O anti-semitismo no cristianismo dos primeiros séculos
As
múltiplas denúncias que os setores cristãos espanhóis apresentam contra os não
aderentes desta religião fundamentam-se na ofensa aos sentimentos religiosos,
tipificados ainda hoje como delito no artigo 524 do Código Penal vigorante que
diz: “Quem em templo, lugar destinado ao culto ou em cerimônias religiosas
executar atos de profanação em ofensa dos sentimentos religiosos legalmente
tutelados, será castigado com pena de prisão de seis meses a um ano ou multa de
12 a 24 meses”. Pareceria que uma religião como o cristianismo, que goza de
tal proteção seria exemplarmente respeitosa com as demais religiões, evitando
qualquer ato ou manifestação que pudesse ferir os sentimentos dos membros
doutras confissões religiosas. Porém, poderemos constatar a seguir que essa não
foi a pauta seguida por ela senão que se dedicou a discriminar, insultar,
condenar e eliminar a quem não compartia o seu credo, e inclusive a aqueles
que, sendo cristãos, não compartiam totalmente o credo dos denominados
«ortodoxos». Hoje imos falar do judaísmo.
O
anti-semitismo foi unha corrente sempre presente no seu do cristianismo desde
os primeiro tempos, como se reflete nos escritos de São Paulo e dos Padres da
Igreja e Escritores Eclesiásticos. As críticas desapiedadas e, creio que
isentas da caridade cristã, a outras religiões foram constantes. Quando Sam
Paulo manifesta a respeito dos judeus que "estes são os que deram morte
ao Senhor e aos profetas e os que nos perseguiram a nós; não agradam a Deus e
são inimigos de todos os homes"1, atribuindo assim a todo um povo, também aos
que o aclamaran em vida, o facto de que Jesus fosse condenado a morte por
Pilatos, porque o judeus não podiam faze-lo2, a incitação duma turba manipulada polos
hierarcas judeus, não deixa de ser unha evidente e injusta exageração, e não um
exemplo de cortesia precisamente.
Entre
os Santos Padres e Escritores eclesiásticos destacam, polo que diz respeito ao
anti-semitismo, Santo Ambrósio (340-397), São João Crisóstomo (347-407) e Santo
Agostinho (354-430). Santo Ambrósio escreveu no ano 379 que “Os
judeus são os mais desprezíveis de todos homes. São libertinos, gulosos,
rapaces. São os pérfidos assassinos de Cristo. Adoram o demo. A sua religião é
uma doença. Os judeus são os odiosos assassinos de Cristo e para o assassino de
Deus não há expiação possível, nem indulgência, nem perdão. Os cristãos não
podem cessar a vingança, e os judeus têm que viver em servidão para sempre.
Deus sempre odiou os judeus. É essencial que todos os cristãos os odeiem”3. Os judeus ofenderam a Deus não respeitando
os direitos da viúva e dos menores e, por isso, foram castigados com a rejeição
divina, mas se os respeitam mitigarão a sua cólera.“E que diremos dos Juízos
humanos, dado que nos Juízos de Deus os judeus são apresentados como tendo
ofendido o Senhor em mais nada que violando o que é devido à viúva e os
direitos dos menores. Isto é proclamado polas palavras dos profetas como a
causa que levou sobre os judeus o castigo de rejeição. Isto é mencionado como a
única causa que mitigará a cólera de Deus contra o seu pecado: se honram a
viúva, e executam um juízo verdadeiro para os menores, por isto lemos: «Julga
os órfãos, trata justamente a viúva, vem e julguemos conjuntamente, disse o
Senhor». E noutra parte: «O Senhor mantém o órfão e a viúva»”4. Se Deus rejeitasse a todos os povos que não
respeitam os direitos dos menores e das viúvas, não ficaria povo que se
livrasse do castigo divino. Aliás, o cristianismo não está legitimado para dar
lições a outras confissões e muito menos à sociedade civil, porque se
caraterizou polo menosprezo dos direitos humanos, do qual é um bom expoente o
Sílabo de Pio IX.
No
ano 381 o cristianismo é declarado religião oficial do Império Romano e, a
partir deste momento, a fação nicena vai dedicar-se a destruir os templos das
outras religiões e os das fações cristãs dissidentes, como eram os arianos e
semi-arianos, ao tempo que o Império vai ditar duras penas contra os
«heterodoxos», castigando-os com a confiscação dos seus bens e o exílio. A
repressão cavalga inexoravelmente para impor definitivamente o discurso único
religioso e o único Deus, uno e trino. No ano 388 uma turva de cristãos de
Cainico, no atual Iraque, liderados polo seu bispo, queimaram uma sinagoga
judia. Ambrósio descreve assim os fatos: “Um informe foi feito polo conde
militar do Leste de que uma sinagoga foi queimada, e que isto foi feito por
instigação do bispo, Vos destes a ordem de que os outros sejam castigados, e a
sinagoga seja reconstruída polo próprio bispo. Eu não reclamo que a explicação
do bispo deveria ser esperada, porque os sacerdotes são apaziguadores de
conflitos e amantes da paz, salvo quando se movem por alguma ofensa contra Deus
ou insulto à Igreja”5. Portanto, a violência fica justificada em caso de ofensa ao Deus
cristão ou insulto à Igreja, sem ter em conta que, ainda nestes casos, cumpre
ter em conta se esta suposta ofensa a um deus está penalizada pola lei e que,
em qualquer sociedade civilizada, não se pode tomar a justiça pola própria mão.
A carta de Ambrósio tinha como finalidade repreender o Imperador por entender
que favorecia s sinagoga. Nela, apresenta-se como obediente aos mandados de
Deus e o que pretende, em resumidas contas, é que esta ação de queima dum santuário
da religião judia fique impune.
Considera
Ambrósio que se o imperador castiga o bispo vai fazer dele um apóstata ou um
mártir, e propõe como solução que o castigue a ele próprio no seu lugar. “Isto
é, O Imperador, o que eu, também pedi, que te vingues mais bem em mim, e se
consideras isto um crime, atribui-o a mim. Por que ordenar juízo contra alguém
que está ausente? Tens o home culpável presente, escuta a sua confissão.-
Declaro que lhe pôs fogo à sinagoga, ou polo menos que ordenei a aqueles que o
fizessem, porque não pode haver um lugar no que Cristo seja negado”6.
Recorre também Ambrósio à treta de mitigar a culpabilidade da ação pola
incredulidade dos judeus, ao tempo que delata o descrédito que se produziria
nas fileiras cristãs. “Deve, pois, fazer-se um lugar para os incrédulos dos
judeus com a pilhagem da Igreja, e deve o patrimônio, que com o favor de Cristo
foi ganhado para os cristãos, seja transferido às tesourarias dos incrédulos?
Ouvimos que os velhos templos foram construídos para os ídolos com o saque
tomado dos cimbros, e a pilhagem doutros inimigos. Devem os judeus escrever
esta inscrição no frontispício da sua sinagoga: «O templo da impiedade, erigido
com a pilhagem dos cristãos»”7.
A conclusão de Ambrósio é que cumpre deixar impune
esta ato vandálico. “Não existe motivo suficiente para tal comoção, que o
povo deveria ser tão severamente castigado pola queima dum edifício, e muito
menos dato que é a queima duma sinagoga, a casa de incredulidade, a casa de
impiedade, o receptáculo de loucura, que Deus mesmo condenou”8.
O
bispo de Constantinopla, Doutor da Igreja e um dos seus mais eloquentes
predicadores cristãos dos primeiros séculos, São João Crisóstomo (347-
407), propõe-se destruir a boa imagem de que gozavam a nível social os judeus
e, com esta finalidade não duvida em lançar as maiores patranhas contra a
sinagoga servindo-se de textos proféticos do Antigo Testamento. ”Muitos,
sei-o, respeitam os judeus e pensam que o seu presente modo de vida é
venerável. Isto é polo que eu me apresso a desarraigar e arrancar esta opinião
letal. Eu disse que a sinagoga não é melhor que um teatro e exibo os profetas
como testemunhas. Seguramente os judeus não são mais merecedores de confiança
que os seus profetas. «Ti tinhas uma testa de prostituta; devéns desavergonhada
diante de todos»9.
Os
qualificativos que João dirige contra a sinagoga: teatro, bordel, casa de
ladrões, excedem toda ponderação e sensatez.“Onde uma prostituta se instala, este lugar é um bordel. Mas a
sinagoga não é só um bordel e um teatro; é também uma cova de ladrões, e uma
morada para bestas selvagens. Jeremias
disse: «A vossa casa converteu-se para mim na cova duma hiena». Não diz
simplesmente «de besta selvagem», senão «duma besta selvagem imunda», e também
«abandonei a minha casa, eu renunciei à minha herança». Mas quando Deus
abandona um povo, que esperança de salvação fica? Quando Deus abandona um
lugar, este converte-se em residência do demônios”10. Também acusa todo um povo, sem o mais
mínimo argumento, de cair no hedonismo mais crasso. “Mas os judeus não
conhecem nem imaginam estas cousas. Vivem para as suas barrigas, ficam
boquiabertos para as cousas deste mundo, a sua condição não é melhor que a dos
porcos ou cabras a causa das suas maneiras luxuriosas e gula excessiva. Eles
sabem uma cousa: encher as suas barrigas e emborrachar-se, romper e esmagar
todo, ser magoado e ferido quando combatem polos seus cocheiros favoritos”11. Os judeus são tão ímpios como os pagãos e
sacrificam sobre o altar as almas dos homes. “Assim a impiedade dos judeus e
pagãos vão de par. Mas os judeus praticam o engano que é mais perigoso. Na sua
sinagoga levanta-se um altar invisível de engano sobre o qual sacrificam não
cordeiros e bezerros senão as almas dos homes”12. Nas suas sinagogas e nas suas almas habitam
os demos. “Certamente é tempo para mim de mostrar que os demônios habitam na
sinagoga, não somente no espaço físico senão também nas almas dos judeus”13. Nas suas almas habitam demônios que são
mais perigosos que os dos antigos judeus e deve evitar-se todo trato com estas
pessoas. “Vedes que os demônios habitam nas suas almas e que esses demônios
são mais perigosos que os dos antigos? E isto é muito razoável. Nos tempos
antigos os judeus obraram impiamente cara aos profetas; agora ultrajam o mestre
dos profetas. Dizei-me isto. Não tremeis de entrar na mesma praza com homes
possessos, que têm tantos espíritos impuros, que foram criados entre matanças e
derramamento de sangue? Deveis compartilhar uma
saudação com eles e intercambiar uma simples palavra? Não deves
afastar-te dado que são a desgraça comum e a contaminação de todo o mundo? Não
chegaram a toda forma de malícia? Não se esgotaram todos os profetas fazendo
muitos e longos discursos de acusação contra eles? Que tragédia, que modo de
ilegalidade não eclipsaram com os seus assassinatos?”14. Sacrificaram os seus próprios filhos e
filhas aos demônios e converteram-se em mais selvagens que qualquer besta. “Eles
sacrificaram os seus próprios filhos e filhas aos demônios. Negaram-se a
reconhecer a natureza, esqueceram os sofrimentos da descendência; esmagaram a
criança dos seus filhos, destruíram desde o seus alicerces as leis da realeza,
devieram mais selvagens que qualquer besta. Bestas selvagens arriscam as suas
vidas e desdenham a sua própria segurança para proteger os seus pequenos.
Nenhuma necessidade forçou os judeus que assassinaram os seus próprios filhos
com as suas próprias mãos para render honras aos vingativos demônios, os
inimigos da nossa vida. Que ações suas nos impressionarão mais? A sua
impiedade, a sua crueldade ou a sua inumanidade”15. Este si que é um exemplo de crítica injusta
e destrutiva contra todo um povo. Este doutor da Igreja, patriarca de
Constantinopla, xenófobo e mestre de xenófobos, é considerado pola Igreja
católica como um dos quatro grandes padres da Igreja de Oriente, junto com
Atanásio, Basílio Magno e Gregório Nacianzeno. Isto já indica que não é óbice,
senão quiçá um mérito, para ser
declarado santo semear gratuitamente o ódio incluso contra o povo matriz do
cristianismo e que adora o mesmo deus.
O
grande repressor Agostinho de Hipona somou-se a esta maré anti-semita.
Parte do absurda acusação de deicídio contra os judeus por ter dado morte ao
Senhor, a Jesus Cristo, o qual significa, segundo a sua mentalidade e na dos
seus correligionários, que deram morte a Deus. No ano 397 afirma que no dia que
“vulgarmente chamamos quarta feira, reuniram conselho os judeus para matar o
Senhor”16. Os judeus, segundo ele, cometeram o erro de
dedicar-se a perseguir os cristãos “ignoravam a justiça de Deus; queriam
estabelecer a própria, e assim não se submetiam à justiça divina... Paulo
diz-nos que condenou e reputou como esterco estes e outros erros para ganhar a
Cristo”17. Para ganhar os seus ouvintes, Paulo dizia-lhe
aos interlocutores o que estes queriam ouvir. Assim Paulo celebrou os
sacramentos dos judeus, como a observância da Lei, “aparentando ser judeu,
para ganhar os judeus; por que não sacrificou com os gentios, pois também se
fez como sem lei com aqueles que estavam fora da lei, para ganhá-los também a
eles? Sem dúvida fez o primeiro porque era judeu de nascimento”18. Esta
tática utilizada com os judeus foi também a que utilizou com os filósofos
epicureus e estoicos. No Concílio de Jerusalém debateu-se o tema de se cumpria
circuncidar os gentios, como dizia Pedro, ou se ficavam dispensados deste
cumprimento, como mantinha Paulo. A tese paulina foi a que se impôs. Portanto,
a esta altura, um judeu convertido podia continuar praticando os ritos judaicos
sem restrição de nenhuma classe, e inclusive era desejável que todos atuassem
assim. Mas a partir do momento em que o cristianismo se converteu em religião
oficial do Estado, como já não necessitava adaptar-se aos fieis, estabeleceu
uma dura repressão contra os que continuassem praticando os ritos judaicos.
Durante o período inquisitorial obrigou a que somente se praticassem os ritos
especificamente cristãos e queimou vivos aos que continuavam as suas práticas
rituais nativas.
Agostinho
detém-se especialmente no tema da necessidade de praticar os ritos judaicos,
como fez o mesmo Paulo, ou se a um cristão lhe estava proibido fazê-lo. A
solução que propõe é que em tempos apostólicos havia que aprovar essa prática e
agora condená-la, e esta solução fundamentou, durante o período inquisitorial,
a condena a ser queimados vivos aos conversos que, por uma parte, aderiam ao
credo cristão e, pola outra, seguiam praticando ocultamente os ritos judaicos.
Considera o bispo de Hipona que “as cerimônias dos judeus são mortíferas e
perniciosas para os cristãos, e quem as observe recai no abismo do demo,...
distingo eu entre a conduta sincera do apóstolo Paulo no seu tempo e a
observância sincera das cerimônias judaicas no nosso. Então havia que
aprová-las, enquanto que agora há que detestá-las”19. Este é um razoamento do tipo disse-o Blas,
ponto redondo. "O judaísmo, desde Cristo, é uma corrupção,
efetivamente, «Judas é a imagem do povo judeu»; o seu entendimento das
Escrituras é carnal; eles levam a culpa da morte do Salvador, porque a través
dos seus pais eles mataram a Cristo. Os judeus prenderam-no, os judeus
insultaram-no, os judeus ataram-no, coroaram-no de espinhas, desonraram-no
cuspindo-lhe, azotaram-no, amontoaram abusos sobre ele, colgaram-no dum
madeiro, atravessaram-no com uma lança". Só citamos estes textos,
entre inúmeros, dos autores mais notórios representativos do sentir de diversos
Padres da Igreja. Creio que abundam para deixar claramente o anti-semitismo
judaico e a dupla vara de medir utilizada polos cristãos para com os seus
correligionários e com os membros das outras confissões.
Imos
refletir agora as decisões dalgum órgão colegial. A primeira decisão conciliar
sobre a relação dos fiéis cristãos com os infiéis, tanto hereges como judeus,
produziu-se no Concílio de Elvira do ano 306, que, no cânon 16, estatui:
“Os hereges, se não querem incorporar-se à Igreja católica, não se lhe
entregarão donzelas católicas; mas determinou-se que nem aos judeus nem aos
hereges se lhe dessem polo facto de que não pode haver nenhuma relação do fiel
com o infiel. Se os pais obrassem contra esta proibição, que sejam excomungados
por cinco anos”. Também se proíbe sob pena de excomunhão, no cânon 49, que
bendigam os frutos dos proprietários cristãos porque então teriam o mérito de
fazer prosperar os seus bens, e no cânon 50 determina-se que “Se algum
clérigo ou fiel tiver tomado o alimento com os judeus, que se abstenha da
comunhão, para que seja emendado”.
Os
imperadores romanos chegaram algumas vezes a equiparar em privilégios os judeus
com os cristãos, mas nas mútuas relações entre estas religiões, os judeus
sempre saíram perdendo. No I Concilio de Niceia, 325, o imperador
Constantino, presidente honorário do concílio, dirigiu-se aos bispos com estas
palavras: "Nós não desejamos ter nada em comum com este povo tão
aborrecível, dado que o Redentor marcou outro sendeiro para nós". Este
afã de afastar-se das práticas judaicas levou os participantes neste concílio a
optar polo descanso em domingo e não no sábado como fazem os judeus. Como líder
supremo, incontestável, e como o responsável da execução dos acordos do
concílios, escreve-lhe uma carta aos ausentes para cominá-los a aceitar os
acordos da assembleia. A sua missiva é toda uma lição de anti-semitismo e de
uniformismo. “Quando se suscitou a questão relativa ao dia da Páscoa,
pensou-se geralmente que era conveniente que todo o mundo celebrasse esta festa
o mesmo dia. Que pode, com efeito, haver de mais belo e mais justo que ver esta
festa, que nos dá a esperança de imortalidade, celebrada por todos de comum
acordo e da mesma maneira. Declarou-se que era particularmente indigno seguir
para esta festa, a mais santa de todas, o costume dos judeus, que mancharam as
suas mãos do mais pavoroso dos planos, e cuja alma está cegada. Rejeitando o
seu costume, podemos transmitir aos nossos descendentes o modo legítimo de
celebração da Páscoa, que nós observamos depois do primeiro dia da paixão de
Cristo até o presente. Não devemos, por conseguinte, ter nada em comum com o
povo dos judeus. O Salvador amostrou-nos outra via; o nosso culto segue outro
derroteiro mais legítimo e mais conveniente, e por conseguinte, adotando
unanimemente este modo, queremos, meus caros irmãos, subtrair-nos à companhia
dos judeus. É verdadeiramente vergonhoso para nós ouvi-los vangloriar-se que,
sem eles, não poderíamos celebrar esta festa. Como poderiam estar na verdade,
eles que, após a morte do Senhor, não se deixaram conduzir pola razão, senão
por uma paixão insensata? Não possuem a razão nesta questão da Páscoa; na sua
cegueira e a sua repugnância por toda melhora, celebram frequentemente duas
Páscoas no mesmo ano. Não poderíamos imitar a aqueles que estão manifestamente
no erro. Como seguiríamos a estes judeus, que o erro cega incontestavelmente?
Celebrar duas Páscoas no ano é totalmente inadmissível... Como por uma parte é
para nós um dever não ter nada em comum com os assassinos de Cristo, e como,
por outra parte, este costume, já seguido polas igrejas do Oeste, do Sul, do
Norte, e por algumas do Leste, é o mais aceitável, pareceu-nos conveniente a
todos (e eu fiz-me garante do vosso assentimento) que vós a aceiteis com
alegria, dado que é seguida em Roma, em África, em toda a Itália, a Espanha, as
Gálias, a Bretanha, a Líbia, toda a Acaia, nas dioceses de Ásia, do Ponto e de
Cilícia. Deveis considerar não somente que o número de igrejas destas
províncias formam a maioria, senão também que é justo pedir o que a razão
aprova, e que não devemos ter nada em comum com os judeus. Em resumo, o Juízo
unânime decidiu que a muito santa festa de Páscoa seja celebrada em todas
partes o mesmo dia, e não convém que a santidade desta solenidade seja manchada
polas nossas divisões”.
O
Concílio de Laodiceia,Frígia,
celebrado entre 343 e 381, amostra-se mais estrito que outros concílios
anteriores a respeito da presença de hereges nas celebrações cristãs, pois
outros permitiam-lhe essa presença tanto dos hereges como dos judeus nas
leituras e sermões que precediam o ofício divino propriamente dito. O de
Laodiceia estabelece no cânon 6, que “não está permitido aos hereges,
entretanto permanecem na heresia, pôr o pé na casa de Deus”. No cânon 37
determina que “Não é apropriado que os cristãos aceitem regalos que foram
enviados por judeus ou hereges, nem celebrar festas com eles”. Esta
proibição indica que se vinha fazendo e o objetivo do concílio é evitá-lo e
converter assim os judeus numa espécie de parias sociais. “Não é apropriado
para os cristãos aceitar pão ázimo dos
judeus, e tomar parte nas suas impiedades” (Cânon 38). Desta maneira
pretende-se cortar também todo vínculo religioso entre cristãos e judeus.
O
cânon 129 do Códice dos cânones da igreja africana decreta que os escravos,
libertos, condenados por crimes públicos, marcados com o selo da infâmia,
pagãos, hereges e judeus não podem atuar como acusadores perante os tribunais20.
O
cânon 14 do concílio de Calcedônia do ano 451 uma pessoa não batizada “não
se lhe permite ser batizada por hereges, nem casar com hereges ou judeus ou
pagãos, a menos que a pessoa que se vai unir com o ortodoxo prometa adotar a fé
ortodoxa. Se alguém transgride esta ordenança do santo sínodo, deve ser
castigada de acordo com os cânones”21.
3. RUNES,
DAGOBERT DAVID, The Jew and the Cross, Philosophical Library, New York:, 1965,
p. 61.
20. HEFELE, Histoire
des conciles, liv. 8, sec. 121.
21. HEFELE, History
of the council, liv. 11, sec. 200.
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