O
dia 7/04/2018, Pablo Iglesias teve uma intervenção num programa de televisão,
na que fez umas manifestações com as que, em linhas gerais, concordo. No seu
discurso reflete um ar fresco e inovador muito necessário nestes momentos. Há,
com todos dous temas sobre os que discrepo polo menos parcialmente.
O
feito foi que o Domingo de Páscoa, á saída da missa da catedral de Palma de
Malhorca, a rainha Letízia obstaculizou publicamente que a rainha Sofia, avó de
Leonor, herdeira ao trono de Espanha, e da infanta Sofia, se fotografasse com as
suas netas, ao tempo que lhe limpa a frente à sua filha a Leonor após depois de
que a sua avó lhe desse um beijo. Ante este facto, Iglesias manifestou que isso
pertencia à sua vida privada e que ele não tem direito a opinar dela senão só
da vida pública dos monarcas. As suas palavras foram: Não vou ser eu quem entre a valorar se há uma disputa
entre as rainhas. Sobre os atos do rei enquanto que pai, a rainha enquanto que
mãe ou a rainha enquanto que avó não tenho nada que dizer, mais que manter o
máximo respeito.
Eu
também respeito a opinião de Iglesias, mas, segundo o meu critério, creio que não
é correta, polas seguintes razões:
1ª.-
Estabelece uma divisão artificial entre a vida privada e a vida pública, que,
especialmente, no caso dos reis e governantes muitas vezes é impossível de
fazer. Que J. F. Kennedy se deitasse com espias sumia numa profunda preocupação
nos membros da CIA, porque isso podia comprometer a segurança do país, que tem
prioridade sobre qualquer relação de parelha. A caçada de elefantes do rei João
Carlos em Botswana, acompanhado da sua amante Corinna, apesar de que era um
assunto totalmente privado, determinou que tivesse nada menos que renunciar ao
trono. Nesta excursão, durante um período muito crítico para o Estado espanhol,
ele amostrou uma série de facetas nada exemplares: caça elefantes ao tempo que
preside uma fundação que o proíbe; dedica-se a umas intensas jornadas de prazer
ao tempo que prega «moralina» de austeridade para os sofridos espanhóis; e
revela a sua faceta de home privado infiel e adúltero. É que podemos despachar
este comportamento com o estribilho de que pertence à sua vida privada? Creio
que o Sr. Iglesias deveria refletir sobre a relação entre o privado e o
público.
2ª.- O
problema ainda se complica mais se temos em conta que o incidente entre nora e
sogra reais se produz num ato ao que assistiam no desempenho do seu cargo de
reis, e, por conseguinte, de nenhum modo se pode afirmar que se trata dum ato
privado, porque os atos de desempenho do
cargo nunca são privados. E que observamos neste ato? Nada menos que uma
relação muito tensa entre nora e sogra, e uma proibição expressa duma rainha a
que uma avó realize umas fotos com as suas netas e a manifestação de asco ante
o facto de lhe ter dado um beijo à sua neta. Considero que são umas relações que
estão muito deterioradas e desumanizadas. Não sabemos quais são as razões reais
dessa atitude da rainha, que alguns atribuem ao apoio de Sofia às suas filhas
no caso da Instituto Noos, mas é difícil, por não dizer impossível, justificar
que uma diferença de critério político se utilize como razão para impedir o
contacto com as suas netas e muito menos para proibir-lhe sacar umas fotos com
as netas e a sensação de asco polo beijo. Ainda que de todo há na vinha do
Senhor, os filhos e netos sabem bem o que significa ter avôs e avós e o esmero
e a entrega destes no cuidado dos seus descendentes mais novos. Seria de
desejar, portanto, na rainha outra grandeza de alma e que não levasse as
represálias contra a sogra a estes extremos. A monarquia é um grande privilégio
para qualquer família, e os seus integrantes devem, polo menos, ser exemplares e
saber estar às duras e às maduras.
À
pergunta de que em Espanha há divisão de poderes manifestou que sim, mas esta
resposta sem matizações é totalmente inaceitável. A nível formal, é evidente
que existe divisão de poderes, mas o problema não consiste se existe ou não
divisão de poderes a nível formal senão se existe também divisão de poderes a
nível material. A Constituição Espanhola também reconhece o direito ao trabalho
a nível formal, mas isto não lhe impede ao governo de Rajoy tomar uma série de
medidas que impedem o seu exercício a nível real, com os recortes brutais para
drenar recursos das classes trabalhadoras aos grandes empresários.
Quando
se procede com um acoplamento perfeito e compassado entre o poder político e o
poder judicial e se observa que o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo
assumem sempre as teses do Governo, que já anuncia de antemão quando se vão
inabilitar os independentistas, é muito difícil afirmar que há divisão de
poderes.
Aliás,
o próprio Afonso Guerra declarou, no ano 1985, quando se aprovou a Lei do Poder
Judicial, por maioria absoluta do PSOE: «Hoje matamos a Montesquieu», que. Lembremos, foi o Pai da Divisão de
Poderes. Dizia o autor do Espírito das
Leis no liv. XI, cap. VI, que a divisão de poderes é imprescindível para
exista a liberdade. Eis as suas palavras: “Quando
na mesma pessoas ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está
unido ao poder executivo, não há de nenhum modo liberdade, porque se pode temer
que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas para executá-las
tiranicamente. Tampouco há em absoluto liberdade se o poder de julgar não está
separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse junto com o poder
legislativo, o poder sobre a vida e a liberdades dos cidadãos seria arbitrária,
porque o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz
poderia ter a força dum opressor. Todo
estaria perdido se o mesmo home ou o mesmo corpo de principais, ou de nobres,
ou do povo, exerce estes três poderes, o de fazer as leis, o de executar as
resoluções públicas e o de julgar os
crimes ou as desavenças dos particular”. Sem liberdade é impossível construir
uma sociedade democrática, e isso explica que a democracia espanhola seja de
tão má qualidade.
Ainda
mais, pois, como todo o mundo sabe, quem tem o poder de nomear os que
desempenham um cargo, tem, ipso facto, o poder de controlar
esse cargo, o qual explica as rixas entre partidos para controlar a nomeação. Era
deste modo como Franco controlava todos os poderes do Estado e também os
eclesiásticos. Pois bem, como todo o mundo sabe, o PP e o PSOE repartem-se em
comandita a nomeação dos componentes do Tribunal Constitucional e do Conselho
Geral do Poder Judicial, além de controlar também, um ou outro, o legislativo e
o executivo. Incluso mais, um chefe de partido com maioria absoluta, pode
controlar o poder legislativo, executivo e judicial. Esta e não outra é a
realidade, e a divisão de poderes na Espanha é uma pura miragem.
Aliás,
afirmar que há divisão de poderes na Espanha num momento em que existe uma
greve programada ou já em curso como na Galiza, para reclamar que se reforce a
divisão de poderes, não deixa de ser extemporâneo, e indica certa desconexão
com a realidade. Também é difícil poder defender que existe divisão de poderes
na Espanha quando a justiça europeia o está questionando abertamente, e em que
aos unionistas não se lhe ocorre outra cousa que bramar contra uma atuação dos
tribunais alemães e belgas que, polo que eu observo, é, até o momento,
absolutamente pulcra, e em que está claro que os juízes espanhóis se estão comportando
muito mais rigorosamente com os independentistas do que se procede com os
demais, e já não digo com os casos dos imputados por corrupção do PP.
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