Na moção de censura defendida por Unidos Podemos um
dos eixos fundamentais foi a plurinacionalidade do Estado espanhol, defendida
valentemente por Iglesias. Dizemos valentemente porque sabe que isso o enfrenta
ao trio espanholista C’s, PP e PSOE, por esta ordem, que baseiam a sua política
na defesa da sagrada unidade da nação espanhola, única e indivisível que
aproveitam para esporear em torno a esta ideia aos seus votantes afogueados já
em torno a ela durante os quarenta anos do período franquista. A competência
por liderar esta ideia ou não ficar marginados ante os votantes curtidos nela
foi o que motivou que Pedro Sánchez lhe oferecesse o seu apoio a Rajoy, sem
ser-lhe demandado, na sua teima de fazer volver ao rego os catalães e obrigá-los
a que se façam bons rapazes e aceitem a «realidade» das cousas, o destino da
história e da natureza. Defendem esta tese aduzindo uma afirmação profusamente
difundida polos pensadores espanholistas de que Espanha é a nação mais antiga
de Europa, supondo gratuitamente que a nação espanhola se fundou durante o
reinado dos Reis Católicos, e, por tanto, no século XV. Isto é o que temos que
tratar agora.
O
dia 15/06/2017 a imprensa publicou que “O líder de Podemos atribui ao
nacionalista galego (Xosé Manuel Beiras) a paternidade da aposta por um Estado
plurinacional”, mas, sem restar-lhe nenhum mérito a este dirigente antes da sua
caída do cavalo, esta afirmação é totalmente errônea, como se demonstra polo
seguinte texto de Castelao do ano 1937 quando o Beiras tinha um ano: “Os
federalistas entendíamos que, para devolver-lhe a Hespaña o seu ser autêntico,
era preciso abrir os olhos à realidade e coordenar, dentro dum Estado
plurinacional, os interesses materiais e morais dos diferentes povos. Desejávamos
um Poder emanado do povo, querido do povo e a carão do povo. Para isto era
indispensável truncar o fio da História; mas os Castelares da segunda
República adoravam as abstrações mumificadas... Lembrai aquela frase de
Lerroux, pronunciada na noite do 6 de outono do 1934: «¡Vamos a continuar la
Historia de España!» Pois bem; esta frase patrioteira pode repetir-se...”
(S.G., p. 60). Pode ver aqui o Sr. Iglesias que a frase vem de longe, igual que
a luta dos povos peninsulares por lograr um status político distinto. Por
conseguinte, a demanda de constituir um estado plurinacional é muito velha e
remonta-se, polo menos, ao ano 1923 em que se assinou o Pacto da Tripla Aliança
entre os catalão, galegos e bascos que defendem que constituem “uma aliança
para a ação conjunta e a mútua ajuda na campanha pola liberdade nacional dos três
povos... Reivindicam o direito dos três nações a dispor livremente dos próprios
destinos e a viver segundo um regime de plena soberania política, afirmam a
vontade dos galegos, dos catalães e dos bascos de conquistar com o próprio
esforço e por todos os meios lícitos, a liberdade nacional” (Congresso
Castelao, PP. 345 e 322). Numa entrevista que lhe fizeram faz uns dias ao líder
de Podemos perguntaram-lhe se Espanha era um estado autoritário, e respondeu
que com Rajoy si funciona como um estado autoritário, mas se alguém o nega,
deveria responder à questão de se é ser flexível, democrático e respeitoso com
as realidades nacionais um estado que oferece como única alternativa às
legitimas demandas dos povos distintos do espanhol a propaganda, um sistema
judicial controlado nas altas instâncias polo poder, a guerra suja contra os
dirigentes doutras formações políticas, o medo e a repressão.
Pode
também comprovar o Sr, Rivera porque à vezes o qualifico de novo Lerroux,
porque em realidade vem oferecer-nos como saída a pior história e Espanha, a
história da Espanha corrupta e fracassada. Pode-se observar que o Estado
espanhol foi incapaz de articular satisfatoriamente o poder das suas nações e
manteve-se cego e surdo às aspirações dos diversos povos que o conformam apesar
da longa história de reclamações neste sentido por parte das comunidades
diferenciadas que o integram. É eloquente manifestação desta incapacidade o que
escrevia Ortega em 1932: “Eu sustenho que o problema catalão, como todos os
parelhos a ele que existiram e existem noutras nações, é um problema que não se
pode resolver, que só se pode conlevar, e ao dizer isto conste que significo
com isso, não só que os demais espanhóis temos que conlevar-nos com os catalães,
senão que os catalães também tem que conlevar-se com os demais espanhóis” (Obras
Completas, t. 11, p. 458). Ou seja, que segundo este ínclito filósofo
encantador de serpentes que é capaz de solucionar um problema afirmando que não
se pode solucionar, não fica outro remédio que suportar-nos mutuamente. A
melhor encarnação desta posição orteguiana é a política de resistência do PP: há
que aguentar até que se cansem de pedir e peçam papas, e isto permitirá
espalhar aos quatro ventos que a democracia espanhola é forte e robusta, porque
é capaz de submeter a qualquer povo que se lhe resista.
Antes
de dilucidar quando surgiram as nações cumpre que analisemos que é uma nação.
Quando lecionava aulas costumava perguntar-lhe aos alunos e à vezes também a
algum professor que entendia por nação e a resposta era invariavelmente que uma
nação é uma comunidade com língua própria, cultura, território, etc., mas
sempre lhe retrucava que uma nação não é isto, senão que isto é uma etnia, que
os sociólogos definem como um povo que se vê distinto dos e é visto polos
demais como distinto por razões culturais. Este foi também o erro no que
incorreu o ilustre galeguista Ramón Chao Rego, que creu solucionar o problema
da Galiza reduzindo-a a uma etnia. Sendo isto assim, na Idade Média a Galiza já
seria uma nação, que foi um erro no que incorreu o grande Castelao.
Que
é uma nação? Para não ser suspeitoso de deriva nacionalista, tomarei uma definição
dum autor nada suspeitoso de nacionalismo, o professor de Filosofia do Direito
da Universidade de Ovieu, o cacerenho José Delgado Pinto: “a comunidade humana
estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais,
adquire consciência da sua singularidade a respeito doutras comunidades históricas
similares e tende a desenvolver uma política autônoma” (G.E.R., t. 16, p. 537).
Nesta definição aparecem quatro componentes fundamentais da nação: a) comunidade
estável, e, portanto, um conglomerado de pessoas que assistem a uma partida de
futebol ou a um concerto, independentemente da sua quantia, não é uma nação.
Uma comunidade implica uma estrutura com ordem, hierarquia, roles dos seus
membros, etc. b) Os vínculos referem-se ao facto diferencial; toda comunidade
nacional tem que ter algum elemento que a diferencia das demais, este elemento
pode ser cultural, como a língua, cultura, religião, morfologia social; ou
natural, como a raça ou o território. Como mínimo uma comunidade tem que ter um
elemento diferenciador, mas, como no caso galego, pode ter vários, como a língua,
cultura, direito tradicional,... c) ter consciência de si como uma realidade
diferenciada que é vista também polos demais como um povo distinto, e d) a
determinação de reger o seu destino e, portanto, dispor ou lutar polo direito
de autodeterminação ou de decisão. Em geral, o nacionalismo galego insistiu
muito nos vínculos diferenciais e muito menos na consciência de si e na
determinação de reger os seus destinos próprios. Isto deveu-se a que as elites
espanholistas lograram controlar a mídia galega e impor a sua visão à sua
maioria social, que nacionalismo galego não foi capaz de contra-arrestar O
mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça,
terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade
nacional, que é quiçá o elemento mais importante porque um povo, em definitiva,
vai ser o que decida ser e o traduza nas urnas. De facto, a sua definição de nação
tomada de Estaline não a recolhe em absoluto: “uma comunidade humana estável
historicamente formada de idioma, território, de vida econômica e de hábitos
psicológicos refletidos numa comunidade de cultura” (S.G., p. 39).
Quando
surgiram as nações? Vários autores espanhóis e não historiadores precisamente
lograram espalhar a falsa teoria, repetida a eito por pessoas pouco versadas
nestes temas, que Espanha é a nação mais velha do continente europeu. Assim,
Ortega e Gasset diz em Espanha invertebrada que “Teve Espanha a honra
de ser a primeira nacionalidade que logra ser uma, que concentra no punho dum
rei todas as suas energias e capacidades” (p. 144). Segundo Julián Marías o
processo nacionalizador inicia-se na segunda metade do século XV nos países
ocidentais de Europa e os primeiros países que se nacionalizam são Espanha,
Portugal, França, Inglaterra; logo Holanda, Suécia, Prússia e Áustria; ás últimas,
Alemanha e Itália. Mas frente a esta teoria cumpre dizer que a nação não pode surgir
antes do nacionalistas, que são quem dão lugar à nação. O nascimento das nações
se produz quando a intelligentsia dum Estado ou duma etnia consolida uma
legitimação nacional do poder, utilizando como meio certos atributos comuns a
uma ou várias etnias, resultando desta arte Estados mono ou pluriétnicos.
Nestes últimos, se não se produz uma nacionalização exitosa do poder a escala
estatal, como aconteceu no caso de Espanha, propiciará que a intelligentsia de
alguma das etnias periféricas intente legitimar o poder em base a atributos da
comunidade étnica própria, dando lugar á construção de novas nações e por
conseguinte a novos Estados independentes ou a um Estado plurinacional, na que
diversas nações pretenderão estabelecer uma difícil convivência em pé de
igualdade: tal seria a origem dalguns dos Estados federais ou confederais.
Segundo H. Kohn "O NACIONALISMO, tal como o entendemos nós, não é
anterior aos últimos cinquenta anos do século XVIII. A Revolução Francesa foi a
sua primeira grande manifestação, dando ao novo movimento uma força dinâmica
crescente" (KOHN, HANS, Historia del nacionalismo, Fondo de
Cultura económica, Madrid, 1984, p. 17. Ver também nota 1, cap. 1, p. 479).
Vários autores espanholista difundiram a
ideia que os Reis Católicos fundaram, com o seu casamento, a unidade de
Espanha, como já recolhe Castelao no seu tempo, “mas é mais certo que cada
um deles regia separadamente os bens anexos à sua coroa, e depois de morta
Isabel ainda volveu a casar-se Fernando em busca dum herdeiro que anulasse o
compromisso do Tanto Monta, quer dizer, o dobre e forçoso reinado que
recairia em Juana la Loca, e somente à esterilidade da segunda mulher de
Fernando se deve a soldadura de Castela e Aragão. A prova de que não existia
uma unidade hespañola está em que o cerramento da Reconquista cumpriu-se com a
incorporação de Granada à coroa de Castela, ficando a coroa aragonesa
desvinculada deste novo aporte. Somente Felipe II creu ter consumado a unificação
política da Península ao sentar-se no trono português”(S.G., 313). A rainha
Isabel estabeleceu no seu testamento que, ainda que a herdeira do trono era a
sua filha Joana, o rei Fernando administraria e governaria Castela no seu nome
polo menos até que o infante Carlos, primogênito de Joana, tiver cumprido vinte
anos. Isto indica que os dous reinos não estavam soldados numa unidade a esta
altura.
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