Quando não se quer fazer-lhe frente aos problemas se lhe dão uma
série de voltas e reviravoltas para ver como se apresentam ante os cidadãos
medidas que, no fundo se reduzem a repressão pura e dura. Um dos mantras
frequentes a respeito dos catalães foi e é a acusação de que os partidos
independentistas dividem os catalães, sem querer dar-se conta que é a sociedade
catalã, como todas as sociedades atuais, a que é plural e os partidos políticos
ou são a expressão da pluralidade social ou não são nada. Por isso são
partidos, quer dizer, representações de partes do todo social. Primo de Rivera
criou a União Patriótica, uma associação de todos os cidadãos de boa vontade,
supostamente neutra, que pretendia integrar a toda a sociedade numa única
organização e assim substituir os partidos políticos tradicionais. Franco criou
o movimento nacional, um partido único, com a pretensão de que representasse a
totalidade da sociedade, e, consequentemente, proibiu os partidos políticos, porque,
segundo o regime franquista, dividiam e
enfrentavam a sociedade. Igualmente os sindicatos, chamados verticais, deviam
representar a obreiros e patronos numa espécie de irmandade fictícia que servia
para tapar a conflitualidade real e as diferenças de classe. Isto é
totalitarismo e dirigismo político, que, em vez de respeitar a realidade tal
qual é, pretende que a realidade de acomode ao que lhes interessa aos
dirigentes, enquanto que respeitar e acomodar-se à realidade plural é
democracia.Isto explica que os regimes com um sistema eleitoral proporcional é
mais democrático que um sistema majoritário porque permite que estejam
representadas mais opções sociais.
O 5/07/2017 o presidente do Governo de Espanha, Mariano Rajoy
pediu-lhe aos catalães que “sigam
mantendo confiança no futuro, porque os delírios autoritários e frentistas
nunca poderão vencer a serenidade e o equilíbrio do nosso estado democrático”
e eu pergunto-me, que autoridade moral tem para fazer esta petição um
presidente do governo espanhol que fez campanha por toda Espanha para captar
votos espanholistas à custa dos catalães e recorreu ante um TC “amigo” um
estatuto já plebiscitado por esse povo ao que agora lhe pede confiança cara ao
futuro? Por outra parte quiser que nos explique o Sr. Rajoy a que catalães se
refere quando ele somente representa ao oito por cento dos catalães e nada
menos que um oitenta por cento da sociedade catalã quer poder manifestar a sua
voz e decidir o seu futuro, uns ligados a Espanha e outros como uma entidade independente,
e a decisão final teria que ser naturalmente, em democracia, o que decida a
maioria., que é fundamentalmente o motivo do referendo do 1/10/2017. Em
terceiro lugar, gostaria saber se os delírios autoritários os identifica com
essa vontade de votar, o qual seria grave, ou se é outra cousa e, em
contrapartida, se a sua política tendente a manter aferrolhado a um povo sem
oferecer-lhe nenhuma saída não é autoritária; em quarto lugar se a serenidade e
equilíbrio do estado democrático não corre o risco de identificar-se com a
intransigência, falta de flexibilidade e negativa a oferecer uma via de saída a
um problema que ele mesmo criou com a finalidade de que os políticos favoráveis
ao referendo mordam o pó da derrota e da humilhação, à semelhança do que
aconteceu com a ETA; e, finalmente, quiser saber se não é separatista dividir
os catalães em sensatos, democratas e moderados, que seriam os que assumem o
seu ideário, e os demais, que, naturalmente, cumpriria qualificar de
insensatos, antidemocratas e extremistas. Não basta com pôr-se firme e
intransigente, porque a política, se é democrática, só pode estar fundamentada
no pacto e na transação.
Outro dos mantras repetido polos políticos espanholistas é que o
problema catalão têm que decidi-lo todos os espanhóis, porque Catalunya é uma
parte de Espanha, e, portanto, uma região duma nação que seria hipoteticamente
a nação espanhola, mas isto nunca pode ser assumido por um povo que se
considera uma nação, como é o caso de Catalunya, pois uma nação é uma entidade
que se considera com direito à soberania e autonomia plena e que não está
disposta a ficar reduzida a uma parte duma entidade soberana distinta, como
seria a espanhola. Isto significa que os pactos somente têm sentido desde um
plano de igualdade entre os pactuantes, que constitui um requisito
imprescindível para que conformar um estado federal. Os que defendem o
federalismo, palavra que provém do latim foedus, que significa pacto, que
somente tem sentido se os pactuantes se acham numa situação desigualdade,
deveriam pronunciar-se a este respeito ou aclarar se o seu federalismo se reduz
a uma imposição desde a cima, como aconteceu no caso do Brasil ou querem deixar
que o povo decida.
Mariano Rajoy também afirmou que o governo está “defendendo as instituições autonômicas
catalãs e os seus funcionários, que não podem ser utilizadas ao serviço duma
atuação contrária a direito”, o qual seria muito de agradecer se estas
instituições lhe pedissem ao chefe do governo espanhol que as defenda, mas
estas instituições estão governadas precisamente por uma maioria absoluta que
não demandou tal ajuda e que foi votada majoritariamente pola sociedade catalã.
Tem razão o chefe do Governo espanhol quando afirma que a sociedade catalã é
mui plural e de caráter mui moderado, creio que algo semelhante ao que ocorre
com a sociedade espanhola em geral, mas assim como isto não é óbice para que na
Espanha governe um partido como o PP, apoiado por uma maioria parlamentar,
tampouco deveria ser óbice para que em Catalunya governem os partidos que
votaram os catalães sempre que estejam apoiados também por uma maioria que lhes
permita governar. E igual que ninguém defende que Rajoy intenta impor polas
bravas o seu programa, também é improcedente dizê-lo dos catalães. É igualmente
um desatino considerar que tem que proteger os catalães dos catalães, ou seja,
de si mesmos e do governo de que se dotaram com o seu voto livre e responsável,
pois suporia considerar a sociedade catalã como uma sociedade infantilizada, e
tampouco tem sentido nenhum afirmar que se enganam com o seu voto, pois
unicamente o futuro poderia, permanecendo todas as demais circunstâncias
invariáveis, servir de pauta para dilucidar esta questão.
Outro dos mantras reiteradamente repetido é que há que cumprir a
lei, o qual é evidente sempre que a lei seja legítima, mas quando a lei se
perverte como aconteceu com o estatuto de Catalunya a questão já não está tão
clara e inclusive em certos casos não só se pode incumprir a lei senão que
existe a obrigação de fazê-lo. Aliás, carece de autoridade moral para exigir o
cumprimento da lei quem a incumpre com os frequentes casos de corrupção e com
anistias ilegais para favorecer aos que se apropriaram do dinheiro público.
Outro dos mantras reiterado profusamente é que a democracia é o estado de
direito, mas o estado de direito é somente uma condição necessária mas não
suficiente para que exista democracia, mas esta precisa que o povo poda decidir
livremente o seu futuro e o seu governo. Consubstancializar a democracia com o
estado de direito equivaleria a afirmar que o reinado de Carlos III já era
democrático ou que uma ditadura que obrigue a respeitar a sua legalidade já é
uma democracia.
2/08/2017
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