Uma
cultura, para ter futuro, tem que ser um produto vivo e no que a gente viva, um
produto que se enriqueça no decurso do tempo com novas contribuições dos
membros da comunidade cultural, ao tempo que se desprenda das excrescências,
aderências e elementos que deixaram de ser operativos, mas as novas
contribuições devem inserir-se no âmbito da mesma cultura e não ser elementos
que a distorçam e produzam a alienação cultural e isto refere-se também ao modo
de denominar a própria realidade geográfica e social. Dado que a cultura, e a
sua máxima expressão que é a própria língua, tem que ser um produto vivo e
operante para os habitantes duma determinada coletividade não basta com
conservar por escrito os seus memes, ou unidades mínimas de informação
aprendida, tal como propõe Mosterin, porque desta maneira teríamos uma cultura
enlatada, uma cultura de laboratório, mas não um produto vivo e pujante.
Faz
uns dias li uma noticia na que se afirmava que se vai ampliar o nomenclator
galego com o objetivo de proteger os dous milhões de topônimos e micro-topônimos
da nossa comunidade, grande parte deles em risco de desaparecer, mas parece
claro que por muito que figurem num nomenclator não têm garantida a sua
supervivência se não se integram na vida real das pessoas. Poderia, contodo,
ser um objetivo loável em caso de ir acompanhado duma vontade de conservar e
promover a nossa cultura e uma parte fundamental dela como é o nosso idioma
como objetivo irrenunciável, pois foi essa cultura a que lhe deu origem e é
neste idioma no que figuram esses topônimos, mas tem muito menos sentido no
caso de umas autoridades que parecem desprezar a cultura própria e sentem um
complexo enorme perante a língua na que os nossos antepassados denominaram essa
realidade geográfica. Topônimos como a Lameira, a Lagoa, a Chaira, as Cortinhas
de Riba, Angarilha, Agra das Bouzas, Agro da Carvalheira, os Riveiros, etc.
tiveram como criadores a pessoas que estavam identificadas com a terra e que
falavam a lingua do país e o lógico seria conservar os topônimos junto com a
língua em que se expressaram.
Os
câmbios nos topônimos podem ser devidos a fatores endógenos à própria cultura,
ou exôgenos, segundo se originem desde o interior ou do exterior da própria
cultura. Quando falamos de endógenos ou exógenos não queremos designar só a
atuação de pessoas exteriores à própria Galiza, senão também a pessoas já
identificadas com a cultura espenhola, que, desde o interior da Galiza,
colaboram com o labor de alienação da nossa cultura, consciente ou
inconscientemente, ativamente ou acomodando-se à inércia imperante. Toda
realidade está, inevitavelmente, submetida à câmbio e mutação, e a cultura não
pode ser alheia a este universal devir, em palavras do velho Heráclito, mas somente
são enriquecedores os câmbios endógenos, ainda que são também os mais difíceis
numa situação de colonização. Aclaremos isto com algum exemplo. Faz-se um
concentração parcelária e várias propriedades são integradas numa única, por
exemplo, o que antes eram a Angarilha, Agra das Bouzas e o Seixinho são
concentradas, e se o conjunto recebe o nome de Agra das Bouzas, é evidente que
os demais vão desaparecer por desuso. Com todo, ainda que há perda de
topônimos, o câmbio é endógeno e integra-se no seio da própria cuoltura.
Suponhamos
agora que parte ou todas as citadas parcelas formam parte dum núcleo urbano
afetadas por um PXOM. Neste caso, o habítual é que se integrem num polígono que
recebe um número, por exemplo, o 20, nome já espanhol ou híbrido, que pode
deslocar os nomes das parcelas originárias; e se uma vez que se procedeu à sua
urbanização, todo ou parte do Polígono é vendido a alguma empresa, muitas vezes
se lhe põe à parcela adquirida e edificada um nome comercial que sirva de
propaganda para a sua empresa, que, usualmente, será um nome espanhol. Se os
redatores do PXOM, as administrações e a própria cidadania tivessem mais
sensibillidade pola própria língua e cultura, que a que têm a dia de hoje,
deveriam velar para que essa toponímia não se perdesse, senão que, polo menos,
parte dela se integrasse no novo produto. Em certo momento que atuei como
membro duma Junta de Compensação defendi que os topônimos deveriam manter-se na
sua forma original galega, tese com a que concordava o técnico do polígono, mas
outro membro galego dessa Junta retrucou-me que só estaria de acordo em que
estivesse em galego se não é um nome feio. Isto significa que os nomes galegos
devem superar um plus de estética com respeito aos nomes em espanhol.
Existe
outro âmbito no que a perda de topônimos é galopante, que é o das honras a
personagens supostamente meritórias. Creio que é de justiça ser agradecido com
as pessoas que se fizeram acredoras de que a comunidade as perpetue na memória
coletiva com um reconhecimento especial, mas isso nunca deveria fazer-se a
expensas da destruição da toponímia originária da coletividade. No Estado
espanhol não abondaram autênticas elites diretivas que servissem de guía à
maioria social; o que houve, principalmente, foram elites extrativas que se
aproveitaram dela, vivendo e enriquecendo-se às suas expensas. Estas elites
constituiram um corpo no que os membros se intercambiaram favores e privilègios
seguindo o princípio:hoje por ti e amanhã por mim. As homenagens públicas,
nestes casos, convertem-se num reocnhecimento dos favores prestados por parte
do favorecido.
Se nos limitamos a Galiza, creio que
há alguns antepassados que merecem ficar no imaginário coletivo e quiçá a
grande maioria concordaríamos em incluir dentro desta nômina a pessoas como
Rosalia, Castelao, Curros Enríquez, Otero Pedrayo, Anjo Casal,..., mas a
homenagem a estas pessoas e sobre todo a outras menos insignes poucas vezes
justifica que se faça a expensas de destruir a riqueza coletiva criada polos
seres anônimos, por essas luzecinhas inominadas que nos precederam e
conservaram essa criatividade coletiva muito merecedora do nosso tributo em
bloco a todos eles. Se visitássemos as cidades do Estado espanhol e fizermos a
história das pessoas selecionadas como merecedoras do reconhecimento coletivo,
que recortes teríamos que fazer! Reis e rainhas incompetentes e corruptos,
carentes de qualquer mérito distinto da pura animalidade. Chefes de Governo e
ministros, especialistas no manejo das portas giratórias, que amassaram uma grande
fortuna no exercício do seu cargo e que não significaram nada real para a
comunidade que se vê obrigada a lembrar a sua memória. Militares aos que se lhe
dedicam alguma das ruas principais das cidades e que só se distinguiram por ser
membros dum exército pouco exitoso na maioria das contendas em que participou.
E todo isto se fez a expensas dos topônimos criados polas citadas luzecinhas
inominadas das que ninguém se lembra. Nos nossos dias podemos constatar que os
topônimos urbanos foram substituídos polos nomes de personagens que não
significam nada para a coletividade ou polos nomes de cidades, tanto estatais
como estrangeiras, sem vínculos reais de nenhuma classe com o país. Esperemos
que chegue um dia em que a própria cidadania se rebele contra a liquidação das
criações populares com as que se auto-identificou e denominou a realidade
geográfica no transcurso do tempo.
23/08/2017
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