Os essénios, seita à
que provavelmente pertenceu Jesus, eram misóginos e não aceitavam mulheres na
sua congregação e desprezavam o matrimônio . Como di Flávio Josefo, “Não é
que eles condenem em principio o matrimônio e a procriação, mas temem da
desvergonha das mulheres e estão persuadidos que nenhuma delas guarda a
fidelidade a um só home”1. As razões que aduzem para esse
desprezo são, além da percepção negativa que têm da mulher, a dificuldade de
manter os vínculos comunitários entre pessoas casadas e a sua misossexualidade.
Manifesta Filão de Alexandria que “Rejeitam o matrimônio porque com toda
clareza vem nele o único ou principal obstáculo para manter os vínculos da vida
em comunidade, e à vez porque praticam com particular zelo a continência.
Nenhum deles, com efeito, toma esposa, entendendo que a mulher é uma criatura
egoísta, zelosa por demais e capaz de tender as suas redes aos costumes do home
e seduzi-lo com as suas incessantes fascinações”2. Com todo,
algumas correntes essénias não condenavam o matrimônio nem o rejeitavam, porque
“Pensam que renunciar ao matrimônio é realmente suprimir a parte da vida
mais importante, a saber, a propagação da espécie; cousa tanto mais grave que o
gênero humano desapareceria em pouco tempo se todos adotassem esta opinião.
Tomam às suas mulheres como ensaio, e depois que três épocas sucessivas
mostraram a sua aptidão para conceber, desposam-nas definitivamente. Depois de
estar embaraçadas, não tem relações sexuais com elas, mostrando assim que se
casam não por prazer senão para procriar meninos”3.
O pensamento e a prática
de Jesus vem coincidir com esta corrente essénia, que não condena o matrimônio,
por considerá-lo necessário para a procriação da espécie, mas ao mesmo tempo dá-lhe
prioridade à vida de continência e de renúncia ao prazer sexual, como se
manifesta em Mt. 19, 12: “Há eunucos que a si mesmos se fizeram tais polo
reino dos céus”. Houve, com todo, alguns grupos gnósticos que, amparando-se
no Evangelho dos Egípcios, da primeira metade do século II, diziam que
Jesus rejeitou não só o matrimônio senão também a procriação, pois quando Salomé
lhe perguntou ao Senhor: “«Durante canto tempo predominará a morte?» ele
respondeu: «tanto como vós as mulheres gereis meninos»”4. Este é um
evangelho apócrifo, mas a distinção a respeito dos canônicos sempre é muito ténue,
em grande parte arbitrária e controvertida. Clemente de Alexandria que
nos transmite este fragmento não duvida que é um texto autêntico, e somente se
opõe à interpretação que lhe dão alguns grupos que entendem que Jesus está a
condenar o matrimônio e a criança de meninos. Clemente entende que Jesus só
expressa com esta resposta uma lei da natureza que é a de vida- morte.
Esses grupos gnósticos
aduzem outro texto deste mesmo evangelho que diz que o Salvador pronunciou este
oráculo: “«Eu vim para destruir as obras da mulher». A mulher, quer dizer, o
prazer; as obras, quer dizer, o nascimento e a morte”5. Ele não veu,
segundo Clemente, destruir esta ordem, as leis naturais, senão as obras da
concupiscência, avareza, amor ao dinheiro, pederastia,... Por mulher entenderia
a intemperança. “Porque quando ela disse, «Eu fiz melhor não ter dado luz um
menino», dando a entender que ela não teria direito a dar a luz um filho, o
Senhor replicou-lhe dizendo: «Come de qualquer planta, mas não comas daquela
que é amarga»”6. Clemente interpreta esta resposta no sentido de que
o Senhor lhe disse que podia tanto casar como não, e que o matrimônio continua
a obra da criação. Claro que também se pode entender no sentido de que faça o
que queira, mas que evite o que é amargo, como as preocupações ligadas á geração
e criança dos filhos.
O apóstolo Paulo,
manifesta que “Enquanto aos casados, ordeno-lhes, não eu senão o Senhor
que a mulher não se separe do marido, mas em caso de separar-se que não volva
casar, ou que se reconcilie com o marido, e que o marido não despida a sua
mulher”7.
Neste caso a mulher se se separa do marido, tem duas alternativas: não casar ou
reconciliar-se; para o home decreta que não repudie a sua mulher, mas, caso de
fazê-lo, não se lhe proíbe que volva casar. Paulo define a mulher pola sua
total referência ao varão e a esta pola sua referência a Deus e a Cristo. Na
sua argumentação incorre em falácias para justificar a tradição vigente em
Israel segundo a qual as mulheres deviam rezar cobertas com véu, e que ele
atribui à dependência e inferioridade da mulher com respeito ao varão. A mulher
deve velar-se porque, em caso contrário, desonraria o seu marido, mas sem
acarretar nenhuma justificação de por que é assim, convertendo este preceito em
algo totalmente imotivado e em expressão irracional do domínio do varão sobre a
mulher. Como pode constatar-se polo texto que imos ver, o razoamento de Paulo
ressente-se no seu rigor argumental, baseado em simbologias inconsistentes. “Pois
bem, quero que saibais que a cabeça de todo varão é Cristo, e a cabeça da
mulher, o varão, e a cabeça de Cristo, Deus. Todo varão que reza ou profetiza
com a cabeça velada, desonra a sua cabeça, e toda mulher que ora ou profetiza
com a cabeça descoberta, desonra a sua cabeça; e é como se se rapara. Se uma
mulher não se cobre, que se rape, e se é indecoroso para uma mulher cortar-se o
pelo ou rapar-se, que se vele. O varão não deve cobrir a cabeça, porque é
imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do varão, pois não procede o varão
da mulher senão a mulher do varão; nem foi criado o varão para a mulher senão a
mulher para o varão. Deve, pois, levar a mulher o sinal da sujeição por
respeito dos anjos. Mas nem a mulher sem o varão nem o varão sem a mulher no
Senhor. Porque assim como a mulher procede do varão, assim também o varão vem
existir pola mulher, e todo vem de Deus. Sede vós juízes: é decoroso que ore a
mulher descoberta? E não vos ensina a mesma natureza que o varão se ultraja se
deixa medrar a sua cabeleira, enquanto que a mulher honra-se deixando-a
crescer? E que o cabelo foi-lhe dado por véu”8. Este texto,
profusamente lido nas igrejas, é a expressão teológica da misoginia paulina.
Começa expondo uma simbologia hierárquica de valor decrescente: Deus, Cristo,
varão, mulher, que pretende desenvolver nos versículos seguintes. O varão tem
por cabeça, ou seja, por chefe ou senhor a Cristo, que só passa a ser chefe da
mulher mediatamente, ou seja, por mediação do varão, que é o seu chefe ou
senhor. A seguir formula toda uma série de proposições formalistas e
ritualistas totalmente gratuitas e injustificadas racionalmente. O varão que
reza velado desonra a Cristo, mas por que? Com a mulher passa ao revés, se reza
sem velar-se desonra ao varão, mas por que? A desonra não está na vestimenta
exterior senão na atitude, e o que se faz com estes preceitos é sacralizar a
superioridade dum sexo sobre o outro, marginando e desprezando a meia
humanidade. O varão é imagem de Deus, o qual significa que só ele e não a
mulher foi criado a imagem e semelhança do criador, normalmente imaginado como
um respeitável varão nalgumas representações plásticas. O varão é um ser que
está mais próximo, mais cercão a Deus, ao que pode dirigir-se diretamente,
enquanto que a mulher só pode fazê-lo humilhando-se ante o varão, e pondo como
sinal de humilhação o véu. Para Paulo a mulher procede do varão e foi criada como
ajuda para o varão. A palavra procede pode referir-se ao mito da costela de Adão
da que ela seria feita, segundo o mito da criação, ou à procedência biológica
individual. Neste último caso, aludiria Paulo à errônea teoria da medicina
antiga que considerava a conceição sob o símile semente-terra, a primeira
acarretada polo varão, e a terra pola mulher. Neste caso, a mulher só cumpre o
papel de criar o que semeia o varão. A conclusão de Paulo, é que a mulher deve
velar-se em sinal de sujeição ao seu marido, e esta foi a prática eclesiástica
ao longo da história, e as nossas mães e avós velavam-se todas, tal como ainda
hoje fazem as islamistas, neste caso, também fora do âmbito eclesial. A
resposta às conclusões que formula são uma negação categórica a que pretenda o
apóstolo passar por algo natural o que não é mais que misoginia enfermiça. O
cabelo não surgiu para fazer de véu nem para o home nem para a mulher, ainda
que sim é certo que o varão tem muita mais calvície que a mulher como consequência
da maior influência das hormonas masculinas, em concreto da testosterona. Embora o home seja superior á mulher, os dous
formam um complemento, já que a mulher foi criada a partir do varão, mas é também
quem o engendra.
A mulher não pode
falar na Igreja. "Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres
calem-se nas assembleias, porque não lhe toca a elas falar senão viver sujeitas
como diz a Lei. Se querem aprender algo, que na casa perguntem aos seus
maridos, porque não é decoroso para a mulher falar na igreja”9.
Paulo proíbe que as mulheres falem em todas as igrejas fundadas por ele, em
base a que devem viver sujeitas e isso, segundo ele, impede-lhes falar. Só lhes
queda como via alternativa, perguntar na casa aos maridos, ou seja, instruir-se
por intermediário e não diretamente, como pessoas subordinadas que são.
Manifesta que é indecoroso que falem, mas não alega razão nenhuma que o
justifique.
Na Carta aos Efésios,
repete Paulo estas ideias misóginas e prega a submissão unilateral e não recíproca
das mulheres aos homes. “As casadas estejam sujeitas aos seus maridos como
ao Senhor, porque o marido é cabeça da mulher e salvador do seu corpo. E como a
Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres aos seus maridos em todo”10.
O trato que o Apóstolo estipula para o home-mulher é a dum superior a respeito
do inferior, no qual este deve amostrar submissão e obediência e o superior,
paternalismo, benevolência11, e discrição como se dum objeto frágil se
tratasse, como diz expressamente o Apóstolo Pedro12. Como deve
entender-se que a home é salvador da mulher? Se é de caráter espiritual, qual
seria exatamente? Deve entender-se no sentido de que, como a mulher está
condenada a buscar ao marido, satisfaz as suas pulsões sexuais? Na primeira
carta ao seu discípulo Timóteo amostra-se talhante: “A mulher aprenda em silêncio com plena
submissão. Não consinto que a mulher ensine nem domine ao marido, senão que se
mantenha em silêncio, pois primeiro foi formado Adão, depois Eva e não foi
seduzido Adão, senão Eva, que, seduzida, incorreu na transgressão”13.
O Evangelho de
Maria Magdalena, escrito no século II, de autor desconhecido, revela uma
visão e um diálogo que teve com Jesus, testemunho questionado por Andrés e por
Pedro, que interrogou os discípulos acerca do Salvador: “«Falou com unha
mulher sem que o saibamos, e não manifestamente, de modo que devamos volver-nos
e escutá-la? É que a preferiu a ela sobre nós?». Então Maria botou-se a chorar
e disse a Pedro: «Pedro, meu irmão, que pensas? Supões acaso que eu reflexionei
estas cousas por mim mesma ou que minto respeito ao Salvador?» Então Levi falou
e disse a Pedro: «Pedro, sempre foste impulsivo. Agora vejo-te exercitando-te
contra uma mulher como se fosse um adversário. Porém, se o Salvador a fez
digna, quem és ti para rejeitá-la? Bem é certo que o Salvador a conhece e por
isso a amou mais que a nós. Mais bem, pois, envergonhemo-nos e revistamo-nos do
home perfeito, partamos tal como no-lo ordenou e preguemos o evangelho, sem
estabelecer outro preceito nem outra lei fora do que disse o Salvador”14.
Neste Evangelho tanto Andrés como Pedro são apresentados com ares de superioridade
sobre as mulheres, que seriam pouco fiáveis e de pouca credibilidade em comparação
com os varões. Cumpre destacar também o grande amor que sentia Jesus por Maria
Magdalena, que Levi supõe que era de todos conhecido, e que alguns entendem que
teve também natureza sexual.
O papa Bento XVI
reafirmou as bases desta desigualdade quando afirmou: se Deus se encarnou num
home e não numa mulher isso tem que ter uma razão, e esta só pode ser que o
home é mais perfeito que a mulher.
1. FLAVIO XOSEFO, Guerras
dos xudeus, Lib. II, cap. VIII, 119.
2. FILÓN DE ALEXANDRÍA,
Hipotéticas (Apoloxia em prol dos xudeus), 11.14.
3. FLAVIO XOSEFO, Guerras
dos xudeus, Lib. II, cap. VIII, 160.
4. CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib.
III, cap. VI, 45.
5. CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib.
III, cap. IX, 63.
6. CLEMENTE DE ALEXANDRÍA, Stromata, Lib.
III, cap. IX, 66.
7. I Cor. 7, 10-11
8. I Cor. 11, 3-15
9. I Cor. 14, 34-35
10. Ef. 5, 22-24
11. Col. 3,18-19
12. I Ped. 3, 1-17
13. I Tim. 2, 11-14
14. Evanxelho de María Magdalena, 17-18.
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