Aos políticos espanhóis vai-lhes
muito bem simplificar as cousas, criando estereótipos ideológicos por um
processo de desprestígio social dos sectores implicados com o objetivo de
combater as políticas contrárias aos seus preconceitos. Criam assim uma
caricatura da realidade com a que, como quixotes,se assanham verbal e penalmente com objeto de obter
uma rendabilidade eleitoral para si próprios. Criam esquemas simplificadores e
deformadores da realidade que funcionam bem entre determinados sectores pouco
críticos e de baixa formação intelectual. Foi o que passou com as organizações
políticas bascas da esquerda abertzale que foram qualificadas simplesmente como
E.T.A. apesar de que não propugnassem a luta armada e que muitos dos seus
integrantes a rejeitassem expressamente. Desta maneira conseguiram que qualquer
militante destas organizações pudesse ser detido e punido como membro duma
organização terrorista. Foi também o que passou já recentemente com Podemos que
foi considerado polos sectores da direita como populistas e afins aos regimes
venezuelano e iraniano, previamente desprestigiados sócio-politicamente.
Qualquer trabalho profissional que realizassem os seus militantes com estes
governos será motivo suficiente para ser acusados de estar financiados por
eles.
Quando falamos de estado de direito não falamos da forma de governo nem da sua legitimação, senão do sistema normativo vigorante em qualquer coletividade, que obriga coativamente a que todos os seus membros o respeitem e obrem de acordo aos seus preceitos, e que confere faculdade de exigir, fazer ou evitar algum ato, convertendo-se assim o direito ou sistema normativo no fundamento de direitos subjetivos. No século XIX, o sistema vigorante na Espanha era a monarquia constitucional, que se regia também por um estado de direito que concedia ao monarca o poder legislativo e executivo. Diferenciava-se do período anterior absolutista em que o monarca já não está por cima da lei senão que está submetido a ela; sendo também o mesmo monarca quem impõe as normas; é um monarca com poderes amplíssimos, mas fica submetido a elas. Nestes casos, quem infringisse a lei vai ser castigado penalmente, e se os mandatários gozam de prestígio social vão, também mediante a censura dos cidadãos. Era também um estado de direito. Hoje não se admite outra legitimação distinta da democrática e, portanto, isto vai diferenciar também o sistema normativo comunitário, que já não pode ser imposto por uma pessoa legitimada polo seu nascimento no seio duma determinada família, senão que tem que criar-se mediante uma participação dos cidadãos na sua elaboração. Em consequência, para que haja estado de direito, o decisivo é que se implantem normas de obrigado cumprimento que obriguem a todos, mas não implica que sejam iguais para todos. De facto na atualidade no Estado espanhol a monarquia goza de numerosos privilégios tanto polo seu nascimento, que faz que uma menina de 12 anos já estejá predestinada a reinar neste país polos «Padres da Pátria» que redigiram esta «sacrossanta» Constituição a e receba o toison de ouro, a máxima condecoração espanhola, sem ter mérito nenhum para isso, como polos atos que realize, que possibilita uma justiça impunitiva para os membros da Família Real, como se demonstrou fidedignamente no caso de corrupção detectado no Instituto Noos.
O campo dos direitos humanos é
distinto do âmbito jurídico, é o âmbito da ética ou da ética política na qual
já não se trata do que é, de quais são as normas vigorantes numa comunidade,
senão do que deve ser. Entramos assim no mundo das necessidades e aspirações
humanas, do direito a exigir que se implantem umas normas jurídicas que
favoreçam um ideal de humanidade. Um direito humano pode ou não estar recolhido
num sistema de normas; se está recolhido, falaremos desse sistema de normas
favoravelmente e, em caso contrário, criticá-lo-emos, mas o direito humano
existe ainda que não esteja recolhido, por mais que não se possa efetivar. Esta
distinção entre ética e direito objetivo é fundamental, porque em caso
contrário corremos o risco de não entender a realidade sociopolítica.
A controvérsia entre os nacionalismos
defensivos, no caso espanhol, os periféricos, e os nacionalismos impositivos,
como o nacionalismo espanhol, obedece a que se movem em dous viveis distintos.
Os primeiros no âmbito da ética, e mais em concreto da ética política, e, por
conseguinte, das aspirações humanas, e concretamente nos direitos dos povos a
auto-governar-se e a decidir sobre as relações que devem estabelecer com os demais
povos, noutras palavras, a exercitar o direito subjetivo de auto-determinação
dos povos;. e os segundos movem-se no âmbito do direito, do sistema normativo
imposto por eles mesmos aos demais e muitas vezes tergiversado e adaptado ad
líbitum. De acordo com o sistema normativo espanhol, está claro que os povos não
podem exercitar o direito fundamental dos povos à autodeterminação, porque,
apesar de que está recolhido no direito internacional, não vem recolhido e os
unionistas não querem integrá-lo na legislação nem na CE, que consagra que o
único povo soberano é o espanhol, e os demais povos têm que submeter-se ao que
decida o povo espanhol. Se comparamos isto como o que estabelece a Constituição
da Confederação helvética observamos uma diferença enorme entre ambas. Diz o
seu artigo 3 da CH: “Os cantões são
soberanos nos limites da Constituição federal e, como tais, exerceram todos os
direitos não delegados ao poder federal”. Os espanhóis alegam usualmente
que o direito de autodeterminação não se reconhece em nenhuma constituição, mas
isso somente indica, por uma parte, o rol que têm os estados na sua redação e,
por outra parte, porque um matrimônio não se celebra com a intenção de rompê-lo,
senão de que dure muito tempo, mas sempre sem renunciar ao direito ao divórcio
que concede a legislação nacional ou internacional vigorante.
O artigo da CE paralelo ao citado da
CH, é o artigo 2, imposto polos militares, que reza: “A Constituição fundamenta-se na indissolúvel unidade da nação
espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis, e reconhece e
garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a integram e a
solidariedade entre todas elas”. O povo espanhol é o único que se reconhece
como sujeito político e os demais povos são simplesmente negados. Esta
normativa constitucional tem implicações muito importantes na sistema
competencial e no sistema de garantias dos direitos reconhecidos. Vexamos um
caso revelador, como é o do idioma. O artigo 18 da CH determina: “Garante-se a liberdade do idioma”,
entendido como o direito a que cada um utilize o idioma que queira sem
imposições de nenhuma classe. O artigo 70 estabelece: “1 As línguas oficiais da Confederação são o alemão, o francês e o italiano.
O retorromano é também uma língua oficial nas relações que a Confederação
mantenha com pessoas de língua retorromana. 2. Os cantões determinarão as suas
línguas oficiais”.
Frente a esta legislação, a CE determina no seu artigo 3: “1. O castelhano é a língua espanhola oficial do Estado. Todos os
espanhóis têm o dever de conhecê-la e o
direito a usá-la. 2. As demais línguas espanholas serão também oficiais nas
suas respectivas Comunidades Autônomas de acordo com os seus estatutos”. O
espanhol é a única língua oficial do Estado, imposta como obrigatória para
todos, e as outras são somente oficiais no seu território, e com uma
oficialidade de segunda, porque ninguém têm obrigação de conhecê-las nem sequer
no seu próprio território. Mas, incluso esta cativa legislação está sendo
combatida polo PP e C’s para restringi-la ainda mais com a finalidade de
convertê-la numa opção meramente individual e nunca coletiva, como sinal
identificador e diferenciador dos povos, em aras de homogeneizar a realidade
social e converter os cidadãos em rebanhos de ovelhas que devem perder qualquer
identidade comunitária diferente da de pertença a Espanha.
Se
falamos da reforma da constituição não há comparação possível entre a CE e a
CH. Nesta última bastam 1.100.000 assinaturas de cidadãos para obrigar a sua
reforma. No Estado espanhol é impossível sem a benção de qualquer dos partidos
dominantes no Estado, até o momento PP e PSOE. É uma constituição vítima da
chantagem dos imobilistas e reacionários. Todos estamos fartos de ouvir a Rajoy
que antes de reformá-la há que indicar-lhe quê se quer reformar e qual é o objetivo
da reforma. É uma constituição que blinda a perpetuação no poder de pessoas que
dão lições de democracia, mas que evitam como a peste submeter-se a elas. É uma
constituição pensada para o controle dos cidadãos em vez de ser a sua via de
expressão da sua vontade política; basta uma leitura superficial das duas constituições
para convencer-se disso..
No
Estado espanhol produzir-se-ia um avanço qualitativo se a CE dissesse: “As
nações são soberanas nos limites da Constituição republicana e federal, e como
tais exercerão todos os direitos não delegados ao poder central”. Com uma
constituição baseada na soberania das nações é muito provável que se
terminassem as tensões das comunidades periféricas e se delineasse um futuro de
muita maior confraternidades e colaboração entre todos os povos peninsulares.
Um projeto destas caraterísticas seria combatido tanto polos imobilistas do PP
como polos reacionários de C’s e os jacobinistas do PSOE, que querem controlar
todo desde o centro e que todos obedeçam aos seus desígnios, mas deveriam
perguntar-se é Espanha ou Suíça quem goza de maior estabilidade.
Volvendo
à relação entre estado de direito e direitos humanos, podemos dizer que uma
pessoa pode ser muito lúcida em direito e não ter a mesma sensibilidade em
ética, e creio que este é o caso do excelente jurista Javier Pérez Royo, que
numas declarações feitos à mídia o 18/03/2018 manifestava que comparava a
sentença do Constitucional de 2010 como um golpe de Estado, enquanto vai
modificar o sistema normativo das Comunidades Autônomas sobre a revisão
estatutária fixada na CE. Mas quando foca o tema do direito de autodeterminação
fracassa lamentavelmente. Disse ele: “Todo
o mundo tem o direito de autodeterminação. Se uma sociedade é democrática todo
o mundo exerce esse direito quando elege os concelheiros nas eleições
municipais, quando elege os parlamentares autonômicos nas autonômicas, os
parlamentares estatais nas eleições gerais... democracia e direito de
autodeterminação são o mesmo”. É evidente que os atos aos que alude o Sr.
Pérez Royo implicam atos de decisão, mas o direito de autodeterminação não se
reduz a eleger os concelheiros nem os deputados autonômicos, senão que implica
também e principalmente o direito a auto-governar-se e o direito a eleger o seu
destino como povo e as relações que quere manter com os demais povos, sempre em
pé de igualdade com eles. E isto é o que entendem tanto os nacionalistas como o
direito internacional, que implica que os limites ao exercício desse direito
tem que estabelecê-los o próprio povo e não corpetes impostos polas potência
dominantes, e deste direito, Sr. Pérez Royo, sim que estão privados muitos
povos, entre eles os que conformam o Estado espanhol. Portanto, querer a
independência não é nenhum delito, como parece insinuar este autor, nem um povo
tem que estar amarrado a outros para se auto-determinar e muito menos à aqueles
que o aprisionam.
No hay comentarios:
Publicar un comentario