grande atrevimento, se
atrevam a dogmatizar e anatematizar aos que não compartem a sua verdade.
Todo sistema de dominação tem
que ter os seus corífeus para que difundam as suas bondades com objeto de
procurar o consentimento e o submetimento dos cidadãos e a desqualificação dos
que querem fazer propostas alternativas incompatíveis com a verdade oficial. É
bem eloqüente a este respeito a reação do établissement
político-mediático-oligárquico ao surgimento de Podemos e os grossos
qualificativos com que foi desqualificado.
Quando surgiram as tertúlias já
se via claramente aonde iam levar, e os que vivemos em povos negados já nos
demos conta do dano que causaria na sua cidadania, muita vezes desinformada e,
em conseqüência, pouco lúcida, um sistema de propaganda massiva transmitida por
pessoas que, formalmente, não se adscrevem a
nenhuma afiliação partidária e que concordam em duas cousas: na bondade
do bipartidismo e na condena e desqualificação dos nacionalismos distintos do
espanhol. Este facto explica que praticamente nunca são convidados a intervir nas
tertúlias da Corte pessoas que tenham afinidade ideológica com os partidos
nacionalistas das comunidades com forte arraigo do problema nacional, o qual
implica que, normalmente, não são representativas do país senão da visão
centralista do Estado. Isto foi especialmente daninho para o nosso país por dispor
duns meios de comunicação generosamente favorecidos pelos poderes públicos que
os converteu na dormideira da consciência cidadã frente a qualquer proposta de
câmbio. A isto soma-se a carência de instrumentos que pudessem contra-arrestar minimamente
a propaganda “oficial”.
É difícil não considerar como
expoente de cinismo e/ou inconsciência ouvir a comentaristas políticos que se
afanam em pregoar que o problema de Catalunya é o doutrinamento da cidadania
catalã por parte dos nacionalistas, quando se constata que os meios de
persuasão dominantes nesta comunidade foram historicamente e continuam sendo
espanholistas. Esta inconsciência ou cinismo foi a que levou a Ignácio Wert a
promover uma lei para espanholizar os catalães.
Outro fenômeno exitoso em muitos
países, entre eles Espanha, é o dos reality shows, programas concebidos para
oferecer-lhe á gente o que esta quer ver: programas de entretimento fácil, de
caráter sentimentaloide, com participantes muitas vezes desconhecidos e
enfrentado a situações artificiais ou falsas, e nos que se tratam assuntos
singelos, ocorrenciais, espontâneos, da vida corrente. Nestes programas a
trivialização e a vulgaridade é a tônica dominante.
O que fizeram algumas cadeias de
televisão foi fundir os programas de debates com os de reality shows e
vulgarizar e trivializar o debate político e também aos seus participantes, por
meio da mentira e do insulto. Este é o caso de La Sexta Noche, um programa que
pretende ser de esquerdas numa cadeia que pertence, majoritariamente, a um
empresário que também é proprietário dos meios Antena 3 e de jornais como La
Razón, situados no espaço da direita dura. Num país como Espanha, carente de
pluralidade nos meios de comunicação, escorados quase todos para a direita, o
centro direita e todo mais o centro, é rentável economicamente promover também
um produto que teoricamente está destinado a outras demandas sociais.
É difícil explicar e impossível
justificar comportamentos como o de Inda neste programa, que chegou a cansar
por fastio aos que buscam um debate com exposição de argumentos e não uma
enfiada de insultos, grosserias, desqualificações, etc. Mas se esta cadeia
mantém personagens como Inda e Marhuenda como assíduos participantes é porque
se entende que a sua presença é rentável economicamente, e, por tanto,
subordina-se qualquer critério estético ou ético a um critério estritamente
crematístico. Creio que o abandono do programa por parte do economista Juan
Torres o sábado 7/01/2017, foi um grito de dignidade frente a tanto insulto,
mentira, tergiversação e manipulação como armas políticas. É difícil entender
que Podemos tenha agüentado estoicamente os embates a que se viu submetido por
parte deste personagem sem ser vítimas dum ataque de nervos.
O apresentador do programa,
Iñaki López, não soube e quiçá tampouco quis focar corretamente o abandono do
programa por parte do professor e limitou-se a afirmar que qualquer pode dizer
o que queira, pois esse não é o problema. O problema é se alguém pode assistir
ao seu programa sem que se lhe falte aleivosamente ao respeito, e não sabe ou
não quer reconhecer que se lhe faltou ao respeito a este mui digno economista e
professor. Não obstante, quando Carolina Bescansa expôs a caso de violência de
gênero contra Inda por negar-se a pagar-lhe o dinheiro dos seus filhos,
cortou-lhe talhantemente alegando que era um tema pessoal, e isto num programa
que tem no insulto, na mentira e nos ataques pessoais a sua razão de ser.
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