Alá
polo ano 1966 intentava eu convencer a um estudante basco que a instauração da
monarquia era uma alternativa muito desafortunada, historicamente fracassada e
que custaria muito tempo e esforços em poder derrocá-la. Ele pola sua parte
intentava convencer-me que o importante era instaurar um sistema democrático e
que a restauração da monarquia se podia reverter facilmente. A dia de hoje,
creio que podemos afirmar dum modo talhante que temos uma sistema democrático
muito desvaliado e precisamente, em grande parte, por termos restaurado uma
monarquia que já historicamente tinha de sobras demonstrado o seu fracasso
histórico.
Em
vários artigos anteriores tenho analisado as conceções da monarquia no
transcurso do tempo. Historicamente foi ficando como um resto fóssil do passado
que, nas sociedades sem lealdade monárquica, como a espanhola, se mantém em pé
com respiração assistida por parte duma série de grupos de poder interessados
na sua supervivência porque favorece a reprodução do seu modelo de sociedade e
o seu modelo de estado. Na sociedade espanhola, estes grupos coincidem também
com os partidos políticos defensores da aplicação do artigo 155 ao povo catalão,
defenestrando o seu governo, por atrever-se a atender a demanda da grande
maioria da sociedade catalã que quere votar pacificamente para decidir o seu
futuro.
Eu
ainda que nascido numa família conservadora e monárquica, não tardei em desenganchar-me
da ideologia familiar. Já aos dezoito anos considerava que uma sociedade não
deve abandonar a sua governança ao azar da natureza genética de certas famílias,
aliada com os avatares do meio ambiente. Considerei e considero que em qualquer
sociedade os cargos devem ser ocupados por mérito e capacidade e numa sociedade
democrática todos os cargos eletivos devem estar submetidos ao vereditos das
urnas e não ser resultado da recombinação aleatória dos genes de certas
parelhas de seres humanos benditas pola deusa fortuna.
Defender a monarquia é optar por uma
sociedade radicalmente desigualitária,
porque a desigualdade está sacralizada na sua própria estrutura de poder, que
estabelece diferenças na cimeira do Estado em razão de circunstâncias pessoais.
Todos nos lembramos da frase do atual rei emérito quando disse cinicamente por
televisão que «a justiça é igual para todos», expressão que pronunciada por ele é uma
obscenidade e um atentado contra a inteligência. Um chefe de Estado blindado na
sua etapa de governante pola censura que lhe servia de tapadoira dos seus casos
de corrupção, da caçada de ossos e elefantes e da sua dolce vita de banquetes e
sexo a prazer prevalendo-se do seu status de máximo dirigente do país polo
único mérito da sua animalidade. A sua intervenção no 23 F está baixo suspeita
e todo indica que foi mera propaganda que nos venderam a sua suposta oposição
ao golpe de Estado do 23 F como resultado das suas firmes convicções
democráticas, quando parece que foi um firme impulsor do mesmo, e do que só se dependurou
no último momento. Esta radical desigualdade aflorou também no processo
judicial contra os dirigentes do Instituto Nóos, com total isenção para a sua
filha e penas módicas para os demais protagonistas, junto com o trato de favor
na prisão para Urdangarín. É uma instituição baseada no privilégio para todo um
grupo relacionado entre si por laços de sangue ou afinidade, em vez de estar
baseada no mérito e capacidade dos seus integrantes. Que mérito tem para o país
a princessa Leonor que já recebeu a máxima a máxima condecoração do Estado, o
toisón de ouro, na idade da pré-adolescência? Como se lhe explica aos nossos
rapazes e raparigas que são tratados justamente quando se lhe exige um tremendo
esforço para ter um posto de trabalho enquanto que outros já cobram um soldo
astronômico só por ter nascido de certos progenitores? Em vez de ser uma
instituição que fomenta a igualdade, impulsa o privilégio e o favoritismo.
Quando os escândalos obrigaram a abdicar a João Carlos I, os políticos do 155
aprestaram-se para dotá-lo de aforamento com o objetivo de que somente possa
ser julgado polo Tribunal Supremo, um órgão judicial controlado polos políticos
citados.
A nível econômico é uma instituição muito cara. Num sistema monárquico não
basta com suster economicamente uma família reduzida, como é no caso dum presidente/a
republicano, senão que cumpre suster a toda uma família extensa, com todos os
seus pretendentes ao trono e os que abdicaram dele. Se for por integrantes
familiares deveríamos ser o país melhor governado do mundo em vez de ser um
país com uma corrupção galopante, favoritismo e incompetência. Além do rei e a
rainha titulares, temos um rei e uma rainha eméritas e quiçá alguém me pode
explicar que fizeram de positivo para o país uma vez que abdicaram do poder
precisamente como fruto da sua nefasta gestão? É uma instituição protegida pola
opacidade que não rende contas a ninguém de como investe o dinheiro e da que
não se sabe o seu custo real para o peto dos cidadãos. Isto obedece a que a
Casa Real não precisa polo miúdo em que gasta e dinheiro e a que o os gastos ficam
disseminados em diversos departamentos ministeriais, patrimônio, etc. À infanta
Leonor já pretendeu passar-lhe o Rei, seu pai, um soldo de cento e pico mil
euros desde a pré-adolescência e sem fazer absolutamente nada.
É um instituição corrupta. Comissões ilegais, contas em
paraísos fiscais, anistia fiscal, fraude fiscal, alçamento de bens,...,
resultado em grande parte da falta de transparência desta instituição. Parece
que ninguém sabe, ou polo menos, ninguém quer explicitar qual é o patrimônio do
rei João Carlos I e como o obteve, patrimônio que a revista Forbes quantificou
nuns 2.000 milhões de euros. Esta corrupção esplendeu em todo o relacionado com
o Instituto Nóos, uma instituição que contava, segundo os seus protagonistas
com o aval do number one de quem partiam as ordens. As comissões ilegais
cobrou-as desde o momento do seu aceso ao trono e, para poder operar deste
modo, seguramente teve que contar com o silêncio cúmplice dos governantes deste
período pseudo-democrático, que fizeram a vista gorda de todo o que passava na
instância suprema. Se não sabiam o que passava podem ser acusados de
incompetentes e se o sabiam e calaram podem ser acusados de cúmplices do delito
de apropriação indevida ou roubo. As declarações feitas pola sua amante Corinna
zu Xayn-Wittgenstein de que foi utilizada por João Carlos, igual que o seu
familiar Álvaro Orleans de Boubon, como testaferro para ocultar em paraísos
fiscais o dinheiro obtido polas suas mordidas nos contratos do Estado e na
compra de produtos petrolíferos, assim como o feito de que se acolheu à anistia
fiscal de Montoro, são reveladoras do grau de deterioro ao que chegou a
instituição monárquica.
É uma instituição que recebe uma formação deformada da realidade, que se
traduz numa atuação nada modélica por certo. A infanta Leonor teve gestos de mã
educação coma sua avoa Sofia, e o Froilão tem comportamentos nada edificantes.
Quiçá não se pode elevar à noção de categoria o comportamento da herdeira ao
trono, porque um grão não faz um montão, mas o que sim é certo é que a
convivência no seio da família é pouco edificante e nada exemplar, aspeto
importante porque deve servir de espelho em que se reflitam os cidadãos.
As pessoas conhecem a realidade
socioeconômica em intercâmbio social com os demais membros da sociedade, e
quanto mais amplo seja este intercâmbio, mais profundo será esse conhecimento. Os
membros da família real formam-se em grupos muito restringidos, em ghetos
fechados e pouco diversificados, que se traduz num conhecimento deformado da
realidade. O ambiente que se respira nestes grupos fechado isola da realidade
em vez de favorecer uma formação integral e responsável.
É
uma instituição profundamente unionista,
que em vez de atuar como árbitro supremo nos conflitos entre partes, põe-se de
parte dos que consideram que o estado é a sua parcela própria e unicamente
permitem que outros usufrutuem parte dela a condição de que amostrem um
comportamento dócil e subordinado. O Rei em vez de integrar a todos os que convivem
no Estado espanhol, toma partido claro polos unionistas em contra duma nova e
mais racional reordenação territorial do Estado.
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