O arcebispo de Barcelona, Juan
José Omella, um arcebispo natural de Aragão, da linha de Francisco, nomeado
bispo pelo papa João II, e elevado a arcebispo pelo papa Francisco I, em
novembro de 2015, auspiciou uma conferência, promovida pela Delegação da
juventude do Arcebispado, que lecionará o católico homossexual francês Philippe
Ariño, autor do livro Homosexualidade
contracorrente no que defende que os homossexuais
devem reprimir as suas pulsões sexuais. A nomeação deste aragonês para
Barcelona insere-se na linha do papado de eleger bispos alheios ao país, sem
inserção social na comunidade á que devem «pastorear», palavra esta última que nos evoca a idéia de
rebanho dos fieis, e sem aristas que podam ser conflituosas para o poder
dominante no Estado. Tem, com todo, todos os meus respeitos como pessoa.
É evidente que o arcebispado pode promover
conferências do signo que considere oportuno amparando-se na sua liberdade de
pensamento e expressão que tem como todos os demais organismos públicos e
privados, além das pessoas a título individual. O que passa é que um tema tão
sensível como é o dos homossexuais, que historicamente se viram fortemente
discriminados por um poder sustentado pelo pilar clerical, de ideologia
fortemente homófoba, deveria faze reflexionar aos dirigentes eclesiais da
oportunidade de impulsar este tipo de conferências. Não vale justificar-se
pretextando que é um espaço de debate e que o fato de ter convidado a Ariño não
quer dizer que esteja de acordo com o que diz. Quando se chama a alguém tão
escorado numa posição para-legal para debater é porque se está interessado em
que se promova essa linha de pensamento, e não se faz por pura assepsia mental.
É também difícil suster que não quer dizer que se esteja de acordo, quando a
organização eclesial manteve historicamente uma atitude radicalmente hostil
contra os homossexuais. Esta argumentação corrobora-se pelo fato de que o mesmo
arcebispo proibisse uma conferência sobre homossexualidade, numa paróquia de
Barcelona, do teólogo e filósofo polado Krzysztof Charamsa, radicado em
Catalunya, suspendido como sacerdote quando declarou publicamente a sua
homossexualidade. Por conseguinte, não se pretende ter um espaço de debate no
que se aborde o fenômeno da homossexualidade desde diversos pontos de vista,
senão de doutrinamento das hostes católicas no ideário homófobo.
Todo indica que o candidato
elegido para lecioná-la é uma pessoa que não assume e renega da sua condição de
homossexual, carece de auto-estima, e vive conflituosamente as suas pulsões
sexuais, ao achar-se numa situação de stress por enfrentar-se a tendências
antagônicas: por uma parte a vivência homossexual e pela outra, o desprezo dos
demais fieis e os castigos fixados nos livros sagrados para os homossexuais. Historicamente
isto passa mui freqüentemente nos coletivos que foram perseguidos e
estigmatizados socialmente, como no caso dum judeu que sente animadversão á sua
raça; duma mulher com tendências machistas; dum galego que sente auto-ódio
contra a sua própria língua... Fixemo-nos que, no caso da violência contra a
mulher, uma deputada russa reage impulsando uma lei para despenalizar a
violência no âmbito doméstico, favorecendo os maus tratos por parte do varão.
Eu conheço alguma pessoa educada em galego no âmbito familiar que, quando tinha
uns dez anos, sentiu tão fortemente a chacota dos seus companheiros por usar
esta língua que fez o propósito de não utilizá-la nunca mais, decisão que está
cumprindo estritamente já de sexagenário.
Quando a Igreja organiza estes
atos para reprimir a expressão da homossexualidade procede com todo rigor
lógico, se bem isto não indica que se ajusta á verdade o que faz. Procede com
rigor porque parte de premissas, neste caso os livros chamados sagrados, que
condenam ao inferno aos homossexuais, e como dizem que estes livros estão
inspirados por Deus, logo o que dizem deve ser defendido por todo aquele que se
chame cristão em contra da sensibilidade atual das pessoas. Mas qualquer
argumentação lógica não permite nunca dilucidar se uma proposição é verdadeira
ou falsa. Somente nos permite afirmar que, se as premissas são verdadeiras e a
argumentação é válida, a conclusão é necessariamente verdadeira, mas temos que
determinar por outras vias distintas que a lógica se a proposição é verdadeira
ou não. Quando as igrejas cristãs argumentavam a partir do geocentrismo podiam
fazê-lo com todo rigor, mas as conclusões eram falsas.
Alguns dos textos bíblicos referidos á homossexualidade são os
seguintes: “Não te deitarás com
varão, como se fosse mulher; é abominação” (Lev. 18,
22). “Se um homem se deitar com outro homem, como se fosse com mulher,
ambos terão praticado abominação; certamente serão mortos; o seu sangue será
sobre eles” (Lev. 20, 13). Por conseguinte, no Antigo Testamento, a expressão da homossexualidade era penalizada
com a pena de morte, e isto por mandado divino. Já podemos imaginar a dor e a
marginação que vai supor para este coletivo que a sua predisposição natural
fosse desautorizada pelo mesmo Deus e fortemente recriminada pelos seus
gerentes na terra.
O grande misógino e
misossexual Paulo de Tarso não se recatará de dar-lhe novo vigor aos textos
homófobos citados. Na sua Epístola aos
Romanos que os homes clama contra a impiedade e injustiça dos homes que
mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem
corruptível, e como castigo contra este comportamento “Deus os entregou a paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram
o uso natural no que é contrário à natureza; semelhantemente, também os varões,
deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para
como os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a
devida recompensa do seu erro” (1, 26-27). Por tanto, a expressão da
homossexualidade é o resultado dum castigo divino por ter atentado os homes contra a glória de Deus. Na Carta que lhe
dirigiu aos cristãos de Corinto, afirma o apóstolo Paulo “Não
sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os
dissolutos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os
sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os
maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus” (6, 9-10). Neste
texto Paulo inclui os efeminados e sodomitas entre os considerados por ele como
a maior escória social e os maiores delinqüentes. O seu castigo será excluí-los
do reino dos Deus, o qual significa que irão para o inferno. Nos nossos dias a
Igreja limou um pouco formalmente as asperezas deste destino, mas a ideologia
de fundo continua ai, e, por tanto, quando a Igreja prega o ódio e a excluss4ao
social, por mais sibilinamente que o faça, está sendo fiel aos seus textos
homófobos que defende que foram inspirados por Deus. Consoante com o parecer de
Paulo, disse em 2009 o cardeal mexicano Javier Lozano Barragán que "Os homossexuais e transexuais não
entrarão jamais no reino dos céus, e não o digo eu senão São Paulo”. O problema, pois, está nos próprios textos e,
principalmente, no dogma, totalmente inassumível para uma mente racional, da
inspiração dos livros sagrados. Por conseguinte, qualquer cristão, se quer
respeitar a chamada Revelação divina tem que converter-se num homófobo e num
marginador e repressor dos homossexuais, e isto foi o que fizeram
historicamente.
Que autoridade nos merecem estes textos bíblicos?
Tendo em conta que o paradigma cristão foi profusamente falsado pela
experiência, merecem o mesmo crédito que uma teoria científica falsada, como
por exemplo o geocentrismo. Jesus defendia que o fim do mundo era iminente e
que não passaria a sua geração antes de que isto acontecesse; creia que as
doenças eram produto do pecado e as doenças mentais duma possessão diabólica. O
cristianismo, amparando-se nos textos bíblicos, condenou a esfericidade da
terra, o heliocentrismo, a pluralidade de mundos habitados e o evolucionismo,
como temos demonstrado no livro O
cristianismo contra a ciência, e praticou a maior repressão contra o saber
e contra os desviantes ideológicos que recordam os séculos. Por que temos que
crer que agora não está cometendo um novo erro histórico? Surpreende que os
eclesiásticos não sejam capazes de aprender dos grandes fracassos frente á
ciência como conseqüência da crença em livros inspirados pelo mesmo Deus.
Atualmente discute-se se a
homossexualidade é algo genético ou se se adquire socialmente, e a questão
ainda não está dilucidada definitivamente, ainda que haja alguns indícios que
apontam a que há nela um componente genético. Nos nossos livros de moralidade da
Universidade Pontifícia de Salamanca defendia-se que a homossexualidade repugna
a natureza e a prova era que a aborrecem os animais, mas hoje se sabe que na
maioria das espécies do mundo animal se pratica a homossexualidade e resulta
mui difícil afirmar que também neles se deve a um atentado contra a glória de
Deus ou que estão a cometer um ato abominável. Há umas pulsões que se
manifestam e expressam espontaneamente dum modo plural sem estar mediatizadas
por crenças religiosas. Também se demonstrou que existe uma correlação positiva
entre uma pessoa homossexual e os seus antecessores pela rama feminina, o qual
parece indicar que há uma fixação genética que se transmite por herança. Igualmente
também se saber por experimentos realizados em animais que se se lhe injeta
progesterona, ou seja, hormonas femininas a um galo adotará uma predisposição a
chocar os ovos, e se se lhe injeta testosterona, ou seja, hormona masculina a
uma galinha adotará um comportamento próprio do galo. Ora bem, a secreção de
hormonas pelo organismo é algo genético sobre o qual nós não temos controle
nenhum, e uma mulher pode ter secreções hormonais que induzam nela comportamentos
masculinos e o home ter maior concentração de hormona feminina que o habitual e
ter comportamentos femininos. Esta maior ou menor secreção de hormona explica
também os freqüentes casos de bissexualidade. Se a homossexualidade for algo
genético, os cristãos estariam condenando a mesma natureza que, segundo o seu
ideário, foi criada por Deus. Mas, independentemente de que se prove esta tese
ou a contrária, está o fato de que, queiramos ou não, a prática da
homossexualidade está mui estendida, principalmente desde que a gente pode
manifestar-se livremente, e as pessoas afetadas têm direito a expressar a sua
sexualidade como estimar conveniente sem ser premido por agentes externos,
sempre que não atentem contra nenhum direito dos demais. Quem sou eu, que me
considero heterossexual, condicionar a expressão da sexualidade e muito menos para
marginar, excluir ou reprimir a quem se
sente distinto que mim neste aspecto? Isto constituiria um atentado contra a
liberdade das pessoas, que é o que têm que penalizar as leis.
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