O dia 21/10/2017 o tripartido
formado polo PP, PSOE e C’s vai ativar o artigo 155 da CE que lhe permite ao Governo
de Espanha obrigar a uma comunidade autônoma a cumprir as obrigações que a
constituição ou outras leis lhe impõem ou a não atuar de forma que atente
gravemente contra o interesse geral. Portanto, o Governo de Espanha atua como
uma espécie de galo num galinheiro que se impõe a uma série de galinhas
legalmente amansadas e dispostas a cumprir ordens do macho alfa e Omega.
Concebe-se que este governo atua de acordo com o interesse geral e se lhe
concedem atribuições para submeter as comunidades díscolas, neste caso Catalunha,
que são as que se supõem que podem atuar em contra do interesse geral. O
Governo atua como o representante autêntico e encarnação concreta do Estado,
concebido este como uma superestrutura formal por cima e em contra dos
indivíduos e dos povos que o conformam.
O Estado fica concebido dum modo
hegeliano como uma espécie de Deus sobre a terra que se dota duns
plenipotenciários, neste caso o governo central, assistido polos partidos que o
apoiam, que transmitem as suas ordens sacrossantas aos seus súbditos e os
obrigam a cumpri-las, valendo-se dos seus corpos e forças de segurança, de
tribunais condescendentes e duma fiscalia servil, no referente às medidas
políticas, e convertida em fiscalia do Governo em vez de fiscalia do Estado. O
resultado da desobediência são a imposição de fortes penas de prisão, multas,
repressão, incluso no caso de que os cidadãos atuem dum modo pacífico e
desarmado e não suponham ameaça de nenhuma classe para a segurança desse
Estado. Todos estas medidas coercitivas e repressivas são dulcificadas por uns
mídia muito manipuladores e sempre compreensivos com o poder. É uma conceição mais
piramidal e autoritária do Estado que a da República federal, pátria do
filósofo Hegel, pai da forma mais elaborada de idealismo, que lhe encomenda às
ideias, neste caso à ideia de Estado, a reitoria da realidade, culminando deste
modo o idealismo platônico-aristotélico.
Mariano
Rajoy ameaçou a Catalunha com a aplicação do artigo 155, transcrito
literalmente do artigo 37 da Constituição alemã, que neste país nunca se pôs em
prática e isto indica que as relações entre os länder e o governo federal
estiveram baseadas na lealdade e no diálogo entre o Estado federal e os Estados
federados, situação que na Espanha nunca se deu no referente ao encaixe das
comunidades autônomas na estrutura territorial do Estado. Uma diferença
fundamental é que os Lander têm reconhecida a sua soberania originária,
enquanto que no Estado espanhol a soberania é única e o Estado, por meio do seu
representante plenipotenciário, considera-se legitimado a fazer o que lhe
acomode.. O problema fundamental para qualquer reforma do Estado espanhol é que
as comunidades autônomas de Galiza, Euskadi e Catalunha só somam, em números
redondos, uns 11 milhões de votantes dum conjunto do Estado de 46 milhões
aproximadamente, dos quais ainda não chegam a 5 milhões os que votam
nacionalista, e os membros do tripartido têm sempre presente os interesses das
suas formações e as expectativas de aranhar, ou polo menos não perder, o voto
unionista, ainda que se traduza na perda de parte do voto nas três comunidades
citadas. Desta arte, não se arredarão de humilhar os nacionalistas e denegar as
suas aspirações de autogoverno. A reação aos inquéritos que lhe dão a C’s um
incremento de voto, Rivera manifestou que isso indica que a sua política de mão
dura com Catalunha é a acertada. Esta é a maneira de proceder dos políticos
unionistas serris. Se a metade da população espanhola for nacionalista
desapareceria de raiz o problema catalão, basco e galego porque a política que
se aplicaria seria muito mais sensata e pactuada de comum acordo entre as
partes. Isto explica também a reação de Rajoy perante o problema catalão: o que
há que fazer é não tomar decisões e esperar e que se cansem e pidam papas,
atendo-se na prática ao que dizia Ortega, de que o problema catalão, igual que
o basco, não se podem resolver e o único que há que fazer é acarretá-lo.
Frente a esta conceição do
Estado concebido como superestrutura da que emanam as ordens da cima para
abaixo para uma cidadania submissa e passiva, existe a conceição do Estado como
a associação de pessoas e povos, para a resolução dos problemas que lhe afetam,
conceição defendida já por Aristóteles e, nos nossos dias, polo moralista
britânico D.D.Raphael, que tem a sua concreção prática mais patente na
confederação helvética que concebe o Estado como uma associação de indivíduos e
povos, que são os que têm o protagonismo e quem decidem de todos os assuntos
relevantes para a comunidade. Aqui as ordens, em vez de emanar da cima para
abaixo, emanam de abaixo para a cima. Esta conceição dota este país duma enorme
estabilidade porque a cidadania e os povos (cantões) participam, por meio do
referendo, em todas as decisões básicas que lhe afetam. Isto já indica que o
que dizem alguns tertulianos de que Espanha é um país mais descentralizados de
Europa não tem nenhum sentido. No Estado espanhol, um Tribunal Constitucional
pode botar abaixo um Estatuto de Autonomia previamente referendado polo povo
afetado, como passou com Catalunha, o qual implica que são estatutos concedidos
pola benevolência dos unionistas e carentes de qualquer garantia de que serão
respeitados. O Estatuto de Autonomia de Catalunha foi reformado em contra dos
requisitos que ele estabelece para a sua reforma, não respeitando, portanto, a
legalidade estatutária. Isto significa que tanto a Constituição espanhola como
os Estatutos de Autonomias estão totalmente esgotados e agora somente fica saber
por quanto tempo temos que regular-nos por cadáveres aos que ritualmente os
unionistas lhe rendem homenagem, ao tempo que promovem e secundam mobilizações para
exaltar até o fanatismo as paixões primárias dum espanholismo vácuo, que se
abraça a bandeiras que somente têm como objetivo negar e afogar os direitos
coletivos doutras comunidades, porque os seus estão plenamente reconhecidos.
Escrevia este artigo quando me
inteiro das medidas adotadas polo governo do partido popular contra Catalunha,
e fiquei estupefato e surpreendido porque não pensava que podia chegar tão
longe contra uma comunidade com uma personalidade tão acusada como a catalã.
Mais que aplicar o artigo 155, parece uma declaração de guerra. Eu considero
também que é uma medida ilegal, porque o artigo 155 permite ao Estado: “1... tomar as medidas necessárias para
obrigar à aquela ao cumprimento forçoso das citadas obrigações ou para a
proteção do mencionado interesse geral. 2. Para a execução das medidas
previstas no apartado anterior, o Governo poderá dar instruções a todas as
autoridades das Comunidades Autônomas”. Não se contempla, pois, a
possibilidade de executar as medidas por parte do mesmo Estado nem o cessamento
dos membros do Govern. Diz num artigo o catedrático de direito constitucional
da Universidade de Barcelona, Xavier Arbós que “o 155 não serve para convocar
eleições, suporia alterar e modificar o Estatut”, ratificando assim o que aqui
dizemos. Claro que estas observações valem pouco para quem se considera por
cima da lei.
Dito
o anterior, eu proponho que numa futura reforma da Constituição se pactue um
artigo 155 bis, que faculte as comunidades autônomas a obrigar o Governo
central a respeitar os deveres que a constituição e as leis impõem ao governo
central e a tomar todas as medidas para efetivá-las, podendo, a este efeito,
recorrer aos mecanismos coercitivos precisos. Isto segue-se da lógica de
considerar o Estado como uma associação de povos e cidadãos que são os que têm
ou deveriam ter o poder real nas decisões relevantes para a comunidade, o qual somente
pode efetivar-se se dotamos o Estado duma autêntica divisão de poderes, que na
atualidade não existe. Isto foi ratificado polo unionista de pró Afonso Guerra que
disse em 1985, com motivo da reforma da Lei do Poder Judicial: “Hoje carregamo-nos a Montesquieu”, que
fora quem manifestou que a divisão de poderes em legislativo, executivo e
judicial é a condição imprescindível para que exista uma autêntica democracia. Na
atualidade, um único partido com maioria absoluta pode controlar o poder
legislativo, executivo e judicial, com a consequência de converter o órgão dos
juízes num apêndice do executivo, totalmente politizado, como passa na
atualidade.
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